D.E. Publicado em 20/07/2010 |
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EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COREN - PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE DE ATO NORMATIVO INFRALEGAL (NR 4 - NORMA REGULAMENTADORA 04) EM FACE DA LEI Nº 7.498/86 E DECRETO Nº 94.406/87, BEM COMO DE CONDENAÇÃO DA RÉ A OBSERVAR DITA LEGISLAÇÃO EM FUTURA REGULAMENTAÇÃO - ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO, RESOLVIDA À MAIORIA - MÉRITO - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO, POIS A NR 4 NÃO OBSERVA A LEGISLAÇÃO DE ENFERMAGEM QUANTO AOS DIVERSOS PROFISSIONAIS, SEUS RESPECTIVOS CAMPOS DE ATUAÇÃO E NECESSIDADE DE SUPERVISÃO POR ENFERMEIRO.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial e julgar prejudicado o agravo retido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL (fls. 220/251) em face de sentença do Juízo da 1ª Vara Federal Cível de São Paulo (fls. 200/216) que julgou procedente Ação Civil Pública movida aos 09.10.2003 pelo Conselho Regional de Enfermagem em São Paulo - COREN/SP, para o fim de declarar, em relação aos profissionais de enfermagem, a ilegalidade da Norma Regulamentadora nº 04 - NR 4, do Ministério do Trabalho, aprovada pela Portaria nº 3.214, de 08.06.1978 (que dispõe sobre a manutenção do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT, por empresas privadas e públicas, órgãos públicos da administração direta e indireta e dos Poderes Legislativo e Judiciário, que tenham empregados regidos pela C.L.T. - fls. 28/60), condenando a ré/apelante ao estrito cumprimento da Lei nº 7.498/86 e Decreto nº 94.406/87 (que disciplinam o exercício das atividades dos profissionais de enfermagem) quando da elaboração de Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalho.
A sentença, acolhendo os argumentos expostos pela autora, em síntese, considerou que a NR-04 viola o art. 15 da referida lei, ao não fazer a devida distinção entre os diversos profissionais da atividade de enfermagem, tal como previsto na referida legislação quanto à sua denominação e qualificação técnica, bem como ao dispor que poderiam ser executados apenas com a presença de auxiliares de enfermagem, não exigindo a presença obrigatória de enfermeiro para orientação e supervisão dos serviços de enfermagem de maior complexidade técnica. Condenou-se a ré ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) do valor da causa corrigido (fixado na inicial em R$ 5.000,00, aos 05.09.2003).
Anote-se ter havido pedido de antecipação de tutela, indeferido, com agravo de instrumento que foi convertido em agravo retido pelo C. TRF (apenso, AG nº 2004.03.00.034492-0).
A apelante sustenta:
1 - preliminar - deve a tutela da presente ação ser limitada aos limites da competência territorial do juízo federal prolator da sentença (Subseção Judiciária de São Paulo, SP), conforme artigo 16 da Lei nº 7.347/85;
2 - preliminar - impossibilidade jurídica do pedido, por não caber ao Poder Judiciário estabelecer regras de exercício profissional, além do que seria inócua no Estado de Direito a condenação da ré à observância da Lei nº 7.498/86 e Decreto nº 94.406/87 e o Judiciário não pode determinar o modo de exercício da atividade legiferante pelos parlamentares;
3 - preliminar - falta de interesse processual, por inadequação da ação civil pública para se obter provimento jurisdicional que lhe assegure a regulamentação de lei, o que somente poderia ser feito através de mandado de injunção de competência do STF ou do STJ e, de outro lado, o pedido de declaração de ilegalidade de ato normativo é da competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça, via Reclamação, conforme art. 105, I, "f", da Constituição Federal;
4 - mérito (prejudicial) - decadência e prescrição, conforme arts. 1º, 2º e 3º do Decreto nº 20.910, de 06.01.01932, e o art. 178, § 10, VI, do Código Civil de 1916, e art. 1º-C da Lei nº 9494/97, na redação dada pela MP nº 2.180-35/2001, tudo considerando a data de edição do impugnado ato normativo NR 4, em 1978, além de invocar a súmula 163 do ex-TFR que trata da prescrição nas relações jurídicas de trato sucessivo;
5 - mérito - a) invoca os princípios gerais da Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição Federal), esclarecendo que a NR 4, norma de segurança e saúde do trabalhador, foi editada com base nos arts. 157, 200 e 913 da C.L.T. e regula direito social previsto no art. 7º, XXII, da Constituição Federal, estabelecendo o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT e dispondo os anexos Quadros I e II, respectivamente, sobre o enquadramento das empresas em graus de risco conforme suas atividades econômicas, bem como o dimensionamento dos profissionais necessários conforme o número de empregados do estabelecimento e o respectivo grau de risco; b) ressalta o caráter essencialmente prevencionista das atividades do referido SESMT (prevenção de riscos ambientais, acidentes do trabalho e doenças profissionais), sustentando que a orientação e supervisão por enfermeiro, segundo art. 15 da Lei nº 7.498/86, somente deve ocorrer, em relação às atividades previstas nos artigos 12 e 13 (relativas e técnicos e auxiliares de enfermagem), "quando exercidas em instituições de saúde, públicas e privadas, e em programas de saúde", ou seja, em estruturas especificamente organizadas para atendimentos de saúde (hospitais, clínicas, e programas específicos de atendimento à população), o que não se aplica ao exercício genérico das referidas atividades, como regulado pela NR 4 e que se aplica a empresas com atividades diversas, concluindo ser plenamente compatível esta norma regulamentadora e a referida Lei nº 7.498/86, porque em todo caso em que se exige a presença de um auxiliar de enfermagem também há exigência de um médico do trabalho como responsável pela supervisão das atividades daqueles;
6 - em caso de procedência da ação, prequestiona violação: 1º) a diversos dispositivos: Lei 7.498/86, Decreto nº 94.406/87, Lei 7.347/85, arts. 11, 12, § 2º, 13 e 16, Decreto nº 20.910/32, art. 178, § 10, VI, do Código Civil de 1916, arts. 157, 200 e 913 da C.L.T., art. 1º-C da Lei nº 9494/97 e Lei 5.010/96; e 2º) aos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia e da eficiência, conforme art. 37, da CF/88, bem como arts. 2º, 7º, XXII, 92, 97 e 103, § 3º, da Constituição Federal.
