Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/05/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020625-54.2009.4.03.6100/SP
2009.61.00.020625-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal ALDA BASTO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JOSE ROBERTO PIMENTA OLIVEIRA e outro
APELADO : FLAVIO MAIA FERNANDES DOS SANTOS e outros
: MARCELO KFOURY MUINHOS
: GUSTAVO JORGE LABOISSIERE LOYOLA
ADVOGADO : SP299023A PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO
: SP307505A MARIANA FAINI PRZEWODOWSKI
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
: SP307505A MARIANA FAINI PRZEWODOWSKI
APELADO : Banco Central do Brasil
ADVOGADO : SP024859 JOSE OSORIO LOURENCAO
: SP307505A MARIANA FAINI PRZEWODOWSKI
PARTE RE' : SERGIO GOLDENSTEIN
No. ORIG. : 00206255420094036100 16 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL JUNTO AO BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI 8.112/90. LEI 9.650/98. PORTARIA BACEN/SECRETARIA EXECUTIVA 35.817/2006. LICENÇA PARA TRATAR DE INTERESSES PARTICULARES. ATUAÇÃO JUNTO AO MERCADO FINANCEIRO. CONFLITO DE INTERESSES ENTRE A FUNÇÃO PÚBLICA E A ATUAÇÃO PRIVADA. OBSERVÂNCIA DAS NORMAS E PROCEDIMENTOS À ÉPOCA VIGENTES. APONTAMENTO DA ATIVIDADE A SER EXERCIDA NO SETOR PRIVADO. AUSÊNCIA DE DOLO E MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO GENÉRICA. INEXISTÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
I. Em sede de ação civil pública, a sentença deverá ser submetida ao reexame necessário quando deixar de acolher integralmente a pretensão posta na peça inaugural, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicando-se por analogia a L. 4.717/65. Precedentes do STJ.
II. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de procurador e ex-servidores do Banco Central do Brasil, objetivando apuração de conduta ímproba, consoante previsão contida nos arts. 9º, VIII e 11, caput, da L. 8.429/92, pois durante o período de gozo de licença sem remuneração do serviço público federal, para tratar de interesses particulares, teriam exercido atividades profissionais em entidades privadas do setor financeiro, em flagrante conflito de interesses com a Administração Pública, violação à lei e aos princípios da probidade administrativa, uma vez o status de agentes licenciados do BACEN ser incompatível com o exercício de atividades junto ao mercado financeiro.
III. Inocorrência da prescrição relativamente à aplicação das penalidades decorrentes de prática de ato ímprobo, pois não transcorridos cinco anos entre o ajuizamento da ação, em 11/05/2009, e a data em que se deu a ciência dos fatos mediante representação ao Ministério Público Federal, em 07/02/2007, não podendo ser computada a possível notoriedade anterior dos fatos ou as datas de concessão das licenças, em razão da previsão expressa contida no art. 23, II, da LIA, c/c art. 142 da L. 8.112/90. Precedentes do STJ.
IV. A imputação de conduta ímproba, em que pese se reportar à violação de deveres de ordem pública insculpidos no ordenamento jurídico, é eminentemente fática, devendo ser apontada a prática de ato específico por parte do agente para o fim de ser extraída a violação e restar configurar a improbidade, in casu, ato concreto perpetrado no período das licenças a partir do qual teria derivado lesão à Administração, tráfico de influência ou outra violação aos deveres funcionais, possibilitando a aplicação das penalidades da L. 8.429/92, sendo descabida a imputação in abstrato de condutas potencialmente violadoras da probidade administrativa. Precedentes do STJ.
V. Apesar não ser endossável, lato sensu, a conduta dos agentes públicos que se afastaram de seus cargos junto ao BACEN para atuar no mercado financeiro privado, pois a priori incompatível com a função pública desempenhada, mesmo no gozo de licença para tratar de interesses particulares, restou demonstrada a ação dos requeridos em conformidade aos regramentos à época vigentes (L. 8.112/90, L. 9.650/98, Portaria BACEN/SECRETARIA EXECUTIVA 35.817/2006) e mediante anuência da Autarquia, em evidente boa-fé, não sendo possível considerar o grau de reprovação da conduta na seara ética como prova inequívoca de dolo e má-fé para fins de configuração de improbidade administrativa.
VI. A contraprestação auferida em razão do desempenho de atividades privadas, durante o gozo de licença não remunerada do cargo, não caracteriza enriquecimento ilícito, uma vez inexistir efetivo exercício da função pública e percepção cumulativa de vencimentos (art. 37, XVI e XVII, da CF/88).
VII. A partir do conjunto probatório dos autos, detalhadamente apurado e cotejado, não restou devidamente comprovada a prática dos atos de improbidade discriminados na peça inaugural, consistentes no exercício de atividades privadas incompatíveis com o cargo público durante o gozo de licença para tratar de interesses particulares, em decorrência da inobservância aos deveres e obrigações estatuídos no ordenamento jurídico; enriquecimento ilícito derivado da percepção de remuneração em razão das atividades exercidas junto às instituições financeiras, mesmo sem ter havido dano ao erário; afronta aos Princípios da Administração Pública e deveres relativos à honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (art. 9º, VIII e art. 11, caput, da LIA).
VIII. Manutenção in totum dos termos da sentença recorrida, no sentido da improcedência da ação civil pública, sem condenação em honorários (art. 18, L. 7.347/85).
IX. Apelação e remessa oficial, tida por submetida, desprovidas.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. O membro do Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento à apelação e à remessa oficial para aplicação dos artigos 11 e 12, III, da Lei nº 8.429/92.


São Paulo, 15 de maio de 2014.
ALDA BASTO
Desembargadora Federal Relatora


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020625-54.2009.4.03.6100/SP
2009.61.00.020625-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal ALDA BASTO
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APELADO : FLAVIO MAIA FERNANDES DOS SANTOS e outros
: MARCELO KFOURY MUINHOS
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No. ORIG. : 00206255420094036100 16 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

A DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO:

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em 11/05/2009, objetivando o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa por parte de Flavio Maia Fernandes dos Santos, Gustavo Jorge Laboissiere Loyola, Marcelo Kfoury Muinhos e Sergio Goldenstein, consoante previsão contida nos artigos 9º, VIII e 11, caput, da Lei nº 8.429/92, pois durante o período de gozo de licença sem remuneração do serviço público federal, para tratar de interesses particulares, exerceram atividades profissionais em entidades privadas do setor financeiro, em flagrante conflito de interesses com a Administração Pública, uma vez o status de servidores licenciados do Banco Central do Brasil - BACEN ser incompatível com a atividade privada junto ao mercado financeiro. Requerida a intimação da União e do BACEN para integrarem a relação processual, além da condenação dos réus às penas previstas nos incisos I e III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92, quais sejam, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; pagamento de multa civil no importe de três vezes o incremento patrimonial ilicitamente experimentado durante o gozo de licença das funções públicas, exercendo atividades incompatíveis, a ser calculado através da evolução patrimonial auferida no período; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de dez anos; e à perda do cargo público ocupado pelo corréu Flavio Maia, assim como daqueles eventualmente ocupados pelos demais demandados à época da condenação. Atribuído à causa o valor de R$1.000,00 em maio de 2009.

Narra o autor ter chegado ao conhecimento do MPF, por meio de representação da Procuradora do BACEN, Francisca de Assis Barbosa de Sá, a notícia de que os servidores da instituição teriam se aproveitado da ausência de fiscalização ou controle do BACEN quanto às atividades desempenhadas durante o gozo da licença para tratar de interesses particulares, valendo-se de tal fato para exercer atividades privadas intimamente relacionadas ao mercado econômico-financeiro, as quais seriam incompatíveis com os cargos de alta relevância política e econômica por eles ocupados, bem como teriam auferido remuneração ou vantagem indevidas a partir de tal atuação, caracterizando-se o enriquecimento ilícito mesmo sem ter havido dano ao erário. Tais condutas, assim, teriam violado os princípios da Administração Pública (deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições) e o ordenamento jurídico pátrio (artigo 37 da CF/88, Lei nº 8.112/90 e Portaria BACEN nº 35.817, com a Atualização nº 17, de 21/08/2006), pois mesmo no gozo de tal licença subsistiriam os deveres e proibições a que estão sujeitos os servidores, dada a manutenção do vínculo jurídico entre estes e a Administração. As práticas narradas na prefacial teriam sido confirmadas pelos próprios requeridos no bojo do Processo Administrativo nº 1.25.000.000421/2007-91, instaurado no âmbito da Procuradoria da República no Estado do Paraná.

À fl. 275, foi determinada a notificação dos requeridos para apresentação de defesa preliminar, nos termos do artigo 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92.

Os requeridos apresentaram defesa prévia conjunta às fls. 286/310, sustentando inicialmente a incompetência absoluta do Juízo da Vara Federal Ambiental de Curitiba, pois não é o foro de ocorrência do suposto dano (artigo 2º da Lei nº 7.347/85), requerendo a remessa dos autos à Seção Judiciária de São Paulo (local do exercício dos cargos públicos) ou, sucessivamente, à Seção Judiciária do Distrito Federal (sede do BACEN). No mérito, foi argüida a prescrição em relação ao corréu Gustavo Loyola, uma vez sua primeira licença ter sido concedida em 1997, impondo-se a extinção do feito com apreciação de mérito quanto a este (artigo 269, V, do CPC). Sustentaram, ainda, a inexistência de ato de improbidade, pois não foi demonstrado qualquer indício de culpa ou dolo por parte dos requeridos, os quais em verdade cumpriram rigorosamente todo o procedimento estabelecido pela própria Autarquia à época em que concedidas as licenças não remuneradas de seus cargos, não podendo ser penalizados "retroativamente". Destacaram que somente em 2007 o BACEN modificou seu entendimento quanto às hipóteses e formas da concessão de tal licença, daí derivando o regresso do corréu Flavio Maia ao cargo público e o pedido de exoneração dos demais requeridos, de modo que em momento algum estiveram em situação ilegal ou irregular, restando portanto não configurada a coadunação ao artigo 11 da LIA. Declinaram ser público e notório o gozo da licença ter objetivado a atuação dos requeridos junto ao mercado financeiro, fato que jamais constituiu óbice à concessão das licenças, inclusive quando, e.g., o próprio BACEN aprovou o nome do corréu Gustavo Loyola para integrar o Conselho de Administração do Itaú. Ressaltaram que no bojo do processo administrativo junto ao MPF foram detectados vários outros casos de servidores em gozo de licença não remunerada para o fim de trabalhar no mercado financeiro, sendo a estes determinado, pela Procuradoria do BACEN, tão somente o encerramento das licenças antes concedidas sem qualquer reconhecimento de violação a regras legais ou administrativas. Relativamente a Flavio Maia, foi apontado ter havido a instauração de sindicância disciplinar acusatória no âmbito da Autarquia, ao final da qual foi afastada a imposição de qualquer penalidade, ante a impossibilidade de interpretação retroativa dos correlatos normativos. Argüiram a inaplicabilidade do artigo 9º, VIII, da LIA, pois se remete à situação na qual o agente esteja no exercício do cargo e em condições de beneficiar particular, sendo que os requeridos claramente não estavam em atividade, uma vez afastados da função em razão da licença. Destacaram a inexistência de danos à Administração Pública e o descabimento do "draconiano" pedido do Parquet de condenação dos réus à devolução da remuneração percebida pelas atividades privadas desempenhadas, pugnando pela rejeição de plano da ação.

Intimado o autor a justificar o ajuizamento da demanda perante a Seção Judiciária do Paraná (fl. 335), declinou tratar-se a hipótese de ação intentada para defesa de direito de toda a sociedade civil com efeitos erga omnes, apuração de lesão ao erário federal e de dano à moralidade administrativa, ou seja, "danos difusos com repercussão em todo o território nacional", destacando o procedimento administrativo junto ao MPF ter sido instaurado em Curitiba, onde há representação oficial do Banco Central, constituindo-se assim em "local do dano" (fls. 337/342).

