Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/09/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0704468-30.1998.4.03.6106/SP
2007.03.99.008449-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : MIGUEL FERREIRA NEVES
ADVOGADO : SP090366 MAURI JOSE CRISTAL e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 98.07.04468-5 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. TEORIA DA CAUSA MADURA. AFERIÇÃO DE CONDIÇÃO DE JULGAMENTO. DANOS CONFIGURADOS.

1- Pretende o apelante o ressarcimento dos danos material e moral, decorrente da indevida venda de seu veículo em hasta pública, promovida pela Receita Federal, submetendo-se, portanto, ao prazo prescricional de cinco anos (Decreto n. 20.910), devendo ser considerado o artigo 3º do Decreto-lei nº 4.597/42.
2- Durante o curso da ação não correu o prazo prescricional, que se reiniciou, pelo prazo de dois anos e meio, do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 3º, do Decreto-Lei 4597/42, portanto, tendo sido a presente ação de indenização foi proposta em 12/5/1998, não está prescrito o direito de ação.
3- Não obstante o art. 515 , § 3º do CPC utilize a expressão "exclusivamente de direito", a jurisprudência vem entendendo que, nesse particular, o legislador expressou menos do que pretendia, de modo a estar autorizado o enfrentamento do mérito também quando a causa versar sobre matéria de fato, desde que "madura para julgamento", sem violação do duplo grau de jurisdição ou reformatio in pejus.

4- Demonstrando o dano patrimonial sofrido pelo apelante e o nexo de causalidade decorrente da indevida declaração de perda de seu veículo, um caminhão, marca Mercedes Benz, modelo 1113, ano 1977, placas IU-8868-SP e consequente venda em hasta pública, restando configurada a responsabilidade civil do União.
5- O ato causador do dano moral, evidenciado na atitude da ré em levar o bem a venda em hasta pública, mesmo após o apelante comprovar que era o proprietário do veículo, conforme se destaca do texto da sentença proferida nos autos do processo nº 001012-0.
6- O dano moral experimentado pelo apelante, consistente no transtorno pessoal experimentado pelo apelante, consistente na frustração pelas inúmeras tentativas de reaver o seu bem, comprado com trabalho árduo, conforme alegou na inicial, por certo causou angústia e consternação, que dispensa a prova de efetivo prejuízo, obrigação de reparar o dano dele decorrente, cumprindo a obrigação de indenizar.
4- Apelação provida. Ação julgada parcialmente procedente.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e, com base no artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido do autor, sendo que o Juiz Federal Roberto Jeuken o fazia em menor extensão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de agosto de 2014.
NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0704468-30.1998.4.03.6106/SP
2007.03.99.008449-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : MIGUEL FERREIRA NEVES
ADVOGADO : SP090366 MAURI JOSE CRISTAL e outro
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 98.07.04468-5 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO-VISTA

Pedi vista para melhor inteirar-me da documentação existente nos autos, sobretudo quanto a indenização acolhida no voto condutor do julgamento, inclusive no tocante aos danos materiais.


E nesta oportunidade trago o meu voto a propósito da questão.


Inicialmente cumpre assentar que estou de acordo com o voto do eminente relator no pertinente ao afastamento da prescrição acolhida em primeiro grau e quanto ao prosseguimento no âmbito do art. 515 § 3º do CPC, visto que a causa encontra-se madura.


Destaco ainda do aludido voto a ausência de recurso autoral quanto a litispendência do pleito volvido a indenização por perdas e danos e lucros cessantes, em face da decisão proferida na ação de nulidade de ato administrativo c/c restituição de coisa apreendida e ressarcimento de danos, que tramitou perante a 2ª Vara Federal de Campo Grande/MS (Autos 00.1012-0), onde averbado, a propósit, que não comprovados naqueles autos (fls. 243, ultimo parágrafo).


Também verifico que a guia relativa ao recolhimento da Taxa Rodoviária Única, antecessora do IPVA, registrava tratar-se de caminhão tipo basculante, o que também restou afirmado por testemunhas da autoria (fls. 237 e 238 destes autos).


Do procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal, nada consta a respeito deste ponto, apurando-se apenas que fora apreendido no transporte ilegal de café, providência comumente levada a efeito com caminhões dotados de carroceria tradicional de madeira, sobretudo porque a carga, de regra, encontra-se ensacada e não "a granel". O silêncio da prova documental coligida pelas partes milita em prol desta realidade: transporte de café ensacado e em caminhão dotado de carroceria de madeira.


Mas é certo que o emplacamento à época da apreensão não mais coincidia com aquela atribuída ao veículo, pela autoridade de trânsito em São Paulo/SP, sendo outra de município do Mato Grosso do Sul.


Enfim, somente com o ingresso do autor nos autos do procedimento administrativo é que restou possível detectar-se o real proprietário do caminhão. Entrementes, o perdimento administrativo já fora decretado. E por ocasião da propositura da presente ação, já arrematado por terceiro de boa-fé, pelo valor de NCrz$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil cruzados novos) (fl. 93), o qual, atualizado para a data do julgamento, correspondia a R$ 65.730,21 (Sessenta e cinco mil, setecentos e trinta reais e vinte e um centavos), certo que os trinta mil reais acolhidos pelo voto-condutor, correspondia, na mesma ocasião, à cifra de R$ 80.059,88 (oitenta mil cinqüenta e nove reais e oitenta e oito centavos).

