APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002862-77.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: JOAO CARDOSO
Advogado do(a) APELADO: MAIZA DOS SANTOS QUEIROZ BERTHO - MS10197-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002862-77.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL APELADO: JOAO CARDOSO Advogado do(a) APELADO: MAIZA DOS SANTOS QUEIROZ BERTHO - MS10197-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a r. sentença de primeiro grau que julgou procedente o pedido inicial para o fim de condenar o INSS ao pagamento de Aposentadoria por Idade, no valor de um salário mínimo, em favor do autor, não havendo custas a serem adimplidas, diante da isenção conferida pelo art. 24, inc. I, da Lei Estadual nº 3779/2009. Fixou como data base de implantação do benefício a data do protocolo do pedido administrativo. Condenou a Autarquia Previdenciária ao pagamento de honorários advocatícios ao autor, estes fixados no percentual de 10% sobre o valor devido até a data da prolação da r. sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Destacou que os valores atrasados deverão ser corrigidos monetariamente (IPCA-E) e acrescidos de juros de mora (poupança), de acordo com os índices previstos no art. 1º-F da Lei 9494/97, com as devidas alterações realizadas pelo STF, a partir de cada vencimento. Por fim, concedeu a tutela para implantação do benefício concedido. Sentença não submetida ao reexame necessário. Sustenta a autarquia apelante, em suas razões recursais e em apertada síntese, que não restaram comprovados os requisitos necessários à concessão da benesse vindicada, não tendo sido apresentada documentação apta a comprovar a atividade campesina alegada na qualidade de segurado especial. Alega, também, a insuficiência de prova testemunhal capaz de desconfigurar as anotações constantes em CTPS. Aduz, nesse sentido, que a atividade laboral de administrador de fazendas é de natureza urbana. Subsidiariamente, requer a alteração dos critérios de correção monetária fixados. Apela adesivamente a parte autora, pleiteando a majoração da verba honorária fixada e a concessão da tutela de urgência. Com as contrarrazões, apresentadas apenas pala parte autora, subiram os autos a esta E. Corte. É o sucinto relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002862-77.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL APELADO: JOAO CARDOSO Advogado do(a) APELADO: MAIZA DOS SANTOS QUEIROZ BERTHO - MS10197-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Verifico, em juízo de admissibilidade, que os recursos ora analisados mostram-se regulares, motivados (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-os e passo a apreciá-los nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei. De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material corroborado por prova testemunhal. Ademais, para a concessão de benefícios rurais, houve um abrandamento no rigorismo da lei quanto à comprovação da condição de rurícola dos trabalhadores do campo, permitindo-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar. Cumpre ressaltar que, em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade. O art. 143 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, dispõe que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício". Quanto a se provar o efetivo exercício de atividade rural, o Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas. Saliento, ainda, que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. No caso dos autos, a parte autora, nascida em 1938, comprovou o cumprimento do requisito etário no ano de 1998. Assim, considerando que o implemento desse requisito se deu quando não estava encerrada a prorrogação prevista no art. 143 da Lei de Benefícios, a comprovação de atividade campesina se dá por meio de início razoável de prova material, corroborada por prova testemunhal, consistente e robusta. Na exordial, o autor alega que, in litteris: “(...) O autor nasceu em 11/11/1938 e está com 77 (setenta e sete anos de idade), conforme documentos anexos. Assim, completou a idade exigida pela Lei n. 8.213/91, para obter o benefício da Aposentadoria por Idade como trabalhador rural em 1.998 (60 anos), mas continuou exercendo exclusivamente a atividade rural desde a pré-adolescência e até o final de 2.004. Cito alguns locais em que prestou serviços desempenhando lides rurais, como plantações, colheitas, formação de pastagens, fabricação e conserto de cercas, aceiros, tirada de leite, lida do gado, criação de animais para o consumo e outras como segue: - Laborou na Fazenda Buriti, do Sr. José Waldomiro Boverio por cerca de 10 anos, exercendo os serviços acima descritos, apesar de constar períodos esparsos na CTPS e em cargo incompatível, o qual não servirá de óbice, pois o autor sempre auferiu salários equiparados ao mínimo; - Laborou também para a Sra. Olmeziria Arantes Pires, denominada Fazenda São Sebastião por quase 09 (nove) anos, com registro parcial na CTPS, sendo o responsável, ao lado da companheira Eunilda Faria dos Santos em desempenhar as funções rurais diversas do local; - Registre-se que após, a família do autor morou e trabalhou na Fazenda São Jorge III, de propriedade do Sr. Jorge Issa Junior, onde permaneceram por 03 (três) anos, na mesma função das anteriores: serviços gerais, conforme