D.E. Publicado em 25/09/2009 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Sr. Juiz Federal Convocado Alexandre Sormani (Relator):
Trata-se de recurso de apelação de Simone de Andrade Rita em face da r. sentença de fls. 114/119 que houve por bem julgar improcedente o pedido inicial, condenando o autor no pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa, ressalvado o fato de ser a autora beneficiária da justiça gratuita.
Em suas razões de apelo (fls. 123/128), sustenta a autora ter ficado comprovado através de depoimento de suas testemunhas que a apelante nunca emprestou seu cartão bancário e sua senha a terceiros. Diz que a culpa por falha na prestação de serviço e vulnerabilidade dos sistemas de saque de conta corrente ou poupança é de inteira responsabilidade da apelada, já que cabe a ela produzir mecanismos de verificação e controle hábeis a comprovar que as operações foram realizadas pelo correntista, ou sob as ordens deste. A atitude da apelada e sua resistência em devolver à autora a importância desaparecida de sua conta de poupança provocaram na apelante grande angústia e desviaram-lhe de suas atividades normais, causando-lhe danos morais.
Com as contrarrazões de fls. 136/139, os autos vieram a esta Corte.
É o relatório.
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VOTO
O Sr. Juiz Federal Convocado Alexandre Sormani (Relator):
Segundo a inicial, a apelante solicitou, no dia 20/10/2005, um extrato bancário de sua conta corrente e observou que três saques tinham sido efetuados entre os dias 13 e 17 de outubro daquele ano. Como ela não havia efetuado aqueles saques dirigiu-se à CEF - onde mantinha a conta -, solicitando-lhe providências para a restituição dos valores. A apelada, todavia, enviou-lhe informação, em novembro de 2005, aduzindo que não restituiria aqueles valores, pois os saques contestados não teriam sido ocasionados por qualquer falha ou irregularidade nos procedimentos adotados por ela.
A r. sentença ora recorrida concluiu pela improcedência do pedido, fundamentada, basicamente, na falta de comprovação dos fatos narrados na inicial:
Considerando que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), tenho, em meus julgamentos, esposado o entendimento de que, em se tratando de ação que envolve relação de consumo, tendo de um lado um banco e, de outro, uma pessoa hipossuficiente, deve ser invertido o ônus da prova em favor do consumidor (CDC, art. 6º, VIII), uma vez que a responsabilidade, nesse caso é objetiva, a teor do art. 14 do CDC. Nestas situações, a responsabilidade só é afastada se restar comprovada uma das causas excludentes do art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor (inexistência de defeito na prestação do serviço ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro), cabendo à instituição bancária o ônus dessa prova, nos termos do art. 333, II, do CPC.
Assim, o essencial para que seja invertido o ônus da prova é a comprovação de ser o consumidor litigante hipossuficiente.
Segundo a doutrina, a hipossuficiência se distingue da vulnerabilidade. Com muita propriedade, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin aduzem que a "vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos". E complementam: "Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a todos os consumidores" (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense, p. 224/225). Assim, a hipossuficiência surge do fato de determinados consumidores serem portadores de características próprias, individuais, que os tornam ainda mais "vulneráveis" do que ocorre com a generalidade de pessoas na mesma condição.
A hipossuficiência pode ter origem econômica ou cultural. É ela econômica quando o consumidor, em razão da ausência de recursos materiais, fica sem aquelas condições mínimas, necessárias e elementares que lhe permitem exercer seus direitos ou comportar-se adequadamente no mercado. Já a hipossuficiência cultural ocorre quando o consumidor não tem instrução, experiência ou condição intelectual que lhe permitam ingressar em uma relação de consumo complexa. No entanto, a para a caracterização dessa espécie de hipossuficiência a carência cultural do consumidor deve ser tal que ele fique patentemente inferiorizado em relação ao fornecedor, de forma a que não consiga sequer entender convenientemente seus direitos na relação de consumo.
Exemplificativamente, a hipossuficiência pode ocorrer nas seguintes situações: incapacidade civil total ou parcial, deficiente capacidade de entendimento e avaliação, ser o consumidor muito jovem ou muito idoso, pobreza acentuada ou condição social grandemente desfavorável, analfabetismo ou baixo nível cultural, ter o consumidor saúde física ou psíquica frágil, etc.
