HABEAS CORPUS (307) Nº 5025265-64.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
IMPETRANTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA
PACIENTE: ALTEMIR BRAZ DANTAS
Advogado do(a) IMPETRANTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA - SP219745
Advogado do(a) PACIENTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA - SP219745
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL CRIMINAL, OPERAÇÃO PROTOCOLO FANTASMA
HABEAS CORPUS (307) Nº 5025265-64.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
IMPETRANTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA
PACIENTE: ALTEMIR BRAZ DANTAS
Advogado do(a) IMPETRANTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA - SP219745
Advogado do(a) PACIENTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA - SP219745
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL CRIMINAL, OPERAÇÃO PROTOCOLO FANTASMA
R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado por Rodrigo de Abreu Sodré Sampaio Gouveia, em favor de ALTEMIR BRAZ DANTAS, contra ato do MM. Juízo da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP (Dr. Silvio César Arouk Gemaque), nos autos da ação penal nº 0011959-68.2014.4.03.6181.
Colhe-se dos autos que se trata da Operação Protocolo Fantasma, iniciada no ano de 2012, inquérito policial nº 1673/2012-1-SR/DPF/SP, processo nº 0006837-16.2012.4.03.6181, instaurado em decorrência de notícia-crime feita pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional- PGNF (comunicando a detecção do uso indevido de senhas de servidores da Procuradoria da Fazenda Nacional em São Paulo, desde março/2011), visando investigar a ocorrência de rotina de fraudes em face do Fisco, por meio de uma organização complexa, que incluiria funcionários públicos da própria Receita Federal e outros, os quais procederiam à inserção de dados falsos no sistema informatizado da Administração Pública, com o objetivo de proceder à exclusão de débitos tributários ou ao deferimento de pedidos de restituição ou compensação de forma irregular, cujo desmembramento originou a ação penal nº 0011959-68.2014.4.03.6181, na qual o paciente figura como réu.
A impetração relata que a acusação formulada na ação penal subjacente foi extraída exclusivamente das conversas obtidas por meio das quebras de sigilo telefônicos autorizados na referida operação, de forma a se fazer crer que o paciente integraria uma organização criminosa. Segue dizendo que o r. juízo a quo confirmou o recebimento da denúncia, decretando medida restritiva com repercussão na redução da liberdade do paciente.
Insurge-se, o impetrante, em síntese, quanto à legalidade e constitucionalidade das interceptações telefônicas e das buscas e apreensões realizadas nos autos, considerando o princípio da proporcionalidade (necessidade, adequação, vantagens e desvantagens), haja vista que a legislação possibilita a realização de outras formas de investigação, tais como, intimações de pessoas para prestar esclarecimentos, acareações, depoimentos, perícias, dentre outras, de maneira a se evitar a invasiva prova cautelar realizada nos autos.
Considera desacertada a decisão da autoridade coatora ao não reconhecer a ilegalidade e a inconstitucionalidade do uso das interceptações telefônicas e da busca e apreensão quando da apreciação da resposta à acusação oferecida pela defesa do paciente, diante dos demais meios de prova colocados à disposição pela legislação.
Sustenta que o crime de organização criminosa, definido pela lei nº 12.850, de 02.08.2013, somente entrou em vigência após a vacatio legis de 45 dias, ou seja, posteriormente à última citação de interceptação telefônica do paciente, que data de 13.09.2013, de modo que o paciente não pode ser enquadrado no referido tipo penal, sob pena de excesso de acusação.
Pleiteia, assim, a concessão da liminar, para suspender a audiência de instrução designada para os próximos dias 06, 07 e 08 de novembro próximo. E, no mérito, a concessão da ordem para declarar a ilegalidade e inconstitucionalidade das interceptações telefônicas e da busca e apreensão com o consequente desentranhamento das provas produzidas com a quebra de sigilo telefônico e as demais contaminadas, nos termos do artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal e do artigo 157 do Código de Processo Penal e a ausente subsunção dos fatos à Lei nº 12.859/2013, especificamente com relação ao paciente, expungindo o excesso acusatório.
A inicial veio acompanhada da documentação digitalizada.
A liminar foi indeferida (id7194754).
As informações foram prestadas pelo r. Juízo a quo (id7402118).
O Ministério Público Federal, em seu parecer, nesta instância, manifestou-se pela denegação da ordem (id7554028).
É o relatório.
HABEAS CORPUS (307) Nº 5025265-64.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
IMPETRANTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA
PACIENTE: ALTEMIR BRAZ DANTAS
Advogado do(a) IMPETRANTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA - SP219745
Advogado do(a) PACIENTE: RODRIGO DE ABREU SODRE SAMPAIO GOUVEIA - SP219745
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL CRIMINAL, OPERAÇÃO PROTOCOLO FANTASMA
V O T O
O Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
O paciente ALTEMIR BRAZ DANTAS está sendo acusado, em concurso com outros imputados, pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 2º, parágrafo 4º, inciso II, c.c. artigo 1º, parágrafo 1º, ambos da Lei nº 12.850/2013, nos autos da ação penal nº 0011959-68.2014.4.03.6181, desmembrada da ação penal principal, processo n.º 0006837-16.2012.4.03.6181, ambas em curso perante a 9.ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP.
A denúncia foi recebida em 22.12.2016 (id 6918435).
Em sede de apreciação da resposta à acusação apresentada pelo defensor do paciente, a autoridade coatora em sua decisão, objeto da presente impetração, afastou as alegações arguidas, tornando definitivo o recebimento da denúncia e determinou o prosseguimento do feito (id 6918443 – p. 08/16).
Sustenta o desacerto da autoridade impetrada ao não reconhecer a ilegalidade e inconstitucionalidade das interceptações telefônicas e das buscas e apreensões realizadas nos autos, considerando o princípio da proporcionalidade (necessidade, adequação, vantagens e desvantagens), haja vista que a legislação possibilita a realização de outras formas de investigação, tais como, intimações de pessoas para prestar esclarecimentos, acareações, depoimentos, perícias, dentre outras, de maneira a se evitar a invasiva prova cautelar realizada nos autos, bem como quanto pelo fato de que o paciente não poder ser enquadrado no crime de organização criminosa, definido pela lei nº 12.850, de 02.08.2013, que entrou em vigência após a vacatio legis de 45 dias, ou seja, posteriormente à última citação de interceptação telefônica do paciente, que data de 13.09.2013, sob pena de excesso de acusação.
DA INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS
O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, garante o dever de sigilo ao dispor serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." De seu turno, o inciso XII deste artigo traz uma ressalva, quando houver uma investigação criminal ou durante a instrução processual penal, e em havendo ordem judicial, ao dispor sobre a interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas: "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal." Trata-se de reserva legal de modo que a autorização judicial para a intervenção condiciona-se à existência de uma precedente investigação criminal ou para a instrução processual penal.
A quebra da inviolabilidade refere-se também à comunicação de dados quando a finalidade for investigação ou instrução processual na esfera penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se às comunicações telefônicas e a de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por separar o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas do sigilo das comunicações de dados e telefônicas.
A Lei nº 9.296, de 24.07.1996, veio regulamentar as hipóteses do cabimento da interceptação de comunicações telefônicas (captação realizada por terceira pessoa sem o conhecimento daqueles contra os quais estão sendo coletadas as provas), de qualquer natureza, e a interceptação de comunicações em sistema de informática ou telemática, realizada por terceiros.
A interceptação telefônica, como visto, é a captação feita por outrem sem que haja o conhecimento pelas pessoas em face das quais estão sendo colhidas as provas. O procedimento previsto nesta Lei é um importante meio de prova em investigação criminal, contudo, a fim de impedir intromissão na esfera privada, a sua aplicação deve ser aferida a partir da invocação dos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do princípio do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e do princípio da instrumentalidade constitucional do processo penal.
Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve agir com rapidez e efetividade conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa.
As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, "por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, 'l', e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º) ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pela Lei de Lavagem de Dinheiro)".
O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996 estabelece que o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, em conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros).