cópia da CTPS anexa. E, após este período, continuou plantando e colhendo pequenas lavouras em propriedades de terceiros, para melhorar o sustento da família ao longo dos anos. Como em áreas cedidas pelos proprietários Ivaldo Servini; na propriedade do Sr. Naercio denominada Fazenda Namacaju. Justifica Exa. que no momento de requerer o benefício da aposentadoria, em razão dos vínculos da Ctps no cargo de administrador, o autor foi informado pelo Instituto, que não possuía direitos ao benefício, sendo encaminhado ao Loas por Idade, recebendo o benefício entre novembro de 2.004 até novembro de 2.014 (conf. Cópia do CNIS anexo). Ocorre que o autor possui DIREITO ADQUIRIDO À APOSENTADORIA RURAL POR IDADE desde novembro de 1.998 (60 anos completos e período de carência superior ao exigido pelo art. 142 da Lei 8.213/91). E, só não a obteve, por falta de recursos e informações. Como prova documental da qualidade de trabalhador rural de serviços diversos, anexa cópias de CTPS, documentos pessoais, além da oitiva de testemunhas em momento oportuno. Conjunto necessário ao reconhecimento da qualidade de segurado especial e direito adquirido ao benefício. (...)” A fim de comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou sua Certidão de Casamento, cujo enlace matrimonial ocorreu aos 20/07/2001, onde o autor foi qualificado como “Administrador Rural”. Apresentou, por fim, sua CTPS, onde constam vínculos exercidos no meio campesino, na qualidade de “Administrador” de fazendas, nos seguintes interregnos: 13/05/1985 a 05/11/1985, 06/09/1987 a 07/05/1988 e de 01/06/1994 a 31/12/2001, com um único registro laboral no cargo de “Serviços Gerais”, entre 02/01/2003 a 20/02/2004. Quanto à prova testemunhal, pacificado no C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que apenas esta não basta, isoladamente, para a comprovação da atividade rural, requerendo a existência de início razoável de prova material, conforme entendimento cristalizado na Súmula 149, que assim dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário". Feitas tais considerações, entendo que o conjunto probatório é frágil e insuficiente para a comprovação vindicada. Em que pese as testemunhas terem afirmado a condição de trabalhador rural do autor, e que ele sempre teria trabalhado na lavoura como trabalhador braçal, em serviços gerais, por longo período, é certo que a prova material contraria veemente tais alegações, pois sempre o apontou como “Administrador de Fazenda”, situação essa desconfigura as alegações trazidas na exordial. O último vinculo laboral formal na exercido na condição de trabalhador rural, por curto interregno, não é suficiente para contrariar essa conclusão. Cumpre destacar que a doutrina e jurisprudência entendem que o trabalho de administrador de fazenda é caracterizado como trabalho urbano, pois, embora esteja próximo a ambiente campesino, esse labor não se assemelha às atividades rotineiras de um típico lavrador. Mesmo que a pessoa admitida como administrador ou encarregado possa, eventualmente, estar sujeita a ter que desenvolver seu trabalho com força braçal, decerto essa não é a sua atividade principal. A Instrução Normativa nº 95, de 7 de outubro de 2003, que trata da filiação ao regime urbano e rural, no artigo 27 refere-se ao administrador da fazenda como segurado urbano, exceto se demonstrado que as anotações profissionais não correspondem às atividades efetivamente exercidas, caso em que sua filiação será ao regime rural. No entanto, tal demonstração não pode se dar, unicamente, por meio de prova oral, conforme é a pretensão autoral. Ademais, pouco crível que a pessoa tenha obtido, por três vezes, anotações no cargo de “Administrador de Fazenda” sem que tenha exercido, efetivamente, seu labor nessa condição. A certidão de casamento apresentada também corrobora essa conclusão, pois naquele documento o autor assim se qualificou. Seria necessário, portanto, comprovar que o autor desenvolvia trabalho na condição de típico trabalhador rural, o que não ocorreu no caso concreto. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. PROVA DA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA. CONJUNTO NÃO HARMÔNICO. I- Em que pese terem sido acostados aos autos documentos em nome do marido da autora que podem ser aceitos como início de prova material, observou-se que o mesmo também possui registros como administrador e fiscal de fazenda, em estabelecimentos agropecuários, nos períodos de 25/7/86 a 10/9/88, 1º/4/93 a 27/10/95, 1º/1/97 a 1º/8/97 e de 3/5/99 a 28/1/03 (CTPS - fls. 12/15), o que demonstra que o cônjuge da autora não laborou exclusivamente no meio rural, sendo que a demandante não acostou aos autos nenhum documento em seu nome apto a comprovar o exercício da atividade rural. II- O cargo de "administrador de fazenda", embora seja uma atividade desenvolvida no meio rural, tem caráter tipicamente urbano, pois abrange funções que vão além do simples trabalho executado diretamente com a terra, tornando inviável enquadrá-lo como trabalhador rural. III- A prova testemunhal não foi convincente e robusta de modo a permitir o reconhecimento da atividade rural pelo período de carência necessário, uma vez que se limitaram a afirmar, de forma genérica, que a autora sempre trabalhou na lavoura (fls. 105/106). IV- As provas exibidas não constituem um conjunto harmônico de molde a colmatar a convicção no sentido de que a parte autora tenha exercido atividades no campo no período exigido em lei. V- Não preenchidos, in casu, os requisitos necessários à concessão do benefício, consoante dispõe os arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios. VI- Apelação da parte autora improvida.