Frise-se, todavia, que o objetivo do CDC ao prever a inversão do ônus da prova em favor do consumidor no caso de comprovada hipossuficiência não é o de prejudicar o fornecedor, que, em tal situação, fica na condição de ter que provar, sob pena de não o fazendo, presumir-se direitos em favor do consumidor, mas sim o de equilibrar as forças da relação de consumo.
Pois bem.
De toda prova coligida aos autos, não restou demonstrada a hipossuficiência da autora. Com efeito, dos documentos e provas produzidos, verifica-se que a autora, à época dos fatos, tinha cerca de 23 anos de idade (não sendo, portanto, muito jovem), sabia ler e escrever (vide as assinaturas lançadas na procuração, na ata de audiência de fls. 99/100 e nas cópias de documentos juntadas aos autos), e trabalhava como balconista em uma loja, o que demanda certa vivência e experiência, estando, portanto, plenamente inserida no mercado de consumo.
Diante de tais constatações, não verificada a hipossuficiência da autora, cabe a ela o ônus de comprovar as alegações vertidas na inicial.
A CEF afirma em sua contestação que o saque de valores em casas lotéricas só é possível por intermédio da utilização do cartão magnético e senha, sendo que esta última é de livre escolha do cliente, sendo gerada eletronicamente de forma criptografada, o que impede, em tese, que terceiros só possam ter acesso se o cliente o permitir, ainda que inadvertidamente.
É de conhecimento geral, todavia, que inúmeros golpes vem sendo aplicado com cartões magnéticos nos últimos anos, em prejuízo dos clientes e das próprias instituições bancárias.
Dentre eles, um dos mais comuns é aquele em que o golpista introduz uma espécie de "armadilha" na máquina de auto-atendimento que, uma vez introduzido o cartão, impede a devolução do mesmo pela máquina. Concomitantemente, o golpista se coloca ao lado do cliente para verificar qual senha é digitada ou oculta uma câmera para filmar a digitação. Se a vítima deixa o local sem retirar o cartão (quando, por exemplo, vai procurar alguém para reclamar do ocorrido), o golpista recupera o cartão, saca o dinheiro e foge.
Outra variante deste golpe é aquela em que o cartão do cliente é clonado por um aparelho apelidado nos meios policiais de chupa-cabra, equipamentos eletrônicos minúsculos de leitura magnética introduzidos no local de inserção dos cartões que, com a ajuda de um chip, grava os dados da tarja magnética do cartão. A senha é obtida pela mesma forma antes descrita. Em seguida, o golpista duplica o cartão, inserem-lhe as informações obtidas do chip e utiliza-o para seus fins escusos.
Ficou patente, em razão disso, a fragilidade da segurança das operações com cartões magnéticos baseada apenas na digitação de uma senha. Bem por isso, as instituições bancárias tem implantado, nos últimos anos, inúmeras novas regras de segurança para o manuseio e uso de cartões magnéticos.
Uma delas é aquela em que, além de digitar a senha, o cliente é obrigado também a memorizar uma seqüência numérica ou alfabética que deve ser digitada não no teclado alfanumérico, mas sim em teclas posicionadas ao lado da tela do equipamento de auto-atendimento. Como as letras ou números vem inseridos em blocos fechados e alternativos (por exemplo: h-c-d-a; j-l-i-c; a-x-w-z; etc.), que mudam aleatoriamente de posição na tela do equipamento, mesmo que o golpista obtenha a senha digitada no teclado alfanumérico, ele dificilmente conseguirá descobrir quais as letras ou números e em que seqüência deve ser digitada a contraprova. A proteção tecnológica se completa com a programação das máquinas pela qual a partir da terceira tentativa incorreta o próprio equipamento bloqueia o acesso do golpista à conta do cliente.
No caso dos autos, todavia, pelo que informou a CEF em sua contestação, o saque mediante o uso do cartão magnético poderia ser feito mediante a simples digitação de uma senha.
Tem razão a CEF quando diz em suas contrarrazões:
Mas, diante do quadro de deficiência no sistema de segurança da apelada, relativo ao uso de cartão magnético, também não é possível descartar a hipótese de que o cartão da autora tenha sido efetivamente clonado e utilizado por um terceiro de má-fé.
