Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000743-68.2008.4.03.6124/SP
2008.61.24.000743-8/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada RAQUEL PERRINI
APELANTE : ELI ALVES PINTO
ADVOGADO : ANGÉLICA DE ALMEIDA RODRIGUES e outro
APELADO : Justica Publica
CO-REU : ADRIANO ALVES DOS REIS
No. ORIG. : 00007436820084036124 1 Vr JALES/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. RUFIANISMO E TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES PARA PROSTITUIÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTOS APARTADOS. DEGRAVAÇÃO DO CONTEÚDO PERTINENTE. VALIDADE. PERÍCIA DESNECESSÁRIA. IDENTIFICAÇÃO DAS VOZES POR OUTROS MEIOS DE PROVA. MATERIALIDADE, DOLO E AUTORIA DEMOSNTRADOS. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE DO TRÁFICO DE PESSOAS. DE OFÍCIO, ADEQUAÇÃO DA PENA DE MULTA DO TRÁFICO. ELIMINADA PENA DE MULTA DO RUFIANISMO. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS.
1. Não há qualquer mácula nas provas obtidas através de interceptações telefônicas, devidamente autorizadas judicialmente no bojo de procedimento específico, processado em autos próprios, em apartado, não estando presente, em sua íntegra, no feito atual, apenas as degravações pertinentes.
2. Desnecessidade de prova pericial, sendo identificados os interlocutores das conversas telefônicas interceptadas através do cotejo com outras provas.
3. A materialidade foi comprovada através de prova documental (indicando a remessa de numerário ao corréu aliciador no Brasil e compra de passagens aéreas) e testemunhal (relatos das vítimas prostituídas).
4. A autoria do delito e o dolo do apelante restaram amplamente demonstrados através dos elementos de convicção trazidos aos autos.
5. Pena-base do crime do artigo 231 do Código Penal reduzida ao mínimo. Dizer que o tráfico internacional humano para fins de prostituição é conduta altamente reprovável não constitui embasamento suficiente para elevar a pena-base, pois caracteriza elemento do próprio tipo penal e não circunstância judicial aferida na análise casuística.
6. No que concerne ao rufianismo, a ocorrência da continuidade delitiva restou comprovada nos autos por cinco vezes, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. O réu defende-se dos fatos a ele imputados e não de sua capitulação legal, não havendo que se falar em sentença ultra ou extra petita.
7. Mediante mais de uma ação, o apelante praticou dois crimes distintos e autônomos, consistentes em tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual (artigo 231 do Código Penal) e rufianismo, tirando proveito da prostituição alheia (artigo 230 do Código Penal), sendo de rigor a soma das penas, em concurso material.
8. Observando os critérios adotados para a fixação da pena corporal, a pena de multa do rufianimso foi readequada, de ofício, para 12 (doze) dias-multa.
9. O artigo 231 do Código Penal foi alterado pela lei 12.015/2009, que suprimiu a pena de multa. Por conseguinte, tratando-se de lei posterior mais benéfica ao réu, de ofício, a pena de multa é afastada.
10. Rejeitadas as preliminares, dá-se parcial provimento à apelação para reduzir a pena-base do tráfico internacional de pessoas e, de ofício, eliminar a pena de multa deste delito e readequar a aplicada ao rufianismo .

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, dar parcial provimento ao apelo para reduzir a pena-base do crime do artigo 231 do Código Penal ao patamar mínimo e, de ofício, afastar a pena de multa quanto a este delito e reduzir a pena de multa do crime de rufianismo para 12 (doze) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 31 de julho de 2012.
RAQUEL PERRINI
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000743-68.2008.4.03.6124/SP
2008.61.24.000743-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : ELI ALVES PINTO
ADVOGADO : ANGÉLICA DE ALMEIDA RODRIGUES e outro
APELADO : Justica Publica
CO-REU : ADRIANO ALVES DOS REIS
No. ORIG. : 00007436820084036124 1 Vr JALES/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta por ELI ALVES PINTO contra sentença que o condenou pela prática, em concurso material (artigo 69), dos crimes descritos nos artigos 230 e 231, este c.c. o artigo 71, todos do Código Penal.