Conclusos os autos, o Juízo da Vara Federal Ambiental de Curitiba declarou sua incompetência absoluta para apreciação da lide e determinou o seu desmembramento, para o fim de ser processada na Subseção Judiciária de São Paulo relativamente aos requeridos Flavio Maia Fernandes dos Santos, Gustavo Jorge Laboissiere Loyola e Marcelo Kfoury Muinhos, competindo o processamento à Subseção Judiciária do Rio de Janeiro quanto ao réu Sergio Goldenstein (fls. 344/346). Referida decisão foi desafiada pela interposição do agravo de instrumento nº 2009.04.00.026927-2/PR (fls. 349/363) perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, restando mantido o provimento recorrido (fls. 365, 447/453).

Recebidos os presentes autos na Seção Judiciária de São Paulo para processamento do feito apenas em relação a Flavio Maia, Gustavo Loyola e Marcelo Kfoury, foram distribuídos à 16ª Vara Federal, cujo Juízo determinou a inclusão da União e do BACEN no pólo passivo, a inclusão do corréu Gustavo Loyola (retificação) e a citação (fl. 372).

O corréu Flavio Maia apresentou questão de ordem às fls. 378/381, pleiteando a revogação do despacho citatório, uma vez não terem sido examinadas as alegações tecidas na defesa prévia, pois o Juízo da Vara Federal de Curitiba se limitara a apreciar a questão atinente à competência, reiterando fosse reconhecida a impossibilidade de prosseguimento da demanda, na forma do artigo 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92.

À fl. 382, o Juízo a quo determinou o prosseguimento do feito, pois não configuradas as hipóteses do artigo 17, § 8º, da LIA, mantendo a determinação de citação dos réus.

A União apresentou manifestação às fls. 385/387, sustentando não ser pessoa de direito público interessada a figurar no feito, requerendo fosse reconhecida sua ilegitimidade para quaisquer das posturas facultadas pelo artigo 17, § 3º, da LIA, com conseqüente exclusão dos registros relativos à presente lide.

O BACEN se manifestou no mesmo sentido declinado pela União, requerendo sua exclusão do feito, ante seu desinteresse em figurar no processo como réu, autor ou assistente de quaisquer das partes (fls. 390/397).

Os requeridos apresentaram contestação conjunta às fls. 406/425, repisando, em suma, todos os argumentos expendidos por ocasião da defesa preliminar, no sentido da ocorrência da prescrição em relação a Gustavo Loyola, do descabimento da imputação de ato de improbidade, posto terem cumprido rigorosamente as normas vigentes à época para a concessão da licença não remunerada, bem como por ser público e notório o fato de que assumiriam atividades junto ao mercado financeiro durante tal gozo, aduzindo, ainda, que os regramentos apontados na inicial como supedâneo do pleito ministerial somente incidem em relação aos servidores em exercício, e não em gozo de licença. Ressaltaram não haver qualquer demonstração do elemento volitivo atinente à culpa, dolo ou má-fé, sem os quais não se fala em ato ímprobo, tornando inaplicáveis à espécie os artigos 9º, VIII e 11 da LIA. Argüiram, ademais, as imputações feitas pelo Parquet não passarem de meras suposições e presunções infundadas, pois não houve qualquer apontamento específico na prefacial quanto à existência de efetivo e concreto "tráfico de influência" ou prejuízo à Administração Pública, destacando que nos cargos por eles ocupados na iniciativa privada não havia qualquer possibilidade de utilização de informações sigilosas ou privilegiadas.

Sobre os termos da contestação o Ministério Público Federal se manifestou às fls. 428/436, anuindo com a exclusão da União e do BACEN do presente feito e, ainda, sustentando a inocorrência da prescrição quanto a Gustavo Loyola, pois o termo a quo a ser considerado é a data em que a Administração tomou ciência dos fatos (07/02/2007) ou, ainda, a exoneração do cargo (dezembro de 2007), e não a data da primeira licença. No mérito, argüiu não ser objeto da demanda a licitude ou não da concessão das licenças, mas a atuação dos réus em atividades incompatíveis com os cargos públicos por eles ocupados, a qual se deu por conduta livre e consciente, restando demonstrado o dolo dos agentes, suficiente à caracterização da improbidade, sendo para tanto despicienda a caracterização de má-fé e a intenção de lesar a Administração. Reiterou a condenação dos requeridos pelo recebimento de vantagem indevida em razão do exercício do cargo, dado o nexo causal decorrente da manutenção do vínculo dos servidores com a Autarquia no gozo das licenças e a desnecessidade de efetivo dano ao erário, nos termos da LIA.

Instadas as partes à especificação de provas (fl. 438), manifestaram-se os réus pelo julgamento antecipado da lide e pela improcedência do pedido, ante a ausência de qualquer prova das alegações contidas na exordial (fls. 441/444). O MPF, a seu turno, declinou ser desnecessária a dilação probatória, uma vez a matéria versada nos autos ser exclusivamente de direito (fl. 445).

Foram remetidas pelo Juízo Federal de Curitiba as cópias relativas ao julgamento do agravo de instrumento nº 2009.04.00.026927-2/PR (fls. 447/453).

Conclusos os autos, sobreveio sentença que, reconhecendo a inocorrência da prescrição, julgou improcedente a ação, ao fundamento de não ter havido má-fé dos agentes públicos, bem como porque as obrigações e restrições suscitadas pelo autor não alcançaram os servidores licenciados. Sem condenação em honorários (fls. 456/465).

O MPF interpôs apelação (fls. 470/481), requerendo o reconhecimento da prática dos atos de improbidade narrados na prefacial, pois demonstrada a violação à lei, aos regulamentos do BACEN e aos deveres para com a Administração, em virtude do exercício de atividade privada junto ao mercado financeiro, de modo que "não deveria ter sido concedida a licença" ante a verificação do conflito de interesses, o que todavia não afasta a ilegalidade da conduta dos requeridos, pois permaneceram vinculados ao BACEN na qualidade de servidores e, portanto, aos deveres e restrições legalmente estatuídos. Argumentou ser notório que a contratação dos requeridos para atuar no mercado financeiro somente se deu em razão dos cargos por eles ocupados junto ao BACEN, pois detinham o conhecimento de informações de alta relevância em razão do cargo por eles ocupados, as quais "de uma forma ou de outra" acabariam sendo utilizadas na atuação junto às instituições financeiras, o que "poderia possibilitar a transferência de informações sigilosas sobre a regulamentação do setor", privilegiando as empresas e ferindo a livre concorrência, bem como prejudicando a coletividade e o interesse público na correta fiscalização do setor financeiro. Ressaltou ser indevido o recebimento de qualquer remuneração em razão das atividades privadas, posto decorrentes de exercício ilegal, a implicar enriquecimento ilícito, justificando o requerimento de devolução de tais valores. Pleiteou o provimento da apelação para o fim de se condenar os requeridos às penas dos incisos I e III do artigo 12 da LIA, nos moldes da inicial.

Contrarrazões às fls. 488/509, pugnando pela manifestação deste Tribunal quanto à matéria de ordem pública consubstanciada na ocorrência da prescrição em relação aos atos imputados ao corréu Gustavo Loyola, pois a pretensão poderia ter sido judicialmente exercida desde sua primeira licença, em 1997, não se falando em imprescritibilidade, pois não há pedido de ressarcimento ao erário. Reiterados, no mais, os termos da defesa prévia e da contestação, para o fim de ser confirmada a improcedência do pleito ministerial.

Subindo os autos a este E. Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público Federal, cujo parecer foi colacionado às fls. 522/527, no sentido de ser desnecessária sua manifestação como fiscal da lei nas hipóteses em que o Parquet atua como parte, restituindo os autos para a oportuna inclusão em pauta.


É o relatório. À Douta revisão.




ALDA BASTO
Desembargadora Federal Relatora


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Data e Hora: 21/03/2014 19:53:52



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020625-54.2009.4.03.6100/SP
2009.61.00.020625-1/SP
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JOSE ROBERTO PIMENTA OLIVEIRA e outro
APELADO : FLAVIO MAIA FERNANDES DOS SANTOS e outros
: MARCELO KFOURY MUINHOS
: GUSTAVO JORGE LABOISSIERE LOYOLA
ADVOGADO : SP299023A PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO
: SP307505A MARIANA FAINI PRZEWODOWSKI
APELADO : Uniao Federal
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: SP307505A MARIANA FAINI PRZEWODOWSKI
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VOTO

A DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO:

A ação civil pública é instrumento processual de defesa da tutela coletiva, consistindo a Lei nº 7.347/65 em conjunto de diretrizes processuais e procedimentais a dar supedâneo a tal proteção, complementadas pela Lei Adjetiva Civil, as quais devem ser somadas às normas materialmente protetoras dos direitos difusos e coletivos, tutela patrimonial e moral, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, da legislação de proteção ao meio ambiente e à probidade administrativa, dentre outras.

"A ação civil pública tem índole constitucional, e representa um dos mais legítimos instrumentos processuais do ordenamento jurídico brasileiro, destinado à efetivação da justiça social. Mais do que um conjunto de técnicas processuais, a Lei 7.347/85 consagra o resgate e esperança de uma justiça mais digna, mais próxima possível dos anseios da população brasileira." (Marcelo Abelha Rodrigues, in Ações Constitucionais, A Ação Civil Pública, Organizador Fredie Didier Jr, Ed. Jus Podivm, 5ª edição, 2011).

Tal via processual, entretanto, não constitui "remédio para todos e quaisquer problemas da sociedade contemporânea", pois não se pode através de seu ajuizamento pretender minar o sistema político, jurídico e institucional, sob pena de serem inclusive violados os preceitos fundamentais do processo civil brasileiro, condizentes com a liberdade assegurada em âmbito da Lei Maior, os quais contemplam como regra geral a ação individual (Meirelles, Hely Lopes; Mendes, Gilmar Ferreira; Wald, Arnoldo. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. Malheiros Editores. 34ª Ed. 2011).

Especificamente quanto à ação civil pública por ato ímprobo, impende discorrer acerca da tipicidade na Lei de Improbidade Administrativa.

A edição da Lei nº 8.429/92 partiu da necessidade de se combater a corrupção e a malversação dos recursos públicos. Com base em tal concepção, o legislador elaborou um conjunto de normas que dita, embora em abstrato, um conteúdo de intenso rigor, visando orientar o julgador diante da amplíssima gama de condutas dos agentes públicos suscetíveis de reprovação.

Não obstante ser uma norma aberta, porquanto defina apenas os tipos de improbidade (artigo 9º: atos que importam em enriquecimento ilícito; artigo 10: atos que causam prejuízo ao erário; artigo 11: atos que afrontam os princípios da administração pública), é essencial a presença de um elemento para o manejo das ações por improbidade, o dolo, pois a exegese legal demanda a prova da prática de ato ilícito doloso, caracterizado pela conduta consciente e intencional.

Para a punição do agente público corrupto e desonesto, bem como do particular que com ele atua, impõe-se a constatação, conjunta, de que a prática do ato de improbidade foi consciente, decorrente de uma conduta antijurídica, associada ao dolo e à má-fé. Sem a prova robusta desse comportamento, não se pode falar em improbidade administrativa.

No entanto, uma vez ser impossível adentrar o psiquismo do agente, o elemento subjetivo deve ser aferido de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e.g., considerando se o agente tinha conhecimento do fato e das conseqüências de suas ações, qual a responsabilidade demandada pela função por ele ocupada e o nível de discernimento para tal exercício exigido, sendo que do cotejo desse conjunto advirão as balizas para o convencimento do julgador acerca da consciência do agente quanto à conduta ímproba.


Feitas tais ponderações, passo ao exame do caso dos autos.


Inicialmente, apesar de a União e o BACEN terem declinado ausência de interesse em figurar na lide (artigo 17, § 3º, da LIA), da realidade fática exsurge cristalino seu interesse, bem como a competência da Justiça Federal para a apreciação deste feito, uma vez se tratar de suposta prática de atos de improbidade administrativa por parte de servidores públicos federais no âmbito da citada autarquia federal (Súmula 150 do STJ, EDACC 52472, CC 35091). No entanto, sua reintegração à lide restará prejudicada, face à análise e fundamentos adiante tecidos.