A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei nº 9.296/1996 deve ser adotada para ambas as comunicações.
Luiz Flávio Gomes em parceria com Silvio Maciel definem: Comunicações telefônicas 'de qualquer natureza', destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, com uso ou não da informática (in Interceptação Telefônica - Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996, 2ª ed. 2013, p. 47, ed. Revista dos Tribunais).
A interceptação telefônica e telemática possui natureza cautelar, sendo admitida para a coleta de indícios suficientes à propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e no curso da instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que haja apuração de infração penal punida com pena de reclusão.
O procedimento de interceptação telefônica e telemática somente poderá ser autorizado se estiverem presentes indícios de autoria e materialidade de fatos pretéritos. Está-se diante da aplicação do princípio da proporcionalidade.
A Constituição Federal determina no inciso IX do artigo 93 a fundamentação das decisões judiciais ("todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação"). O artigo 5º apresenta a mesma diretriz da norma constitucional, mormente por se referir à medida restritiva de privacidade e diante da proteção constitucional à intimidade do indivíduo. Não se exige que a decisão seja pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A decisão deve conter elementos suficientes a demonstrar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes.
A demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deve restar evidenciada na decisão, já que "a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana" (STJ, HC 248.263/SP - 2012/0142646-1, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012).
A fundamentação das decisões judiciais objetiva, ademais, demonstrar a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial. Não se trata de uma relativização do princípio da presunção de inocência, porquanto não está sendo realizado um juízo sobre a culpa do investigado, mas o juiz estará na ocasião pautado no exame de indícios concretos de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, diante da existência de indícios de autoria e materialidade delitivas.
Tem sido permitido que a decisão judicial de renovação faça menção ao pedido de decretação da interceptação telefônica realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual passa a integrar a fundamentação da decisão (fundamentação "per relationem"), uma vez que propicia às partes conhecer os fundamentos encampados pela decisão judicial, sendo reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Este também tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem'" (AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, v.u., DJe de 08.02.2012). Ainda em igual sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal ao ser permitida a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: "este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que 'é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996" (HC 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim).
A fim de assegurar a lisura de todo o procedimento o conteúdo integral da interceptação tem que ser disponibilizado à Defesa (cf., neste sentido Inquérito n.º 2.424, Relator Min. Cesar Peluso, Tribunal Pleno, STF, DJe 26.03.2010). Caso haja alegação de que a transcrição contenha alguma imprecisão deverá a Defesa indicar a desconformidade para que possa ser saneada eventual inconsistência. Neste caso, em havendo solicitação de realização de perícia, deve ser analisado tal pedido pelo juiz.
Não há necessidade de se proceder a tradução da totalidade das interceptações ainda que haja réu estrangeiro, desde que esteja assistido por advogado (TRF5, AC nº 2005.84.00.010012-2-RN, Rel. Juiz Fed. Convocado Emiliano Zapata Leitão, 1ª Turma, julgado em 26.03.2009).
Passemos ao caso concreto.
Inicialmente a autoridade policial realizou sua primeira representação pela quebra de sigilo fiscal e de extratos telefônicos em 29.06.2012, nos autos do IPL n.º 1673/2012-1- SR/DPF/SP (que originou posteriormente a ação penal principal, processo n.º 0006837-16.2012.4.03.6181, da qual os presentes autos, ação penal nº 0011959-68.2014.4.03.6181, foram desmembrados), em decorrência da notícia-crime feita pela PGFN – Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, comunicando a detecção do uso indevido de senhas de servidores de unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional em São Paulo, desde março de 2011, para criação de processos administrativos fictícios no COMPROT-MF, com o provável intuito de cometimento de fraudes em detrimento da Fazenda Nacional, tais como compensação irregular de créditos tributários junto à Receita Federal e obtenção de certidões negativas ou de certidões positivas com efeito de negativas. Consta ainda, que segundo a denúncia inicial, as irregularidades foram realizadas com uso do login de 06 (seis) servidores diferentes, a partir de mais de duas dezenas de IPs distintos, alguns dos quais não pertenciam à rede da PGFN, o que indicaria a possibilidade de algumas dessas senhas terem sido ilegalmente capturadas, indício reforçado pelo fato de alguns servidores estarem utilizando seus logins em suas estações de trabalho quase simultaneamente ao seu uso para criação de processos fictícios em locais físicos diversos (id6916274 – p. 05/09).
O MM. Juiz da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, após manifestação favorável do Ministério Público Federal (id6916274- p. 11/14), deferiu a quebra do sigilo telefônico, em decisão cujo teor abaixo se transcreve (id id6916274 – p. 15/):
(...)
Conforme bem explanado na representação policial de fls.03/07 e na cota ministerial de fls.09/12, as medidas requeridas mostram-se imprescindíveis para a continuidade das investigações, para a verificação das fraudes subsequentes às inserções irregulares de dados no COMPROT-MF, como também para a identificação dos autores dos fatos, que parecem integrar um grupo criminoso.
A materialidade das atividades ilícitas investigada está bem delineada nos autos. O pedido de quebra de transferência de sigilo foi precedido da devida apuração administrativa, no qual se apurou a criação de processos administrativos fraudulentos e a utilização de um só login de servidor de forma praticamente simultânea em lugares diversos.
De acordo com a representação formulada pela PFN à Polícia Federal, com base nas apurações realizadas (fls. 06):
‘Entre outras importantes constatações a que chegou o apuratório, verificou-se no dia 18/11/2011, a partir do login pertencente à servidora da PGFN ANA CLÁUDIA LOBÃO, foram realizados acessos praticamente simultâneos ao COMPROT. Num desses acessos, ocorrido a partir do IP atribuído à estação de trabalho da servidora, foi realizada uma operação tida por irregular, relacionada ao Processo 10.880.008935/2005-42.
Apenas 1 segundo antes dessa operação, com o mesmo login mas a partir de estação de trabalho cujo IP sequer pertence a range atribuído a Procuradoria, efetuou-se criação de processo administrativo com suspeita de fraude, que recebeu o número 19839.010426/2011-16, com assunto aparentemente alheio às atividades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional’.
No âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, foi concluído na Sindicância nº 19839.000824/2012-5 que:
‘ 1. Os processos administrativos aqui analisados foram indevidamente cadastrados;
2. Pela semelhança dos fatos ocorridos nas seccionais de Sorocaba e Jundiaí, conclui-se que os registros efetuados no âmbito daquelas unidades também foram realizados de forma indevida, devendo ser objeto do mesmo Processo Administrativo Disciplinar.
3. Embora o CPF 385.546.071-04 tenha sido utilizado para registrar indevidos de Processos, não é possível afirmar que foram de fato realizados pela servidora Ana Cláudia Lobão’.
Se há demonstração de materialidade, os indícios de autoria são suficientes para a investigação pretendida. As presentes medidas, embora abrangentes, são delimitadas, tendo como ponto de partida: a) os servidores Silvio Tadeu Basílio e Antonio Carlos Rodrigues do Valle, diante dos indícios já coletados no inquérito policial nº 0006837-16.2012.403.6181 de que estariam se utilizando de senhas para a criação de processos administrativos irregulares; b) os ‘consultores’ Alexandre Yakoyama e Enoque Teles Bordes, em face do conteúdo de seus sítios eletrônicos; e c) das empresas elencadas às fls.316/469 e 547/556 dos autos do inquérito policial acima mencionado e seus sócios, que figuram nos processos administrativos eletrônicos irregulares.
As informações fiscais, geográficas, cadastrais e telefônicas, como já anteriormente salientado, são de absoluta necessidade para a apuração dos fatos e não podem ser obtidas de outra forma.
(...)