Narra a denúncia que o apelante ELI ALVES PINTO, vulgo Stela, e Adriano Alves dos Reis, mediante prévio ajuste, de forma consciente, livre e voluntariamente, promoveram a saída de mulheres brasileiras para exercerem a prostituição em Roma e tiraram proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros.

Consta da exordial, verbis:

"Segundo apurado, os denunciados, no segundo semestre do ano de 2007, promoveram a saída de Isabel Alves Lemos, Érica de Figueiredo, Mariele Cristina Alexandre Cascarano e Vânia Aguiar Porto para exercerem a prostituição na cidade de Roma, na Itália, bem como tiraram proveito da prostituição das citadas mulheres, participando diretamente dos lucros.
Consta dos inclusos autos de inquérito que ELI ALVES PINTO, vulgo STELA, residente em Roma, na Itália, por intermédio de ADRIANO ALVES DOS REIS, domiciliado na cidade de Jales, em São Paulo, promoveu a saída das brasileiras suso mencionadas, para exercerem a prostituição naquele país.
Apurou-se, ainda, que as mulheres aliciadas pelo denunciado ADRIANO eram encaminhadas para a Itália, sendo que as despesas com as passagens de ida e volta, hospedagem, alimentação, cigarros e telefone ficavam por conta de ELI ALVES PINTO, vulgo STELA, a quem cabia a administração da empreitada.
Consta também que ADRIANO, em contrapartida pelos serviços prestados a STELA, recebia parte dos lucros auferidos em razão da exploração da prostituição das brasileiras. Dinheiro esse que era regularmente depositado em conta corrente.
Nos Relatórios de Interceptação Telefônica, reproduzidos parcialmente no relatório da Autoridade Policial, fica claro o proveito nos lucros pela prostituição das mulheres aliciadas e enviadas ao exterior, notadamente por STELA, por meio do aliciamento de ADRIANO no Brasil."

A denúncia foi recebida em 11 de fevereiro de 2008 (fl.125) e seu aditamento em 20 de fevereiro de 2008 (fl.137).

Determinou-se o desmembramento do feito (fl.181).

Após regular instrução, foi proferida sentença (fls.584/591) que julgou procedente a ação penal, condenando o acusado à pena total de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de 65 (sessenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de um décimo do salário mínimo, negada a substituição da pena.

Inconformado, apela o acusado (fls.598/608), postulando o reconhecimento da nulidade das provas obtidas através de escuta telefônica, não autorizada judicialmente e sem o reconhecimento de voz; sua absolvição por ausência de provas quanto à autoria, ao dolo e à materialidade, inexistindo elementos que demonstrem ter alcançado proveito com a prostituição alheia ou que tenha facilitado a saída de mulheres do país; redução da pena-base ao patamar mínimo; afastamento da condenação em concurso material e formal, no que foi excedida a denúncia; regime aberto.

Contrarrazões do Ministério Público Federal no sentido de se negar provimento ao apelo (fls.617/625).

Parecer da Procuradoria Regional da República em prol de ser desprovido o recurso (fls.627/632).

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000743-68.2008.4.03.6124/SP
2008.61.24.000743-8/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada RAQUEL PERRINI
APELANTE : ELI ALVES PINTO
ADVOGADO : ANGÉLICA DE ALMEIDA RODRIGUES e outro
APELADO : Justica Publica
CO-REU : ADRIANO ALVES DOS REIS
No. ORIG. : 00007436820084036124 1 Vr JALES/SP

VOTO

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal Convocada RAQUEL PERRINI:

De início, ratifico o relatório.

