AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017573-48.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSON DI SALVO
AGRAVANTE: MUNICIPIO DE TRES LAGOAS
Advogado do(a) AGRAVANTE: SIMONE DOS SANTOS GODINHO MELLO - MS9879-B
AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017573-48.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO AGRAVANTE: MUNICIPIO DE TRES LAGOAS Advogado do(a) AGRAVANTE: SIMONE DOS SANTOS GODINHO MELLO - MS9879-B AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS em face de decisão que deferiu o pedido de antecipação de tutela em autos de ação civil pública para o fim de determinar aos réus que implementem, inicialmente, a quantidade mínima de dois leitos em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, com a correspondente estrutura necessária à efetiva prestação do serviço especializado, no prazo de 120 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atendendo-se e superando-se todas a exigências estabelecidas pelas Portarias nº 930/2012 e 1.459/2011 do Ministério da Saúde, especialmente a fase de habilitação (artigo 26 da Portaria nº 930/2012), contratação de recursos humanos, disponibilização de recursos para o fim de custeio, compra de equipamentos, reforma e ampliação de leitos, custeio de diárias e de serviços complementares ao pleno funcionamento da Unidade Neonatal, levando-se em conta que, no tocante à repartição dos recursos, à União competirá aqueles discriminados na Portaria 1.459/201, enquanto que o Estado do Mato Grosso do Sul e o Município de Três Lagoas/MS deverão concorrer para a suplementação dos recursos que eventualmente se façam necessários. Em sede de embargos de declaração a decisão foi integrada para o fim de consignar que a responsabilidade da Sociedade Beneficente do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora será restrita ao atendimento das providências administrativas de sua alçada, não estando compreendido em suas atribuições o aporte financeiro definido na decisão embargada a ser suportado pelos demais entes públicos. Contra esta decisão consta interposição de agravo de instrumento (autos físicos nº 0000836-55.2017.4.03.0000/MS) pelo Ministério Público Federal, no qual indeferi o pedido de antecipação de tutela recursal e, posteriormente, a 6ª Turma negou provimento ao recurso. Anoto que contra a mesma decisão agravada consta ainda a anterior oposição de (I) agravo de instrumento n º 0002377-26.2017.4.03.0000 pela Sociedade Beneficente do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora, recurso não conhecido (artigo 932, III do CPC/2015) em razão do não atendimento da determinação judicial quanto à regularização de documentos, (ii) do agravo de instrumento nº 5004570-26.2017.4.03.0000 da União Federal, no qual proferi decisão conhecendo parcialmente do recurso e indeferindo o efeito suspensivo, e (III) do agravo de instrumento nº 5000775-12.2017.4.03.0000 (PJe) interposto pelo Estado do Mato Grosso do Sul, no qual indeferi o pedido de efeito suspensivo. Nas razões do agravo de instrumento, o Município de Três Lagoas argumenta com a ausência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Aduz, ainda, que o prazo estipulado na decisão agravada é impraticável, pois não há como o município ser compelido a implantar leitos de UTI neonatal sem que sejam cumpridas etapas anteriores necessárias e que fogem de sua alçada. Requer, também, a minoração da multa diária. O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (ID 1424437). Oportunizada a resposta, a agravada requereu o desprovimento do recurso (ID 1471775). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017573-48.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO AGRAVANTE: MUNICIPIO DE TRES LAGOAS Advogado do(a) AGRAVANTE: SIMONE DOS SANTOS GODINHO MELLO - MS9879-B AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: Como já relatado, a controvérsia aqui noticiada já foi analisada no agravo de instrumento anterior (autos de nº 5000775-12.2017.4.03.0000/MS) tirado pelo ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL em face da mesma decisão agravada, não tendo este Relator verificado qualquer plausibilidade nas insurgências manifestadas contra a r. interlocutória agravada, conforme se constata da leitura das razões abaixo transcritas: "(....) De regra, não cabe ao Poder Judiciário, que não é eleito, imiscuir-se nas politicas públicas de modo a sobrepujar as escolhas e iniciativas do Poder Executivo - que, inclusive, dependem de recursos orçamentários adrede alocados - a quem cabe, a par com o Poder Legislativo nas atribuições dele, governar. Essa vedação, sabe-se, é relativa, porquanto atualmente se tolera um certo grau de ativismo judicial que, naturalmente, é contaminado por escolhas de âmbito político permeadas de convicções subjetivas dos juízes de instância inferior, dos membros dos tribunais, e até do STF. Todos, invariavelmente, invocam os ditames da Constituição para assim proceder. Destaco que o fenômeno da judicialização das relações sociais e políticas pode conduzir a um ativismo, mas ativismo não é sinônimo de judicialização. A afirmação da existência de um ativismo judicial entre nós, a suprir