APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002761-40.2018.4.03.6119
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO
APELANTE: VALTER GUILHERME DANIEL
Advogados do(a) APELANTE: THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A
APELADO: UNIAO FEDERAL
APELAÇÃO (198) Nº 5002761-40.2018.4.03.6119RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO APELANTE: VALTER GUILHERME DANIEL Advogados do(a) APELANTE: JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: RELATÓRIO Trata-se de apelação interposta por Valter Guilherme Daniel, contra sentença que julgou improcedente a respectiva ação indenizatória proposta em face da União Federal. Segundo consta na inicial, o requerente é filho da Sra. Odete Guilardi Daniel e Sr. Roberto Guilherme Daniel, ambos portadores de hanseníase, e internados compulsoriamente em um hospital colônia de isolamento conhecido como Pirapitingui. Afirma que após seu nascimento (16.01.1945), foi afastado de seus pais biológicos e inserido no Educandário Santa Terezinha, em Carapicuíba/SP. Relata ter sofrido maus tratos por toda sua infância e adolescência e ter sido privado de convivência familiar. Sustenta a imprescritibilidade das ações ajuizadas em face de graves violações a direitos fundamentais e requer a condenação da União Federal ao pagamento de indenização por danos morais em razão dos abusos sofridos e da ausência de formação de vínculos afetivos familiares decorrente da separação forçada. O Magistrado a quo entendeu que a tese da imprescritibilidade da presente ação não possui respaldo legal e reconheceu o decurso do prazo prescricional quinquenal, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. Inconformado, o demandante apelou, retomando os fundamentos da inicial. Com contrarrazões, os autos subiram a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5002761-40.2018.4.03.6119RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO APELANTE: VALTER GUILHERME DANIEL Advogados do(a) APELANTE: JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade de condenação da União Federal em indenização por danos morais em favor de filho de pacientes portadores de hanseníase, afastado compulsoriamente de seus pais, em razão da política sanitária da época. Preliminarmente, passo à análise da prescrição. É amplamente aceita nos Tribunais Superiores a tese de imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil. Verbis: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PRETENSÃO DE REINTEGRAÇÃO AO CARGO PÚBLICO, CUJO AFASTAMENTO FOI MOTIVADO POR PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRISÃO E TORTURA PERPETRADOS DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Trata-se, na origem, de ação ordinária proposta por ex-servidor da Assembleia Legislativa do Paraná buscando sua reintegração ao cargo anteriormente ocupado, além dos efeitos financeiros e funcionais, com fundamento no art. 8º do ADCT e na Lei n. 10.559/02, sob a alegação de que seu desligamento ocorreu em razão de perseguição política, perpetrada na época da ditadura militar. III - A Constituição da República não prevê lapso prescricional ao direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violada durante o período do regime de exceção. IV - Este Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de ser imprescritível a reparação de danos, material e/ou moral, decorrentes de violação de direitos fundamentais perpetrada durante o regime militar, período de supressão das liberdades públicas. V - A 1ª Seção desta Corte, ao julgar EREsp 816.209/RJ, de Relatoria da Ministra Eliana Calmon, afastou expressamente a tese de que a imprescritibilidade, nesse tipo de ação, alcançaria apenas os pleitos por dano moral, invocando exatamente a natureza fundamental do direito protegido para estender a imprescritibilidade também às ações por danos patrimoniais, o que deve ocorrer, do mesmo modo, em relação aos pleitos de reintegração a cargo público. VI - O retorno ao serviço público, nessa perspectiva, corresponde a reparação intimamente ligada ao princípio da dignidade humana, porquanto o trabalho representa uma das expressões mais relevantes do ser humano, sem o qual o indivíduo é privado do exercício amplo dos demais direitos constitucionalmente garantidos. VII - A imprescritibilidade da ação que visa reparar danos provocados pelos atos de exceção não implica no afastamento da prescrição quinquenal sobre as parcelas eventualmente devidas ao Autor. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do Autor, o qual poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República. VIII - Recurso especial provido. (REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO E PRISÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. PRECEDENTES. 1. Inicialmente, esclareço que a questão de fato suscitada da tribuna - de que o autor da ação, na verdade, não é anistiado em si (ou seja, ele é herdeiro de anistiado perseguido político) - já estava expressa na decisão ora agravada (fl. 337, e-STJ), que ora transcrevo: "cuida-se, na origem, de Ação Ordinária ajuizada por Morganna Rodrigues Sales e Carlos Marcos Rodrigues Sales contra a União, em que pleiteiam o pagamento de indenização por danos morais por terem sido privados da convivência com o pai, preso e condenado a várias penas, incluindo prisão perpétua, durante o regime militar" (grifei). 2. Em recente julgamento do Agravo Interno no REsp 1.710.240/RS, da relatoria do Ministro Francisco Falcão, ocorrido em 8.5.2018 e publicado no DJe 14.5.2018, a Segunda Turma do STJ reafirmou entendimento de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões. 3. A insurgente reitera, em seus memoriais, as razões do Recurso Especial, não apresentando nenhum argumento novo. 4. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp 1648124/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018) DMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ANISTIADO POLÍTICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. PRAZO PRESCRICIONAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO N.º 20.910/1932. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. DANOS MORAIS. REVISÃO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Inexistindo, na Corte de origem, efetivo debate acerca da tese jurídica e do conteúdo normativo de artigo de lei veiculado nas razões do recurso especial, resta descumprido o requisito do prequestionamento, conforme dispõe a Súmula 282/STF. 2. Conforme entendimento do STJ, "a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, não se aplica aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, os quais são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época em que os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões" (AgRg no AREsp 302.979/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 5/6/2013). 3. A desconstituição da premissa lançada pelo Tribunal de origem, acerca da caracterização dos danos morais, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático, providência vedada em sede especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 701.444/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015) Observa-se que, conforme grifamos, essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetem à Ditatura Militar no Brasil, mas, uma vez amparada na lógica de que não se pode admitir que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental, deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam nessa intensidade a dignidade da pessoa humana. Isto porque a compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras do processo clássico, demandando largueza intelectual que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível. É juridicamente sustentável afirmar, portanto, que a imprescritibilidade dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana, somente será garantida quando assegurar-se também imprescritibilidade dos meios disponíveis a sua proteção. Ademais, nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento. Assim, afasta-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição ante o acolhimento da tese de imprescritibilidade da presente demanda. Superada esta questão prejudicial, passa-se à análise do mérito propriamente dito. O cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais. São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, sob a seguinte redação: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. O trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário nº. 109.615, ilustra com clareza a norma do referido artigo: A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. (RE 109615, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/05/1996, DJ 02-08-1996 PP-25785 EMENT VOL-01835-01 PP-00081). No caso dos autos, trata-se de evidente conduta comissiva consubstanciada na separação compulsória entre pais e filho. É certo que a Lei 610/1949 fixou normas para a profilaxia da hanseníase, dentre elas, o tratamento obrigatório mediante isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Igualmente, restou estabelecido que todo recém-nascido filho de portadores de hanseníase seria compulsoriamente e imediatamente afastado da convivência com os pais. Contudo, o mero fato da conduta danosa estar amparada pela legislação vigente à época não é suficiente para excluir a responsabilidade do Estado pela adoção de uma política governamental sanitária desumana. Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista. Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários. Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, exsurge, como corolário, assegurar-se aos filhos o pagamento de indenizações por dano moral. Acerca do dano moral a doutrina o conceitua como "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral , porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)" O demandante juntou diversos documentos comprobatórios da internação compulsória de seus pais para tratamento de hanseníase (ID 5345936, 5345937), da separação compulsória após seu nascimento (ID 5345938, 5345939, 5345940), de sua internação no educandário (ID 5345942, 5345943, 5345944) e até da proibição de visita aos seus pais (ID 534546). Inquestionável, portanto, o abalo psicológico daqueles que tiveram sua infância e juventude interrompida por separações traumáticas para viver o sentimento de abandono e a privação do convívio familiar. Casos como o presente caracterizam a típica situação de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido, capaz de ensejar indenização. Observa-se o precedente do C. STJ, no julgamento do Resp. 1.689.641/RS, em caso idêntico ao presente, mantendo o acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região: Acerca de sua fixação do quantum indenizatório, é sabido que seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito. Logo, frente à dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento, o STJ tem procurado definir determinados parâmetros, a fim de se alcançar um valor atendendo à dupla função, tal qual, reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida. Nesse sentido é certo que "na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado."(REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014) Ressalta-se que, no precedente supra mencionado, restou arbitrada a condenação da União Federal em indenização de R$ 50.000,00 pois este era o valor limitado pelo próprio pedido da parte. Inclusive, destacou a Juíza sentenciante do caso que "os autores apenas sugeriram o valor de R$ 50.000,00 por pessoa, quantia apenas simbólica diante das situações de infelicidade que sofreram, e que demonstra a boa intenção de pessoas que querem não indenizações expressivas, mas reconhecimento da dignidade que imanta sua condição humana". Na hipótese em comento, contudo, o demandante requereu reparação em até R$ 500.000,00. Com base no precedente citado, nas particularidade do caso, e na extensão do dano que marcou o autor por toda sua vida, fixo indenização por danos morais em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. STJ para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar. Verbis: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO PATRIMONIAL E MORAL EM DECORRÊNCIA DE DESAPARECIMENTO DE PESSOA, POR MOTIVOS POLÍTICOS. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, VALIDADE DOS ATOS INSTITUCIONAIS E AUSÊNCIA DE INTERESSE NO PAGAMENTO DE PENSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADO SUMULAR Nº 211/STJ. PRESCRIÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. IMPRESCRITIBILIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO-OCORRÊNCIA. LEI 9.140/95. PREVISÃO DE REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS EVENTUALMENTE CAUSADOS À VÍTIMA. DANO MORAL NÃO ABRANGIDO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO A QUO. CITAÇÃO . APLICAÇÃO DO VERBETE Nº 54 DA SÚMULA/STJ QUE SE AFASTA DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO RAZOÁVEL. (...) 5. Embora a Súmula 54/STJ determine a fluência de juros moratórios a partir do evento danoso nos casos de responsabilidade extracontratual, a hipótese dos autos merece tratamento diferenciado em face do reconhecimento legislativo ocorrido com o advento da Lei 9.140/95, que tratou apenas do valor da indenização e não de juros moratórios. Havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95, em se tratando de obrigação ilíquida, os juros moratórios devem fluir a partir da citação . (...) 7. Recurso Especial interposto pela União parcialmente conhecido e, nessa extensão, PROVIDO apenas para determinar que os juros de mora sejam contados a partir da citação . (REsp 841.410/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 07/04/2009) Fixo a verba honorária em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §3º, I, do atual CPC. Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, para condenar a União Federal ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 200.000,00 ADMINISTRATIVO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. SEGREGAÇÃO, TORTURA FÍSICA E EMOCIONAL - DEMONSTRADOS. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.1. Comprovada a segregação social dos filhos de pacientes internados compulsoriamente, bem como a prática de tortura física e emocional nos menores, faz jus a indenização por danos morais daí decorrentes, tendo em vista ser fato, agora conhecido, que os locais onde eram colocadas as crianças não propiciavam qualquer cuidado com sua integridade física ou psicológica.2. Na hipótese, os irmãos além de separados de ambos os pais doentes também foram separados um do outro, sem notícias e contato. Ainda, mesmo depois que o menino foi para casa de parentes por ser o mais velho, a menina permaneceu internada por anos em Educandário, até que pudesse ir para casa de parentes também.3. Em se tratando de ação que visa à condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais em razão dos atos praticados no período das décadas de 1930 a 1980 como política sanitária de controle e prevenção da Hanseníase, deve ser afastado o reconhecimento da prescrição consoante o Decreto nº 20.910/32, haja vista ser ação que visa à salvaguarda da dignidade da pessoa humana.4. Acolhida a tese de violação de direitos humanos no caso em concreto, razão pela qual não ocorre a prescrição.5. Indenização por danos morais mantida em R$ 50.000,00 para cada autor, ante a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.Já acerca de sua fixação, é sabido que seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES
Peço vênia ao e. Relator para acompanhar a divergência inaugurada pelo Des. Fed. Mairan Maia.
Vênia devida do entendimento esposado pelo eminente Relator, ouso divergir.
Ensina Cândido Rangel Dinamarco ser a resolução dos conflitos, com justiça, a razão mais profunda da existência do processo e de sua legitimação perante a sociedade. Esse, por sinal, para o insigne professor, é um dos fatores que levaram o Estado de Direito a proibir o exercício espontâneo da jurisdição (in Instituições de Direito Processual Civil, 3ª edição, revista, atualizada e com remissões ao Código Civil de 2002. Malheiros Editores, 2003, p. 128).
Nesse desiderato, tem-se por inconciliáveis a pacificação social e a perpetuação dos litígios por via da imprescritibilidade. Para alcançar a primeira é preciso, antes de tudo, estabilizar as relações interpessoais, o que só se consegue mediante a fixação de prazos para o exercício de direitos e pretensões. É sob esse ângulo que emerge a segurança jurídica como princípio geral de Direito.
A esse respeito, escreve o professor Celso Antônio Bandeira de Mello (in Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 14ª edição, 2002, pp. 104/105):
"Este princípio não pode ser radicado em qualquer dispositivo constitucional específico. É, porém, da essência do próprio Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo.
(...)
O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da "segurança jurídica", o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrição, da decadência, da preclusão (na esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança, conatural ao Direito."