1. Das nulidades.

Pleiteia a defesa o reconhecimento da nulidade das provas obtidas através de escuta telefônica, não autorizada judicialmente e sem o reconhecimento da voz dos interlocutores.

No entanto, não subsiste qualquer razão ao inconformismo apresentado.

As escutas telefônicas e respectivas prorrogações foram devidamente autorizadas judicialmente no bojo de procedimento específico que, como sói acontecer, foi processado em autos próprios, sob o nº 2007.61.24.001527-3.

Por óbvio o procedimento, que precedeu as ações penais, vertido em apartado, não se faz presente, em sua íntegra, no feito atual. Estão nos autos, além de arquivo digital dos áudios citados (fl.113), as degravações pertinentes, relacionadas aos fatos trazidos à lume pela denúncia (fls.89/104).

Acerca do tema, julgado desta Corte:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE. COMPETÊNCIA DAC JUSTIÇA FEDERAL. PROVAS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. VALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFEAS NÃO CONFIGURADO. COCAÍNA. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ART. 35 DA LEI 11.343/06. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TRÁFICO DE ARMAS E MUNIÇÕES. ART. 18 E 19 DA LEI 10.826/03. POSSE E DETENÇÃO DE EXPLOSIVOS E ARTEFATOS. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA LEI 10.826/03. DOSIMETRIA DAS PENAS. ADEQUAÇÃO DA PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. REINCIDÊNCIA. (...). 4. Ausentes as nulidades apontadas quanto às interceptações telefônicas, autorizadas judicialmente, preenchidos os requisitos do art. 2º, da Lei 9.296/96. Ao contrário do sustentado pelos apelantes, a degravação das interceptações telefônicas não ocorreu nos presentes autos principais, mas em autos apartados, em obediência ao segredo de justiça. Inexiste vedação legal à renovação sucessiva de autorização judicial para as interceptações, desde que fundamentadas. 5. "É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito, bastando que sejam degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia, não configurando ofensa ao princípio do devido processo legal - art. 5º, LV, da Constituição Federal". (STF, Pleno, HC-MC 91207/RJ, DJ: 11/06/07, Rel. p/ Acórdão Min. Carmen Lucia). 6. O conteúdo das gravações telefônicas evidencia que, ao menos entre junho e setembro de 2007, os réus associaram-se de modo permanente para o fim de praticar crimes de tráfico internacional de drogas e armas. (...) 11. Apelação ministerial parcialmente provida. 12. Apelações dos réus desprovidas.
(ACR 200761020119326, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:10/03/2011 PÁGINA: 141.)

Ademais, absolutamente prescindível a realização de perícia para comprovar a titularidade das vozes havidas através das conversas telefônicas interceptadas.

Além de estar em plena consonância com os ditames da lei 9.296/96, os elementos de convicção trazidos aos autos apontam seguramente para a identificação das vozes colhidas, sobretudo porque comprovado pelos demais elementos constantes dos autos, como a admissão, pelo apelante, em seu interrogatório, de ter mantido conversa telefônica com o corréu Adriano, que reconheceu ser sua a voz constante das interceptações.