as omissões dos demais Poderes na consecução de suas responsabilidades, foi proclamada pelo Ministro Celso de Melo, em seu discurso pronunciado em nome do Supremo Tribunal Federal/STF, na solenidade de posse do Ministro Gilmar Mendes na presidência da Suprema Corte, o que ocorreu em 23/04/2008. Na ocasião, Sua Excelência destacou: "Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental". Atualmente se pode enxergar nas práticas do Poder Judiciário várias vertentes de ativismo, mas aqui interessa considerar o chamado "ativismo remedial", que é a atitude do Poder Judiciário impondo obrigações positivas aos demais poderes e determinando atos concretos que prestigiam políticas públicas e outras que ordenam ações de órgãos públicos e atos de regulamentação de leis pré-existentes. Essa posição judicial encontra fonte nas omissões, principalmente do Poder Executivo, na execução de tarefas e competências a ele cometidas pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. Essa conduta é justificada na fala do Ministro Celso de Mello "... quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional...". O abrigo desse ativismo está na ampla dicção do inc. XXXV do art. 5° da Constituição. Sucede que a redemocratização operada em 1988 criou um modelo de Estado em que a Constituição não é apenas formal e programática, pois contém cláusulas cogentes, imperiosas, principalmente no âmbito dos direitos individuais, coletivos e sociais, que não é dado ao Poder Público olvidar. A propósito, o ativismo judicial não é fenômeno exclusivamente brasileiro, como mostra - com exemplos - Luís Roberto Barroso. Como em qualquer outro assunto, há opiniões favoráveis e aquelas que são contrárias ao ativismo judicial; no ponto, aduzo as afirmações de Lênio Streck: "O que é ativismo? É quando os juízes substituem os juízos do legislador e da Constituição por seus juízos próprios, subjetivos, ou, mais que subjetivos, subjetivistas (solipsistas). No Brasil esse ativismo está baseado em um catálogo interminável de "princípios", em que cada ativista (intérprete em geral) inventa um princípio novo. Na verdade, parte considerável de nossa judicialização perde-se no emaranhado de ativismos". No âmbito do próprio Judiciário, encontram-se decisões que expressamente condenam o ativismo (STJ, REsp 650.728/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 23/10/2007, DJe 02/12/2009) e outras que o apoiam (TJ/SP, MI nº 1681520000, Órgão Especial, Rel. Des. Mathias Coltro, DJ 01/04/2009). Quanto ao STF, a palavra de seu decano - já referida - ecoa o que pensa aquela Corte, onde há várias decisões importantes no panorama do ativismo, por exemplo: RE 410.715, Relator Min. Celso Mello, Segunda Turma, Data do julgamento 22.11.2005. DJ de 03.02.2006. Deveras, diante do texto da Constitucional, especialmente da ampla dicção do inc. XXXV do art. 5º, não há como evitar nem a judicialização, nem o ativismo, sendo o ativismo mais comum aquele em que o Judiciário busca remediar omissões principalmente do Executivo, que se queda inerte diante da implementação de direitos fundamentais, de direitos sociais e de políticas públicas que se encontram no Texto Constitucional em caráter imperioso, isto é, não são dádivas que o Poder Público pode ou não conceder conforme mais e quando lhe convenha. É o caso, por exemplo, da prestação de serviços de saúde, que nesta Corte são amplamente reconhecidos em favor dos desvalidos. Na espécie dos autos o grau de ativismo que emana da r. interlocutória tem razão de ser porquanto a matéria de fundo afeiçoa-se com o direito social à saúdee com a proteção à infância. Destaco, por fim, que o prazo de cento e vinte dias assinalado pelo Juiz é razoável e, por outro lado, os pedidos de afastamento ou diminuição da multa são sinais seguros de que o agravante não está disposto a atender a ordem judicial. Portanto, as astreintes são cabíveis contra o Poder Público (REsp 1488639/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 16/12/2014).” Logo, não há razão para alterar o entendimento já adotado anteriormente por este Relator. Em acréscimo, ainda sobre a possibilidade de fixação de multa diária (astreintes) em desfavor da Fazenda Pública como meio de compelir o devedor a adimplir a obrigação como aquela determinada pela decisão ora recorrida, em recente julgado submetido à sistemática do § 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, o STJ reafirmou seu cabimento (REsp 1474665/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 22/06/2017). Ademais, não existe razão de Estado - nem mesmo a esfarrapada escusa que se escora numa deturpação do princípio da reserva do possível cogitado nos anos 1970 pelo Tribunal Constitucional Alemão, e "importada" no Brasil sem qualquer cuidado - que suplante o direito à saúde dos cidadãos. Pelo exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA. IMPLANTAÇÃO DE NO MÍNIMO DOIS LEITOS EM UTI NEONATAL. MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS. PRAZO DE 120 DIAS. RAZOABILIDADE. MULTA DIÁRIA: CABIMENTO. AGRAVO PRECEDENTE DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (AI 5000775-12.2017.4.03.0000/MS). ENTENDIMENTO MANTIDO. RECURSO IMPROVIDO.