Impende registrar, ainda, dever o decisum ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, consoante a jurisprudência assente do C. Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se por analogia a Lei nº 4.717/65. Confira-se:


"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido."
(AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

Aprecio a prescrição, por ser matéria de ofício cognoscível.


O artigo 23 da Lei nº 8.429/92 assim prescreve:


"Art. 23. As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta Lei podem ser propostas:
I - até 5 (cinco) anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego."

Da leitura do supratranscrito dispositivo legal pode ser aferido que, em se tratando de ato de improbidade administrativa, o fenômeno da prescrição se subdivide em duas vertentes: a primeira é relacionada aos detentores de mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança (inciso I), para os quais o prazo prescricional é de 5 (cinco) cinco anos contados a partir do término do mandato ou do exercício do cargo ou função; a segunda, concernente aos servidores públicos detentores de cargos efetivos ou empregos públicos (inciso II), faz remissão aos prazos prescricionais disciplinados nos seus respectivos estatutos.

Neste contexto, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, estabelece em seu artigo 142:


"Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1º.  O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2º. Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3º.  A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4º. Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção."

Além disso, o artigo 132 do referido Estatuto assim determina:


"Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:
(omissis)
IV - improbidade administrativa;
(omissis)"

De se concluir, dessa forma, que o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de improbidade em face de agentes públicos detentores de cargo efetivo é de 5 (cinco) anos, contados da data em que a Administração tomou conhecimento do ato ímprobo e, no caso de detentores de mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança, a partir do término do exercício, tal como eleito pelo legislador.

Já para os particulares que não desempenham funções públicas, mas estão inseridos na previsão contida no artigo 3º da LIA, em que pese a ausência de previsão no artigo 23 da citada lei, é firme a jurisprudência da Superior Corte no sentido de que a eles se aplica o mesmo regime de prescrição conferido aos agentes públicos, ou seja, 5 (cinco) anos contados da data em que a Administração tomou conhecimento do ato ímprobo, consoante se ilustra pelo aresto a seguir:


"ADMINISTRATIVO - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO - AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO - PRAZO PRESCRICIONAL NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA INTENTADAS CONTRA O PARTICULAR - TERMO INICIAL IDÊNTICO AO DO AGENTE PÚBLICO QUE PRATICOU O ATO ÍMPROBO.
1. No recurso especial de fls. 243/256-e, observa-se que o recorrente não procedeu ao devido cotejo analítico entre os acórdãos recorrido e paradigma, não bastando, para tanto, a simples colação de ementas e trechos do aresto comparado.
2. Esta Corte Superior entende que o termo inicial da prescrição em improbidade administrativa em relação a particulares é idêntico ao do agente público que praticou o ato ímprobo, matéria regulada no art. 23, I e II, da Lei n. 8.429/92. Precedente: (REsp 773.227/PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 9.12.2008, DJe 11.2.2009.)
Agravo regimental improvido."
(STJ, AgRg no REsp 1197967/ES, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, j. 26/08/2010).

No caso dos autos, a imputação dos atos de improbidade pendente sobre o corréu Gustavo Loyola decorre do exercício de cargo público de Analista do Banco Central do Brasil, do qual se desligou em Dezembro de 2007 mediante pedido de exoneração, vindo tais fatos a conhecimento em 07/02/2007 por meio de denúncia da servidora do BACEN Francisca de Assis Barbosa de Sá ao Ministério Público Federal (fls. 27/33), quando o Parquet passou a demandar providências administrativas do BACEN relativamente aos fatos.

Desse modo, tendo sido a ação ajuizada em 11/05/2009, não se verifica a ocorrência da prescrição.

Ainda que se considerasse como marco inicial o Ofício nº 147/06-SE/CEP, de 30 de março de 2006, do Secretário-Executivo da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (por meio do qual se recomendou a todos os órgãos integrantes do Executivo Federal o exame de compatibilidade da atividade profissional a ser eventualmente desempenhada pelo servidor durante o gozo de licenças não remuneradas), ou mesmo a edição da Portaria BACEN nº 35.817, de 8 de agosto de 2006 (a qual alterou os requisitos para a concessão da licença para tratar de interesses particulares no âmbito da Autarquia), não se veria escoado o qüinqüênio.

Nem se diga dever ser reputado como termo a quo a obtenção da primeira licença (21/01/1998, fl. 85), quando o fato teria "evidentemente" vindo a conhecimento da Administração em razão da menção das atividades privadas junto ao mercado financeiro no bojo do procedimento para a concessão das licenças administrativas, ou mesmo através da imprensa, pois tal lapso somente teve início com o efetivo e comprovado conhecimento da realidade pelo titular da ação, e não quando se tornou "situação notória".

Ressalte-se inexistir qualquer demonstração acerca da ciência inequívoca de atos de ilicitude pelos legitimados ativos em data anterior, inclusive porque a prática era à época tida por legítima pela própria Autarquia, consoante será adiante analisado.

O entendimento ora esposado se alinha ao firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consoante se ilustra pelo aresto a seguir colacionado:


"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. NÃO INDICAÇÃO DOS MOTIVOS DA VIOLAÇÃO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N.º 284/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA. ALÍNEA "C". AUSÊNCIA DE SIMILITUDE ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS. NÃO CONHECIMENTO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA PELO TITULAR DA DEMANDA. ACÓRDÃO MANTIDO. 1. O termo a quo do prazo prescricional da ação de improbidade conta-se da ciência inequívoca, pelo titular de referida demanda, da ocorrência do ato ímprobo, sendo desinfluente o fato de o ato de improbidade ser de notório conhecimento de outras pessoas que não aquelas que detém a legitimidade ativa ad causam, uma vez que a prescrição presume inação daquele que tenha interesse de agir e legitimidade para tanto. 2. In casu, independente do exame da legislação local, vedado pela incidência da Súmula n.º 280/STF, uma vez que não há controvérsia instaurada nos autos acerca do tema, prevê o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Caxias do Sul (Lei Municipal n.º 3.673/91, art. 263, IV), consoante consta do aresto recorrido, o prazo de prescrição da ação de improbidade, nos termos do art. 23, II, da Lei n.º 8.429/92, é de 04 (quatro) anos do conhecimento do ato ímprobo. 3. A declaração da prescrição pressupõe a existência de uma ação que vise tutelar um direito (actio nata), a inércia de seu titular por um certo período de tempo e a ausência de causas que interrompam ou suspendam o seu curso. 4. Deveras, com a finalidade de obstar a perenização das situações de incerteza e instabilidade geradas pela violação ao direito, e fulcrado no Princípio da Segurança Jurídica, o sistema legal estabeleceu um lapso temporal, dentro do qual o titular do direito pode provocar o Poder Judiciário, sob pena de perecimento da a ação que visa tutelar o direito. 5. "Se a inércia é a causa eficiente da prescrição, esta não pode ter por objeto imediato o direito, porque o direito, em si, não sofre extinção pela inércia de seu titular. O direito, uma vez adquirido, entra como faculdade de agir (facultas agendi), para o domínio da vontade de seu titular, de modo que o seu não-uso, ou não-exercício, é apenas uma modalidade externa dessa vontade, perfeitamente compatível com sua conservação.(...) Quatro são os elementos integrantes, ou condições elementares, da prescrição: 1º - existência de uma ação exercitável (actio nata) 2º - inércia do titular da ação pelo seu não exercício; 3º - continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; 4º - ausência de algum fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional. (Antônio Luís da Câmara Leal, in "Da Prescrição e da Decadência", Forense, 1978, p. 10-12).
(omissis)
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido."
(STJ, REsp 999324, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira turma, v.u., DJe 18/11/2010).

Apesar de não ter sido suscitado o reconhecimento da prescrição quanto aos requeridos Flavio Maia e Marcelo Kfoury, registre-se a eles ser aplicável o mesmo raciocínio, pois o apontamento de ato ímprobo se de deu em razão do exercício de cargo público perante o BACEN (Procurador e Analista do BACEN, respectivamente), computando-se o início do lapso prescricional da forma declinada.

Portanto, em que pese o pleito de reconhecimento da prescrição ter sido suscitado com supedâneo nos artigo 23, II, da LIA, bem como nos artigos 132, IV e 142, I, da Lei nº 8.112/90, a aplicação de tais dispositivos deve dar-se no modo ora apontado, donde não se afere o decurso do qüinqüênio.


Passo ao exame dos fatos.


A presente ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal originalmente em face de Flavio Maia Fernandes dos Santos, Gustavo Jorge Laboissiere Loyola, Marcelo Kfoury Muinhos e Sergio Goldenstein, objetivando o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa consoante previsão contida nos artigos 9º, VIII e 11, caput, da Lei nº 8.429/92, pois durante o período de gozo de licença sem remuneração do serviço público federal, para tratar de interesses particulares, teriam exercido atividades profissionais em entidades privadas do setor financeiro, em flagrante conflito de interesses com a Administração Pública, uma vez o status de servidores licenciados do Banco Central do Brasil - BACEN ser incompatível com o exercício de atividades junto ao mercado financeiro, requerendo sua condenação às penas previstas nos incisos I e III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92.

Este feito é desmembramento da lide originária, ajuizada perante a Seção Judiciária do Paraná, cujo Juízo, com efeito, é absolutamente incompetente por não ser o foro do local do dano, e versa, assim, sobre as condutas dos corréus Flavio Maia Fernandes dos Santos, Gustavo Jorge Laboissiere Loyola e Marcelo Kfoury Muinhos, pois os atos imputados ao requerido Sergio Goldenstein tramitam perante a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro.

A investigação no âmbito administrativo pelo MPF foi deflagrada em razão de representação encaminhada por Francisca de Assis Barbosa de Sá, Procuradora do BACEN à época, pois estaria sendo vítima de assédio moral por parte de seus superiores e colocada em condição vexatória perante seus colegas, apontando como fundamento a instauração contra sua pessoa de Sindicâncias Disciplinares infundadas, bem como o fato de não lograr êxito em seus pedidos de licença para tratar de interesses particulares, requeridas para o fim de poder se dedicar em tempo integral a atividades de cunho religioso. Indignada com tal situação, noticiou que os demais servidores usufruíam de tal licença e alguns, inclusive, estariam se aproveitado da ausência de fiscalização ou controle do BACEN quanto às atividades desempenhadas durante o gozo da licença para tratar de interesses particulares, dedicando-se a atividades no setor privado do Sistema Financeiro (fls. 27/33).

No transcorrer da investigação instaurada no âmbito da Procuradoria da República no Estado do Paraná, Processo Administrativo nº 1.25.000.000421/2007-91, considerou o MPF terem os réus se valido de tal fato para exercer atividades privadas intimamente relacionadas ao mercado econômico-financeiro, as quais seriam incompatíveis com os cargos de alta relevância política e econômica por eles ocupados, em violação aos princípios da Administração Pública (deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições) e ao ordenamento jurídico pátrio (artigo 37 da CF/88, Lei nº 8.112/90 e Portaria BACEN nº 35.817, com a Atualização nº 17, de 21/08/2006), pois mesmo no gozo de tal licença subsistiriam os deveres e proibições a que estão sujeitos os servidores, dada a manutenção do vínculo entre estes e a Administração.

Segundo a descrição apresentada pelo Ministério Público Federal em sua peça inaugural, os requeridos teriam incorrido em condutas que configurariam atos de improbidade, consistentes em:


a) Exercício de atividades privadas incompatíveis com o cargo público durante o gozo de licença para tratar de interesses particulares, em decorrência da inobservância aos deveres e obrigações estatuídos no ordenamento jurídico;


b) Enriquecimento ilícito derivado da percepção de remuneração em razão das atividades exercidas junto às instituições financeiras, mesmo sem ter havido dano ao erário;


c) Afronta aos Princípios da Administração Pública e deveres relativos à honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.


Em virtude de tais práticas, postulou o autor a aplicação aos réus das penalidades previstas nos incisos I e III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92, nos seguintes termos: suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; pagamento de multa civil no importe de três vezes o incremento patrimonial ilicitamente experimentado durante o gozo de licença das funções públicas, exercendo atividades incompatíveis, a ser calculado através da evolução patrimonial auferida no período; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de dez anos; e à perda do cargo público ocupado pelo corréu Flavio Maia, assim como daqueles eventualmente ocupados pelos demais demandados à época da condenação.