Tal é o entendimento pacificado no E. Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. NARCOTRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA TRÁFICO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO DEVIDAMENTE AUTORIZADA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO OU AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DO STJ. POSSIBILIDADE DAS TRANSCRIÇÕES SEREM REALIZADAS POR POLICIAIS CIVIS. PRECEDENTES DESTE STJ. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE DESCREVE TODO O FATO CRIMINOSO, APTA A PERMITIR O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. INEXISTE A ALEGADA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE AFASTA A TESE DEFENSIVA SEM A MENÇÃO EXAUSTIVA DE CADA UMA DAS HIPÓTESES DEFENSIVAS QUE NÃO FORAM ACOLHIDAS. APLICAÇÃO DA REDUTORA PREVISTA NO ART. 33, § 4o. DA LEI 11.343/06. ACÓRDÃO QUE RECONHECE QUE O PACIENTE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O WRIT. PENA-BASE FIXADA EM 6 ANOS E 2 MESES DE RECLUSÃO (COMINAÇÃO MÍNIMA DE 5 ANOS). POSSIBILIDADE DE EXASPERAÇÃO, EM RAZÃO DE SER O PACIENTE USUÁRIO DE DROGAS (CONDUTA SOCIAL DESFAVORÁVEL) E PELA GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS (449 COMPRIMIDOS DE ECSTASY). DESPENALIZAÇÃO QUE VISA, SOMENTE, AO USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. (...) 2. Conforme entendimento deste Tribunal Superior, não se exige a realização da perícia para a identificação das vozes, muito menos que tal perícia ou mesmo a degravação da conversa sejam realizadas por dois peritos oficiais, nos termos da Lei 9.296/96. Precedente deste STJ. (...) 12. Habeas Corpus denegado, em conformidade com o parecer ministerial.
(HC 200900948260, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:03/05/2010.)

Rejeito, por conseguinte, as nulidades argüidas.

2. Do mérito.

Quanto ao mérito, melhor sorte não assiste ao apelante.

A materialidade dos crimes descritos nos artigos 230 e 231 do Código Penal está amplamente demonstrada, assim como a autoria atribuída ao apelante.

Através das transcrições das escutas telefônicas autorizadas judicialmente (fls. 89/104) constata-se que o apelante Eli (Stela) residia na cidade de Roma e, em conluio com o corréu Adriano (condenado nos autos principais), osquestrava esquema de tráfico de mulheres para a exploração de prostituição na Itália.

Nos diálogos interceptados entre o apelante e Adriano em 25/09/2007 e 04/10/2007, resta cristalino que as mulheres eram aliciadas por Adriano na região de Jales para se prostituírem na Europa, sendo o apelante Eli (Stela) responsável pela gestão financeira do esquema: arrecadava todo o ganho auferido pelas meretrizes no exercício de seu mister, pagava-lhes remunerações mensais fixas e custeava-lhes todas as despesas, com passagens aéreas, aluguel, anúncio das atividades oferecidas, comida, bebida, cigarros e ligações telefônicas (fls. 89/104).

Em seu interrogatório em juízo, o corréu Adriano negou qualquer envolvimento com o esquema de tráfico de mulheres para prostituição, admitindo tão-somente a versão de que convidava as moças para fazerem companhia a Eli (Stela), tendo-lhes comprado passagens aéreas com o dinheiro que foi enviado por Stela, a qual teria interesse em que todas as garotas fossem para a Itália auxiliá-la em seu salão de estética (fls.152/153).

As testemunhas de acusação, prostitutas que foram contatadas por Adriano, relatam os fatos em Juízo de forma uníssona:

"(...) Adriano entregou 1.000,00 euros à declarante e suas amigas para comprovarem a sua condição de turistas para as autoridades de migração italiana; que este dinheiro foi devolvido à STELA na chegada em Roma; (...) tendo sido recebidas por STELA no aeroporto; que trabalharam por três meses para STELA; (...) que ganhavam uma remuneração fixa por mês, e entregavam a STELA o valor pago pelos clientes com quem faziam "programas" (...)." - Isabel fls.79 e 390.
"(...) Adriano esclareceu que era para ir para lá para exercer a prostituição. O dinheiro obtido com a prostituição ficava todo com Eli, conhecido como "Stela" que não repassava o dinheiro à depoente. Porém Stela fornecia meios de subsistência como roupas, comida, lugar para morar. Havia dois apartamentos onde as brasileiras se prostituíam (...)" - Érica fl.537
"(...) as garotas receberiam uma parcela fixa em razão dos programas realizados. Em geral cada dois dias, a corré recebia das garotas o valor dos programas realizados. Permaneceu na Itália durante 3 meses." - Vânia fl.483

As testemunhas Maíra (fl.392) e Mariele (fl.391) prestam depoimento no mesmo sentido das explanações acima.