Após sucessivas prorrogações de quebras do sigilo das comunicações telefônicas dos terminais já citados, bem como de outras deferidas, em razão de farta documentação, obtida por meio de diligências preliminares realizadas, a autoridade policial, aos 19.07.2013, em complementação, representou pela prorrogação de quebra de sigilo telefônico e telemático, com inclusão de novos números, dentre os quais o do paciente ALTEMIR BRAZ DANTAS, em razão da interceptação de diálogos travados com o investigado MACIEL, em 03/07/2013, às 14:20h (...sobre uso de crédito de DANTAS para empresa cliente, sobre troca de dados do contribuinte em processo compensatório preparado, sobre escritura do negócio, sobre a participação de ELINI na preparação do processo e sobre os negócios com MÁRCIA.), bem como por ter mantido outro diálogo relativo aos fatos investigados, em 04.07.2013, às 21:19h, com MÁRCIA, falando sobre dar andamento em serviços iniciados, sobre outros possíveis trabalhos e sobre o envolvimento de GILMAR e MACIEL (id 6916906 – p. 216/220).
O r. Juízo a quo, após ouvido o Ministério Público Federal, que se manifestou favoravelmente, autorizou a prorrogação da medida e a inclusão de novo terminal, com base nos diálogos destacados nos Autos Circunstanciados de Monitoramento Telefônico nº 12/2013 e seu complemento, nos quais ressalta que restavam demonstrados a ocorrência de tratativas, negociações, acerto de valores relacionados a práticas indevidas, tais como inserção de dados no sistema e obtenção de CND de forma irregular, em processos administrativos da Procuradoria da Fazenda Nacional. Assevera ainda, em sua decisão, in verbis (id 6916907 – p. 86/93) :
(...)
Diante desse contexto, em face da natureza das atividades desenvolvidas e do número de pessoas envolvidas, a manutenção dos monitoramentos revela-se imprescindível para identificação do modus operandi dos investigados, das operações realizadas, em especial pelos servidores públicos e suas interferências irregulares no sistema da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Assim, resta justificada a prorrogação do monitoramento telefônico e de fluxo telemático requeridas pela autoridade policial.
(...)
As circunstâncias fáticas verificadas indicam que as medidas são imprescindíveis para a continuidade das apurações, não existindo, nesta fase, outras diligências que permitam a adequada investigação dos fatos e a plena identificação dos envolvidos, até porque há atuação de alguns dos investigados na obtenção de auxílio de outros servidores públicos nas atividades ilícitas.
Portanto, considerando as diretrizes e parâmetros estabelecidos na Lei nº 9.296/96, que trata da interceptação das comunicações telefônicas, verifico que os requisitos para a prorrogação da quebra do sigilo telefônico e telemático encontram-se preenchidos para os terminais/e-mails já interceptados, bem como para o início do monitoramento dos terminais acima indicados. Senão vejamos: 1- apuração da prática de eventuais ilícitos criminais, em tese descritos nos artigos 288, 313-A, 317 e 333, todos do Código Penal, apenados com reclusão; 2- existência de indícios razoáveis de materialidade e autoria delitivas; 3- descrição clara da situação objeto da investigação, vale dizer, a individualização do objeto alvo da medida (artigo 2º, § único, da Lei n. 9.296/96) não se tratando, pois, de medida genérica, mas referente a terminais telefônicos e conexões de internet específicos; 4- necessidade da medida, pois a instrução do feito depende de tais informações, que não podem ser obtidas de outra forma (art. 2º, II, c.c. art. 4º da lei n. 9.296/96).
(...)
Em 09.09.2013, a autoridade policial representa pela prorrogação da interceptação telefônica e telemática (id6916913- p.192/193 e 6916914 – p. 01/24), do paciente, em face dos diálogos abaixo destacados de 20.08.2013, 11:10 e 21.08.2013, 18:13:
(...)
O primeiro revela a proximidade entre DANTAS e GILMAR em relação aos ‘negócios’ e que eles estão em contato com mais alguém que contribui para o desenvolvimento do ‘trabalho’, especialmente quando GILMAR diz ‘Eu preciso, o colega que quer aquele assunto vai tá livre amanhã, mas eu preciso conversar com você para alinhar, né, um monte de coisa para gente conversar com ele. O amigo do Corinthians é bom eu e você conversar pra resolver essa, como que vai ser o procedimento, entendeu?’
No segundo diálogo, CARLOS fala para DANTAS que tem um sócio que trabalha na Receita, um fiscal, mas que somente o CARLOS poderá fazer contato com ele, para ninguém se comprometer. DANTAS pede para CARLOS mandar uma empresa para eles fazerem uma pequena alteração e testar o novo contato dentro da Receita. Os dois combinam que a pessoa lá de dentro vai ficar com um por cento, ou seja, cinco mil reais. Na mesma conversa, CARLOS diz que conheceu um médico com uma empresa que deve quatrocentos milhões de reais e acredita que junto com DANTAS pode reduzir essa dívida.
(...)
E, mais uma vez, após a manifestação favorável do Ministério Público Federal, o Juízo a quo deferiu-as, salientando que as investigações realizadas até aquele momento mostravam-se frutíferas na identificação de esquema criminoso envolvendo servidores federais e intermediários, restando, contudo, pessoas, empresas e forma de procedimento a serem devidamente desvendados (id 6916917 – p. 48/54).
Em 24.10.2013, a autoridade policial (id6916922– p. 41/54), encaminhou, ao r. Juízo a quo, Auto Circunstanciado de Monitoramento Telefônico nº 17/2013- IPL 0093/2013-98 (antigo IPL 1673/2012-1), contendo as transcrições dos diálogos interceptados no período de 19 a 30.09.2013, demonstrando mais uma vez a relevância e necessidade das interceptações, pois conforme afirma verificou-se que os investigados continuavam a dedicar-se à prática dos crimes investigados. Relativamente ao paciente constou o seguinte:
(...)
ALTEMIR BRAZ DANTAS, usuário do telefone 11 7835 9748, além dos diálogos citados em parágrafos dedicados a GILMAR e MACIEL, manteve outros relativos aos fatos investigados, em 19/09/2013, as 11:23h, com MARCELO, sobre checagem de Letras (do Tesouro Nacional) oferecidas por DANTAS; em 23/09/2013, às 20:22h, com GRIMALDO, sobre este ter conhecer pessoas na fiscalização da Receita Federal e Estadual em Campinas, e sobre falarem em mais detalhes por email, por medo de monitoramento telefônico; em 27/09/2013, às 13:09h, com indivíduo não identificado, sobre a empresa ÚNICO, sobre estarem se verificando as condições da empresa comprar créditos, e sobre possibilidade de compra de (crédito de?) ICMS direto da Secretaria da Fazenda; e, em 27/09/2013, às 13:56h, com mulher não identificada, sobre crédito de LTN que estaria na Bolsa.
(...)
Constata-se, portanto, que as interceptações telefônicas, in casu, mostraram-se indispensáveis e foram autorizadas diante da extensão, intensidade e complexidade das condutas delitivas investigadas, que apontavam para uma suposta organização criminosa.
Ademais, as interceptações telefônicas estão lastreadas em denso conjunto probatório (imagens de câmeras, buscas e apreensões, processos administrativos sindicâncias e depoimentos), os quais confirmaram a linha investigativa travada pela autoridade policial, ensejando o oferecimento da denúncia em face do paciente.
Nessa diretriz, imperativo reconhecer que o monitoramento telefônico não configurou constrangimento ilegal, haja vista que as decisões que o autorizaram encontram-se devidamente fundamentadas, em observância ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, eis que alicerçadas em elementos concretos, os quais demonstraram a necessidade de decretação da medida excepcional de decretação de quebra de sigilo de comunicações telefônicas do paciente, bem como suas prorrogações, para se apurar da forma mais completa os fatos e, assim, propiciar a persecução penal de forma adequada.
Não há que se falar em constrangimento ilegal decorrente do cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão nº 11/2013 (id6917116 – p. 18/20), pois o paciente ALTEMIR BRAZ DANTAS sequer foi localizado no endereço diligenciado, em virtude de não mais lá residir, nem nada dele foi apreendido.
O Ministério Público Federal, em 22.08.2016, ofereceu denúncia contra o paciente e outros, pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 2º, parágrafo 4º, inciso II, c.c. artigo 1º, parágrafo 1º, ambos da Lei nº 12.850/2013 (ids 6918432, 6918433 e 6918434).