No documento de fls. 105, firmado pela autoria na ocasião do registro da ocorrência do furto, o valor do caminhão foi por ela apontado como sendo Cr$ 4.500.000,00 (Quatro milhões e quinhentos mil cruzeiros), que equivale a R$ 43.284,00 (Quarenta e três mil duzentos e oitenta e quatro reais).

De sorte que, em valores atuais a arrematação perfaz 82% do montante pedido na inicial, sendo este 184% acima do valor informado no momento em que registrada a ocorrência do furto.


Considerado este ultimo valor, a arrematação substanciaria 151% do mesmo, não podendo ser olvidado que as coisas envelhecem e aí, além da valorização, torna-se necessário levar em conta a depreciação do bem. Sobretudo quando ele foi objeto de furto, ficando por cinco anos a deriva do seu proprietário, sendo apreendido, ao que se infere, pois a autoria não cuidou de fazer a prova que lhe competia, com modificações que também interferem no preço, pois uma carroceria de madeira custa menos que uma basculante.


Em consulta a sítio eletrônico ligado ao comércio de caminhões, onde utilizado a tabela FIPE, tradicional neste ramo, não localizamos valor de mercado para a atualidade, no tocante ao caminhão Mercedes Benz, modelo 1113, ano de fabricação 1977, sendo o mais próximo conseguido, o de 1983, seis anos após, para o qual indicado o valor de R$ 31.510,00 ao passo em que o lanço vencedor no leilão administrativo representava, mais que o dobro (108%), sendo indiscutível que eventual valor disponibilizado quanto ao ano de 1977, seria inferior ao R$ 31.510,00, sugerido pela tabela fipe. E também a taxa de depreciação seria superior a atual, pois o veículo estava com 12 anos de uso e não os 37, se ainda funcionando nos dias atuais.


Daí porque, reputamos como mais consentâneo com a realidade, limitar o valor da indenização a importância informada à época do furto (fls. 105), R$ 43.284,00, da qual ainda poderia ser deduzida a taxa de depreciação do bem.


Relativamente ao dano moral, não logramos vislumbrar substrato probatório suficiente para acolher a pretensão. De fato, no anterior pleito relativo a indenização por perdas e danos, a sentença a afastou pela mesma razão, falta de prova dos prejuízos suportados (lucros cessantes e danos emergentes).


O voto condutor leva em conta os percalços sofridos com as diversas lides judicializadas, o que não se erigiria a tanto, de vez que na referida ação a sentença declinou falta de prova, rectius: deficiência processual. Também ao buscar a restituição do bem apreendido, descurou-se de que o leilão já ocorrera. Daí a sentença, conquanto anulando o procedimento administrativo correlato, tê-la afastada em homenagem ao princípio da boa-fé do terceiro adquirente.


Donde o contexto sugerir, com fortes colores, que os percalços decorreram das opções feitas pela própria autoria, não sendo moralmente adequado que esta deficiência sirva, exatamente, para beneficiar a quem lhe deu causa.


Também não se avista abuso por parte da requerida, numa estrita análise do caso, posto que a administração pública esta adstrita ao princípio da legalidade. Decretado o perdimento administrativo do bem, e a autoria somente ingressou no procedimento administrativo após tal desfecho, não haveria espaço para a administração voltar atrás. Restaria somente as vias judiciais, mesmo, não se podendo valorar pejorativamente a conduta fazendária para daí extrair quociente de dano moral em prol da autoria.


Em verdade, a apreensão do veículo transportando café, ilegalmente, acabou por se revelar um benefício, aliás, reconhecido em seu primeiro requerimento administrativo, pois naquelas alturas e, passados tantos anos, dificilmente o veículo seria localizado de outra forma. Já era um caso perdido.



Demasia registrar que a Receita Federal nada tem a ver com a demora verificada desde o furto do veículo, providência esta afeita aos órgãos da Segurança Pública de São Paulo, onde ocorrido o furto e do Mato Grosso do Sul, por onde o mesmo transitava à época da sua apreensão.


Consta da documentação carreada que foram apreendidos mais dois caminhões, além deste ora tratado, todos eles transportando ilegalmente café brasileiro em direção ao Paraguai, sendo surpreendidos nas proximidades da fronteira entre os dois países, ocasião em que os motoristas lograram evadir-se do local, sendo preso em flagrante apenas um outro envolvido.


O caminhão furtado da autoria, continha placas de município sul-matogrossense Naqueles idos ainda vigorava a sistemática anterior, placas de duas letras, que eram trocadas sempre que o veículo fosse alienado a pessoa de outro município e não a atual, com três letras, em que o mesmo número persiste durante as diversas mudanças de propriedades do mesmo bem. No seu interior, encontrou-se documentação de propriedade contendo nome de terceira pessoa.