A sentença recorrida afastou o reconhecimento da prescrição e julgou improcedente a ação, pois não comprovada a prática de conduta de improbidade, sob os seguintes fundamentos: a) não houve má-fé dos agentes públicos ou afronta aos deveres para com a Administração, pois declinaram no âmbito administrativo e na presente ação todas as atividades privadas exercidas, apontando as respectivas instituições financeiras; b) as licenças para tratar de assuntos particulares foram obtidas mediante o devido trâmite administrativo perante o BACEN, sendo concedidas para gozo sem remuneração, donde não se fala em enriquecimento ilícito; c) o ordenamento jurídico ou mesmo as normas internas da Autarquia não vedam ao servidor licenciado o exercício de atividades junto ao mercado financeiro, pois tais limitações se referem apenas aos servidores em exercício.


Antes de adentrar a análise individualizada e pormenorizada das condutas, impende discorrer sobre o contexto fático e regulamentar comum a todos os requeridos no âmbito do serviço público junto à Autarquia.


A questão submetida a exame em sede da presente ação civil pública concerne à verificação da existência de ato de improbidade decorrente da incompatibilidade entre as atividades privadas exercidas durante o gozo de licença não remunerada e a função pública dos agentes, cujo tema está regulamentado precipuamente pelo Estatuto do Servidor Público Civil e pelo Plano de Carreira dos Servidores do BACEN, em especial pelos dispositivos a seguir transcritos:


Lei nº 8.112/90
Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
"Art. 116.  São deveres do servidor:
(...)
II - ser leal às instituições a que servir;
III - observar as normas legais e regulamentares;
(...)
VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição;
IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa;
(...)
Parágrafo único.  A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada, assegurando-se ao representando ampla defesa."
"Art. 117.  Ao servidor é proibido: (Vide Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
(...)
X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Lei nº 11.784, de 2008)
XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;
(...)
Parágrafo único.  A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos: (Incluído pela Lei nº 11.784, de 2008)
I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros; e (Incluído pela Lei nº 11.784, de 2008)
II - gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei, observada a legislação sobre conflito de interesses. (Incluído pela Lei nº 11.784, de 2008)."
Lei nº 9.650/98
Dispõe sobre o Plano de Carreira dos Servidores do Banco Central do Brasil e dá outras providências.
"Art. 17. Além dos deveres e das proibições previstos na Lei no 8.112, de 1990, aplicam-se aos servidores em efetivo exercício no Banco Central do Brasil:
I - o dever de manter sigilo sobre as operações ativas e passivas e serviços prestados pelas instituições financeiras (sigilo bancário), de que tiverem conhecimento em razão do cargo ou da função;
II - as seguintes proibições:
a) prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade é controlada ou fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, salvo os casos de designação específica;
b) firmar ou manter contrato com instituição financeira pública ou privada, bem assim com instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, em condições mais vantajosas que as usualmente ofertadas aos demais clientes.
§ 1º. A inobservância ao dever previsto no inciso I é considerada falta grave, sujeitando o infrator à pena de demissão ou de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, de que tratam os arts. 132 e 134 da Lei no 8.112, de 1990.
§ 2º. As infrações às proibições estabelecidas no inciso II são punidas com a pena de advertência ou suspensão, conforme os arts. 129, 130 e seu § 2o, da Lei no 8.112, de 1990."
 
"Art. 17-A. Além das proibições previstas no art. 17, ao Procurador do Banco Central do Brasil também é proibido: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001)
I - exercer a advocacia fora das atribuições do respectivo cargo; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001)
II - contrariar súmula, parecer normativo ou orientação técnica, adotadas pelo Procurador-Geral do Banco Central do Brasil ou pelo Advogado-Geral da União; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001)
III - manifestar-se, por qualquer meio de divulgação, sobre assuntos conexos às suas atribuições, salvo ordem, ou autorização expressa da Diretoria do Banco Central do Brasil; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001)
IV - exercer suas atribuições em processo, judicial ou administrativo, em que seja parte ou interessado, ou haja atuado como advogado de qualquer das partes, ou no qual seja interessado parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o segundo grau, bem como cônjuge ou companheiro, bem assim nas hipóteses da legislação, inclusive processual; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001)
V - participar de comissão ou banca de concurso e intervir no seu julgamento, quando concorrer parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o segundo grau, bem como cônjuge ou companheiro. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001)
Parágrafo único.  Devem os Procuradores do Banco Central do Brasil dar-se por impedidos nas hipóteses em que tenham proferido manifestação favorável à pretensão deduzida em juízo pela parte adversa e naquelas da legislação processual, cumprindo-lhes comunicar, de pronto, o seu impedimento ao respectivo superior hierárquico, visando à designação de substituto. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001)."

Extrai-se dos autos a quaestio atinente à compatibilidade do exercício de atividades privadas durante o gozo de licença para tratar de interesses particulares ter sido inicialmente levantada por ocasião do Ofício nº 147/06-SE/CEP, de 30 de março de 2006, do Secretário-Executivo da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, por meio do qual se recomendou a todos os órgãos integrantes do Executivo Federal que, no exame dos requerimentos de licenças não remuneradas, considerassem a compatibilidade da atividade profissional a ser eventualmente desempenhada pelo servidor durante tal gozo, denegando-se o pedido se restasse constatado conflito de interesses com a Administração, nos termos da Resolução CEP nº 08, de 25 de setembro de 2003, verbis:


"A COMISSÃO DE ÉTICA PÚBLICA, com o objetivo de orientar as autoridades submetidas ao Código de Conduta da Alta Administração Federal na identificação de situações que possam suscitar conflito de interesses, esclarece o seguinte:
1. Suscita conflito de interesses o exercício de atividade que:
a) em razão da sua natureza, seja incompatível com as atribuições do cargo ou função pública da autoridade, como tal considerada, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias afins à competência funcional;
b) viole o princípio da integral dedicação pelo ocupante de cargo em comissão ou função de confiança, que exige a precedência das atribuições do cargo ou função pública sobre quaisquer outras atividades;
c) implique a prestação de serviços a pessoa física ou jurídica ou a manutenção de vínculo de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão individual ou coletiva da autoridade;
d) possa, pela sua natureza, implicar o uso de informação à qual a autoridade tenha acesso em razão do cargo e não seja de conhecimento público;
e) possa transmitir à opinião pública dúvida a respeito da integridade, moralidade, clareza de posições e decoro da autoridade.
2. A ocorrência de conflito de interesses independe do recebimento de qualquer ganho ou retribuição pela autoridade.
3. A autoridade poderá prevenir a ocorrência de conflito de interesses ao adotar, conforme o caso, uma ou mais das seguintes providências:
a) abrir mão da atividade ou licenciar-se do cargo, enquanto perdurar a situação passível de suscitar conflito de interesses;
b) alienar bens e direitos que integram o seu patrimônio e cuja manutenção possa suscitar conflito de interesses;
c) transferir a administração dos bens e direitos que possam suscitar conflito de interesses a instituição financeira ou a administradora de carteira de valores mobiliários autorizada a funcionar pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários, conforme o caso, mediante instrumento contratual que contenha cláusula que vede a participação da autoridade em qualquer decisão de investimento assim como o seu prévio conhecimento de decisões da instituição administradora quanto à gestão dos bens e direitos;
d) na hipótese de conflito de interesses específico e transitório, comunicar sua ocorrência ao superior hierárquico ou aos demais membros de órgão colegiado de que faça parte a autoridade, em se tratando de decisão coletiva, abstendo-se de votar ou participar da discussão do assunto;
e) divulgar publicamente sua agenda de compromissos, com identificação das atividades que não sejam decorrência do cargo ou função pública.
4. A Comissão de Ética Pública deverá ser informada pela autoridade e opinará, em cada caso concreto, sobre a suficiência da medida adotada para prevenir situação que possa suscitar conflito de interesses.
5. A participação de autoridade em conselhos de administração e fiscal de empresa privada, da qual a União seja acionista, somente será permitida quando resultar de indicação institucional da autoridade pública competente. Nestes casos, é-lhe vedado participar de deliberação que possa suscitar conflito de interesses com o Poder Público.
6. No trabalho voluntário em organizações do terceiro setor, sem finalidade de lucro, também deverá ser observado o disposto nesta Resolução.
7. As consultas dirigidas à Comissão de Ética Pública deverão estar acompanhadas dos elementos pertinentes à legalidade da situação exposta."

Em que pese os servidores do BACEN deterem estatutos próprios, como supradeclinado, não estando submetidos ao Código de Conduta da Alta Administração Federal, salvo as autoridades de máxima escala, os termos do Ofício da Comissão de Ética Pública foram devidamente analisados pela Procuradoria-Geral do BACEN, a qual se pronunciou sobre o tema por meio do Parecer PGBC-120, de 9 de maio de 2006 (fls. 62/70), aprovado pelo Procurador-Geral do Banco Central por meio do Despacho PGBC-2784, de 30 de maio de 2006 (fls. 71/72), no sentido de que a concessão das futuras licenças deveria efetivamente considerar a compatibilidade da atividade particular a ser eventualmente exercida pelo servidor no período de gozo de licença não remunerada com o cargo por ele ocupado na Autarquia, sugerindo ao Departamento de Gestão e Organização (DEPES) a inserção de mais essa condição a ser atendida para a concessão de licença para tratar de interesses particulares, relativamente ao item 8-9-2 do Manual de Serviço do Pessoal do Banco Central do Brasil (MSP). Restou, ainda, ponderada a aplicação de tal orientação aos casos de licenças já concedidas, mediante encaminhamento ao DEPES. As conclusões do Parecer PGBC nº 120/2006 podem ser assim sintetizadas (fl. 111):


a) a concessão de licença para trato de interesse particular não interrompe o vínculo que o servidor tem com a Autarquia, inclusive por não implicar a vacância do cargo (artigo 33 da Lei nº 8.112/90);

b) os deveres e proibições presentes na Lei nº 8.112/90 e na Lei nº 8.429/92, diretamente relacionados com a moralidade administrativa, não alcançam os servidores licenciados;

c) o servidor licenciado que desempenha atividades incompatíveis com o "cargo público" por ele ainda ocupado, e não com o "exercício do cargo", não incorre em infração disciplinar nem pratica ato de improbidade;

d) nada obstante, a referida incompatibilidade deve ser aferida pela Autarquia quando do exame de pedidos de licença para tratar de interesses particulares, a fim de não ser legitimada situação de duvidosa conformidade moral, sobrepondo os interesses do servidor aos interesses públicos;

e) seja sugerida ao DEPES a inserção, no item 8-9-2 do Manual de Serviço do Pessoal do Banco Central do Brasil (MSP), de mais uma condição a ser atendida para a concessão da mencionada licença, qual seja, a compatibilidade da atividade profissional a ser eventualmente exercida pelo servidor pleiteante com o cargo por ele ocupado na Autarquia;

f) realizada a alteração normativa sugerida, seja aferido, pela Administração, se há compatibilidade entre a atividade exercida pelos servidores atualmente licenciados e os cargos públicos ainda por eles ocupados.