A autoridade impetrada recebeu a exordial acusatória, em 22.09.2016 e determinou ainda:
1- a citação dos acusados;
2- a intimação dos defensores constituídos dos acusados para apresentação de resposta à acusação;
3- o desmembramento do feito, em acolhimento ao pedido do Ministério Público Federal, de modo que o paciente passou a integrar o polo passivo da ação penal nº 0011959-68.2014.4.03.6181, desmembrada da ação penal principal, processo n.º 0006837-16.2012.4.03.6181, ambas em curso perante a 9.ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP;
4- e, a imposição de medidas cautelares (artigo 319, incisos II, III e IV, do CPP), em substituição ao pedido de prisão preventiva requerido pelo órgão acusador, quais sejam: a) proibição de acesso a qualquer um dos prédios do SERPRO, Procuradoria da Fazenda Nacional, Ministério da Fazenda e Receita Federal, salvo se formal e pessoalmente intimado; b) proibição de contato com os outros acusados; e, c) proibição de se ausentar da Subseção Judiciária de São Paulo por mais de 8 (oito) dias, sem autorização judicial (id 6918436).
Prosseguindo, a defesa do paciente apresentou resposta à acusação, tempestivamente, em 09.11.2016, (id 6918439 – p. 92/122), alegando, preliminarmente, inépcia da inicial acusatória, por não existir descrição pormenorizada e individualizada do vínculo entre a sua conduta e a organização criminosa. No mérito, alega ausência de justa causa para a instauração da ação penal; inconstitucionalidade das interceptações e da busca e apreensão; que os fatos narrados constituíram atos preparatórios, não puníveis; ausência de subsunção dos fatos narrados à Lei nº 12.859/2013; e, por fim, que a finalidade para a qual a suposta organização criminosa teria se formado, ou seja, a prática do crime de peculato, não se consumou, ocorrendo a figura do crime impossível.
Indo adiante, sobreveio a decisão impetrada, afastando as preliminares arguidas e, tornando definitivo o recebimento da denúncia, nos termos do artigo 399 do Código de Processo Penal, a qual passa-se a transcrever (id6918443 – p. 08/16):
(...)
Primeiramente, afasto a preliminar de inépcia da inicial acusatória, haja vista que, ao receber a denúncia às fls. 2170v/2186, este Juízo já reconheceu expressamente a regularidade formal da inicial acusatória, que preenche satisfatoriamente as formalidades do artigo 41, do Código de Processo Penal, contendo a exposição dos fatos que, em tese, constituem o crime previsto nos artigos 2º, §4º, inciso II c.c. 1º, §1º, ambos da Lei nº 12.850/2013 e, diferentemente do que se alega, especifica atuação de cada acusado na organização criminosa.
Com efeito, a denúncia consigna que o acusado ALTEMIR BRAZ DANTAS (‘DANTAS’) atuou na organização criminosa na qualidade de intermediário entre os agentes funcionários públicos e os clientes, ‘em triangulação permanente e habitual com GILMAR e MARCEL (...) Dantas leva a eles, para que infiltrem o trabalho no serviço público, empresas que consegue por seus contatos externos. Dantas montou um dossiê de apresentação do ‘produto’ para as empresas. A conversa com DANTAS, entre GILMAR e MACIEL, é assim direta, e não intermediada por outras pessoas (...). Para a dinâmica de contato entre eles, valiam-se não apenas de conversas telefônicas, como trocas de mensagens e reuniões (...) MACIEL e DANTAS participavam de reuniões com advogados e representantes de contribuintes, apresentando-se como servidores da Receita (...) Os dois, além de receber papéis, dados e documentos referentes a contribuintes que contratavam com os captadores, ajudavam esses captadores em reuniões (...) – ocasião em que eram apoiados pelos advogados e procuradores. Nesses casos, atuavam não apenas na perna da organização dedicada à inserção de processos fictícios no Comprot, como na provocação de interesse sobre a ‘Súmula 08’ (Fl.02055/2055vº).
Também nesse contexto, destacou-se a participação dos acusados LUIS FERNANDO e SIMONE na captação de clientes para o esquema de venda de serviços irregulares coordenado por GILMAR e MACIEL, sendo que LUIS FERNANDO chegava até eles ‘por um grau intermediário, via ELINI e SIMONE’ (Fls. 02053) o que, consoante já se consignou por ocasião do recebimento da denúncia, restou demonstrado, em tese, em diversos diálogos interceptados.
A denúncia, também menciona expressamente que o acusado MAURICIO FREZZE ZACHARIAS (‘ZACHARIAS’) ‘atuava juntamente com CLAUDIVAM, LUIZ GUSTAVO E JORGE MATTANO’, sendo que ‘Eles captavam serviços e ZACHARIAS comercializava os créditos’, mencionando-se, inclusive, que ‘Em 07 de agosto, CLAUDIVAM encaminhou e-mail para ZACHARIAS com códigos de acesso e certificados digitais de empresas que tiveram processos fictícios inseridos no COMPROT por ANTONIO CARLOS. Além disso, em busca e apreensão em sua residência e endereço comercial foram apreendidas listas de clientes contendo nomes de empresas que tiveram falsos processos inseridos no COMPROT por ANTONIO CARLOS, além da troca de e-mails e certidões da Receita Federal (...)’ (Fls. 2052/2052vº).
Ainda de acordo com a denúncia, ‘ a ponta final para venda de pesquisas e venda de telas da Fazenda Nacional’ tinha um desdobramento de ‘BEL’ e a acusada ‘TEREZA MARIA ALVES’. Segundo a inicial acusatória, ‘TEREZA recebia pedidos de pesquisas e pagamentos correspondentes (...). Os pedidos e parte do dinheiro eram repassados para LOURICE SAYEG PASCHOAL TRINDADE, a LOLA, e para AUREA SOUZA DA SILVA. Entretanto, apesar de uma relação automática com um grupo de despachantes (...) TEREZA era utilizada por GILMAR para a realização de pesquisas (...) e também tinha atuação habitual e permanente com BEL (...) Além de GILMAR e BEL, TEREZA tinha relação habitual e permanente com uma série de pessoas que utilizavam seu canal de informação mediante paga no serviço público. Esses Clientes eram repassados a TEREZA por BEL (...). Em 20 de maio de 2013, LOLA, através de TEREZA, que para ela repassava os serviços e o dinheiro, aceita vantagem de promessa indevida feita por GILMAR (...) Tereza, previamente combinada com LOLA, com quem atuava habitual e permanentemente, tendo desenvolvido um modelo de relacionamento em que servia de intermediária entre LOLA e GILMAR para a realização de pesquisas, informa a GILMAR ‘para eu fazer tudo o que tem que fazer, você tem que depositar R$330’(...) o ato de ofício em consideração para o qual LOLA serviria era ‘puxar’ uma informação nos bancos de dados da Fazenda Pública’ (Fls. 2062vº/2063).
Ou seja, há indícios suficientes da autoria dos acusados no que se refere ao núcleo típico referente ao verbo ‘integrar’, não se vislumbrando da narração dos fatos contida na inicial nenhum obstáculo à ampla defesa e ao contraditório, sem prejuízo da apuração pormenorizada das condutas específicas de cada um dos integrantes, durante instrução processual.
Alías, sob esse aspecto há de se rejeitar a alegação de que se trata aqui de ato meramente preparatório, na esteira do julgado do STF colacionado pelo órgão Ministerial em sua manifestação, que dispõe: ‘o delito de organização criminosa classifica-se como formal e autônomo, de modo que sua consumação dispensa a efetiva prática das infrações penais compreendidas no âmbito de suas projetadas atividades criminosas’ (STF, AGrgHC 131.005).
