D.E. Publicado em 17/12/2010 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso ministerial e dar parcial provimento ao apelo da defesa, apenas para afastar a decretação de perdimento do veículo apreendido na ocasião dos fatos, a nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
DESCRIÇÃO FÁTICA: narra a inicial que, em 04/04/2010, DANIEL VENÂNCIO DE PAULA foi preso em flagrante por policiais rodoviários federais, quando trafegava com seu veículo Ford Royale (placa JJJ-2511) pelo km 95 da rodovia BR-153, na altura do Município de Jaci/SP. Foram encontrados em seu poder anabolizantes e medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que haviam sido introduzidos clandestinamente no país e estavam escondidos em um compartimento do tanque de combustível. No interrogatório policial, o réu afirmou que adquirira os itens no Paraguai e os trouxera para o Brasil, sem o conhecimento dos demais ocupantes do veículo, com a finalidade de uso próprio.
Imputação: art. 273, §1º-B, incisos I e V, do Código Penal.
SENTENÇA (fls. 149/152v.): julgou procedente a denúncia para condená-lo como incurso no tipo penal do art. 273, §1º-B, do Código Penal. Entretanto, face ao princípio da proporcionalidade, substituiu a aplicação do preceito secundário deste dispositivo pelos parâmetros sancionatórios do crime de tráfico de entorpecentes, previstos no art. 33, da Lei 11.343/06. Desta forma, condenou o acusado à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 580 (quinhentos e oitenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, negando ao réu o direito de apelar em liberdade, por não preencher os requisitos para a concessão de liberdade provisória. Decretou, também, o perdimento do veículo Ford/Royale 2.0 GHIA, apreendido na ocasião dos fatos.
APELANTE (JUSTIÇA PÚBLICA) - fls. 158/163: pugna pela majoração da pena aplicada pelo Juízo "a quo" , pois foi fixada aquém dos parâmetros legais do art. 273, §1º-B, do Código Penal. Argumenta que, neste aspecto, a decisão monocrática infringiu o art. 2º, da Constituição Federal, que traduz o Princípio da Separação dos Poderes, bem como os limites de fixação das penas conferidos ao magistrado pelo art. 59, do Código Penal.
APELANTE (DANIEL VENÂNCIO DE PAULA) - fls. 178/199): pleiteia a sua absolvição por falta de materialidade delitiva, pois teria apenas importado os anabolizantes e medicamentos para uso próprio, inexistindo prova de que representem efetivo risco à saúde pública, a despeito de não possuírem registro junto à ANVISA, uma vez que não foram corrompidos, adulterados ou falsificados. Subsidiariamente, reclama a desclassificação da conduta para o delito de descaminho (art. 334, do Código Penal). Requer, ainda, a aplicação analógica do art. 41, da Lei 11.343/06, para que seja reduzida a sua pena. Paralelamente, pede a reforma da r. sentença quanto à pena de perdimento do veículo Ford/Royale 2.0 GHIA, utilizado no transporte das substâncias, por ser de propriedade de terceiro alheio ao fato.
APELADO (DANIEL VENÂNCIO DE PAULA): apresentou contrarrazões às fls. 248/252
APELADA (JUSTIÇA PÚBLICA): apresentou contrarrazões às fls. 268/272.
PARECER DA PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA (Drª Maria Iraneide Olinda S. Facchini) - fls. 274/279v.): opina pelo desprovimento do recurso do réu, e pelo provimento da apelação ministerial.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES (RELATOR):
DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DELITIVAS
Tanto a autoria quanto a materialidade restaram incontroversas.
A materialidade foi plenamente comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/04) e pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 14/15), o qual elencou as substâncias encontradas no compartimento do tanque do veículo usado pelo réu, a saber:
O Laudo de Exame de Produto Farmacêutico nº. 1995/2010 (fls. 118/126) identificou a procedência estrangeira dos medicamentos Pramil (Paraguai), Testoland Depot (Paraguai), Testogar (Áustria), Nabolic Strong (Argentina), Stanozoland Depot 15 ml (Paraguai) e New Life Hair (Estados Unidos da América), e não logrou especificar a origem dos demais.
Após a análise de seus princípios ativos, o laudo esclareceu que o remédio Pramil tem função vasodilatadora periférica, sendo utilizado no tratamento de disfunção erétil, enquanto os demais estão inscritos na categoria de substâncias anabolizantes, com propriedades androgênicas.