Destarte, naquele momento, a míngua de êxito na notificação pessoal, somente restaria mesmo a via editalícia. Não se está olvidando que o procedimento restou anulado, havendo coisa julgada em prol do autor. Contudo, tais peculiaridades, conquanto suficientes para aquela decisão, não militam em prol do dano moral, segundo o nosso convencimento.


Razão pela qual, divergimos do voto-condutor, com a vênia costumeira e sempre devida, para limitar a indenização do bem ao montante informado pelo autor à época do furto, atualizada monetariamente, cumprindo esclarecer que os valores aqui informados tomaram em conta os parâmetros da Resolução CJF 2013/00267, de 02.12.2013, mais juros moratórios a partir da citação, não cumuláveis com a SELIC, ou seja, Cr$ 4.500.000,00 em agosto de 1983, equivalentes em fevereiro do corrente ano a R$ 43.284,50 (Quarenta e três mil duzentos e oitenta e quatro reais e cinqüenta centavos), e para desacolher a condenação em danos materiais.


É como votamos.




ROBERTO JEUKEN
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0704468-30.1998.4.03.6106/SP
2007.03.99.008449-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : MIGUEL FERREIRA NEVES
ADVOGADO : SP090366 MAURI JOSE CRISTAL e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 98.07.04468-5 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO


Trata-se de apelação cível interposta pelo autor Miguel Ferreira Neves contra a sentença prolatada nos autos da ação de indenização por dano material e moral e lucros cessantes, a qual julgou extinto o feito sem julgamento de mérito, com relação ao pedido de lucros cessantes e com julgamento de mérito, para reconhecer a prescrição em relação aos pedidos de dano material e moral, condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), bem como de custas processuais.


Alega o autor na inicial que teve seu veículo, um caminhão marca Mercedes Bens, modelo 1113, ano 1977, placas IU-8868-SP, furtado em 22 de agosto de 1983, na cidade de São Paulo, conforme boletim de ocorrência de fls. 32 e certificado de propriedade de fls. 80/82.


Relata que posteriormente o veículo foi apreendido por policiais federais em 8 de dezembro de 1987, conforme documento de fls. 46, consistente no auto de prisão em flagrante, tendo sido instaurado processo administrativo fiscal.


Expõe o autor que ao ser intimado apresentou defesa, comprovando ser o proprietário do veículo, porém o bem não lhe foi restituído, findando com o processo com a declaração de perdimento do bem em favor da Fazenda Nacional (fls. 47/51).


Em razão do ocorrido, promoveu processo judicial nº 1.801/89, objetivando a liberação do bem, o que foi deferido pelo Juiz Federal da 2ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande, no entanto, o veículo já havia sido leiloado pela Receita Federal.


Em sequência, o autor propôs ação de nulidade administrativa com pedido de sequestro, restituição de coisa apreendida e ressarcimento de danos contra a União Federal, que recebeu o nº 90.1373-9 e tramitou pela 2ª Vara Federal de Campo Grande, vindo a ação ser julgada improcedente em 07 de julho de 1995, ao fundamento de que, tendo a Receita Federal promovido a venda do veículo em hasta pública, sendo o bem arrematado por terceiro, não seria possível o acolhimento do pedido de restituição do bem, em face da mudança de dominialidade, em razão da venda, conforme cópia da sentença anexada às fls. 71/75.


Diante dos fatos, o autor propôs a presente ação indenizatória objetivando o ressarcimento do dano material, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), lucros cessantes a serem apurados em liquidação de sentença, consistente no que deixou de lucrar com a utilização do bem, após a determinação do juízo para devolução do bem, em 30 de janeiro 1990.


Expõe ainda que a incúria e negligência da ré deram causa à perda do único bem móvel que possuía, acarretando danos materiais e morais, estando obrigada nos termos da Constituição Federal a recompor os prejuízos materiais e a dor do dano moral, em valor a ser fixado pelo Juiz, em salários mínimos vigentes a época do efetivo pagamento.


Apresentou documentos de fls. 23/116 e deu à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).


A União contestou o pedido alegando que o autor não se manifestou tempestivamente no procedimento administrativo, tendo promovido a ação 00.1012-0, que tramitou pela 2ª Vara da Justiça Federal em Campo Grande/MS, em que pleiteava danos emergentes e lucros cessantes, sem obter êxito, embora não tenha noticia atual do feito.


Informa que foram infrutíferas as intimações pessoais e via correio para localizar o proprietário do veículo, tendo sido fixado edital para quem de direito se apresentar para impugnação e ninguém compareceu para reclamar o veículo em questão, sendo devidamente baixado o ato declaratório de perdimento em favor da Fazenda Nacional.


Adita que somente após dois meses o autor reclamou a propriedade do veículo, porém, intempestivamente, sendo o veículo vendido em hasta pública em 22 de setembro de 1989 e somente em 30 de janeiro de 1990 o Inspetor da Receita Federal recebeu a ordem judicial para devolução do veículo.


Alegou que o direito do autor está prescrito, argumentando que o termo inicial da prescrição das ações contra a União é a data do ato ou fato do qual se originaram, que no presente caso seria a data da venda do veículo em hasta pública, ocorrida em 22/11/1989, portanto, mais de 8 anos.