As testemunhas de acusação, como visto, apontaram que todo o dinheiro recebido com os programas era entregue ao apelante Stela (Eli), que lhes fornecia moradia, alimentação e vestuário, o que indica que tirava proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros.

Resta demonstrado detalhadamente, em especial pela escuta telefônica e pelos depoimentos testemunhais, que Eli mantinha apartamentos na Itália onde moravam diversas moças brasileiras que se dedicavam ao meretrício, as quais eram aliciadas pelo corréu Adriano, que era pago por tais serviços. Verifica-se pelos documentos de fls.13/23 a remessa de valores ao corréu, encaminhados pelo apelante.

Ademais, o tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual praticado pelo apelante também está bem delineado, especialmente pelo teor da conversa mantida com Adriano em 05/10/2007, quando reclama do declínio nos negócios e da necessidade de serem enviadas meninas que fizessem "tudo", isto é, que se submetessem à prática sexual em todas as suas vertentes.

Provado está também que o apelante Eli coletava rotineiramente o dinheiro auferido pelas meretrizes com os programas, enviando parte do numerário a Adriano para que fosse providenciada a compra das passagens aéreas e entregue mil euros a cada nova aliciada para a comprovação de recursos financeiros, necessários à caracterização da condição de turista perante o departamento de imigração, além de pagamento pelos serviços realizados.

Além disso, as testemunhas de acusação de fls.252/254, respectivamente agente e delegado da polícia federal que encetaram as investigações, ressaltaram que Adriano não trabalhava e sobrevivia dos valores recebidos.

Todo o exposto aponta seguramente para a presença do dolo no recrutamento, bem como na obtenção de sustento às expensas das prostituídas.

Provadas a materialidade e autoria dos delitos, bem como o elemento subjetivo de cada qual, a manutenção da sentença condenatória é de rigor.

3. Da dosimetria.

3.1 Da pena-base.

O Juízo a quo fixou a pena-base do apelante, para o crime de rufianismo, em 01 (um) ano e 03 (três) meses e quanto ao crime de tráfico internacional, em 03 (três) anos e 06 (seis) meses, contra o que se insurge o apelante.

Quanto ao rufianismo, a elevação esteve bem fundamentada (fl.590), não merecendo reparos:

"As circunstâncias judiciais demonstram que a culpabilidade do réu se insere no grau médio, bem como que este não apresenta antecedentes. As consequências do crime fogem à normalidade, visto que o delito foi praticado em solo estrangeiro, privando as vítimas diretas (prostitutas) de sua dignidade, ante à prova das péssimas condições de trabalho a que eram submetidas, além de causar dano à imagem dos brasileiros perante o controle de imigração em terra estrangeira. As circunstâncias foram normais à espécie, e o comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática do delito. O motivo do crime repercute de forma neutra neste momento. Por fim, registro que não há nos autos elementos que permitam a formação de juízo sobre a conduta social ou personalidade do agente."

Contudo, no que se refere ao crime de tráfico de mulheres, o acréscimo baseou-se apenas nas circunstâncias judiciais, "que demonstram que a culpabilidade do réu se insere no grau elevado, pois a conduta de tráfico humano é altamente reprovável". As demais circunstâncias foram havidas como boas.

Dizer que o tráfico internacional humano para fins de prostituição é conduta altamente reprovável não constitui embasamento suficiente para elevar a pena-base, pois se caracteriza como elemento do próprio tipo penal e não em circunstância judicial aferida na análise casuística.

Dessa forma, reduzo a pena-base do crime previsto no artigo 231 para 03 (três) anos de reclusão.

3.2 Da continuidade delitiva.

A defesa postula o afastamento da condenação em concurso material e formal, alegando que foi excedida a denúncia.