De igual forma, a ausência de inclusão na denúncia de outros nomes eventualmente apontados nas interceptações telefônicas não representa nenhum prejuízo ao princípio da isonomia, uma vez que o Ministério Público, na qualidade de titular da ação penal, tem a faculdade de ofertar denúncias separadas por crimes conexos quando for melhor para a instrução processual e, consoante constou de sua manifestação de fls. 2400, ‘Efetivamente, como consta da cota introdutória, além dos fatos da denúncia, a investigação originária deu origem a diversas outras, momento em que serão apurados a conduta de outros acusados ou dos próprios acusados, com relação a outros crimes.’
Nenhuma irregularidade há na denúncia, nesse sentido.
Quanto à alegada tipicidade das condutas imputadas aos denunciados relativas ao crime tipificado na Lei 12.850/2013, em razão da sua anterioridade à lei, há de se considerar que a mencionada lei foi publicada aos 02/08/2013, entrando em vigor quarenta e cinco dias após a publicação, em 17/09/2013, e a imputação contida na denúncia data do período de 23/03/2011 a 06/11/2013. Tratando-se, pois, de crime permanente, a configuração do delito perpetua-se no tempo, até o termo final contido na exordial.
Destaque-se que o período de duração das interceptações telefônicas não se confunde, necessariamente, com o período de imputação delitiva, sendo que a conduta típica do delito sob análise se consubstancia no verbo ‘integrar’. E, consoante exposto acima, há indícios de que os acusados efetivamente integraram organização criminosa cuja atuação durou até 06/11/2013, cessando-se apenas por ocasião da deflagração da operação.
Nessa esteira, já decidiu o STJ quanto à aplicação da Lei 12.850/2013 aos crimes cujo estado de permanência perdurou após o início de sua vigência:
(...)
Não obstante, há de se ponderar que, conforme bem destacado pelo Ministério Público Federal em sua manifestação, a conduta imputada aos acusados seria típica mesmo antes da Lei 12.850/13, amoldando-se, ao menos em tese, ao delito previsto no artigo 288 do Código Penal. Desse modo, não haveria que se falar em atipicidade da conduta, mas em eventual aplicação de lei penal, menos grave, sendo, em última análise, a Sentença, e não a análise da resposta à acusação, o momento processual adequado para que se proceda eventual desclassificação.
Da mesma forma, são descabidas as alegações referentes à atipicidade por não haver a participação mínima de 04 agentes no crime sob análise, sendo que a própria descrição dos fatos indica a existência de extensa e complexa organização, divisão de tarefas entre vários agentes, atuando em núcleos e funções específicas, sendo que, apenas no que se refere ao presente processo, figuram no polo passivo 09 acusados. A mera alegação de um agente em específico não teria mantido contato por telefone com ao menos outros 04 denunciados não afasta a existência da organização e tampouco a integração dos acusados nela.
Não se verifica, ademais, qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade nas interceptações telefônicas e telemáticas que instruem o feito tampouco nas diligências de busca e apreensão. Tais diligências foram autorizadas por este Juízo por meio de decisões regularmente fundamentadas em que se expôs, dentre os motivos de sua decretação, sua imprescindibilidade para elucidação da autoria delitiva.
No mais, as alegações trazidas pelas partes referem-se ao mérito da ação, devendo ser tratadas oportunamente durante a instrução processual, não se alegando e tampouco vislumbrando esse juízo nenhuma causa de absolvição sumária efetivamente comprovada.
E se nenhuma causa de absolvição sumária foi alegada pela defesa dos acusados, nem tampouco por este Juízo, diante da ausência de qualquer causa estabelecida no artigo 397 do Código de Processo Penal, determino o prosseguimento do feito.
Torno definitivo o recebimento da denúncia, nos termos do artigo 399 do Código de Processo Penal.
(...)
DOS ASPECTOS ATINENTES À DECISÃO QUE APRECIA A RESPOSTA OFERTADA À ACUSAÇÃO
A absolvição sumária do acusado, tendo como supedâneo a norma inserta no art. 397 do Código de Processo Penal (Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente - destaque nosso), pressupõe que o julgador tenha formado sua convicção de maneira absoluta no sentido absolutório na justa medida em que defenestra a persecução penal antes do momento adequado à formação da culpa (qual seja, a instrução do processo-crime).
Justamente em razão do apontado e do fato de que vige em tal momento processual o princípio in dubio pro societate, prevalece o entendimento de que, quando da incidência das hipóteses anteriormente indicadas de absolvição sumária, deve existir prova manifesta/evidente da existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente ou de que o fato narrado não constitui crime de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal - a respeito do exposto, vide a ementa que segue:
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO, QUADRILHA OU BANDO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E PREVARICAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DOLO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO ESTELIONATO. TEMA NÃO DEBATIDO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. (...) 2. A rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 4. A denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do Código de Processo Penal e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu. (...) (STJ, RHC 40.260/AM, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 22/09/2017) - destaque nosso.
Não é por outro motivo que se pacificou o entendimento no C. Superior Tribunal de Justiça, bem como nesta E. Corte Regional, no sentido de que a decisão que refuta os argumentos trazidos pelos denunciados em resposta à acusação não precisa ser exaustivamente motivada, sem que tal proceder ofenda o art. 93, IX, da Constituição Federal, com o fito de que não haja a antecipação da fase de julgamento para antes sequer da instrução processual judicial, cabendo destacar que a exigência de profunda exposição dos motivos pelos quais o juiz está tomando esta ou aquela decisão somente teria incidência em sede da prolação de sentença penal (condenatória ou absolutória) - nesse sentido:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. FURTO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. EXISTÊNCIA DE DIVERSAS AÇÕES PENAIS POR DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO. NULIDADE DA DECISÃO QUE ANALISOU A RESPOSTA À ACUSAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA. LEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) V - Nos termos da jurisprudência deste STJ, a decisão que recebe a denúncia ou rejeita as hipóteses de absolvição sumária não demanda motivação profunda ou exauriente, sob pena de indevida antecipação do juízo de mérito. A fundamentação sucinta não se confunde com ausência de fundamentação. Habeas corpus não conhecido (STJ, HC 410.747/SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017) - destaque nosso.
PROCESSUAL PENAL. DECISÃO APÓS A RESPOSTA À ACUSAÇÃO. NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTOS SUFICIENTES. NÃO OCORRÊNCIA. (...) 2 - Quanto às demais alegações defensivas, tem-se que a decisão proferida após a resposta à acusação não tem de ser exauriente de tudo quanto suscitado, não podendo ser taxada de nula se, concisa e fazendo expressa referência ao art. 397 do Código de Processo Penal, conclui não estarem presentes hipóteses de absolvição sumária e ainda remete os questionamentos à instrução penal, porque confundem-se com o mérito da causa penal. Exigir maiores fundamentos pode levar o magistrado a indevido prejulgamento. 3 - Impetração julgada prejudicada em parte e, no mais, denegada a ordem (STJ, HC 391.995/TO, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 09/10/2017) - destaque nosso.
PROCESSUAL PENAL E PENAL: HABEAS CORPUS. ARTIGO 334-A, §1º, IV DO CP. DENÚNCIA. APTIDÃO. REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 41 DO CPP SATISFEITOS. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. QUESTÕES QUE SE CONFUNDEM COM O MÉRITO. ORDEM DENEGADA. (...) IX - No momento do recebimento da denúncia ou da análise da resposta à acusação, o Juízo não está obrigado a manifestar-se de forma exauriente e conclusiva acerca das teses apresentadas pela defesa, evitando-se, assim, o julgamento da demanda anteriormente à devida instrução processual. X - Enfim, por todos os ângulos que se analisa, não há que se falar em ausência de fundamentação nas decisões proferidas pela autoridade impetrada. XI - Ordem denegada (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 71222 - 0002937-65.2017.4.03.0000, Rel. Des. Fed. CECILIA MELLO, julgado em 27/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/07/2017) - destaque nosso.