A desconformidade da importação destes medicamentos com a legislação sanitária vigente ficou evidenciada pelos esclarecimentos prestados pelos peritos aos quesitos 5, 6 e 7 (fls. 125): "Os medicamentos analisados não possuem registro na ANVISA, sendo proibido o seu comércio em todo o território nacional, nos termos da Lei 6360/76. Apesar de o medicamento HEMOGENIN possuir registro válido no órgão de vigilância sanitária competente, o fabricante detentor do registro é o laboratório Sanofi-Aventis LTDA, e não o laboratório Sarsa, como consta nas embalagens dos mesmos. Ainda, segundo o registro do produto na ANVISA, o princípio ativo do Hemogenin é a substância oximetolona(...) Segundo site do próprio órgão de Vigilância Sanitária, todo medicamento importado deve ter registro no citado órgão. Assim, todos os materiais analisados são de importação proibida."
Não é crível a tese defensiva de que os remédios importados se destinavam ao uso próprio do acusado. Tal alegação se revela inverossímil diante da quantidade e diversidade de anabolizantes e comprimidos para disfunção erétil. Ademais, o material e as circunstâncias em que foi encontrado coincidem plenamente com a informação recebida pelos policiais e que motivou a abordagem do veículo, como se extrai do depoimento do policial rodoviário federal Edson Carneiro Feitosa (fls. 92): "(...) Nós recebemos a informação desse veículo que estava vindo do Paraguai com esse medicamento no tanque. Ficamos aguardando por ali até ele aparecer. Abordamos lá e levamos até a base, onde foi constatado que tinha um fundo falso no tanque onde estava o medicamento."
No que toca à autoria delitiva, esta também restou clara e insofismável, não só em função do flagrante, mas também em razão do depoimento do próprio réu.
O acusado confessou, no inquérito policial e em juízo (fls. 08/11 e 92), que as substâncias apreendidas lhe pertenciam, embora tenha sustentado que foram adquiridas para consumo pessoal, asseverando que os demais ocupantes do carro desconheciam a importação dos medicamentos.
Desta forma, o conjunto probatório permite concluir que o acusado trouxe, livre e conscientemente, várias espécies de medicamentos de importação proibida por não terem registro na ANVISA, cuja quantidade e diversidade denotam a nítida finalidade de comercialização.
Portanto, ainda que não se tenha certeza se o acusado incidiria efetivamente nas demais condutas tipificadas no art. 273, §1, do Código Penal, tais como "entregar", "vender", "ter em depósito" ou "expor à venda", não resta dúvida de que consumou a prática o núcleo "importar" do delito na forma dolosa, com plena consciência de sua ilicitude, a ponto de esconder o material em fundo falso do tanque de combustível, sendo de rigor a manutenção da condenação.
DA FIGURA TÍPICA
Os crimes previstos nos parágrafos do art.273, do Código Penal, cuja redação foi dada pela Lei 9.677/98, destinam-se a resguardar o bem jurídico da saúde pública, com o fulcro de apenar não somente a produção fraudulenta de medicamentos e produtos congêneres, mas também as violações aos controles de vigilância sanitária exercidos pela ANVISA, ente administrativo responsável pelo cumprimento da incumbência dada ao Poder Público pelo art. 200, I, da Consituição Federal:
Este é o fundamento maior que justifica a abrangência das condutas tipificadas no art. 273, do Código Penal, e seus parágrafos. No caso em tela, o réu foi denunciado como incurso no art. 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal, a seguir grifados:
Como se observa na análise do Laudo de Exame de Produto Farmacêutico, é inquestionável que a conduta praticada pelo apelante se amolda perfeitamente ao estabelecido nos incisos I e V do § 1º - B, do artigo 273 do CP, haja vista tratar-se de importação de produtos destinados a fins terapêuticos/medicinais, sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, parte dos quais de procedência ignorada (casos do Hemogenin, Oxitoland, Decaland-Depot 200 mg e Stanozoland Depot 30 ml - cf. fls. 124).