A partir do Parecer supradeclinado, o Diretor da Secretaria Executiva do Banco Central do Brasil editou a Portaria BACEN/SECRETARIA EXECUTIVA nº 35.817, de 8 de agosto de 2006 (fls. 74/76), cujo artigo 1º, tido por violado pelo Ministério Público Federal, assim prescreve:


"Art. 1º. Na análise de requerimentos de licença para tratar de interesses particulares, deve ser examinado o potencial conflito de interesses entre as atividades desenvolvidas pelo servidor nesta Autarquia e aquelas que ele pretende desenvolver no decorrer da licença, observados os procedimentos e requisitos estabelecidos nesta Portaria.
Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput, considera-se conflito de interesses a situação gerada pelo confronto entre interesses desta Autarquia e os interesses privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública." (destaque aditado)

De se atentar, ainda, ao disposto nos artigos 2º e 3º da citada Portaria nº 35.817/2006:


"Art. 2º. A análise e a instrução do processo observarão os seguintes procedimentos:
I - o servidor deve instruir o seu requerimento com, no mínimo, as seguintes informações:
a) período da licença;
b) descrição das atividades que vem desempenhando nos últimos 12 meses;
c) existência de propostas de trabalho ou de negócio no setor privado que possa vir a aceitar durante o período da licença;
d) descrição, se for o caso, da atividade profissional que irá desenvolver durante o período da licença;
II - a chefia da unidade de lotação do servidor, previamente ao encaminhamento do processo ao Departamento de Gestão de Pessoas e Organização - Depes, emitirá manifestação quanto a:
a) conveniência e oportunidade da concessão da licença para os serviços da unidade;
b) potencial existência de conflito de interesses entre as atividades que o servidor irá exercer com as suas atividades no Banco;
III - ao examinar o pedido, o Depes deverá se manifestar também quanto ao potencial conflito de interesses, independentemente da manifestação a que se refere o inciso II deste artigo, podendo ainda consultar outras unidades do Banco Central, observado que:
a) se as unidades entenderem que não há conflito, e respeitado o interesse do serviço, a licença será deferida, cabendo ao Depes dar conhecimento à Comissão de Ética do Banco Central (CEBC) da decisão adotada;
b) se uma ou mais unidades entenderem que há potencial conflito de interesses, ou ainda se restarem dúvidas nesse sentido, o processo deve ser encaminhado à CEBC, para deliberação.
IV - se a CEBC entender que há conflito de interesses, e ponderada a gravidade desse conflito, manifestar-se-á pelo indeferimento do pedido ou condicionará o deferimento da licença à remoção do servidor para outra unidade, onde deverá permanecer por um período de três meses.
§ 1º. Na hipótese da remoção a que se refere o inciso IV, o servidor, se ocupante de função comissionada, será dela dispensado a partir do desligamento da unidade de origem.
§ 2º. Durante o período a que se refere o inciso IV, o servidor não poderá ter acesso à informação privilegiada ou a decisões ainda não tornadas públicas, relacionadas direta ou indiretamente às atividades por ele exercidas nos últimos doze meses, assim como terá bloqueado o acesso às transações dos sistemas informatizados do Banco relacionadas àquelas atividades.
§ 3º. Para fins desta Portaria, informação privilegiada é aquela que diz respeito a assuntos sigilosos ou que tem relevância no processo de decisão no âmbito do Banco Central do Brasil, com repercussão econômica ou financeira, e que não seja de conhecimento público." (destaques aditados)
"Art. 3º. Na análise dos casos concretos para identificação de potencial conflito de interesses, será dada especial atenção às áreas e às funções que possibilitam o acesso à informação privilegiada, tais como supervisão e regulação do sistema financeiro, gestão de compras e de contratos, segurança, procuratório, política cambial, liquidação e desestatização, política econômica, relacionamento com investidores, operações bancárias e sistema de pagamentos, operações do mercado aberto, operações das reservas internacionais, tecnologia da informação, consultoria e assessoramento imediatos ao Presidente e aos Diretores."

Ainda em razão das recomendações contidas no supramencionado Parecer PGBC nº 120/2006, foi alterado o item 8-9-2 do Manual de Serviço do Pessoal do Banco Central do Brasil (fls. 76), por meio da Atualização 617 de 21/08/2006, a fim de incluir mais uma condição para a concessão da licença para tratar de assuntos particulares, atinente à inexistência de conflito de interesse entre a função pública e a atividade privada a ser desempenhada no gozo da licença. Desse modo, foi somente a partir de tais expedientes que o BACEN passou a verificar tal incompatibilidade previamente à concessão dos requerimentos e como requisito para tanto. Confira-se:


Manual de Serviço do Pessoal - MSP
"8-9 - Licença para Tratar de Interesses Particulares
(...)
CONDIÇÕES
8-9-2 - A concessão da licença subordina-se ao atendimento das seguintes condições:
I - conveniência dos serviços;
II - inexistência de conflito de interesses entre as atividades desenvolvidas pelo servidor no Banco Central e aquelas que ele pretende desenvolver no decorrer da licença ou, quando for o caso, atendimento da condição especial prevista no MSP 8-9-8."

O histórico ora narrado se reporta à situação existente no âmbito administrativo antes da apresentação de representação por parte de Francisca de Assis Barbosa de Sá, Procuradora do BACEN, pois levou a notícia ao MPF na data de 07/02/2007.

A partir da formulação da citada representação e considerando o teor dos normativos ora apontados, o MPF remeteu ao BACEN a Recomendação nº 19, de 10 de agosto de 2007 (fls. 99/103), endereçada ao seu Procurador-Geral, Francisco José de Siqueira, por meio da qual foi indicado à Autarquia que procedesse ao encerramento das licenças concedidas especificamente em relação aos ora requeridos e, ainda, fossem revistas as concessões atinentes aos demais servidores na mesma situação, dada a apuração de incompatibilidade das atividades no âmbito privado com o interesse público, as quais importavam violação ao principio constitucional da moralidade, bem como desrespeito a deveres e proibições aos quais estão sujeitos os servidores, insculpidos na legislação federal e nos normativos de âmbito interno do Banco Central do Brasil.

O BACEN, por meio de sua Procuradoria-Geral, analisou os termos da Recomendação nº 19/2007 do MPF por meio do Parecer PGBC-243, de 4 de outubro de 2007, no bojo do qual reiterou os termos do já citado Parecer PGBC nº 120/2006 e aconselhou fosse dado prosseguimento aos procedimentos de verificação de compatibilidade, além de assim consignar especificamente: a) quanto ao corréu Flavio Maia, por ser membro da carreira de Procurador do BACEN, cujo afastamento ocorrera com anuência da própria Procuradoria-Geral, foi determinado o encaminhamento do procedimento ao Departamento de Gestão de Pessoas (DEPES) e sua notificação para imediato retorno; b) em relação aos demais requeridos, Gustavo Loyola e Marcelo Kfoury, Analistas do BACEN, foi declinada a necessidade de os procedimentos irem ao DEPES para a observância do Manual de Serviço de Pessoal e da Portaria nº 35.817/2006. Ainda, foi ratificada a orientação no sentido de se efetuar tal verificação relativamente a todos os servidores em situação similar, para o fim de ser apurado o eventual exercício de atividade privada durante o gozo de licença para tratar de interesses particulares e sua compatibilidade com a função pública.

Os requeridos foram devidamente intimados a declinar todas as atividades privadas desempenhadas, confirmando-se a natureza das atuações e o pertinente histórico (fls. 62, 85/86, 94/98), consoante será adiante descrito, de modo individualizado.

Portanto, como já dito, e conforme admitido pela própria Autarquia, somente "a partir da edição da Portaria 35.817, passou o Banco Central do Brasil a exigir que o requerimento de licença para tratamento de interesses particulares fosse instruído com as seguintes informações: a) período de licença; b) descrição das atividades que vem desempenhando nos últimos doze meses; c) existência de período de licença; d) descrição, se for o caso, da atividade profissional que irá desenvolver durante o período de licença". Assim, "de posse dessas informações, a chefia imediata do servidor e o Departamento de Gestão de Pessoas e Organização (DEPES) pronunciar-se-ão sobre a compatibilidade das atividades do servidor na Autarquia e no curso da licença" (fl. 325).

Nota-se, diante disso, que apenas com o advento da Portaria nº 35.817/2006 e Atualização do MSP é que a compatibilidade fora do exercício da função, ou seja, em licença do cargo, passou a ser condição para concessão da licença para tratar de interesses particulares pelo BACEN, situação reconhecida pelo próprio Ministério Público Federal na Recomendação nº 19/2007 (fls. 99/103): "CONSIDERANDO que foi expedida a Portaria nº 35.817 pela Diretoria de Administração do BACEN, estabelecendo requisitos e procedimentos para a concessão da licença para tratar de interesses particulares no âmbito do BACEN, que culminou com a Atualização nº 617, de 21/08/2006, do Manual de Serviço de Pessoal (MPS) do BACEN e, a partir de então, a concessão da referida licença no âmbito daquela Autarquia subordina-se à inexistência de conflitos de interesses entre as atividades desenvolvidas pelo servidor do BACEN e aquelas que ele pretende desenvolver no decorrer da licença" (grifos aditados).

Portanto, encontram-se presentes duas situações que influem diretamente para a aferição da prática de ato de improbidade pelos requeridos: à época da concessão das licenças não era exigida pelo BACEN a compatibilidade da atividade privada a ser exercida no gozo da licença não remunerada com o cargo público; ainda que tal apontamento não fosse condição para a concessão da licença, os requeridos declinaram expressamente perante a Autarquia as atividades que iriam exercer no período de seu usufruto.

A partir das premissas ora declinadas, bem como do contexto normativo e fático, passo a analisar individualmente as condutas de cada requerido, cotejando-as às provas que instruem os autos, a fim de firmar o convencimento quanto à alegação ministerial da prática de ato de improbidade, conforme segue:


1. FLÁVIO MAIA FERNANDES DOS SANTOS.


Ingressou nos quadros do BACEN em 1977 para exercer o cargo de Procurador do Banco Central, sendo que à época da concessão da licença para tratar de interesses particulares detinha a função comissionada de Chefe de Subunidade (FDT-1, DEJUR/PRRJA/CHEFIA), iniciando-se o afastamento para gozo da licença em 03/11/2004 (fls. 42/43), após o devido procedimento interno junto à Autarquia (fls. 35/52).

O requerido gozou a licença no período de 03/11/2004 a 02/11/2007 (fl. 85), durante a qual desempenhou atividades junto ao mercado financeiro, atuando no contencioso do Banco Unibanco enquanto consultor jurídico na instituição, além de ter também exercido o cargo de conselheiro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional - CRSFN, na qualidade de representante indicado pela FEBRABAN, em 2005. Atuou, ainda, como coordenador acadêmico dos cursos de pós-graduação em direito do GVLaw da Escola de Direito de São Paulo - EDESP, da Fundação Getúlio Vargas (fls. 95, 322, 421).

Após o advento do supracitado Parecer PGBC nº 243/2007, pelo qual foi declinado o entendimento no sentido da incompatibilidade da atividade particular no mercado financeiro frente à função pública, foi o requerido intimado a retornar ao cargo de Procurador da Autarquia, o que se deu ao final da licença concedida, na data de 03/11/2007 (fl. 132).

Regressando o corréu aos quadros da Procuradoria do BACEN em São Paulo (PGBC/PR3SP/COPAC), foi instaurada Sindicância Disciplinar Acusatória para apuração de infração aos artigos 116, II e IX e 117, XVIII, da Lei nº 8.112/90, bem como aos artigos 17, II, alínea "a" e 17-A, I, da Lei nº 9.650/98 (fls. 315/334). Ao final do procedimento, restou assim concluído (fl. 329): "Nesse sentido, considerando que foi com a edição da Portaria 35.817, em 2006, que houve uma reavaliação da Lei nº 8.112/90 e, desta, o estabelecimento de nova interpretação para os casos de concessão de afastamentos não remunerados, entende esta Comissão não ter ocorrido, na espécie, qualquer falta funcional. (...) Com base nos fatos apurados, levando-se, ainda, em consideração os termos da defesa apresentada pelo indiciado, cujos resultados da apreciação e análise encontram-se transcritos no item anterior, entende esta Comissão que a conduta do servidor Flavio Maia Fernandes dos Santos, Procurador, matrícula nº 3.308.448.3, não é passível de enquadramento como irregularidade, razão pela qual propõe o arquivamento do presente procedimento". Tal conclusão foi ratificada pela Nota-Jurídica PGBC-1370/2008 (fl. 334), culminando na publicação da Portaria 43.710, de 25 de março de 2008, determinando-se o arquivamento da Sindicância (fl. 398).