Consignou que nos processos judiciais que tramitaram na Justiça Federal o autor já poderia ter formulado todos os pedidos, a rigor do artigo 292 do CPC, que permite a cumulação de pedidos, concluindo que mesmo os não constantes nos outros processos, estão prescritos, nos termos do artigo 1º do Decreto-lei 20.910/32.


Assevera que quanto aos demais pedidos também estão prescritos, mesmo considerando que houve interrupção do prazo prescricional, em razão dos referidos processos, a rigor do artigo 3º do Decreto-Lei 4.597/42.


Defende-se no mérito sustentando que a União nada deve ao autor a título de indenização e, caso fosse devida, não poderia ultrapassar o valor arrecadado com o venda do bem em hasta pública.


Pontua que a União não pode ser responsabilizada pelas atitudes intempestivas e eleição de vias inadequadas escolhidas pelo autor.


Afirma que não cabe no presente caso ressarcimento do dano moral, pois a União agiu conforme princípio da estrita legalidade, sendo lícito o seu ato.


Assinala que o dano moral apesar de consagrado na Constituição Federal, não está expresso no Código Civil, não se podendo cumular danos material e moral, pois este está incluído naquele. Acrescenta que, quando devido, sua fixação deve ser cautelosa a fim de evitar abusos.


Quanto ao pedido de indenização pelos lucros cessantes, requereu a extinção do feito sem apreciação do mérito em razão da coisa julgada ou litispendência, bem como seja declarada a prescrição ou, caso rejeitada, seja julgado improcedente a ação, com a condenação do autor aos ônus da sucumbência.


Em réplica o autor alegou que não promoveu outra ação por perdas e danos ou lucro cessante, mas de nulidade de ato administrativo, sendo que por este motivo o prazo prescricional foi interrompido (fls. 141/148).


Expôs que a venda em hasta pública se deu em 22 de novembro de 1989 e ação de nulidade foi proposta em 01 de junho de 1990, reiniciando sua contagem pelo prazo de dois anos e meio, após a pratica do último ato na referida ação, assim, tendo a ação sido proposta em 12 de maio de 1998, não se concretizou a prescrição, nos termos do artigo 3º do Decreto-lei nº 4.597/42.


As partes foram intimadas para especificar as provas que pretendiam produzir, tendo o autor requerido a oitiva de testemunha e a União apresentado os documentos de fls. 153/ 168, consistente na cópia da sentença da ação de nulidade de ato administrativo, promovida pelo autor, em que buscava também o ressarcimento do dano.


Às fls. 182/216 e 221/26 foram anexadas cópias dos autos da medida incidental.


O d. Magistrado a quo julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com relação do pedido dos lucros cessantes, nos termos do artigo 301, parágrafo 3º c/c 267, V do CPC e com julgamento de mérito em relação aos pedidos de dano material e moral, reconhecendo a prescrição, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).


Apela o autor, requerendo a reforma da sentença e a condenação do apelado aos pagamentos das indenizações por dano material e moral, reiterando os argumentos da inicial e réplica (fls.269/89).


A União contrarrazoou o recurso do autor (fls. 296/303).


Dispensada a revisão, nos termos regimentais.


É o relatório.





VOTO

A presente ação foi extinta sem julgamento do mérito, com relação ao pedido de lucros cessantes, com base no artigo 301, parágrafo 3º, c/c 267, inciso V do CPC e, com julgamento de mérito, pertinente aos pedidos de danos material e moral, tendo a sentença acolhido a preliminar, prejudicial de mérito, suscitada em contestação pela União, ou seja, a prescrição.

Merece reforma a sentença que decretou a prescrição do direito de ação.


A prescrição pressupõe um direito não exercido dentro de certo lapso temporal, tendo como consequência a extinção da ação, com resolução do mérito, tratando-se, pois, de legítima exceção de direito material e como tal deve ser deslindada.


No conceito clássico de Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado, ed. histórica, Editora Rio, 7a. t. da ed. de 1940, vol. I, p. 435) "prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante um determinado espaço de tempo".


A partir do conceito acima, Sílvio Rodrigues (Direito Civil, vol. I, Saraiva, São Paulo, 16a. ed., 1986, p. 340/341) preleciona que: "a) a inércia do credor, ante a violação de um direito seu; b) por um período de tempo fixado na lei; c) conduz à perda da ação de que todo o direito vem munido, de modo a privá-lo de qualquer capacidade defensiva".


Quer dizer, o elemento temporal, cujo período é fixado em lei, aliado à inércia do credor, leva, inexoravelmente, à perda do direito de ação, repercutindo no próprio direito material, que permanece latente, porém, carente de meios defensivos para torná-lo efetivo.


Com relação à Fazenda Pública, de fato o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, no seu artigo 1º, dispõe que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra as Fazendas federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram.


A inteligência da referida norma conduz à conclusão de que a partir do momento em que ocorre o fato gerador dos alegados danos, nasce o direito da parte autora de ajuizar ação para reaver o prejuízo sofrido, dentro do prazo de cinco anos. É o chamado princípio da actio nata, significando que o prazo de prescrição inicia-se a partir do momento em que o direito de ação possa ser exercido.