Está equivocado o argumento da defesa de que a conduta seria atípica, pois os medicamentos importados não foram objeto de falsificação, corrupção ou adulteração. A inserção do parágrafo 1º-B, por advento da Lei 9677/98, prestou-se justamente a estender o tipo penal do art. 273 do Código Penal às condutas relativas à comercialização clandestina de produtos que, independentemente de conterem vício de eficácia ou distorção de suas propriedades, não foram objeto de controle de vigilância sanitária. São figuras que tutelam o perigo abstrato à saúde pública e, por essa razão, prescindem do preenchimento dos núcleos descritos no caput do dispositivo penal ou da demonstração do risco efetivo provocado pelo uso dos produtos.
Tampouco se sustenta juridicamente a pretensão de desclassificação da conduta para o crime de contrabando, previsto no art. 334, do Código Penal, face ao princípio da especialidade da norma penal. É evidente que a ação criminosa se amoldou com perfeição ao preceito incriminador do art. 273, §1º-B, cuja objetividade jurídica demanda maior proteção na esfera penal do que os bens jurídicos tutelados no contrabando.
DA DOSIMETRIA DA PENA
I) DA PENA DE PERDIMENTO DO VEÍCULO FORD/ROYALE (PLACA JJJ-2511)
Preliminarmente, assiste razão ao réu no pleito de reforma do decreto de perdimento, em favor da União, do veículo Ford Royale, placa JJJ-2511. Observo que, embora o acusado tenha declarado à autoridade policial (fls. 08/11) que é o verdadeiro proprietário do veículo, este se encontra registrado em nome de sua mãe, Maria de Lourdes Martins de Paula. Tanto na hipótese de ser o acusado o real proprietário ou no caso de ter sido o automóvel emprestado por sua genitora, não há elementos que infirmem o caráter lícito da posse do veículo apreendido.
Embora seja certo que o bem apreendido foi instrumento do crime em apreço, não é o caso de cominação de pena de perdimento, pela aplicação da regra insculpida na Parte Geral do Código Penal brasileiro em seu art. 91, II, "a", que exige a ilicitude do uso, do porte ou da detenção do bem para que seja este objeto da mencionada sanção. Não há falar na aplicação analógica dos artigos 62 e 63 da Lei 11.343/06, pois é norma excepcional de incidência restrita ao tráfico de drogas, que por sua relevância no contexto da criminalidade, merece tratamento jurídico diferenciado para o seu combate.
II) DO PLEITO DE BENEFÍCIO DO ART. 41, DA LEI 11.343/06
No tocante ao pedido do réu de concessão do benefício da delação premiada, previsto no art. 41, da Lei 11.343/06, cuja transcrição se faz oportuna:
Pondero que, ainda que se admitisse a aplicação analógica desta norma ao crime do art. 273, do Código Penal, impende notar que o apelante não preencheria os requisitos explicitamente citados no dispositivo legal. Com efeito, embora fosse autor confesso do delito, o acusado não colaborou na identificação de co-autores ou partícipes, tampouco na recuperação do produto do crime. Nem seria possível, afinal ele mesmo declarou que agiu sozinho na empreitada criminosa, e os medicamentos clandestinamente importados foram apreendidos na prisão em flagrante. Deste modo, é descabida a concessão da benesse requerida.
III) DA APLICAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 33, DA LEI 11.343/06 AO TIPO PENAL DO ART. 273, §1º-B, DO CÓDIGO PENAL
Passo à análise da decisão do magistrado de primeiro grau de adotar os parâmetros sancionatórios do art. 33, da Lei 11.343/06, que foi objeto de impugnação pelo Ministério Público Federal.
Neste ponto, destaco que a questão da tipificação e da apenação do crime em tela merece considerações importantes em função da redação conferida ao art. 273, do Código Penal, pela Lei n. 9.677/98.
Não posso deixar de observar que a chamada Lei dos Remédios (Lei nº. 9.677/98), que deu a atual redação ao artigo 273 do CP, nasceu a partir de caso concreto, ao sabor da conveniência política do momento, tendo sido a única lei votada pelo Congresso Nacional durante o recesso pré-eleitoral e, talvez bem por isso, não escapou de incongruências e imperfeições.
Miguel Reale Júnior, ao comentar tal diploma legislativo afirmou:
"Só se pode compreender tais exageros pelo clima emocional que caracterizou, especialmente por meio da mídia, a denúncia e o debate de caos de 'falsificação de remédios', questão politizada ao máximo em época eleitoral, com vistas a transformar o Direito Penal em espetáculo".
Ao meu sentir, esta lei contém evidente impropriedade no que tange à quantidade de pena mínima prevista em seu preceito secundário, e até mesmo com relação ao tratamento isonômico que dispensa a condutas que reclamam tratamento diferenciado.