1. A controvérsia aqui noticiada já foi analisada no agravo de instrumento anterior (autos de nº 5000775-12.2017.4.03.0000/MS) tirado pelo ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL em face da mesma decisão agravada, não tendo este Relator verificado qualquer plausibilidade nas insurgências manifestadas contra a r. interlocutória agravada.
2. De regra, não cabe ao Poder Judiciário, que não é eleito, imiscuir-se nas politicas públicas de modo a sobrepujar as escolhas e iniciativas do Poder Executivo - que, inclusive, dependem de recursos orçamentários adrede alocados - a quem cabe, a par com o Poder Legislativo nas atribuições dele, governar. Essa vedação, sabe-se, é relativa, porquanto atualmente se tolera um certo grau de ativismo judicial que, naturalmente, é contaminado por escolhas de âmbito político permeadas de convicções subjetivas dos juízes de instância inferior, dos membros dos tribunais, e até do STF. Todos, invariavelmente, invocam os ditames da Constituição para assim proceder.
3. Atualmente se pode enxergar nas práticas do Poder Judiciário várias vertentes de ativismo, mas aqui interessa considerar o chamado "ativismo remedial", que é a atitude do Poder Judiciário impondo obrigações positivas aos demais poderes e determinando atos concretos que prestigiam políticas públicas e outras que ordenam ações de órgãos públicos e atos de regulamentação de leis pré-existentes.
4. Essa posição judicial encontra fonte nas omissões, principalmente do Poder Executivo, na execução de tarefas e competências a ele cometidas pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. Essa conduta é justificada na fala do Ministro Celso de Mello "... quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional...".
5. Deveras, diante do texto da Constitucional, especialmente da ampla dicção do inc. XXXV do art. 5º, não há como evitar nem a judicialização, nem o ativismo, sendo o ativismo mais comum aquele em que o Judiciário busca remediar omissões principalmente do Executivo, que se queda inerte diante da implementação de direitos fundamentais, de direitos sociais e de políticas públicas que se encontram no Texto Constitucional em caráter imperioso, isto é, não são dádivas que o Poder Público pode ou não conceder conforme mais e quando lhe convenha.
6. É o caso, por exemplo, da prestação de serviços de saúde, que nesta Corte são amplamente reconhecidos em favor dos desvalidos. Na espécie dos autos o grau de ativismo que emana da r. interlocutória tem razão de ser porquanto a matéria de fundo afeiçoa-se com o direito social à saúde e com a proteção à infância.
7. O prazo de cento e vinte dias assinalado pelo Juiz é razoável e, por outro lado, os pedidos de afastamento ou diminuição da multa são sinais seguros de que o agravante não está disposto a atender a ordem judicial. Portanto, as astreintes são cabíveis contra o Poder Público (REsp 1488639/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 16/12/2014).
8. Ainda sobre a possibilidade de fixação de multa diária (astreintes) em desfavor da Fazenda Pública como meio de compelir o devedor a adimplir a obrigação como aquela determinada pela decisão ora recorrida, em recente julgado submetido à sistemática do § 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, o STJ reafirmou seu cabimento (REsp 1474665/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 22/06/2017).
9. Não existe razão de Estado - nem mesmo a esfarrapada escusa que se escora numa deturpação do princípio da reserva do possível cogitado nos anos 1970 pelo Tribunal Constitucional Alemão, e "importada" no Brasil sem qualquer cuidado - que suplante o direito à saúde dos cidadãos.
10. Agravo de instrumento improvido.