Ademais, o decurso do tempo torna extremamente difícil a colheita de provas, sobretudo as pessoais, intimamente relacionadas aos sentidos e à memória humana.
À evidência, não se nega a natureza imprescritível dos direitos fundamentais e, portanto, das pretensões declaratórias subjacentes. Muito menos o caráter abjeto das violações perpetradas e o sentido do valor justiça no caso. Apenas se nota que, à luz do ordenamento jurídico pátrio, para o qual a segurança jurídica é basilar, é cientificamente insustentável a tese da imprescritibilidade dos direitos patrimoniais, ainda que decorrentes da violação daqueles direitos.
Estender a imprescritibilidade aos efeitos patrimoniais decorrentes da violação de direitos fundamentais redundaria em cenário de severa insegurança jurídica. Basta tomar como exemplo a tutela da honra, direito fundamental expressamente previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal: se fosse adotada a tese da imprescritibilidade, eventual pedido de indenização, deduzido nos termos do artigo 953 do Código Civil ("A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido."), poderia ser formulado a qualquer tempo, não se sujeitando aos prazos prescricionais estabelecidos em lei. De igual modo indenizações por violações às variadas formas de sigilo, etc.
Na linha do exposto, destaco a doutrina da Professora Maria Helena Diniz, in verbis:
"A prescrição alcança todas as pretensões ou ações (em sentido material) patrimoniais, reais ou pessoais, estendendo-se aos efeitos patrimoniais de ações imprescritíveis." (in Curso de Direito Civil Brasileiro, 1º volume: Teoria Geral do Direito Civil - 29ª edição - São Paulo: Saraiva, 2012)
Essa orientação encontra guarida, ainda, no critério científico formulado pelo Professor Agnelo Amorim Filho, desenvolvido com a finalidade de distinguir prazos prescricionais de decadenciais, bem assim de identificar "ações imprescritíveis". Transcrevo, por oportuno, suas esclarecedoras palavras:
"Reunindo-se as três regras deduzidas acima, tem-se um critério dotado de bases científicas, extremamente simples e de fácil aplicação, que permite, com absoluta segurança, identificar, a priori, as ações sujeitas a prescrição ou a decadência, e as ações perpétuas (imprescritíveis). Assim:
1ª - Estão sujeitas à prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem) - todas as ações condenatórias, e somente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil);
2ª - Estão sujeitas à decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei;
3ª - São perpétuas (imprescritíveis): a) - as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; b) - todas as ações declaratórias.
Várias inferências imediatas podem ser extraídas daquelas três proposições. Assim: a) - não há ações condenatórias perpétuas (imprescritíveis) nem sujeitas à decadência; b) - não há ações constitutivas sujeitas à prescrição; c) - não há ações declaratórias sujeitas à prescrição ou à decadência."
(AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, vol. 300. São Paulo: RT, out. 1961)
Evidentemente, ao estabelecer pontualmente as hipóteses de imprescritibilidade, o legislador constitucional consagrou o princípio maior da segurança jurídica. Em outras palavras, em nosso sistema, ressalvadas disposições expressas em sentido contrário, as pretensões devem ser exercidas dentro de determinado prazo legal.
Nessa linha, vale transcrever as palavras do Ministro Teori Albino Zavascki, então integrante do C. STF, por ocasião do julgamento do REsp nº 959.904:
"O instituto da prescrição, importante para a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social, está consagrado como regra em nosso sistema de direito. São raríssimas as hipóteses de imprescritibilidade. Nas palavras de Pontes de Miranda, "a prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, que de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional" (PONTES DE MIRANDA, Francisco C. Tratado de Direito Privado, Tomo VI, 4ª ed., RT, 1974, § 667, p. 127). É assim no próprio texto constitucional. A Constituição, que em várias passagens faz referência ao instituto da prescrição (além do art. 37, § 5º, o art. 53, § 5º e o art. 146, III, b), enumera explicitamente as hipóteses de imprescritibilidade: art. 5º, incisos XLII e XLIV. Se a prescritibilidade das ações e pretensões é a regra - pode-se até dizer, o princípio -, a imprescritibilidade é a exceção, e, por isso mesmo, a norma que a contempla deve ser interpretada restritivamente."
E, ainda, em outro julgado:
"ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS SOFRIDOS DURANTE O REGIME MILITAR. PRESCRIÇÃO. PRAZO. TERMO A QUO.
A divergência jurisprudencial, ensejadora do conhecimento do recurso especial pela alínea "c", deve ser devidamente demonstrada conforme as exigências dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ, o que não ocorreu no caso reSP 792272/MS, 1ª Turma, Min. Denise Arruda, DJ 2/8/2008; reSP 897.839/MG, 2ª Turma, Min. João Otávio de Noronha, DJ de 6/8/2007).