Assim, para a solução do litígio, é preciso analisar as outras provas coligidas. E pesa em favor da autora a prova testemunhal colhida a fls. 101/106, cumprindo-se, assim, o ônus da prova.
Todas as testemunhas, não contraditadas pela apelada e advertidas das penas cominadas ao falso testemunho, disseram que trabalhavam com a autora e que, quando esta soube dos saques mencionados na inicial, "chegou na loja chorando muito e muito desesperada" (fl. 101).
Adriana Moura afirmou: "A depoente soube dos fatos no mesmo dia em que a autora. Recorda-se que a autora chegou na loja onde trabalhavam chorando muito e muito nervosa, mostrando o extrato de sua conta zerado. Disse que todo seu dinheiro havia sumido de sua conta e ela não sabia como. As funcionárias da loja perguntaram se ela havia emprestado seu cartão ou sua senha a alguém, e ela disse que não. (...)" (fl. 103).
No mesmo sentido, o testemunho de Karin Aline Clarindo: "Soube dos fatos no mesmo dia em que a autora, pois esta chegou chorando na loja dizendo que o dinheiro que estava depositado na CEF não estava mais lá. Contou a depoente que soube dos saques quando foi retirar um extrato e viu que o dinheiro não estava mais em sua conta. A autora teria dito que só ela possuía o cartão e conhecia a senha. (...)" (fl. 105).
O apelo da autora, portanto, procede, fazendo ela jus ao ressarcimento pelos danos materiais sofridos, no valor de R$ 2.220,00 (dois mil, duzentos e vinte reais) (fl. 14), corrigidos monetariamente a partir do evento danoso.
De outra volta, o evidente constrangimento e os aborrecimentos causados à autora, na espécie dos autos, são suficientes à configuração do dano moral. Além de se ver privada de valores que lhe pertenciam - o que lhe abalou profundamente, consoante o testemunho colhido -, a autora teve seu pedido de ressarcimento negado pela CEF.
Não havendo, todavia, outra demonstração, nos autos, da extensão do dano sofrido pela autora, quanto ao valor da indenização, este deve ser fixado em parâmetros razoáveis, inibindo o enriquecimento sem causa da parte autora e visando a desestimular o ofensor a repetir o ato.
Nesse sentido, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao julgar o Recurso Especial n.º 245.727, publicado no DJ 5/6/2000, página 174, asseverou:
Com efeito, diante dos fatos narrados e comprovados nos autos, tenho por suficiente para indenizar o dano moral experimentado pela autora, observando o valor sacado indevidamente de sua conta, o pagamento a esse título no valor de duas vezes a quantia sacada, ou seja, R$ 4.440,00 (quatro mil, quatrocentos e quarenta reais), posicionado para a data do fato (13 e 17 de outubro de 2005), sem prejuízo da indenização por dano material, antes aventada.
Os juros de mora incidem à base de 6% (seis por cento) ao ano, sendo que a partir de 11/01/2003 os juros deverão ser computados pela taxa SELIC, nos termos do art. 406 do novo Código Civil. Assim, com a ressalva de meu entendimento, passo a acompanhar a jurisprudência desta E. 2ª Turma no sentido de inclusão da taxa SELIC em tal período como juros de mora, não admitindo, porém, a incidência de outro índice de correção monetária no interregno:
A correção monetária deve obedecer ao que estabelece o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução 561, de 02 de julho de 2007, do E. Conselho da Justiça Federal. A correção monetária incidirá a partir do prejuízo, a teor da Súmula 43 do STJ: "Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo". In casu, a partir de 20/10/1997.
Embora o valor da indenização por dano moral tenha sido bem inferior ao postulado na inicial, na "ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca" (Súmula 326/STJ).
Assim, condeno exclusivamente a CEF ao pagamento dos honorários sucumbenciais, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC.
Diante de todo o exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL À APELAÇÃO DA AUTORA para JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO e condenar a ré ao pagamento de indenização por dano material e moral, como na fundamentação.
É como voto.
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Data e Hora: | 16/09/2009 20:03:08 |