No entanto, observa-se que bem delineados ambos os casos, conforme bem caracterizado no decreto condenatório:

"(...) entendo que deve ser reconhecido, além do concurso material entre os crimes narrados na denúncia, já que o rufianismo não é mero exaurimento do crime de tráfico, a existência de crime continuado no tráfico de mulheres, uma vez que resta provado que Isabel e Érica chegaram a Roma em maio de 2007, e que Mariele, Maíra e Vânia lá chegaram em agosto do mesmo ano. (...)
Reconhecida a presença de concurso material, haja vista ter o crime de tráfico de mulheres ter sido consumado com a saída das brasileiras do território nacional, ao passo que o rufianismo restou consumado com a reiteração da conduta de exploração do dinheiro aferido por prostituta, devem as penas ser somadas."

Com efeito, tendo o réu, mediante mais de uma ação, praticado dois crimes distintos e autônomos, consistentes em tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual (artigo 231 do Código Penal) e rufianismo, tirando proveito da prostituição alheia (artigo 230 do Código Penal), de rigor a soma das penas, em concurso material, nos moldes do artigo 69 do mesmo diploma legal.

Nesse sentido:

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGOS 230, 231 e 288 DO CÓDIGO PENAL. TRÁFICO DE PESSOAS. QUADRILHA. RUFIANISMO. MATERIALIDADE E AUTORIAS COMPROVADAS. CONTINUIDADE DELITIVA. CRIMES AUTÔNOMOS. APLICAÇÃO DO CONCURSO MATERIAL. 1. Para que se consume o crime do artigo 231 do Código Penal, tráfico de pessoas, são requeridos outros elementos apontados na doutrina como ações que envolvam a facilitação, não só em arregimentar as pessoas, como também de organizar tudo aquilo que seja necessário para que o tráfico internacional seja bem sucedido. 2. O consentimento da vítima não exclui a responsabilidade do traficante ou do explorador, pois que ainda que tenham consciência de que exercerão a prostituição, não têm idéia das condições em que a exercerão e, menos ainda, da dívida que em geral contraem antes de chegar ao destino. 3. Comprovadas a materialidade e autoria pelas interceptações telefônicas que evidenciaram que os apelantes tinham plena consciência da natureza criminosa das atividades realizadas pelo bando, bem como dos seus papéis dentro do esquema criminoso. As ações dos apelantes se amoldam com perfeição ao tipo na modalidade promover, de vez que, todos, exceto RALPH, facilitam e organizam toda a dinâmica criminosa, até a chegada das vítimas na Itália, e mesmo depois, mantêm-se em contato com elas, como se vê das transcrições. 4. Do mesmo modo, no que tange ao delito de rufianismo, há diálogos nos quais os acusados negociam o pagamento de taxas com mulheres e travestis que utilizam seus apartamentos para a prostituição. 5. Ademais, é possível depreender que ALTOMIR, WESLEY e ROGÉRIO controlam a movimentação de travestis brasileiros na Itália, alterando de lugar as pessoas que não -rendem- o esperado por eles, evidenciando que os acusados se beneficiavam da prostituição alheia, tal como reconhecido nos autos da ação penal anterior (nº 2006.5101.008164-0), julgada à unanimidade pela 2ª turma, em voto de minha relatoria, que os condenou pelo mesmo delito em razão de fatos anteriores. 6. Crimes autônomos praticados sob circunstâncias que denotam projetos com finalidades distintas se amoldam, com maior senso de justiça, à previsão legal de concurso material e não de crime continuado, de vez que a ficção jurídica não foi criada com objetivo de unificar propósitos tão diversos de violar o ordenamento. 7. Recurso de CARLOS ALBERTO prejudicado em razão da concessão anterior de ordem em mandado de segurança, cujo objeto era rigorosamente o mesmo do que trata o presente recurso. 8. Recurso de RALPH provido. 9. Negado provimento aos recursos de ALTOMIR, WESLEY, ROGÉRIO, EDUARDO e LIANDRA. 10. Determinado, de ofício, a exclusão da pena de multa referente ao delito de quadrilha, por ausência de previsão legal.
(ACR 200850010007540, Desembargadora Federal LILIANE RORIZ, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::23/09/2011 - Página::58/59.)