Embora as condutas relacionadas no artigo 273 sejam danosas à saúde e merecedoras de severa punição na seara penal, fato é que se pune de maneira mais rigorosa aquele que falsifica, adultera, vende ou importa produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais (pena mínima de 10 anos) do que aquele que comete homicídio simples (pena mínima de 06 anos), tráfico de drogas (pena mínima de 05 anos), ou mesmo aquele que pratica tortura (pena mínima de 02 anos, aumenta para 08 anos se resultar morte).
Chega-se a incriminar exatamente da mesma forma aquele que adultera ou falsifica remédio e aquele que apenas expõe tal produto à venda. E mais: medicamentos e cosméticos receberam exatamente a mesma disciplina.
Estas constatações demonstram que a pena mínima prevista no artigo 273 do CP e seus parágrafos é desproporcional ao fim a que se presta a norma repressiva, ferindo de morte o princípio da proporcionalidade.
Este princípio, encartado hoje em nosso contexto constitucional, teve sua sistematização e aplicação na doutrina e jurisprudência no período que se seguiu à 2ª Guerra Mundial, denominado na Alemanha de princípio da proibição do excesso, conforme nos expõe Scarance Fernandes (Processo Penal Constitucional, RT, 3ª ed., 2002).
Na análise da atual doutrina sobre o princípio da proporcionalidade, chegamos à conclusão de que este se encontra fundamentado, constitucionalmente, nos alicerces que sustentam o próprio Estado Democrático de Direito. É como leciona Paulo Bonavides:
Ainda na análise deste princípio, aplicado aqui, especificamente, em matéria penal, destacamos um aspecto essencial do postulado da proporcionalidade, que é a consideração sobre a adequação. O mencionado autor assim se manifesta a respeito:
Em casos como os dos autos, é dedutível que a apenação voltada para este delito específico não reproduz um meio certo para atingir o interesse público, posto que arbitra critérios não razoáveis em relação à conduta descrita no tipo penal. Em outras palavras, nesta hipótese não há uma adequação dedutível entre a ação do agente e a correspondente incriminação.
Ainda sobre o aspecto da adequação, há de se analisar que a medida penal deve possuir não somente a denominada adequação qualitativa (qualidade para alcançar o fim pretendido), mas também a adequação quantitativa (a duração ou a intensidade da pena deve ser condizente com sua finalidade). (Scarance Fernandes, ob. cit., p. 54)
A doutrina e a jurisprudência tratam, também, de um segundo elemento a complementar e integrar o princípio da proporcionalidade, qual seja, a necessidade. Não basta, assim, a adequação do meio ao fim. Além do meio ser idôneo, deve este gerar, de igual forma, a menor restrição possível ao indivíduo. "Para se impor uma restrição a um indivíduo colocam-se, a quem exerce o poder, várias possibilidades de atuação, devendo ser escolhida a menos gravosa". (ob. cit., p. 55). Este elemento - necessidade, ao lado da adequação - integra a edificação e sistematização do princípio da proporcionalidade no Direito Penal.
De outro norte, é forçoso reconhecer que, ao se aplicar a pena prevista para o tipo do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, haverá uma visível falta de sintonia - ou quebra de simetria - no contexto das penas previstas pela legislação repressiva (geral ou especial). Destarte, não somente a exasperação desnecessária se torna visível na análise da apenação deste tipo, mas também se verifica uma ruptura com a sistemática das penas estabelecidas para outros delitos de igual dimensão (tráfico de drogas, contrabando e descaminho, crimes contra o sistema financeiro e tributário e outros).
Esta ruptura fez isolar e diferenciar o delito do art. 273, § 1º-B, do CP, de outros tipos penais análogos, ao analisarmos o tempo de reclusão fixado ao condenado e também o próprio contexto histórico-legislativo no qual esta norma foi elaborada, como narrado acima.
Considero, ainda, de suma necessidade demonstrar que a atuação do postulado da proporcionalidade não tem como escopo fazer prevalecer, a todo custo, benefícios exclusivos ao acusado. Diferentemente, o que se busca é a aplicação de equilíbrio na atuação penal, atentando-se não somente ao direito de defesa, mas também ao direito do Estado de punir firme e adequadamente ao mesmo tempo.
