Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006871-51.2018.4.03.6000

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. FÁBIO PRIETO

APELANTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELADO: WILSON DOS SANTOS CORREA
REPRESENTANTE: ELIZABETE CLEMENTE DE FREITAS

Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE MEDEIROS - MS11064-S,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006871-51.2018.4.03.6000

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. FÁBIO PRIETO

APELANTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

 

APELADO: WILSON DOS SANTOS CORREA
REPRESENTANTE: ELIZABETE CLEMENTE DE FREITAS

Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE MEDEIROS - MS11064-S,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O Senhor Desembargador Federal Fábio Prieto:

 

Trata-se de ação destinada a viabilizar a expedição tardia de registro administrativo de nascimento indígena (RANI), indeferido pela FUNAI porque o pai do autor não possuía RANI.

 

A r. sentença (fls. 234/239, ID 6482740) julgou o pedido inicial procedente e condenou a FUNAI ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa.

 

Apelação da FUNAI (fls. 243/249, ID 6482740), na qual requer a reforma da r. sentença. Afirma a impossibilidade da expedição tardia do RANI: o registro apenas seria viável quanto a nascimentos e óbitos, nos termos do artigo 13, da Lei Federal nº. 6.015/73.

 

Aduz a viabilidade da retificação do registro civil, nos termos dos artigos 2º e 3º, da Resolução de 26 de março de 2012. A emissão do RANI seria desnecessária.

 

Sustenta que os registros administrativos apenas serviriam para controles estatísticos da FUNAI, não constituindo instrumento legal e cartorial e, portanto, não podendo gerar direitos de família ou sucessórios. O fato do apelado não possuir o RANI não geraria qualquer restrição ao acesso a direitos ou benefícios.

 

Resposta (fls. 253/259, ID 6482740).

 

A Procuradoria Regional da República apresentou parecer (ID 55211409).

 

Sentença sujeita a necessário reexame.

 

É o relatório.

 

 

 

 


 

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006871-51.2018.4.03.6000

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. FÁBIO PRIETO

APELANTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

 

APELADO: WILSON DOS SANTOS CORREA
REPRESENTANTE: ELIZABETE CLEMENTE DE FREITAS

Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE MEDEIROS - MS11064-S,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O Senhor Desembargador Federal Fábio Prieto:

 

A Lei Federal nº. 6.015/73:

 

Art. 2º. Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:

(...)

III - respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição;

(...)

VI - respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;

 

Art. 12. Os nascimentos e óbitos, e os casamentos civis dos índios não integrados, serão registrados de acordo com a legislação comum, atendidas as peculiaridades de sua condição quanto à qualificação do nome, prenome e filiação.

Parágrafo único. O registro civil será feito a pedido do interessado ou da autoridade administrativa competente.

 

Art. 13. Haverá livros próprios, no órgão competente de assistência, para o registro administrativo de nascimentos e óbitos dos índios, da cessação de sua incapacidade e dos casamentos contraídos segundo os costumes tribais.

Parágrafo único. O registro administrativo constituirá, quando couber documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova.

 

 

O registro administrativo é feito em livros próprios da FUNAI.

 

Não se confunde com o registro civil.

 

A atuação do administrador deve se pautar pela impessoalidade, nos termos do artigo 37, da Constituição.

 

E, tratando-se de indígena, deve respeitar as peculiaridades de sua condição, bem como seus valores, nos termos do artigo 2º, incisos III e VI, da Lei Federal nº. 6.015/73.

 

A motivação do administrado é irrelevante para a atuação administrativa. Pouco importa o efeito prático que o documento terá para o apelado.

 

De outro lado, tratando-se de registro com objetivo estatístico, não há qualquer prejuízo no cadastramento do apelado, uma vez provada a sua condição indígena.

 

No caso concreto, o apelado é interditado (fls. 8/10, ID 6482740).

 

Possui registro de identidade na FUNAI (fls. 17, ID 6482740).

 

As lideranças e representantes da Aldeia Ipegue anuíram com o pedido (fls. 19/32, ID 6482740).

 

A expedição do documento é viável

 

A jurisprudência desta Corte, em casos análogos:

 

REMESSA EX OFFICIO. FUNAI. AUTO DECLARAÇÃO E COMPROVAÇÃO DA ORIGEM INDÍGENA DA AUTORA. DIREITO À EXPEDIÇÃO DO REGISTRO ADMINISTRATIVO DE NASCIMENTO DE ÍNDIO (RANI). DEMORA INJUSTIFICADA DISSOCIADA DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO.

1. Trata-se de ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, proposta em 17/3/2016 por LEOCÁDIA FELIX DE ARAÚJO em face da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, com vistas à análise do requerimento administrativo de Registro Administrativo de Nascimento de Índio (RANI), no prazo improrrogável de 30 dias. Afirma que protocolou requerimento administrativo perante a FUNAI para expedição do seu Registro Administrativo de Nascimento de Índio (RANI), documento necessário para a comprovação da origem étnica junto à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, na qual foi aprovada em vestibular. Aduz ter comprovado ser filha de indígena, manter laços com sua aldeia e com os membros da comunidade, familiares e amigos. Em resposta, a ré informou que a expedição de RANI tardio estava suspensa, conforme Portaria da Presidência da FUNAI nº 191, de 25/3/2015, encontrando-se sem andamento a tramitação do seu processo. Sentença de procedência que determinou que a FUNAI expeça definitivamente o Registro Administrativo de Nascimento de Índio (RANI TARDIO) em favor da autora.