Na espécie, pretende o apelante o ressarcimento dos danos material e moral, decorrente da indevida venda de seu veículo em hasta pública, promovida pela Receita Federal, submetendo-se, portanto, ao prazo prescricional de cinco anos (Decreto n. 20.910).


Sobre tal situação, necessário considerar o artigo 3º do Decreto-lei nº 4.597/42 que estabelece:

"Art. 3º A prescrição das dívidas, direitos e ações a que se refere o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, somente pode ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio."

No caso em apreço, o ato que se aponta como causador de dano, a venda do veículo em hasta pública, ocorreu em 22/11/1989. O autor interrompeu o prazo prescricional ao propor ação declaratória de nulidade nº 0001012-58.1989.403.6000 (nº origem 00.00010120) em 1º de junho de 1990, na qual foi proferida sentença em 7 de julho de 1995, obtendo provimento parcial para declarar nulo o ato administrativo de perdimento do veículo, sem acolher o pedido de restituição do bem, em razão da mudança de dominialidade, julgando improcedente o pedido de composição do prejuízos alegados (lucros cessantes).


Em razão do reexame necessário, os autos foram remetidos a esta Corte, sendo confirmada a sentença, por esta Terceira Turma, com transito em julgado em 9/11/2010, conforme se verifica no sistema de informação do TRF/3ª Região, acessível pela rede mundial de computadores.

Durante o curso da referida ação não correu o prazo prescricional, que se reiniciou, pelo prazo de dois anos e meio, do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 3º, do Decreto-Lei 4.597/42, portanto, tendo sido a presente ação de indenização foi proposta em 12/5/1998, não está prescrito o direito de ação.

Por tais motivos, impõe-se o provimento do recurso do autor, de modo a afastar o decreto de extinção do feito com julgamento de mérito, em relação aos pedidos de dano material e moral, afastando-se a prescrição.

Em prosseguimento e em homenagem aos princípios da celeridade processual e do devido processo legal, convém verificar se a teoria da causa madura é aplicável, está pronta para julgamento, de modo a possibilitar a aplicação do artigo 515, 3º, do Código de Processo Civil, conforme inclusive salientado na sentença:



Nos termos do art. 515:


A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (...)
3º. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tem abarcado e aplicado amplamente a Teoria da Causa Madura, nas hipóteses em que o processo foi extinto em razão da prescrição, conforme se pode observar dos julgados abaixo relacionados:


PROCESSO CIVIL. PRESCRIÇÃO AFASTADA NO 2º GRAU.
EXAME DAS DEMAIS QUESTÕES NO MESMO JULGAMENTO.POSSIBILIDADE, DESDE QUE SUFICIENTEMENTE DEBATIDA E INSTRUÍDA A CAUSA. DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. EXEGESE DO ART. 515, CAPUT, CPC. PRECEDENTES DO TRIBUNAL E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LEI Nº 10.352/2001. INTRODUÇÃO DO § 3º DO ART. 515. EMBARGOS REJEITADOS.
I - Reformando o tribunal a sentença que acolhera a preliminar de prescrição, não pode o mesmo ingressar no mérito propriamente dito, salvo quando suficientemente debatida e instruída a causa.
II - Nesse caso, encontrando-se madura a causa, é permitido ao órgão ad quem adentrar no mérito da controvérsia, julgando as demais questões, ainda que não apreciadas diretamente em primeiro grau.
III - Nos termos do § 3º do art. 515, CPC, introduzido pela Lei nº 10.352/2001, "o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento". (Embargos de Divergência em RESP 89.240-RJ - Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgamento em 06/3/03 - site certificado - DJ 10/3/03).


Observo ainda que, não obstante o art. 515 , § 3º do CPC utilize a expressão "exclusivamente de direito", a jurisprudência vem entendendo que, nesse particular, o legislador expressou menos do que pretendia, de modo a estar autorizado o enfrentamento do mérito também quando a causa versar sobre matéria de fato, desde que "madura para julgamento", sem violação do duplo grau de jurisdição ou reformatio in pejus.


Acerca do assunto, registro o seguinte comentário de Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa:

Tendo em vista os escopos que nortearam a inserção do 3º no art. 515 (celeridade, economia processual e efetividade do processo), sua aplicação prática não fica restrita às hipóteses de causas envolvendo unicamente questões de direito. Desde que tenha havido o exaurimento da fase instrutória na instância inferior, o julgamento do mérito diretamente pelo tribunal fica autorizado, mesmo que existam questões de fato. Assim, estando a matéria fática já esclarecida pela prova coletada, pode o Tribunal julgar o mérito da apelação mesmo que o processo tenha sido extinto sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva do apelado' (STJ-4ªT., REsp 533.980-MG, rel. Min. Cesar Rocha, j. 21.8.03, não conheceram, v.u., DJU 13.10.03, p. 374). Também: STJ-RF 384/270 (3ª T., REsp. 714.620).