Efetivamente, busca-se o estabelecimento de um esperado equilíbrio à atuação estatal de acusar e proteger o corpo social e, paralelamente, ao acusado, de cumprir uma pena eficaz e adequada ao delito praticado.
Por derradeiro, anote-se que o princípio da proporcionalidade tem estrita correspondência, como visto acima, com o princípio da razoabilidade, que possui, aliás, os mesmos elementos integrantes (adequação, necessidade e proporcionalidade).
Não é por outro motivo que concordo e defendo a mesma interpretação dada pelo magistrado na sentença para que, em casos como este, seja afastada a aplicação do preceito secundário expresso no tipo penal do artigo 273, §1º-B, do CP, no que tange ao mínimo de pena cominada ao delito, para aplicar-se, como parâmetro, a pena mínima prevista em abstrato para o crime de tráfico de drogas (05 anos - Lei nº. 11.343/2006, artigo 33).
Tal sugestão se mostra bastante razoável diante do caso concreto, especialmente por dois motivos:
Primeiro porque noto que o laudo de exame de produto farmacêutico (fls. 174/178 e 190/194) esclarece que a substância SILDENAFIL, encontrada no medicamento PRAMIL, é sujeita a receita de controle especial, conforme previsto na Portaria SVS/MS nº. 344, de 12 de maio de 1998, atualizada pela Resolução ANVISA/MS RDC nº. 44, de 02 de julho de 2007, dando azo à aplicação do artigo 66 da Lei de Drogas que dita o quanto segue:
Segundo porque frente a casos tão complexos como este a jurisprudência já se valeu, na seara do direito penal, de raciocínio semelhante. Exemplo disso foi a solução dada, na vigência da Lei 6.368/76, à controvérsia que surgiu quanto à pena a ser aplicada ao crime de associação para o tráfico (art. 14) após o advento da Lei 8.072/90.
Efetivamente, esta novel legislação previa no seu art. 8º, caput, uma pena de 03 a 06 anos de reclusão quando o delito de quadrilha ou bando (art. 288, CP) tivesse como objetivo o tráfico de drogas ou maquinários, ao passo que a Lei 6.368/76 previa uma reprimenda de 03 a 10 anos de reclusão para o delito de associação para o tráfico.
A jurisprudência acabou pacificando a polêmica dizendo que a Lei dos Crimes Hediondos alterou apenas o preceito secundário do citado artigo 14 da antiga Lei de Tóxicos, sem, entretanto, revogar o tipo incriminador. Confira-se a jurisprudência da época:
Em ambas as situações, não se feriu o princípio constitucional da Separação dos Poderes, como crê o parquet, pois não se verificou a indevida assunção da função legislativa estatal por membros do Poder Judiciário, mas exercício de interpretação sistemática, balizado por um valioso princípio instrumental do Estado de Direito, conforme ensina o constitucionalista Jorge Miranda, qual seja, o princípio da proporcionalidade. Em última análise, nestes casos, volta-se o poder jurisdicional à proteção do devido processo legal em sua dimensão material.
Evidentemente que a comercialização de medicamentos irregulares no país afronta e coloca em risco a própria saúde pública, exigindo-se um cuidado redobrado quanto a esta prática, ainda que haja medicamentos similares no mercado. No entanto, há que se usar não apenas de bom senso, mas dos princípios que norteiam o sistema normativo penal. A utilização da Lei de Drogas como parâmetro nos termos propostos atende ao princípio da proporcionalidade, além de ser interpretação mais benéfica ao réu e de propiciar uma concretização mais justa e equânime do direito.
Ainda neste mesmo sentido do expendido, trago importantes e atuais julgados do TRF da 4ª Região:
Desta feita, atento à adequação da pena-base atribuída ao réu e do restante da dosimetria penal efetuada na r. sentença, mantenho a pena tal como determinada pelo Juízo "a quo", pela prática do crime tipificado no artigo 273, §1º-B, incisos I e V, do Código Penal. Assim sendo, é de rigor que seja condenado o réu à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 580 (quinhentos e oitenta) dias-multa, calculados sobre o valor de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Diante do exposto, voto pelo desprovimento do recurso ministerial e pelo parcial provimento da apelação do réu, apenas para afastar a decretação de perdimento do veículo apreendido na ocasião dos fatos.
É o voto.
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Data e Hora: | 15/12/2010 13:17:24 |