No que concerne ao rufianismo, a ocorrência da continuidade delitiva restou comprovada nos autos por cinco vezes. Na inicial, corroborada pela instrução, foram devidamente delineados todos os fatos delitivos atinentes ao rufianismo que, praticados pelo réu nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, implicam na necessária configuração do crime continuado.

Embora não conste expressamente da exordial a indicação ao artigo 71 do Código Penal, o réu defende-se dos fatos a ele imputados e não de sua capitulação legal, não havendo que se falar em sentença ultra ou extra petita.


Presentes os requisitos que autorizam tal ficção legal, que inclusive beneficia o réu, nada impede sua aplicação, como bem salientado pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. INQUÉRITOS E PROCESSOS SEM O TRÂNSITO EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. ELEMENTARES DO TIPO. NULIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. PRESCRIÇÃO. 1. O réu, em nosso sistema processual penal, defende-se dos fatos objetivamente descritos na peça acusatória e não da qualificação jurídica atribuída pelo Ministério Público ao fato delituoso, logo, inexiste sentença ultra petita porque a denúncia não se referiu à continuidade delitiva. 2. Ademais, a continuidade delitiva é fruto de ficção jurídica criada pela lei para beneficiar o condenado, caso contrário, aplicar-se-ia a norma do concurso material em flagrante prejuízo ao réu. 3. Na fixação da pena-base e do regime prisional, inquéritos e processos em andamento não podem ser levados em consideração como maus antecedentes, em respeito ao princípio da não-culpabilidade. 4. Recurso parcialmente provido para excluir da fixação da pena-base o acréscimo relativo aos maus antecedentes.
(RESP 200501456828, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJ DATA:30/10/2006 PG:00392.)

3.3 Do regime

Mantém-se, como exposto, a pena atribuída à prática do crime de rufianismo em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão.

Prosseguindo no cálculo quanto ao crime de tráfico de pessoas, ausentes atenuantes ou agravantes, causas de aumento ou diminuição da pena, mantenho o acréscimo de 1/6 (um sexto) decorrente da continuidade delitiva, resultando em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

A pena total atinge 04 (quatro) anos e 09 (nove) meses de reclusão, ficando mantidos o regime semi-aberto, nos termos do artigo 33, §2º, "b" do Código Penal e a inviabilidade da substituição por restritiva de direito.

3.4 Da multa. A pena pecuniária, por sua vez, foi fixada para o crime de rufianismo em disparidade com os critérios adotados para a fixação da pena privativa de liberdade, em 15 (quinze) dias-multa. Readequando-a, de ofício, tem-se a elevação da pena-base de 10 (dez) dias-multa em ¼ (um quarto), o que resulta em 12 (doze) dias-multa, mantido o valor unitário estipulado em 1/10 (um décimo) do salário mínimo.

No tocante ao crime previsto no caput do artigo 231 do Código Penal, o mesmo sofreu alterações pela lei 12.015/2009 que, em que pese ter mantido a pena privativa de liberdade, suprimiu a pena de multa. Por conseguinte, tratando-se de lei posterior mais benéfica ao réu, aplico-a ao caso dos autos, reformando a sentença nesse aspecto.

Com tais considerações, rejeito as preliminares, dou parcial provimento ao apelo para reduzir a pena-base do crime do artigo 231 do Código Penal ao patamar mínimo e, de ofício, afasto a pena de multa quanto a este delito e reduzo a pena de multa do crime de rufianismo para 12 (doze) dias-multa.

É o voto.


RAQUEL PERRINI
Juíza Federal Convocada


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