Sem prejuízo do exposto, importante frisar que o momento processual constante do art. 397 do Diploma Processual somente permite aferir a temática expressamente prevista no dispositivo (vale dizer, manifesta existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente, evidente atipicidade da conduta e extinção de punibilidade do agente), sendo, assim, defeso ao magistrado adentrar e apreciar teses outras que necessariamente deverão ser enfrentadas quando da prolação da sentença penal (condenatória ou absolutória) sem que tal proceder macule os postulados constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Em outras palavras, quando da exaração da decisão nos termos do art. 397, deve o juiz ficar adstrito aos assuntos expressamente previstos em indicado preceito, não devendo prejulgar temas aventados pelos denunciados em razão da imposição de que se esgote a fase de produção de provas. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. RELAXAMENTO DA PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO. CONCESSÃO DA ORDEM NA ORIGEM. PEDIDO PREJUDICADO. 2. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. NULIDADE DA DECISÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. 3. DESNECESSIDADE DE EXTENSA FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. 4. RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO. (...) 2. Da leitura do acórdão recorrido bem como da decisão que analisou a resposta à acusação, não verifico a suposta nulidade apontada pelo recorrente. De fato, as matérias passíveis de exame no referido momento processual foram devidamente analisadas, com a finalidade de confirmar o recebimento da denúncia e refutar as hipóteses de absolvição sumária, devendo as demais matérias serem debatidas após a devida instrução processual. Destaque-se que não se pode abrir muito o espectro de análise da resposta à acusação, sob pena de se invadir a seara relativa ao próprio mérito da demanda, que depende de prévia instrução processual para que o julgador possa formar seu convencimento. 3. Mostrar-se-ia temerário analisar certas teses, quer para acolher quer para rejeitar, antes da colheita de provas, principalmente em momento processual que autoriza a absolvição sumária apenas nas hipóteses elencadas de forma expressa pelo art. 397 do Código de Processo Penal. Portanto, desnecessário exigir que o julgador refute, de forma exaustiva, todas as alegações apresentadas, para concluir que não presentes as hipóteses de absolvição sumária. Dessarte, não há se falar em nulidade da decisão que analisou a resposta à acusação, porquanto devidamente motivada, inexistindo, assim, constrangimento ilegal a ser sanado na via eleita. 4. Recurso em habeas corpus improvido. (STJ, RHC 72.808/SP, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 27/09/2017) - destaque nosso.
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 89, 90 E 96, INCISO V, DA LEI N. 8.666/93. CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR VIOLAÇÃO AO ARTIGO 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO QUE NÃO TERIA SE MANIFESTADO ACERCA DAS TESES DEFENSIVAS EXPENDIDAS EM RESPOSTA À ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. ORDEM DENEGADA. (...) 2. Ao contrário do que consignado pelos impetrantes, houve pronunciamento acerca das formulações defensivas trazidas em sede de resposta à acusação. Como se verifica da decisão atacada, o Juízo singular afastou a alegação de inépcia da denúncia, por entender que os fatos atribuídos aos acusados estão suficientemente detalhados na peça acusatória e permitem o exercício do contraditório e do direito de defesa em sua plenitude. 3. O Juízo singular consignou, ainda, que as interceptações telefônicas e as sucessivas prorrogações foram autorizadas em consonância com os ditames da Lei 9.296/96, em face da dificuldade de elucidação dos crimes praticados contra a administração pública. No tocante à arguição de excesso de prazo, o magistrado fez constar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de admitir a prorrogação do prazo previsto na Lei 9.296/96, mesmo que sucessiva, desde que motivadamente autorizada. 4. Por fim, depreende-se da decisão impugnada que as alegações acerca da inexistência provas da materialidade e autoria dizem respeito ao mérito e serão oportunamente apreciadas, ao término da instrução processual. Desse modo, por não vislumbrar as hipóteses de absolvição sumária, a autoridade impetrada determinou o prosseguimento do feito. 5. Ressalte-se que o juízo não está obrigado a manifestar-se de forma exauriente e conclusiva sobre os argumentos lançados pela defesa, porquanto este seria o momento processual inoportuno, na medida em que o julgamento de mérito do processo somente ocorrerá após a devida instrução, com a produção de provas e formação de um juízo de certeza. 6. Não há, portanto, ilegalidade por ausência de fundamentação, haja vista que o Juízo impetrado cumpriu o escopo inserto no artigo 93, IX, da Constituição Federal. 7. Ordem denegada (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 71077 - 0002874-40.2017.4.03.0000, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 13/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/06/2017) - destaque nosso.
Dessa forma, como bem ressaltou a autoridade impetrada: ... as alegações trazidas pelas partes referem-se ao mérito da ação, devendo ser tratadas oportunamente durante a instrução processual, não se alegando e tampouco vislumbrando esse juízo nenhuma causa de absolvição sumária efetivamente comprovada...E se nenhuma causa de absolvição sumária foi alegada pela defesa dos acusados, nem tampouco por este Juízo, diante da ausência de qualquer causa estabelecida no artigo 397 do Código de Processo Penal, determino o prosseguimento do feito.
A corroborar o entendimento deste relator, o Ministério Público Federal em seu parecer asseverou (id 7554028):
(...)
Destarte, verifica-se que as interceptações telefônicas, na hipótese vertente, revelaram-se indispensáveis ao deslinde dos fatos delituosos e foram autorizadas diante da constatação de veementes indícios da prática de complexas e graves condutas criminosas, que envolviam diversas pessoas na associação criminosa investigada pela Operação Protocolo Fantasma, inclusive agentes públicos.
Ademais, as representações policiais pelas quebras de sigilo das comunicações telefônicas estão amparadas em amplo conjunto probatório, inclusive a apuração administrativa, que confirmou a linha investigativa seguida pela autoridade policial e ensejou o oferecimento da acusação em face do paciente.
Nesse contexto, não há falar em constrangimento ilegal, uma vez que as decisões que autorizaram as interceptações telefônicas foram devidamente fundamentadas, à luz do disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, lastreando-se em elementos concretos, que provaram a necessidade e adequação da medida.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E PATROCÍNIO INFIEL NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. RÉU ADVOGADO. NÃO OCORRÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ILICITUDE DA PROVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, inocorrentes na espécie.
2. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que se termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício de futura e eventual ação penal.
3. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, de modo que viabilize a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes.
4. Os fatos de que tratam o recurso em análise se inserem no contexto da operação 'CARTAS MARCADAS', cujas investigações revelaram que entre os anos de 2010 e 2016, licitações promovidas pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima - ALE/RR foram fraudadas por suposta organização criminosa estruturada da qual participavam diversas construtoras, funcionários da ALE/RR e 'laranjas'.
5. No bojo das investigações, apurou-se que o recorrente e os demais acusados ao longo de 6 (seis) anos efetuaram diversas operações de ocultação, dissimulação da natureza e movimentação de valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes contra a Administração Pública e crimes licitatórios nos certames promovidos pela Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, no montante aproximado de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), para efetuar o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos, bem como realizar desvios em favor do recorrente e de terceiros.
6. No caso em exame, a denúncia preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve as condutas atribuídas, com as suas circunstâncias, exibe a tipificação legal de ambos os delitos, explicitando o liame entre os fatos narrados e o seu proceder, na medida em que o recorrente defendia os interesses de terceiros em detrimento dos interesses do patrocinado (Cleber), orientando-o inclusive a assumir toda a responsabilidade criminal dos desvios de dinheiro perpetrados nos cofres da Assembleia Legislativa de Roraima.
7. O inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal assegura o sigilo das comunicações telefônicas, de modo que, para que haja o seu afastamento, imprescindível ordem judicial, devidamente fundamentada, segundo o comando constitucional estabelecido no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna.
8. O art. 5º da Lei n. 9.296/1996 determina, quanto à autorização judicial de interceptação telefônica, que "a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova'.
9. O acórdão recorrido concluiu não haver "nenhuma irregularidade na captação e transcrição de tais diálogos, os quais foram realizados mediante autorização judicial, não havendo que se falar em violação ao art. 5º, XII, da CF, e nem ao art. 7.°, II, da Lei n.° 8.906/94, visto que as conversas atingiram os advogados apenas fortuitamente, não tendo sido feitas deliberadamente com o intuito de vigiar suas atividades profissionais. Ademais, as transcrições apontadas referem-se apenas aos fatos ora investigados, não revelando qualquer situação que possa expor particularidades desses outros advogados em relação a clientes ou processos diversos.'