2. A autora declarou-se indígena e comprovou o reconhecimento dessa identidade pelo grupo de origem, bem como demonstrou a relação biológica através dos documentos de fls. 32 e 33, constituindo a formalização da auto declaração um direito do indígena efetivado através da expedição do RANI.

3. É certo que a duração razoável do processo constitui garantia constitucional prevista no artigo 41 da Carta Magna, sendo que quando não houver prazo fixado para a Administração Pública praticar atos de seu dever, o prazo para a conclusão do processo administrativo deve ser aquele disposto no artigo 49 da Lei nº 9.784/99, qual seja, 30 dias após a conclusão da instrução. A autora formalizou o pedido de expedição de RANI tardio em janeiro de 2016 (fls. 17/18). O pleito não foi apreciado por conta da Portaria nº 191/2015 da Presidência da FUNAI. Ocorre que a conclusão dos trabalhos do Grupo Técnico se deu em 23/12/2015, sendo que a partir de então, conforme esclarecido pela FUNAI, a emissão dos RANIs tardios foi retomada. Contudo, até a apreciação do pedido de tutela antecipada, em 1/7/2016, o RANI da autora não havia sido expedido. Trata-se de delonga muito superior a 30 dias, totalmente dissociada do princípio da razoabilidade, ao qual está adstrita a Administração Pública.

4. Remessa oficial desprovida.

(TRF3, ReeNec - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 2232272 0003251-87.2016.4.03.6000, SEXTA TURMA, DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 20/06/2017).

 

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE AGIR. SENTENÇA "EXTRA PETITA". NÃO CONFIGURADA. REGISTRO DE NASCIMENTO DE INDÍGENA - RANI. REGISTRO DE NASCIMENTO CIVIL TARDIO. ARTIGO 5º, XXXIII E XXXIV, "B", DA CF/88. LEI 6.001/1973. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado com o fito de obter a expedição do Registro de Nascimento Indígena - RANI do genitor do impetrante, com o consequente registro de nascimento civil tardio.

2. O impetrante possui interesse de agir no presente mandamus, a uma, porque o direito à certidão encontra-se previsto no artigo 5º, XXXIII e XXXIV, "b", da Carta Magna, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, e a duas, porque a pretensão do impetrante cinge-se à obtenção do RANI de seu falecido pai e, consequentemente, ao registro de nascimento civil, não se tratando, assim, de demanda previdenciária, como alegado pela FUNAI, haja vista que nos autos há apenas menção de que, na posse de tais documentos, seria requerido o benefício previdenciário de pensão por morte.

3. Segundo o e. Superior Tribunal de Justiça, não configura julgamento ultra petita ou extra petita, com violação ao princípio da congruência ou da adstrição, o provimento jurisdicional exarado nos limites do pedido, o qual deve ser interpretado lógica e sistematicamente a partir de toda a petição inicial.

4. A Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio), que regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional, assegura-lhes o pleno exercício dos direitos civis e políticos.

5. Posteriormente, editou-se a Resolução Conjunta do Conselho Nacional da Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público de n.º 3, de 19 de abril de 2012, que estabelece regras específicas para o assento de nascimento de indígena perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e autoriza o registro tardio mediante a apresentação do RANI.

6. Conquanto não seja possível determinar com exatidão a data de nascimento do pai do impetrante, a expedição de certidão de nascimento administrativa, além de configurar um direito da parte, se revela necessária para a correção de equívocos ocorridos com a emissão da certidão de óbito do de cujus.

7. Sentença mantida. 8. Apelação e remessa necessária desprovidas.

(TRF3, ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 362994 0000144-34.2013.4.03.6002, TERCEIRA TURMA, DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 27/02/2019).

 

 

Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, fixo os honorários advocatícios em 11% (onze por cento) do valor da causa, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.

 

Por tais fundamentos, nego provimento à apelação e à remessa oficial.

 

É o voto.

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO - REGISTRO DE NASCIMENTO DE INDÍGENA (RANI) - REGISTRO TARDIO - VIABILIDADE - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.

1- O registro administrativo é feito em livros próprios da FUNAI. Não se confunde com o registro civil.

2- A atuação do administrador deve se pautar pela impessoalidade, nos termos do artigo 37, da Constituição. E, tratando-se de indígena, deve respeitar as peculiaridades de sua condição, bem como seus valores, nos termos do artigo 2º, incisos III e VI, da Lei Federal nº. 6.015/73.

3- A motivação do administrado é irrelevante para a atuação administrativa. Pouco importa o efeito prático que o documento terá para o apelado.

4- De outro lado, tratando-se de registro com objetivo estatístico, não há qualquer prejuízo no cadastramento do apelado, uma vez provada a sua condição indígena.

5- Viabilidade do registro tardio, no caso concreto.

6- Apelação e remessa oficial improvidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.