Dos depoimentos colhidos no bojo do procedimento disciplinar, extrai-se ser notório no âmbito do BACEN, à época da concessão da licença, que o afastamento do requerido tinha a finalidade de atuação junto ao Banco Unibanco, como se afere dos Termos de Depoimento colacionados às fls. 315/318. Confira-se:


Depoimento do Subprocurador-Geral do BACEN, Haroldo Mavignier Guedes Alcoforado (fl. 315): "que tinha conhecimento da licença do servidor Flavio Maia Fernandes dos Santos e que este iria desempenhar atividade jurídica no Unibanco, não sabendo precisar quais seriam exatamente as atribuições. Tomou conhecimento de que o servidor iria exercer as atividades no Unibanco entre os meses de outubro e novembro de 2004. (...)".

Depoimento do Subprocurador-Geral do BACEN, Luiz Ribeiro de Andrade (fl. 316): "que tinha conhecimento da licença do servidor Flavio Maia Fernandes dos Santos, entre 2004 e 2007. Declarou igualmente que tomou conhecimento de que o acusado exercia o cargo de Assessor Jurídico do Unibanco, aproximadamente, dois meses após o seu afastamento, por meio de contato telefônico, sem entretanto precisar a data. Naquela ocasião, o depoente já exercia o cargo de Subprocurador-Geral (...)".

Depoimento do Diretor do BACEN, Antonio Gustavo Matos do Vale (fl. 317): "que tinha conhecimento do afastamento do servidor Flavio Maia Fernandes dos Santos no período de 2004 a 2007. O depoente tinha conhecimento que o acusado trabalhava no Unibanco. Não sabe precisar quando tomou conhecimento disso, mas em agosto de 2005 participou de um seminário organizado pelo Fundo Garantidor de Crédito a respeito da lei 6.024/74 em que o servidor participou como representante do Unibanco. Naquela época, o depoente já exercia o cargo de Diretor de Liquidações e Desestatização do Banco Central do Brasil (...)".

Depoimento da Subprocuradora-geral do BACEN, Tânia Nigri (fl. 318): "que teve conhecimento da licença do servidor Flavio Maia Fernandes dos Santos quando este, no final do ano de 2004, anunciou seu afastamento na Procuradoria Regional do Rio de Janeiro para ir para o Unibanco. Ouviu dizer que o servidor Flavio Maia iria ser Diretor Jurídico do Unibanco. Na época, a depoente já estava lotada na Procuradoria Regional de São Paulo (...)".


De consignar, ainda, a análise da Comissão de Sindicância (fl. 325): "o requerimento do afastamento foi veiculado em 19/10/2004 e deferido em 27/10/2004. O que se pode extrair dos autos é que, à época do pedido, não se tinha como irregular o afastamento do servidor nos moldes em que este se deu, uma vez que a eventual incompatibilidade levava em conta, exclusivamente, o exercício efetivo do cargo pelo servidor, nos moldes do contido no Parecer PGBC nº 120/2006."

Quanto ao elemento volitivo do requerido, restou assim registrado no bojo da Sindicância (fl. 326): "não se vislumbra na hipótese a menor dose de malícia ou má-fé por parte do requerente: servidor e Administração agiram conforme o que se esperava então e, como tal, consolidou-se o afastamento do acusado."

Com efeito, compulsando o conjunto dos elementos dos autos, sejam as provas colhidas, sejam as manifestações das partes, afere-se efetivamente não ter havido qualquer intenção do requerido em burlar o ordenamento jurídico, ao revés, verificando-se respeitado o devido trâmite para a concessão da licença e a expressa anuência da Autarquia ante a presença dos pressupostos à época reputados necessários.

Destaque-se o corréu ter pleiteado seu afastamento não remunerado, de modo que não percebeu indevida e cumulativamente os vencimentos de Procurador e os da iniciativa privada.

Tampouco restou demonstrada a prática concreta de qualquer atividade ilegal ou escusa pelo requerido no âmbito privado, a importar violação dos deveres funcionais ou aos princípios da Administração, tendo primado pela condução transparente de seus atos.

De conseguinte, inexistindo atuação do requerido em desconformidade aos regramentos e correlata interpretação vigentes à época, bem como demonstrada sua conduta imbuída de patente boa-fé, de rigor afastar a imputação de conduta ímproba por parte de Flavio Maia Fernandes dos Santos.


2. GUSTAVO JORGE LABOISSIÈRE LOYOLA.


Ingressou nos quadros do BACEN em 1977 para exercer o cargo de Analista (fl. 57), tendo assumido a Presidência da Autarquia nos períodos de 1992-1993 e 1995-1997 (fls. 5, 58).

A primeira licença para tratar de assuntos particulares foi outorgada pelo BACEN ao requerido para gozo no período de 21/01/1998 a 20/01/2001, sendo a ele concedidas quatro licenças consecutivas, a última delas para o período de 21/01/2007 a 20/01/2010 (fl. 85).

Registre-se que o requerido, objetivando a concessão de licença não remunerada para o último período apontado, fez constar explicitamente do correlato requerimento a sua finalidade, destacando as seguintes atividades: ministrar palestras sobre conjuntura econômica; emitir pareceres sobre regulação econômica, inclusive nas áreas bancária e cambial; atuar como sócio-diretor de Tendências Consultoria Integrada SS Ltda., sócio-diretor da Gustavo Loyola Consultoria Integrada SS Ltda., membro do Conselho de Administração do Banco Itaú S/A e membro do Conselho de Administração da Mabel Alimentos S/A (fls. 58, 96/97, 421).

Na análise administrativa para a concessão de licença quanto ao período em comento, restou consignado expressamente pelo próprio BACEN ter sido devidamente observado o disposto na Portaria nº 35.817/2006: "O servidor Gustavo Jorge Laboissiere Loyola, já em razão de novo procedimento estabelecido pela Portaria 35.817/2006 (fls. 4-5), informou as atividades que vem desempenhando, conforme cópia de requerimento de fls. 6. A nova licença foi concedida, considerando que o servidor já se encontrava licenciado desde 1998, não havendo, portanto, informação privilegiada a ser protegida" (fl. 85).

Não obstante ter sido declinada a observância aos normativos reguladores para concessão da licença, a Autarquia acabou revendo seu posicionamento posteriormente, em virtude da Recomendação nº 19/2007 do Ministério Público Federal e considerando o Parecer nº 243/2007 da PGBC, emitindo ao servidor determinação para que retornasse ao cargo público, pois, em nova análise, o desempenho das atividades declinadas seria incompatível com a função pública.

Diante disso, o requerido optou por apresentar pedido de exoneração, o qual surtiu os pertinentes efeitos a partir de 17/12/2007 (fl. 137), anteriormente ao ajuizamento da presente ação, ocorrido em 11/05/2009.

Do contexto extraído dos autos, afere-se efetivamente não ter havido qualquer dolo do requerido para fraudar o ordenamento jurídico ou atuar em deslealdade para com a Administração Pública, tampouco restou demonstrada a prática de qualquer ato concreto a revelar atuação escusa ou ilegal na esfera privada.

Da mesma forma que o corréu Flavio Maia, o requerido Gustavo Loyola pleiteou seu afastamento não remunerado, daí redundando não ter havido a percepção indevida e cumulativa dos vencimentos de Analista com os das atividades no âmbito privado.

Ainda, é evidente a transparência na sua postura para com a Autarquia, a qual inclusive anuiu inicialmente com o gozo da licença por não vislumbrar incompatibilidade ética relativamente ao rol de atividades particulares desempenhadas pelo requerido, vindo apenas posteriormente a se retratar quanto a tal entendimento.

No tocante à assunção do cargo de Conselheiro de Administração em instituição financeira pelo requerido, note-se que o próprio BACEN é o responsável pela fixação de "condições para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de administração de instituições financeiras privadas, assim como para o exercício de quaisquer funções em órgãos consultivos, fiscais e semelhantes, segundo normas que forem expedidas pelo Conselho Monetário Nacional", sendo para tanto necessária a autorização da própria autarquia, consoante a previsão contida no artigo 10, inciso XI, da Lei nº 4.595/64 (fl. 97).

De conseguinte, inexistindo atuação do requerido em desconformidade aos regramentos e correlata interpretação vigentes à época, bem como demonstrada sua conduta imbuída de patente boa-fé, de rigor afastar a imputação de conduta ímproba por parte de Gustavo Jorge Laboissiere Loyola.


3. MARCELO KFOURY MOINHOS.


Ingressou nos quadros do BACEN na qualidade de Analista em 31/07/1992, tendo ocupado por três anos e meio a chefia do Departamento de Estudos e Pesquisas da Autarquia - DEPEP, cuja função era coordenar as unidades de pesquisa, além de participar das reuniões do Comitê de Política Monetária - Copom, apresentando as projeções da inflação.

O requerido obteve a licença para tratar de interesses particulares mediante o devido procedimento administrativo perante o BACEN, sendo deferida para ser usufruída no período de 05/05/2006 a 04/05/2009. Consta do procedimento de concessão da licença que sua situação não impunha o cumprimento de "quarentena", mas mesmo assim o requerido se submeteu voluntariamente ao prazo de dois meses de intervalo entre o início do afastamento e a assunção das atividades particulares (fl. 426).

No período da licença não remunerada, atuou na iniciativa privada, assumindo a função de economista-chefe do Banco Citibank no Brasil, cujas atividades abarcavam análise e previsão de variáveis macroeconômicas como produto interno bruto, desemprego, produção industrial, comércio, inflação, balança de pagamentos, taxa de câmbio e juros. Atuou, ainda, em apresentações sobre a economia brasileira para clientes corporativos nacionais e internacionais (fls. 98, 421).

A situação específica do requerido Marcelo Kfoury foi primeiramente submetida ao crivo administrativo por ocasião do Parecer PGBC nº 120/2006 (fls. 62/70), sendo que a análise de sua condição acabou por configurar paradigma institucional, com posterior aplicação às hipóteses similares. Em seu bojo, como visto, restou declinado que, para aferição do conflito de interesses, tornava-se imperiosa a distinção entre o servidor em exercício e aquele licenciado, não sendo possível computar a "incompatibilidade" da atuação privada ao servidor licenciado, pois a Autarquia somente vislumbrava eventual conflito durante o efetivo exercício do cargo. Assim, a Procuradoria do BACEN consignou expressamente que o servidor licenciado, ao atuar em atividades particulares incompatíveis com a função pública, mereceria apenas reprimenda moral por não atendimento aos preceitos éticos, pois tal situação não importaria caracterização de infração disciplinar, tampouco ato de improbidade, inclusive por existir prévia autorização do BACEN para a concessão da licença, com pleno conhecimento das atividades a serem exercidas junto ao mercado financeiro.

Não obstante o entendimento então declinado pela Autarquia e a observância aos normativos reguladores da concessão do afastamento à época, o BACEN acabou revendo seu posicionamento posteriormente (Recomendação nº 19/2007 do MPF e Parecer PGBC nº 243/2007), tal como atuou em relação aos demais corréus, interrompendo a licença concedida ao requerido e determinando seu imediato retorno ao cargo público, pois a partir da nova análise o desempenho das atividades declinadas seria incompatível com a função pública.

Diante disso, o requerido optou por apresentar pedido de exoneração, a qual surtiu os pertinentes efeitos a partir de 11/02/2008, momento anterior ao ajuizamento da presente ação civil pública (fls. 139).

Da mesma forma que os demais requeridos, o gozo da licença se deu sem remuneração, donde exsurge não ter havido o recebimento indevido e cumulativo dos vencimentos de Analista com os percebidos na iniciativa privada.

Portanto, da análise dos elementos dos autos, comprova-se a inexistência de qualquer ação intencional do requerido para fugir aos deveres preceituados pelo ordenamento jurídico, restando ainda não demonstrada a atuação escusa ou ilegal concreta no âmbito privado.

Afere-se, ademais, a postura transparente do requerido na condução de seus atos junto à Administração, destacando-se a Autarquia ter inicialmente anuído com o afastamento por não vislumbrar a situação de conflito de interesses, vindo apenas posteriormente a modificar tal entendimento.

Note-se, em verdade, ter havido a demonstração de boa-fé do corréu, em especial quando se verifica ter sido confirmado pelo próprio BACEN que o servidor não estava sujeito à quarentena e, ainda assim, ter ele se submetido a período sem exercício junto à iniciativa privada, em "quarentena voluntária de dois meses" (fl. 426).