No mesmo sentido já decidiu o STJ:


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 515, § 3º, DO CPC NÃO CONFIGURADA. CAUSA MADURA. AFERIÇÃO DE CONDIÇÃO DE JULGAMENTO E REJEIÇÃO DE PRODUÇÃO DE PROVAS IMPERTINENTES PELO TRIBUNAL LOCAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. ALEGADA OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. APLICAÇÃO DO CDC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADO.AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A reforma processual instituída pela Lei n.º 10.352/2001 passou a autorizar, expressamente, a apreciação do mérito da causa pelo órgão superior, nas hipóteses elencadas pelo artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, verbis: "Art. 515. [...] § 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento." Dessa forma, não há violação do duplo grau de jurisdição nem indevida supressão de instância.
2. Também não há reformatio in pejus, pois "o julgamento de meritis que o tribunal fizer nessa oportunidade será o mesmo que faria se houvesse mandado o processo de volta ao primeiro grau, lá ele recebesse sentença, o autor apelasse contra esta e ele, tribunal, afinal voltasse a julgar o mérito. A novidade representada pelo § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil nada mais é do que um atalho, legitimado pela aptidão a acelerar os resultados do processo e desejável sempre que isso for feito sem prejuízo a qualquer das partes; ela constituiu mais um lance da luta do legislador contra os males do tempo e representa a ruptura com um velho dogma, o do duplo grau de jurisdição, que por sua vez só se legitima quando for capaz de trazer benefícios, não demoras desnecessárias. Por outro lado, se agora as regras são essas e são conhecidas de todo operador do direito, o autor que apelar contra a sentença terminativa fá-lo-á com a consciência do risco que corre; não há infração à garantia constitucional do due process porque as regras do jogo são claras e isso é fator de segurança das partes, capaz de evitar surpresas" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 177/181).
3. "Diante da expressa possibilidade de o julgamento da causa ser feito pelo tribunal que acolher a apelação contra sentença terminativa, é ônus de ambas as partes prequestionar em razões ou contra-razões recursais todos os pontos que depois pretendam levar ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. Eles o farão, do mesmo modo como fariam se a apelação houvesse sido interposta contra uma sentença de mérito. Assim é o sistema posto e não se vislumbra o menor risco de mácula à garantia constitucional do due process of law, porque a lei é do conhecimento geral e a ninguém aproveita a alegação de desconhecê-la, ou de não ter previsto a ocorrência de fatos que ela autoriza (LICC, art. 3º)" (DINAMARCO. idem).
4. O julgamento do mérito da causa pelo Tribunal de segundo grau nos termos do artigo 515, § 3º, da Lei de Ritos, não se limita às questões exclusivamente de direito, mas alcança, outrossim, aquelas cuja instrução probatória esteja completa ou seja desnecessária, de acordo com a convicção do julgador. É o que se convencionou chamar de "causa madura", ou seja, pronta para julgamento, à semelhança do que ocorre com o julgamento antecipado da lide. Assim, diante da conclusão do Tribunal a quo de que a causa possuía condições de julgamento e que eventual pedido de produção de prova testemunhal era impertinente, não é possível a este Superior rever tais conclusões, sob pena de reapreciação do contexto fático-probatório, delineado pelas instâncias de origem, o que é vedado em sede de recurso especial.
5. Agravo improvido. (AgRg no Ag 867885/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 297). Grifei.

Assim, o pressuposto para a incidência do art. 515, 3º, é o de que a causa esteja madura para o julgamento, viabilizando a análise do mérito.


Compulsando os autos, verifica-se que as partes foram intimadas para especificarem as provas a produzirem, tendo a União apresentado os documentos de fls. 153/ 168, consistente na cópia da sentença da ação de nulidade de ato administrativo e o autor, embora tenha requerido a oitiva de testemunha, o feito foi sentenciado, não se insurgindo o ora apelante nesse aspecto, de forma que se conclui que a prova documental colacionada nos autos é suficiente para solucionar a controvérsia, podendo ser aplicada a Teoria da Causa Madura para julgamento.


Dessa forma, prossigo no julgamento.



Inicialmente cabe consignar que foi reconhecido a litispendência quanto ao pedido de  indenização por lucros cessantes, não sendo a matéria impugnada no recurso de apelação, de forma que somente serão apreciados os pedidos de indenização por dano material e moral, postulados na inicial.


Afasto a alegação da União, relativa à ofensa ao artigo 292 do CPC, sob a afirmativa de que o autor já poderia ter formulado todos os pedidos em outras ações anteriormente promovidas, pois a regra constante do dispositivo apresenta mera permissão de cumulação de pedidos e não a obrigatoriedade.


A responsabilidade objetiva do Estado está inserida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.


Para teoria da responsabilidade objetiva não se indaga a culpa do Poder Público, bastando tão só à prova do ato lesivo e injusto imputável à Administração Pública. Mostra-se, pois, imprescindível à configuração do nexo de causalidade, isto é, uma relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano que se pretende reparar. Inexistindo o nexo causal, ainda que haja prejuízo sofrido pelo cidadão, não haverá direito à indenização.

A defesa da União (fls. 123/139) quantos aos fatos, se ateve na alegação de regularidade e licitude do procedimento administrativo que culminou com a venda do veículo em hasta pública.