É de cinco anos o prazo prescricional da ação de indenização contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, que regula a prescrição de "todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza". Na fixação do termo a quo desse prazo, deve-se observar o universal princípio da actio nata.
No caso, a ação foi ajuizada em 6/8/2003, cerca de trinta e nove anos após a ocorrência do evento danoso que constitui o fundamento do pedido, o que evidencia a ocorrência da prescrição.
Recurso especial a que se nega provimento."
(STJ, 1ª Turma; REsp 972.770/RS, PROC. 2008/0171741-8, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI; DJ 8/10/2008, p. 244)
Em suma, diante da inexistência de norma jurídica específica com aptidão para declarar a imprescritibilidade da pretensão indenizatória deduzida nos autos, é vedado ao julgador reconhecê-la, sob pena de afrontar não apenas o princípio da segurança jurídica, como também o da igualdade material.
Nesse diapasão, de rigor a incidência da regra geral de prescrição prevista para as pretensões formuladas em face da Fazenda Pública, estabelecida no artigo 1º do Decreto nº 20.910 /32, com os seguintes contornos:
"Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem."
No caso posto a deslinde, o autor foi privado do convívio de seus pais assim que nasceu (1946), sendo certo que, por força do art. 169, inciso I, do CC16 (então vigente), o prazo prescricional começou a fluir apenas em 1962, ano em que completou 16 anos.
Diante desse contexto, considerando que a presente demanda foi ajuizada em 2018, encontra-se prescrita a pretensão compensatória deduzida em face da União Federal.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ABALO PSICOLÓGICO VERIFICADO. PRIVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade de condenação da União Federal em indenização por danos morais em favor de filho de pacientes portadores de hanseníase, afastado compulsoriamente de seus pais, em razão da política sanitária da época.
2. Em análise de prescrição, destaca-se ser amplamente aceita nos Tribunais Superiores a tese de imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil. Precedentes: REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018; AgInt no REsp 1648124/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018;AgRg no AREsp 701.444/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015.
3. Observa-se que, conforme grifamos, essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetem à Ditadura Militar no Brasil, mas, uma vez amparada na lógica de que não se pode admitir que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental, deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam nessa intensidade a dignidade da pessoa humana.
4. A compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras do processo clássico, demandando largueza intelectual que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível.
5. É juridicamente sustentável afirmar, portanto, que a imprescritibilidade dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana, somente será garantida quando assegurar-se também imprescritibilidade dos meios disponíveis a sua proteção.
6. Nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento.
7. Afasta-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição ante o acolhimento da tese de imprescritibilidade da presente demanda.
8. Quanto ao mérito propriamente dito, o cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
9. São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
10. No caso dos autos, trata-se de evidente conduta comissiva consubstanciada na separação compulsória entre pais e filho.
11. É certo que a Lei 610/1949 fixou normas para a profilaxia da hanseníase, dentre elas, o tratamento obrigatório mediante isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Igualmente, restou estabelecido que todo recém-nascido filho de portadores de hanseníase seria compulsoriamente e imediatamente afastado da convivência com os pais.
12. Contudo, o mero fato da conduta danosa estar amparada pela legislação vigente à época não é suficiente para excluir a responsabilidade do Estado pela adoção de uma política governamental sanitária desumana.
13. Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista. Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.
14. Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, exsurge, como corolário, assegurar-se aos filhos o pagamento de indenizações por dano moral.
15. Acerca do dano moral a doutrina o conceitua como "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral , porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)"
16. O demandante juntou diversos documentos comprobatórios da internação compulsória de seus pais para tratamento de hanseníase (ID 5345936, 5345937), da separação compulsória após seu nascimento (ID 5345938, 5345939, 5345940), de sua internação no educandário (ID 5345942, 5345943, 5345944) e até da proibição de visita aos seus pais (ID 534546).
17. Inquestionável, portanto, o abalo psicológico daqueles que tiveram sua infância e juventude interrompida por separações traumáticas para viver o sentimento de abandono e a privação do convívio familiar. Casos como o presente caracterizam a típica situação de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido, capaz de ensejar indenização.
18. Com base no precedente citado, nas particularidade do caso, e na extensão do dano que marcou o autor por toda sua vida, fixo indenização por danos morais em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. STJ para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar.
19. Fixa-se a verba honorária em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §3º, I, do atual CPC.
20. Apelação parcialmente provida para condenar a União Federal ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 200.000,00.