De conseguinte, inexistindo atuação do requerido em desconformidade aos regramentos e correlata interpretação vigentes à época, bem como demonstrada sua conduta imbuída de patente boa-fé, de rigor afastar a imputação de conduta ímproba por parte de Marcelo Kfoury Moinhos.


4. PONDERAÇÕES FINAIS.


A atuação ética no âmbito da Administração Pública detém status constitucional (artigo 37, caput, da CF/88), tendo sido contemplada nas Leis nº 8.112/90 e nº 8.429/92 e especificamente regulada em 1994 pelo Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Decreto nº 1.171/1994). No entanto, o conflito de interesses somente passou a ser tratado como uma questão de ímpar relevância a partir da criação da Comissão de Ética Pública, por meio do Decreto de 26 de maio de 1999, instituída para o fim de rever as normas acerca da conduta ética na Administração Pública Federal, e da edição do Código de Conduta da Alta Administração Federal, em agosto de 2000, cujos marcos temporais fixaram o conflito de interesses como um tema de destaque na agenda política do governo.

A caracterização do desempenho de "atividade incompatível", ou seja, de atuação do servidor público na seara privada em conflito de interesses com a Administração, objetiva em última análise primar pela moralidade administrativa no sentido mais amplo possível, evitando que a conduta funcional do agente possa ser influenciada por interesses particulares, acarretando o indevido desempenho da função pública e dos deveres legais, maculando a imagem do serviço público.

Com relação ao citado Código de Conduta da Alta Administração Federal, registre-se ser destinado a um restrito número de agentes públicos, ou seja, somente aos ocupantes do alto escalão do Poder Executivo Federal. Os demais servidores estão fora do alcance das regras desse Código, sendo sua conduta norteada pelos estatutos gerais nos respectivos âmbitos (federal, estadual ou municipal) e, cada carreira, pelo seu estatuto próprio.

No caso do Banco Central do Brasil, como visto, os regramentos atinentes aos direitos e deveres funcionais, aplicáveis aos seus servidores, são precipuamente a Lei nº 8.112/90 e a Lei nº 9.650/98, além dos normativos de âmbito interno, como a Portaria nº 35.817/2006 e o Manual de Serviço do Pessoal do Banco Central do Brasil (MSP), cujos dispositivos a serem observados na hipótese foram anteriormente transcritos, devendo a partir deles ser aferida a alegada incompatibilidade na atuação dos requeridos.

De fato, a concessão de licença para tratar de interesses particulares não tem o condão de romper o vínculo entre o servidor e a instituição pública, pois o liame entre eles é estatutário e somente se encerra nas hipóteses taxativamente previstas na legislação, a exemplo do artigo 33 da Lei nº 8.112/90, o qual elenca, dentre outras, a exoneração, demissão, aposentadoria e o falecimento. Isso porque no gozo de licença não se dá a vacância do cargo, restando suspenso apenas o exercício das atribuições, motivo pelo qual os pertinentes normativos devem ser observados mediante coadunação interpretativa à inexistência do efetivo desempenho da função. Assim, o agente licenciado mantém o vínculo institucional e apenas não estará no exercício da função, situação que inclusive permite determinadas atuações na seara privada, como expressamente autorizado pela citada Lei nº 8.112/90.

Diante disso, uma vez mantido o vínculo, não é aprovável a conduta do servidor que de qualquer forma macule a função por ele exercida na instituição pública, mesmo licenciado, pois tal afastamento pode cessar a qualquer momento, a pedido do interessado ou mesmo no interesse da própria Administração, quando o servidor retornará ao cargo. Desse modo, é coerente e altamente recomendável a postura dos gestores de pessoal no sentido de verificar, previamente à concessão, o motivo da licença e as atividades a serem desempenhadas pelo agente em tal interstício.

Com efeito, não se pode in casu endossar a conduta de agentes públicos do BACEN que se afastaram de seus cargos junto à Autarquia para atuar no mercado financeiro privado, sendo possível entrever a priori incompatibilidade com a função pública desempenhada pelos requeridos, pois, como já consignado, o Banco Central do Brasil tem a função precípua de regular o mercado de capitais, além de ser o ente controlador e fiscalizador das instituições financeiras (Lei nº 4.595/64).

Tal condição foi reconhecida pelo próprio BACEN, consoante entendimento exarado no Parecer nº 120/2006 e no Parecer nº 243/2007 de sua Procuradoria-Geral (fls. 62/70), a qual se viu confirmada na manifestação da Autarquia às fls. 390/397. A partir de seus termos, bem como dos documentos colacionados aos autos (fls. 127/136, 150/274) é possível aferir a nova condução do BACEN quanto às licenças para tratar de interesses particulares, a saber: a) para as futuras concessões, passou-se obrigatoriamente a considerar a compatibilidade das atividades privadas; b) as licenças até então já concedidas foram mantidas apenas aos servidores que não estavam desempenhando atividades privadas incompatíveis; c) nos casos em que detectada a atuação particular conflitante com a função pública, as licenças foram interrompidas pelo BACEN, determinando-se ao servidor seu retorno ao cargo; d) na hipótese de opção do agente público pela manutenção da atividade privada incompatível, deveria haver o desligamento funcional, à semelhança do teor constante na normatização ética do Código de Conduta da Alta Administração (artigo 15).

No entanto, para fins da apuração de improbidade administrativa, em que pese o grau de reprovação ora declinado e o registro de tal ponderação nos pareceres da Procuradoria-Geral do Banco Central, a redundar na mudança procedimental ora descrita, deve-se atentar à imbricação da situação fática posta nos autos.

A possibilidade da concessão das licenças não remuneradas para atuação no mercado financeiro junto a instituições privadas era à época não só admitida pelo BACEN, como expressamente autorizada pela Autarquia, vindo a ser outorgada relativamente a diversos servidores (fls. 150/153) em decorrência, essencialmente, do preceito contido no Plano de Carreira dos Servidores do Banco Central do Brasil, com disposição expressa no sentido de que é proibida aos servidores em efetivo exercício no BACEN "a prestação de serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade é controlada ou fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, salvo os casos de designação específica" (artigo 17, II, "a"). Portanto, a contrario sensu, se o servidor não estivesse em exercício, mas, e.g., gozando de licença para tratar de interesses particulares, entendia-se não haver óbice a tal concessão, situação essa que chegou a ser expressamente examinada nos procedimentos administrativos instaurados junto ao Departamento de Pessoal (DEPES) para obtenção do afastamento, mediante interpretação conjunta dos já transcritos artigo 117, XVIII, da Lei nº 8.112/90 e artigo 17 da Lei nº 9.650/98 (Plano de Carreira dos Servidores do BACEN).

Além disso, a Autarquia considerava que tal conduta não implicava a prática de infração disciplinar e, menos ainda, ato de improbidade, pois o cotejo da compatibilidade de atividades era feito apenas em relação ao efetivo exercício do cargo público, consoante expressamente analisado na via administrativa em relação aos corréus Marcelo Kfoury (fl. 66) e Flavio Maia (fl. 329), vindo o exame de ausência de conflito de interesses a se tornar requisito para a concessão da licença para tratar de interesses particulares apenas com a inserção de tal condição específica no item 8-9-2 no Manual de Serviço do Pessoal do Banco Central do Brasil (MSP) em 21/08/2006 (fls. 68, 76), em razão da alteração do posicionamento adotado.

Assim, o novo entendimento, concernente à ampliação das hipóteses de verificação da existência de conflito de interesses, deu-se no intuito de acolher o teor do Ofício nº 147/06 da Comissão de Ética Pública e da Recomendação nº 19/2007 do MPF, ratificados pelos Pareceres da sua Procuradoria-Geral, incrementando a margem de preservação da imagem da Autarquia.

Portanto, a mudança procedimental ora em comento deriva de nova interpretação tomada no âmbito da Autarquia, cuja aplicação retroativa em prejuízo do servidor é vedada não só em razão dos princípios gerais norteadores do Direito, como à vista do teor insculpido no artigo 2º da Lei nº 9.784/99. Confira-se:


"Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
(...)
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação."
(destaque aditado)

Diante de tal quadro, afere-se não proceder o argumento posto pelo Parquet em sua inicial, no sentido que os requeridos "estariam se aproveitado da ausência de fiscalização ou controle do BACEN quanto às atividades desempenhadas durante o gozo da licença para tratar de interesses particulares, dedicando-se a atividades no setor privado do Sistema Financeiro", pois era inequívoca a ciência e anuência da instituição quanto aos pleitos das licenças apresentados pelos funcionários e ao escopo a que destinavam. Tanto é que o BACEN veio aos autos, consoante a faculdade concedida pelo artigo 17, § 3º, da LIA, declinar não ter interesse em participar da lide.

Por conta do mesmo raciocínio, não é passível de ser acolhido o argumento de que a concordância do BACEN teria sido apenas quanto à "concessão da licença" e não quanto às atividades que seriam exercidas, uma vez "não ter havido" autorização expressa da Autarquia em relação a estas (fl. 431), pois os elementos dos autos apontam no sentido contrário, como declinado.

Tal situação, somada à atuação individual de cada corréu, anteriormente discriminada, é mais do que hábil a afastar qualquer indício de dolo e má-fé por parte dos requeridos, inclusive quanto a eventual "aproveitamento da falta de controle" da Administração, pois a realidade era plenamente conhecida dos gestores da Autarquia.

De conseguinte, afere-se não ter havido a apontada conduta dolosa por parte dos corréus, relativa à atuação desleal para com a instituição, tampouco terem eles concorrido para a inobservância das normas legais e regulamentares (artigo 116, II e III, da Lei nº 8.112/90), seja em relação à apresentação do requerimento para obtenção da licença, seja quanto à finalidade de virem a exercer atividades particulares no mercado financeiro, frisando-se ter havido anuência da Autarquia decorrente da praxe administrativa executada em todas as situações similares.

Também não restou demonstrado os requeridos terem concorrido para a quebra do sigilo devido em relação aos assuntos do BACEN ou atuado de forma incompatível com a moralidade administrativa (artigo 116, VIII e IX, da Lei nº 8.112/90), pois o MPF se limitou a suscitar genericamente a violação de tais deveres, o que pode ser aferido do teor constante da própria peça inaugural (fls. 11/13): "Tal comportamento é claramente incompatível com os deveres de honestidade e lealdade aos quais se refere o caput do artigo 11 da Lei de Improbidade, uma vez que tais servidores inevitavelmente têm acesso a informações privilegiadas em virtude do cargo que ocupam"; "à toda evidência, os ora demandados beneficiaram-se dos cargos públicos que ocupavam, seja para ter acesso aos significativos lucros do mercado financeiro privado (para serem convidados por força de suas vinculações com o Banco Central), seja para permanecer em tal mercado, sendo absolutamente presumida a incompatibilidade das funções públicas e privadas em virtude do claro tráfico de influência, especialmente relevante quando se fala em mercado financeiro (informações sobre políticas cambiais, taxas de juros, articulações do COPOM, procedimentos internos do BACEN e tantas outras informações privilegiadas que os demandados tinham conhecimento pessoal ou acesso em virtude dos cargos ocupados)" (grifos aditados).

A proibição de desempenho de atividades incompatíveis com o exercício do cargo ou função (artigo 117, XVIII, da Lei nº 8.112/90), de igual modo não restou configurada, à vista do teor exaustivamente declinado.

No tocante à proibição de participação em gerência ou administração de sociedade privada (artigo 117, X, da Lei nº 8.112/90), a interpretação à época levava em conta o efetivo exercício, como dito, lembrando-se atualmente haver permissivo legal para atuação em direção societária durante o gozo de licença para tratar de interesses particulares, consoante o estatuído pelo artigo 117, parágrafo único, inciso II, da citada Lei nº 8.112/90. O indigitado parágrafo foi incluído no Estatuto do Servidor Público Civil por meio da Lei nº 11.784/2008, sendo aplicável à espécie por se tratar de disposição mais benéfica ao servidor: "na esfera administrativa, as anistias concedidas por normas jurídicas devem ter a interpretação mais ampla e benéfica possível, para atingir, de maneira adequada, eficaz e completa, os direitos do Servidor Público que tutela" (STJ, AR 1304, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe 26/08/2008).