(AC 00262887720164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/10/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) Dessa forma, diante da fragilidade/insuficiência do conjunto probatório, entendo que não restaram configurados os requisitos necessários à concessão da benesse vindicada, motivo pelo qual a reforma integral da r. sentença é medida que se impõe. Por outro lado, convém salientar que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ, no julgamento do REsp 1352721/SP: "A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa." Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015. Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja exigibilidade observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil/2015), por ser a autora beneficiária da justiça gratuita. Por fim, revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a imediata cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em julgado. A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela parte autora deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução após a eventual revisão do entendimento firmado no Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Por esses fundamentos, dou parcial provimento à apelação do INSS, nos termos ora consignados, restando prejudicado o recurso adesivo da parte autora. É o voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO ATINGIDOS. CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL/INSUFICIENTE. ADMINISTRADOR DE FAZENDA. LABOR RURAL NÃO COMPROVADO. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. TUTELA REVOGADA. RECURSO ADESIVO DA PARTE AUTORA PREJUDICADO.
1. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei. De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material corroborado por prova testemunhal.
2. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar.
3. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade.
4. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas.
5. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
6. Feitas tais considerações, entendo que o conjunto probatório é frágil e insuficiente para a comprovação vindicada. Em que pese as testemunhas terem afirmado a condição de trabalhador rural do autor, e que ele sempre teria trabalhado na lavoura como trabalhador braçal, em serviços gerais, por longo período, é certo que a prova material contraria veemente tais alegações, pois sempre o apontou como “Administrador de Fazenda”, situação essa desconfigura as alegações trazidas na exordial. O último vinculo laboral formal na exercido na condição de trabalhador rural, por curto interregno, não é suficiente para contrariar essa conclusão. Cumpre destacar que a doutrina e jurisprudência entendem que o trabalho de administrador de fazenda é caracterizado como trabalho urbano, pois, embora esteja próximo a ambiente campesino, esse labor não se assemelha às atividades rotineiras de um típico lavrador. Mesmo que a pessoa admitida como administrador ou encarregado possa, eventualmente, estar sujeita a ter que desenvolver seu trabalho com força braçal, decerto essa não é a sua atividade principal. A Instrução Normativa nº 95, de 7 de outubro de 2003, que trata da filiação ao regime urbano e rural, no artigo 27 refere-se ao administrador da fazenda como segurado urbano, exceto se demonstrado que as anotações profissionais não correspondem às atividades efetivamente exercidas, caso em que sua filiação será ao regime rural. No entanto, tal demonstração não pode se dar, unicamente, por meio de prova oral, conforme é a pretensão autoral. Ademais, pouco crível que a pessoa tenha obtido, por três vezes, anotações no cargo de “Administrador de Fazenda” sem que tenha exercido, efetivamente, seu labor nessa condição. A certidão de casamento apresentada também corrobora essa conclusão, pois naquele documento o autor assim se qualificou. Seria necessário, portanto, comprovar que o autor desenvolvia trabalho na condição de típico trabalhador rural, o que não ocorreu no caso concreto.
7. Dessa forma, diante da fragilidade/insuficiência do conjunto probatório, entendo que não restaram configurados os requisitos necessários à concessão da benesse vindicada, motivo pelo qual a reforma integral da r. sentença é medida que se impõe. Por outro lado, convém salientar que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ, no julgamento do REsp 1352721/SP: "A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa." Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015.
8. Por fim, revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a imediata cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em julgado. A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela parte autora deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução após a eventual revisão do entendimento firmado no Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
9. Apelação do INSS parcialmente provida. Tutela revogada. Recurso adesivo prejudicado