10. Hipótese em que se verifica a existência de fundamentação idônea apta a justificar a necessidade da interceptação telefônica do advogado, cujo objeto de investigação é descrito claramente, com a indicação e qualificação dos investigados, demonstrando haver indícios razoáveis de autoria e materialidade da infração penal punida com reclusão, além de não ser possível elucidar os fatos por outro meio.
11. O entendimento desta Corte consolidou-se no sentido de que "não existem direitos absolutos no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual a suspeita de que crimes estariam sendo cometidos por profissional da advocacia permite que o sigilo de suas comunicações telefônicas seja afastado, notadamente quando ausente a demonstração de que as conversas gravadas se refeririam exclusivamente ao patrocínio de determinado cliente. Há que se considerar, ainda, que o exercício da advocacia não pode ser invocado com o objetivo de legitimar a prática delituosa, ou seja, caso os ilícitos sejam cometidos valendo-se da qualidade de advogado, nada impede que os diálogos sejam gravados mediante autorização judicial e, posteriormente, utilizados como prova em ação penal, tal como sucedeu no caso dos autos. Precedentes do STJ e do STF'
12. Recurso desprovido. (STJ - RHC 98752/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, J. 23/08/2018, DJe 03/09/2018) (grifos nossos).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ARTIGO 317 DO CÓDIGO PENAL. PLEITO PELA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E AMBIENTAIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. ALEGAÇÃO DE NULIDADES. NÃO COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. PEÇA INFORMATIVA. CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos autos do RE 625.263, foi reconhecida a repercussão geral da matéria quanto à constitucionalidade de sucessivas prorrogações de interceptação telefônica, tendo esta Corte inúmeros precedentes admitindo essa possibilidade (HC 120.027, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 18/2/2016; HC 120.027, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 24/11/2015; HC 106.225, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ acórdão Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 22/3/2012)
2. In casu, o paciente foi denunciado pelo delito tipificado no artigo 317 do Código Penal, como resultado da denominada 'Operação Termópilas', realizada pelo Ministério Público em conjunto com a Polícia Federal, pela qual verificou-se que houve recebimento de vantagem financeira pelo paciente, dentre outros acusados, a fim de favorecer a contratação de empresa(s) que fornece(m) medicamentos sem o devido procedimento licitatório.
3. O princípio do pas de nullité sans grief exige, em regra, a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, podendo ser ela tanto a nulidade absoluta quanto a relativa, pois não se decreta nulidade processual por mera presunção.
4. O habeas corpus é ação inadequada para a valoração e exame minucioso do acervo fático probatório engendrado nos autos.
5. Agravo regimental desprovido. (STF - RHC 132111 AgR/RO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, J. 26/05/2017, DJe 12/06/2017) (grifos nossos).
De igual forma, descabida mostra-se a alegação de constrangimento ilegal decorrente do cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão nº 11/2013 ( ID 6917116 – p. 18/20).
No ponto, razão assiste ao E. Tribunal Regional Federal 3ª Região (ID 7184754 – p. 11) ao ponderar que o paciente sequer foi localizado no endereço diligenciado, já que não mais lá residia, nem nada dele restou apreendido, restando também isolada a alegação da defesa.
Por fim, não merece também prosperar a alegação de ausência de subsunção da conduta à Lei nº 12.859/2013, tendo em vista que, embora tenha sido publicada em 02.08.2013 e entrado em vigor quarenta e cinco dias após a sua publicação, é dizer, em 17.09.2013, a imputação constante na inicial acusatória trata de delito praticado no período de 23.03.2011 a 06.11.2013.
Razão assiste ao MM Juízo a quo, quando do recebimento da denúncia, ao ponderar que trata-se de crime permanente, espécie de delito cuja configuração se perpetua no tempo, até o termo final contido na exordial (ID 6918443).
Em se tratando de crime permanente e de lei cuja vigência tem início antes do termo final do delito, aplica-se à espécie o disposto na Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal: 'A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência'.
Nessa esteira:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. 3. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO VERIFICAÇÃO. 4. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONDUTA TÍPICA. 711/STF. 5. ESTELIONATO. CURSO DE PSICANÁLISE. ENCERRAMENTO REPENTINO. VALORES NÃO DEVOLVIDOS AOS ALUNOS. TIPO PENAL DESCRITO. 6. ESTELIONATO JUDICIÁRIO. CONDUTA ATÍPICA, EM REGRA. INFORMAÇÕES FRAUDULENTAS. POSSIBILIDADE DE ACESSO AO MAGISTRADO. CONDUTA QUE PODE SE SUBSUMIR A OUTRO TIPO PENAL. 7. NUANCES DOS AUTOS. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL. TRANCAMENTO PREMATURO. 8. PRISÃO CAUTELAR. TEMA JÁ ANALISADO. RHC 87.092/RJ. 9. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. O trancamento da ação penal somente é possível na via estreita do habeas corpus em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.
3. Pela leitura da inicial acusatória, bem como do acórdão recorrido, verifica-se que a denúncia é suficientemente clara e concatenada, demonstrando a efetiva existência de justa causa, consistente na materialidade e nos indícios de autoria. Ademais, atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não revelando quaisquer vícios formais. Realmente, os fatos criminosos estão descritos com todas as circunstâncias necessárias a delimitar a imputação, encontrando-se devidamente assegurado o exercício da ampla defesa.
4. O crime de organização criminosa se encontra devidamente narrado na inicial acusatória, a qual indica como data dos fatos 'o período compreendido entre o mês de abril do ano de 2013 até a presente data'. Dessa forma, ainda que a organização criminosa tenha sido constituída em abril de 2013, antes, portanto, da entrada em vigor da Lei n. 12.850/2013, tem-se que perdurou até o momento do oferecimento da denúncia, motivo pelo qual incide referida lei, nos termos do verbete sumular n. 711/STF, in verbis: 'a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência'. Não há se falar, portanto, em atipicidade.
5. A denúncia pelos crimes de estelionato, praticados contra os alunos do colégio CEUB (Centro de Ensino Unificado Batista), não se limita a afirmar que foi oferecido curso não autorizado, mas antes que foi oferecido curso que foi encerrado repentinamente sem o devido ressarcimento dos valores aos alunos, o que, por si, autoriza a manutenção da ação penal, porquanto efetivamente descritos os elementos do tipo penal do art. 171 do Código Penal.
6. O estelionato judiciário é considerado, em regra, como atípico. Nada obstante, a 'Quinta Turma firmou o entendimento de que quando não é possível ao magistrado, durante o curso do processo, ter acesso às informações que caracterizam a fraude, é viável a configuração do crime de estelionato'. (RHC 59.823/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13/10/2015, DJe 21/10/2015). Ademais, não se pode descurar que a eventual não configuração do estelionato judiciário não impede a persecução penal para apurar o falso utilizado na ação penal.
7. Dessarte, as nuances das condutas imputadas serão melhor elucidadas durante a instrução processual, momento apropriado à valoração dos fatos e à produção de provas, sendo prematuro o trancamento da ação penal neste momento processual, uma vez que não se revela possível, em habeas corpus, afirmar que os fatos ocorreram como narrados nem desqualificar a narrativa trazida na denúncia.
8. Não sendo o caso de se trancar a ação penal, não há se falar, igualmente, em relaxamento da prisão domiciliar. Destaco, por oportuno, que a necessidade da prisão cautelar do recorrente já foi analisada pela 5ª Turma, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 87.092/RJ, em 20/2/2018, no qual se assentou que "as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não surtiriam o efeito almejado para a proteção da ordem pública".
9. Habeas corpus não conhecido.
(STJ - HC 451998/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, J. 18/09/2018, DJe 28/09/2018) (grifos nossos).