No entanto a questão restou superada com o julgamento da ação declaratória de nulidade nº 00.1012-0, cuja cópia encontra-se às fls. 154/159, demonstrando o dano patrimonial sofrido pelo apelante e o nexo de causalidade decorrente da indevida declaração de perda de seu veículo, um caminhão, marca Mercedes Benz, modelo 1113, ano 1977, placas IU-8868-SP e consequente venda em hasta pública.


Constou expressamente da sentença:


O processo administrativo em tela ainda apresenta outra irregularidade, tendo em vista a falta de notificação regular do requerente, pois no edital de notificação não constou o nome do proprietário do veículo, sendo que possível era a identificação deste, face os inúmeros meios disponíveis à Receita Federal nesse sentido.
Destarte, o ato de perdimento do veículo apresenta-se ilegítimo, pois, através de processo irregular, manteve-se o ato de perdimento do bem, quando o requerente já havia comprovado nos autos do processo que era proprietário do bem e que não havia participado do ilícito fiscal ou criminal, razão pela qual a nulidade do ato de perdimento se impõe.


Desta forma, resta configurada a responsabilidade civil do União estando presente os elementos de sua configuração: fato, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o resultado lesivo.

A título de indenização por dano material, o apelante pleiteou o ressarcimento do valor referente ao caminhão, com dez anos de uso, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a ser apurado em liquidação de sentença, sendo que a ré, alegou que o valor não poderia ultrapassar o valor arrecadado com o venda do bem em hasta pública.

A indenização por dano material deve guardar estrita correspondência com o dano efetivamente sofrido pelo autor e não pelo valor arrecadado pela ré, com sua indevida venda em hasta pública, de forma que deve ser fixado no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) correspondente ao quantum apontado na inicial, equivalente de um veículo semelhante, acrescidos de correção monetária e juros, nos termos adiante fixados.

Acrescento que não se faz necessária a liquidação do julgado, conforme requerido na inicial, visto que não há dúvida sobre a extensão do dano material.


Dano moral.

Pertinente ao dano moral, o apelante sustenta que em razão do ato ilícito praticado pela ré, teve seu caminhão indevidamente leiloado, causando-lhe lesões de ordem moral, que deve ser reparado a fim de, não só compensar o sofrimento, mas penalizar à conduta do agente causador de dano.

A tese defensiva da ré, ampara-se na alegação de impossibilidade de se cumular dano material e moral, pois este estaria incluído naquela, sustentando que o dano moral não está expresso no Código Civil de 1916, sustentado o mesmo argumento de defesa ao dano material, respeitante a licitude de seu ato, pautado no princípio da estrita legalidade.


A matéria encontra-se pacificada pela na Súmula 37 do STJ, a qual dispõe: São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato.


O fato gerador dos danos discutidos na presente ação, ou seja, venda indevida do bem em hasta pública, ocorreu em 22 de novembro de 1989, portanto, em data posterior a promulgação da Constituição de 1988, de forma que o fundamento jurídico da presente ação (causa de pedir próxima) é a responsabilidade civil extracontratual do Estado (art. 37, § 6º da CF), aliada à garantia constitucional de reparação do dano moral, não sendo pertinente a alegação da União de que o artigo 159 do CC/1916 não incluía de forma expressa o dever de indenizar o dano moral.

Acrescenta-se que o direito fundamental à reparação por dano moral, garantido constitucionalmente, não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infraconstitucional ou por interpretação da regra de direito.


Em prosseguimento, para que se configure o dano moral e o consequente dever de indenizar, há situações em que é prescindível a prova do efetivo prejuízo que, implícito na própria ofensa em si (damnum in re ipsa), dela decorra direta e necessariamente.


O dano moral está ínsito no próprio ato de ofensa, decorrente da gravidade do ilícito em si, de modo que, comprovado a ocorrência do fato, está demonstrado o dano moral, justificando a concessão de satisfação de ordem pecuniária ao lesado.


Resta devidamente demonstrado o ato causador do dano, evidenciado na atitude da ré em levar o bem a venda em hasta pública, mesmo após o apelante comprovar que era o proprietário do veículo, conforme se destaca do texto da sentença proferida nos autos do processo nº 001012-0 (fls. 154/59):
(...) Ademais, constata-se que, após o ato de perdimento, o requerente compareceu no procedimento, demonstrando ser o proprietário do veículo, mas mesmo assim, a Receita Federal, negou a restituição.

Acrescenta-se aos transtornos do apelante, a necessidade da propositura de diversas ações judiciais na tentativa de obter o devolução do veículo, que tramitaram pela 2ª Vara Federal de Campo Grande, estando anexados aos autos cópias das sentenças proferidas:

Fls. 98/100: processo nº 1.801/89, pedido de nomeação de fiel depositário, na qual foi determinada a restituição do bem, sentença proferida em 24/10/90.

Fls. 71/75: processo 90.1373-9, ação de nulidade de ato administrativo com pedido de liminar de sequestro, restituição de coisa apreendida e ressarcimento de danos, julgada improcedente em 07 de julho de 1995, ao fundamento de que, tendo a Receita Federal promovido a venda do veículo em hasta pública, sendo o bem arrematado por terceiro, não seria possível o acolhimento do pedido de restituição do bem.