Decerto há condutas por parte dos agentes públicos que dispensam prova de prejuízo, pois o dano se configura in re ipsa, a exemplo da dispensa indevida de processo de licitação (STJ, REsp 817921, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, v.u., DJe 06/12/2012). Todavia, nestes casos, fala-se na presunção de dano decorrente de um ato concreto e comprovado, situação que não tem semelhança com a verificada nos presentes autos.

Ressalte-se, ainda, o Ministério Público ter declinado a suficiência do apontamento genérico de condutas violadoras dos deveres legais, dispensando a instrução probatória e requerendo o julgamento antecipado da lide "por se tratar de matéria de direito", assim se manifestando (fl. 445): "Considerando que não há negativa por parte dos réus quanto às atividades por eles realizadas quando do gozo das licenças, entende o MPF que é desnecessária a dilação probatória. A controvérsia da demanda cinge-se à legalidade das atividades privadas exercidas pelos réus quando em licença, matéria exclusivamente de direito. Assim, reitera os argumentos aduzidos na inicial e réplica, pugnando pelo julgamento antecipado da lide com a sentença de procedência do pedido" (grifo aditado).

Ora, não pode a ação intentada para apuração de ato ímprobo cingir-se à apuração genérica da ilegalidade. Como já dito, deve haver comprovação inequívoca de ato doloso associado à ação imbuída de má-fé, sem o que não se fala em improbidade. A imputação de conduta ímproba, em que pese se reportar à violação de deveres de ordem pública insculpidos no ordenamento jurídico, é eminentemente fática, devendo ser apontada a prática de ato concreto e específico por parte do agente para o fim de ser extraída a violação e restar configurar a improbidade: e.g., tal ou qual informação sigilosa sendo utilizada em determinado momento na atuação privada para certo fim escuso e violador da moralidade. E esse é o entendimento pacificado no âmbito da doutrina e da jurisprudência pátrias, na forma inicialmente consignada.

O autor não apontou uma circunstância concreta sequer, qualquer ato dos requeridos no exercício da atividade particular, apto a demonstrar que teriam se beneficiado da situação de servidores licenciados e se utilizado de tal condição para favorecer a si ou às instituições privadas. Ao revés, foi citado genericamente que "inevitavelmente" estariam se valendo de tal circunstância para o indevido favorecimento apenas em razão dos cargos privados que passaram a ocupar. Não se está com isso, repita-se, avalizando a conduta dos requeridos, mas não se pode considerar o grau de reprovação da conduta na seara ética como prova inequívoca de dolo e má-fé para fins de imputação de improbidade administrativa.

Nesse passo, não prospera a pretensão do Parquet ao reconhecimento de improbidade de modo genérico e abstrato, como almejado em sede do seu apelo (fl. 477, verbis): "Os apelados detêm conhecimentos técnicos elevados sobre o setor, podendo, uma vez que assumiram cargos diretivos, influenciando, ainda que não intencionalmente, modo como a empresa privada atua no mercado, acarretando prejuízos às demais empresas e à Administração Pública" (grifo aditado).

Portanto, descabe a condenação dos requeridos por imputação de condutas in abstrato potencialmente violadoras da probidade administrativa, não sendo possível caracterizar que a prática de atividade junto ao mercado financeiro ou mesmo a obtenção da licença para tal fim, per si, já configurariam ato de improbidade, pois imperioso o apontamento de ato perpetrado no período da licença a partir do qual teria derivado lesão à Administração ou tráfico de influência, possibilitando a aplicação das penalidades da Lei nº 8.429/92 aos requeridos.

É nesse sentido o entendimento no âmbito da Superior Corte, consoante se ilustra pelo aresto a seguir:


"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. AGRAVAMENTO DA PENA SUGERIDA PELA COMISSÃO PROCESSANTE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 168 DA LEI N.º 8.112/90. INOBSERVÂNCIA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPUTAÇÃO GENÉRICA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ACOMPANHAMENTO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL PELO ACUSADO DESDE O INÍCIO. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE.
(omissis)
4. Para se caracterizar a infração descrita no art. 10, inciso VIII, da Lei n.º 8.429/92, não basta a existência de imputações genéricas de irregularidades, devendo ser demonstrado que o servidor, ao menos culposamente, concorreu para a frustração da licitude do processo licitatório, bem como a ocorrência da lesão ao erário.
(omissis)
6. Ordem concedida."
(STJ, MS 9516, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Terceira Seção, DJe 25/06/2008).

Assim sendo, a imputação genérica, abarcada aqui a "possibilidade de favorecimento" decorrente das atribuições funcionais dos servidores e do "inequívoco acesso a informações privilegiadas", além de não ter sido comprovada, é insuficiente à caracterização de improbidade administrativa.


O Ministério Público Federal alegou, ainda, que teria havido enriquecimento ilícito dos requeridos em razão da percepção de remuneração ou vantagem decorrente do exercício das atividades junto às instituições privadas do mercado financeiro. A improbidade restaria configurada, assim, não só pelo recebimento indevido de tais valores, como pela exploração da posição ocupada na estrutura administrativa, "óbvio atrativo" para os requeridos adentrarem o mercado financeiro, aumentando seu patrimônio mediante o recebimento de "frondosa retribuição".

No entanto, a partir dos elementos dos autos, não se vislumbra ter havido percepção indevida de remuneração ou vantagem por parte de quaisquer dos requeridos. A Lei de Improbidade Administrativa caracteriza a ocorrência do enriquecimento ilícito quando o agente público, no exercício da função, ostenta aumento de patrimônio cuja origem ele não consegue comprovar ser lícita, ou seja, não demonstra a circunstância legítima a ensejar o incremento patrimonial, situação hábil a demonstrar que o aumento é decorrente do uso indevido do cargo público.

A remuneração auferida pelos requeridos decorreu de efetivo desempenho de atividade perante as instituições privadas, sem qualquer percepção cumulativa, pois estavam em gozo de licença para tratar de interesses particulares, ou seja, não estavam no exercício dos cargos em virtude dos afastamentos não remunerados. Assim, não havendo exercício da função pública, tampouco percepção de vencimentos oriundos do BACEN, não se vislumbra o alegado enriquecimento ilícito.

De fato, o convite para atuação na iniciativa privada pode ter decorrido da experiência curricular dos requeridos, abrangendo a atuação perante o Banco Central do Brasil, mas isso por si não caracteriza desonestidade e menos ainda justifica a pretensão à condenação dos réus à devolução qualificada da remuneração percebida em decorrência das atividades privadas, na forma de imposição de "multa civil no importe de três vezes o incremento patrimonial tido por ilícito, a ser calculado pela evolução patrimonial auferida durante o período", o que equivaleria à retirada de seu patrimônio de verba de caráter alimentar legitimamente percebida, em afronta inclusive ao primado da dignidade da pessoa humana (artigos 1º, III e 6º, da CF/88).

Lembre-se, ainda, a vedação constitucional à acumulação de cargos (artigo 37, XVI e XVII, da CF/88) reportar-se à percepção cumulativa de vencimentos, ou seja, à acumulação remunerada no âmbito da Administração Pública. Assim, não abarca a acumulação pública não remunerada, tampouco a atuação concomitante na seara pública e privada: "a proibição de acumular, sendo uma restrição de direito, não pode ser interpretada ampliativamente. Assim, como veda a acumulação remunerada, inexistem óbices constitucionais à acumulação de cargos, funções ou empregos do serviço público desde que o servidor seja remunerado apenas pelo exercício de uma das atividades acumuladas" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Ed. Malheiros, 28ª Ed. São Paulo, 2003).

Face ao todo exposto, e citando a doutrina de Mauro Roberto Gomes de Mattos, resta efetivamente não configurada a imputação do ato de improbidade capitulado no artigo 9º, VIII, da LIA, pois o tipo objetivo da infração é "o patrocínio do agente público, direta ou indiretamente, junto a repartições públicas, no exercício do cargo, emprego ou função", para o qual se vale "de uma condição funcional, para interceder em favor de direito alheio, através de um ato omissivo ou comissivo do mesmo, seja a título gratuito ou oneroso" (destaque aditado). Da mesma forma, também não restou demonstrada a prática ímproba insculpida no artigo 11, caput, da LIA: "Por suposto que a honestidade é um dever de estado permanente do homem público, não podendo ser violado este princípio em hipótese alguma. A honestidade, conjugada com a eficiência e a lealdade às instituições públicas, é o mínimo que se espera dos agentes públicos. Quanto a isso não se discute. Todavia, não são todos os atos administrativos ou omissões que colidem com a imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições que darão azo ao enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa. (...) A má-fé, caracterizada pelo dolo, comprometedora de princípios éticos ou critérios morais, com abalo às instituições, é que deve ser penalizada, abstraindo-se meros pecados veniais, suscetíveis de correção administrativa. (...) A boa-fé e a ausência de prejuízo para a Administração Pública, mesmo que haja vício de legalidade, autorizam a sanatória do ato tido como irregular" (in O Limite da Improbidade Administrativa. Ed. Forense. 5ª Ed. Rio de Janeiro, 2010).

Em outras palavras, para a configuração da violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições deverão estar presentes, cumulativamente, a conduta do agente violadora dos princípios éticos da Administração mediante atuação desonesta e imbuída de má-fé, com o dolo caracterizado pela vontade manifesta de violar tais preceitos. A ausência de quaisquer destes elementos, como ocorre na presente hipótese, impõe seja negada a aplicação da penalidade, podendo tal situação ser eventualmente enquadrada como "ato falho", na dicção de Benedicto de Tolosa Filho, qual seja, "aquele que embora colida com os princípios da administração Pública, foi praticado com boa-fé e não lesionou o patrimônio público" (in Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Ed. Forense. Rio de Janeiro. 2004).


Por derradeiro, impende anotar que o Ministério Público Federal, em sua inicial, deixou de incluir o BACEN no pólo passivo da demanda e, ainda, anuiu expressamente com sua não integração à lide, pois seria a "pessoa jurídica lesada", ou "vítima" das condutas tidas por ímprobas (fls. 428/436). No entanto, como é possível considerar existir prática de improbidade pelos servidores licenciados e, ao mesmo tempo, entender-se pela inexistência de ato ímprobo por parte da instituição, quando esta anuiu expressamente com todo o proceder? Tal atuação se demonstra, no mínimo, incoerente.

Se o Parquet declinou em sua inicial que "permitir que servidores licenciados do BACEN exerçam atividades em instituições privadas no mercado financeiro configura inequívoca ofensa aos normativos referidos" e, portanto, improbidade administrativa, seja por conivência, seja por negligência decorrente da ausência de fiscalização (fls. 4, 12), deveria obrigatoriamente ter indicado o BACEN para compor o pólo passivo da lide, pois é impossível dissociar a conduta dos servidores da conduta da instituição, uma vez inequívoca e intimamente ligadas, especialmente para fins da responsabilização pretendida. Assim, se não há improbidade administrativa por parte da instituição, pelo mesmo motivo, e por decorrência lógica, não se fala em ato ímprobo por parte dos servidores.


Em que pese o Ministério Público Federal aduzir em seu favor os artigos 81 e 91 da Lei nº 8.112/90, artigos 12 e 21 da Lei nº 8.249/92, artigos 95 e 170 da CF/88, além dos dispositivos e diplomas legais expressamente analisados, registre-se a interpretação de tais preceitos dever ser harmonizada à dos demais normativos concernentes ao tema e ao atual posicionamento de nossos Tribunais, na forma supra exarada.


De conseguinte, a partir do conjunto probatório detalhadamente apurado e cotejado, resta efetivamente não configurada a prática dos atos de improbidade declinados pelo Ministério Público Federal, impondo-se a improcedência da presente ação civil pública, com a manutenção in totum da sentença recorrida, sem condenação em honorários advocatícios, face ao disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85.


Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida.


É o voto.



ALDA BASTO
Desembargadora Federal Relatora


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