Ademais, razão assiste ao MM Juízo a quo ao observar que o período de duração das interceptações telefônicas não corresponde, necessariamente (ID 6918443), ao período de imputação delitiva, sobretudo porque o núcleo da conduta típica imputada ao paciente refere-se ao verbo 'integrar'. Outrossim, as investigações realizadas no âmbito da Operação Protocolo Fantasma apontaram indícios robustos de que o paciente e demais acusados integraram organização criminosa que esteve ativa até 06.11.2013, sendo desbaratada somente com a deflagração da citada operação.
A decisão impetrada, que recebeu a denúncia, também ponderou, em conformidade com a manifestação do Ministério Público Federal que a conduta delitiva do paciente seria típica, mesmo antes da vigência da Lei nº 12.850/13:
Não obstante, há de se ponderar que, conforme bem destacado pelo Ministério Público Federal em sua manifestação, a conduta imputada aos acusados seria típica mesmo antes da Lei 12.850/13, amoldando-se, ao menos em tese, ao delito previsto no artigo 288 do Código Penal. Desse modo, não haveria que se falar em atipicidade da conduta, mas em eventual aplicação de lei penal, menos grave, sendo, em última análise, a Sentença, e não a análise da resposta à acusação, o momento processual adequado para que se proceda eventual desclassificação. (ID 6918443)
Vê-se, pois, que sob qualquer ângulo que se analise a matéria, não há falar, neste momento processual, em atipicidade da conduta imputada ao paciente.
(...)
Como se vê, da análise perfunctória, com base nos fatos acima expostos, concluiu-se pela tipicidade da conduta imputada ao paciente, sem que tenha sido demonstrada a alegada ausência de justa causa para persecução penal. Ademais, maiores incursões acerca desse e dos outros temas levantados, demandariam revolvimento fático-comprobatório, o que não se admite na via estreita do writ.
Assim, por todo o exposto, DENEGO a ordem de Habeas Corpus.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 2º, PARÁGRAFO 4º, INCISO II, C.C. PARÁGRAFO 1º, AMBOS DA LEI Nº 12.850/2013. ILEGALIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E DAS BUSCAS E APREENSÕES.
-O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, garante o dever de sigilo ao dispor serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." De seu turno, o inciso XII deste artigo traz uma ressalva, quando houver uma investigação criminal ou durante a instrução processual penal, e em havendo ordem judicial, ao dispor sobre a interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas: "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal." Trata-se de reserva legal de modo que a autorização judicial para a intervenção condiciona-se à existência de uma precedente investigação criminal ou para a instrução processual penal.
- A quebra da inviolabilidade refere-se também à comunicação de dados quando a finalidade for investigação ou instrução processual na esfera penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se às comunicações telefônicas e a de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por separar o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas do sigilo das comunicações de dados e telefônicas.
- A Lei nº 9.296, de 24.07.1996, veio regulamentar as hipóteses do cabimento da interceptação de comunicações telefônicas (captação realizada por terceira pessoa sem o conhecimento daqueles contra os quais estão sendo coletadas as provas), de qualquer natureza, e a interceptação de comunicações em sistema de informática ou telemática, realizada por terceiros.
- A interceptação telefônica, como visto, é a captação feita por outrem sem que haja o conhecimento pelas pessoas em face das quais estão sendo colhidas as provas. O procedimento previsto nesta Lei é um importante meio de prova em investigação criminal, contudo, a fim de impedir intromissão na esfera privada, a sua aplicação deve ser aferida a partir da invocação dos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do princípio do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e do princípio da instrumentalidade constitucional do processo penal.
- Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve agir com rapidez e efetividade conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa.
- As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, "por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, 'l', e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º) ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pela Lei de Lavagem de Dinheiro)".
- O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996 estabelece que o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, em conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros).
- A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei nº 9.296/1996 deve ser adotada para ambas as comunicações.
- A interceptação telefônica e telemática possui natureza cautelar, sendo admitida para a coleta de indícios suficientes à propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e no curso da instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que haja apuração de infração penal punida com pena de reclusão.
- O procedimento de interceptação telefônica e telemática somente poderá ser autorizado se estiverem presentes indícios de autoria e materialidade de fatos pretéritos. Está-se diante da aplicação do princípio da proporcionalidade.
- A Constituição Federal determina no inciso IX do artigo 93 a fundamentação das decisões judiciais ("todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação"). O artigo 5º apresenta a mesma diretriz da norma constitucional, mormente por se referir à medida restritiva de privacidade e diante da proteção constitucional à intimidade do indivíduo. Não se exige que a decisão seja pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A decisão deve conter elementos suficientes a demonstrar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes.
- A demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deve restar evidenciada na decisão, já que "a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana" (STJ, HC 248.263/SP - 2012/0142646-1, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012).
- A fundamentação das decisões judiciais objetiva, ademais, demonstrar a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial. Não se trata de uma relativização do princípio da presunção de inocência, porquanto não está sendo realizado um juízo sobre a culpa do investigado, mas o juiz estará na ocasião pautado no exame de indícios concretos de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, diante da existência de indícios de autoria e materialidade delitivas.
- Tem sido permitido que a decisão judicial de renovação faça menção ao pedido de decretação da interceptação telefônica realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual passa a integrar a fundamentação da decisão (fundamentação "per relationem"), uma vez que propicia às partes conhecer os fundamentos encampados pela decisão judicial, sendo reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, 5ª Turma, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Este também tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem'" (AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, v.u., DJe de 08.02.2012). Ainda em igual sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal ao ser permitida a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: "este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que 'é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996" (HC 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim).
- As interceptações telefônicas estão lastreadas em denso conjunto probatório (imagens de câmeras, buscas e apreensões, processos administrativos sindicâncias e depoimentos), os quais confirmaram a linha investigativa travada pela autoridade policial, ensejando o oferecimento da denúncia em face do paciente.
- Não há que se falar em constrangimento ilegal decorrente do cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão nº 11/2013 (id6917116 – p. 18/20), pois o paciente ALTEMIR BRAZ DANTAS sequer foi localizado no endereço diligenciado, em virtude de não mais lá residir, nem nada dele foi apreendido.
- Justamente em razão do apontado e do fato de que vige em tal momento processual o princípio in dubio pro societate, prevalece o entendimento de que, quando da incidência das hipóteses anteriormente indicadas de absolvição sumária, deve existir prova manifesta/evidente da existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente ou de que o fato narrado não constitui crime de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal.
- Não é por outro motivo que se pacificou o entendimento no C. Superior Tribunal de Justiça, bem como nesta E. Corte Regional, no sentido de que a decisão que refuta os argumentos trazidos pelos denunciados em resposta à acusação não precisa ser exaustivamente motivada, sem que tal proceder ofenda o art. 93, IX, da Constituição Federal, com o fito de que não haja a antecipação da fase de julgamento para antes sequer da instrução processual judicial, cabendo destacar que a exigência de profunda exposição dos motivos pelos quais o juiz está tomando esta ou aquela decisão somente teria incidência em sede da prolação de sentença penal (condenatória ou absolutória).
- Importante frisar que o momento processual constante do art. 397 do Diploma Processual somente permite aferir a temática expressamente prevista no dispositivo (vale dizer, manifesta existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente, evidente atipicidade da conduta e extinção de punibilidade do agente), sendo, assim, defeso ao magistrado adentrar e apreciar teses outras que necessariamente deverão ser enfrentadas quando da prolação da sentença penal (condenatória ou absolutória) sem que tal proceder macule os postulados constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Em outras palavras, quando da exaração da decisão nos termos do art. 397, deve o juiz ficar adstrito aos assuntos expressamente previstos em indicado preceito, não devendo prejulgar temas aventados pelos denunciados em razão da imposição de que se esgote a fase de produção de provas.
- Da análise perfunctória, com base nos fatos acima expostos, concluiu-se pela tipicidade da conduta imputada ao paciente, sem que tenha sido demonstrada a alegada ausência de justa causa para persecução penal. Ademais, maiores incursões acerca desse e dos outros temas levantados, demandariam revolvimento fático-comprobatório, o que não se admite na via estreita do writ.
- Ordem denegada.