Fls. 154/159: processo 00.1012-0 ação de nulidade de ato administrativo c/c restituição de coisa apreendida e ressarcimento de danos, julgada parcialmente procedente, para declarar nulo o ato administrativo de perdimento do veículo.



E por fim, a propositura da presente ação para ver indenizados os seus direitos, visto que não obteve a restituição do bem, indevidamente levado à venda em hasta pública pela ré.

Por certo os transtornos transbordaram da esfera do mero aborrecimento.

No caso dos autos, embora dispensável a discussão em torno da existência de culpa da recorrida, as provas apresentadas demonstram a desatenção e o desrespeito, consistindo, sem dúvida, na configuração da culpa, sobre o prisma subjetivo.

É dever da Administração Pública pautar seus atos dentro dos princípios constitucionais, no caso em comento, pelo princípio da eficiência. Nesse sentido, relevante anotar que na decisão proferida no REsp 608918/RS, de 21/06/2004, ao dar provimento do Recurso Especial, o Ministro relator José Delgado destacou que:

Sobre o princípio constitucional da eficiência, assinale-se ser dever da boa administração a exigência de que toda a atividade administrativa seja executada com agilidade e rapidez, de modo a não deixar desatendidos e prejudicados os interesses coletivos. Imporá, outrossim, que os atos administrativos sejam realizados com perfeição, compreendendo a efetiva execução do que é almejado, valendo-se a Administração, para esse efeito, de técnicas e conhecimentos adequados que deverão proporcionar o melhor resultado possível. Não se dispensará, ademais, o alcance dos melhores resultados não só para o Serviço Público como também para a própria coletividade.

O nexo causal decorrente dessa conduta que gerou o dano moral experimentado pelo apelante, consistente no transtorno pessoal experimentado pelo apelante, consistente na frustração pelas inúmeras tentativas de reaver o seu bem, comprado com trabalho árduo, conforme alegou na inicial, por certo causou angústia e consternação, que dispensa a prova de efetivo prejuízo, obrigação de reparar o dano dele decorrente, cumprindo a obrigação de indenizar.


Embora não existam critérios predeterminados para a fixação da indenização por dano moral, visto que não há como prever fórmulas predeterminadas para situações que merecem análise individual e casuística, bem como frente à dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento, o valor deve ser fixado atender a uma dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida.

Considerando as circunstâncias em que os fatos se deram e as peculiaridades do caso, tenho que a indenização deve ser fixada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), atende aos critérios supra e princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem ser instrumento propulsor de enriquecimento sem causa.

Quanto à atualização do valor das indenizações fixadas, deverão ser adotados os critérios abaixo, visto que é vedado pela Constituição Federal a utilização do salário mínimo como indexador de correção monetária, conforme requerido pelo apelante.

Juros e Correção monetária.


Sobre o valor fixado na indenização por dano material incidirá juros de mora a partir do evento danoso, fixado em 22/11/1989, data da venda do veículo em hasta pública, nos termos do enunciado 54 da Súmula do STJ.


Da mesma forma, a correção monetária será aplicada desde a data do evento danoso, conforme Súmula 43 do STJ.

Sobre o valor da indenização fixada a título de dano moral incidirá juros de mora desde a data do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal Justiça e correção monetária a partir da data do arbitramento, conforme Súmula 362.



Para aplicação da correção monetária deverá ser observado, no que couber e não contrariar a presente decisão, os critérios fixados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução n. 134/2010, do Conselho da Justiça Federal, observada a aplicação da Lei n. 11.960/09.

Especificamente quanto aos juros de mora, deverá incidir o percentual de 0,5% (meio por cento) até 11.01.2003 (entrada em vigor do novo Código Civil) e, somente a partir de 12/01/2003 à taxa de 1% (um por cento) ao mês, reduzidos em 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da entrada em vigor da Lei 11.960/09, ante a condenação imposta à União.



Por fim, ante o provimento do recurso de  apelação, reformando-se a decisão a quo, é de se inverter os ônus sucumbenciais fixados na sentença, condenando-se o réu ao pagamento de honorários advocatícios e custas processuais.

O arbitramento dos honorários de advogado, nas causas em que o ente público for a parte vencida, devem ser fixados consoante apreciação equitativa do juiz, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, observadas as normas das alíneas a, b e c, do § 3º daquele dispositivo.

Constatado que a parte autora decaiu minimamente de seu pedido, na medida em que viu reconhecido judicialmente pleito substancialmente relevante, eis que foi reconhecido a responsabilidade civil da parte ré, com a condenação de indenização a título de dano material e dano moral impondo-se a observância do parágrafo único do art. 21 do CPC.

Dessa forma, considerando a natureza e o valor da causa, o grau de zelo do causídico, levando-se em conta que o autor decaiu de parte ínfima do pedido, apresenta-se razoável e compatível a fixação em 10% (dez por cento) do valor da condenação.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do autor para reformar a sentença recorrida e, com base no artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido do autor para fixar as indenizações por dano material em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e dano moral em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) nos termos supra mencionados.


É como voto.





NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator


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