A apelada apresentou contra-razões (fls. 276/287).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da eminente Procuradora Regional da República, Dra. Sandra Akemi Shimada Kishi, manifestou-se pela rejeição das preliminares e no mérito pela manutenção da sentença (fls. 293/298).
Dispensada a revisão, por tratar-se de matéria predominante de direito, na forma regimental.
É o relatório.
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VOTO
PRELIMINAR
O Senhor Juiz Federal Convocado SOUZA RIBEIRO (Relator): Passo ao exame das questões controvertidas, em ordem de prejudicialidade.
Prejudicado o agravo retido ante o julgamento definitivo deste recurso e por não haver sido reiterado nas razoes recursais.
De início, cumpre anotar que a questão dos limites objetivos dos efeitos da tutela jurisdicional coletiva à competência territorial do juízo prolator da sentença somente deve ser analisada ao final da demanda, se mantido o julgamento de mérito pela procedência da ação.
É necessário examinar as preliminares suscitadas pela apelante, consignando-se, desde logo, que a presente ação deve ser entendida como inadmissível, por ser a ação civil pública inadequada à pretensão manifestada pela autora.
Com efeito, a autora alegou que a NR-04 viola a normatização editada pela Lei nº 7.498/86 e Decreto nº 94.406/87 (legislação que disciplina o exercício das atividades dos profissionais de enfermagem), ao não fazer a devida distinção entre os diversos profissionais da atividade de enfermagem, tal como previsto na referida legislação quanto à sua denominação e qualificação técnica (enfermeiro, técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem), bem como ao dispor que poderiam ser executados apenas com a presença de auxiliares de enfermagem (denominação que na NR 4 é genérica, compreendendo o técnico e o auxiliar de enfermagem), não exigindo a presença obrigatória de enfermeiro para orientação e supervisão dos serviços de enfermagem de maior complexidade técnica.
Com esta causa de pedir, a autora formulou o seguinte pedido:
Primeiramente, anoto que a ação civil pública, conforme se pode depreender dos artigos 1º, 3º e 11 da Lei nº 7.347/85, é destinada à proteção em concreto dos interesses difusos ou coletivos nela indicados, que se manifestará através de uma tutela condenatória, a ser expressa por um valor em dinheiro ou pelo cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer.
Não se concebe, pois, que em ação civil pública sejam formulados pedidos imprecisos, indefinidos, com generalidade e abstração tal que não configurem a pretensão exigida na lei, ou seja, de condenação do réu a concretamente pagar determinada quantia ou cumprir determinada obrigação de fazer ou de deixar de fazer que venham atender, estritamente, ao interesse difuso ou coletivo indicado na demanda.
Haveria desnaturação deste instrumento processual que o faria assumir feição reservada a outras espécies de ações, as quais exigiriam legitimação e competência jurisdicional diversas, como a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (Constituição Federal, art. 102, I, "a") e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (Constituição Federal, art. 103, § 2º), ambas de competência do STF, os mandados de injunção de competência do STF e do STJ (Constituição Federal, art. 5º, LXXI, art. 102, I, "q" e art. 105, I, "h") ou a ação popular (Constituição Federal, art. 5º, LXXII).
Nesse sentido, embora no presente caso não se trate de pedido de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, mas aqui se referindo apenas a título de exemplo da inadmissibilidade do desrespeito ao campo de aplicabilidade desta ação coletiva delimitado na Lei nº 7.347/86, anoto que tem sido pacificamente reconhecido pelos nossos tribunais superiores (STF e STJ) que em ação civil pública é admissível o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, ou seja, quando o reconhecimento da inconstitucionalidade constitui fundamento para a concessão do pedido final que atenderá concretamente ao bem-interesse do autor da ação coletiva (controle difuso e concreto da constitucionalidade), mas não se concebe que esta pretensão de inconstitucionalidade seja o objeto principal da ação civil pública, sob pena de a natureza da referida ação coletiva transmutar-se para a de ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado e abstrato da constitucionalidade), usurpando a competência constitucionalmente atribuída ao Supremo Tribunal Federal e desatendendo a legitimação exigida.
Também esta Colenda 3ª Turma já se manifestou nesse sentido da inadmissibilidade de ação civil pública com pedido abstrato e genérico:
No caso da presente ação civil pública, ainda que fosse possível considerar o primeiro pedido formulado (declaração de ilegalidade da NR 4, por violação à regulamentação da atividade profissional de enfermagem prevista na Lei Federal 7.498/86 e Decreto 94.406/87) como se fosse um pedido meramente incidental da ilegalidade, o certo é que o segundo pedido formulado (condenação da União Federal ao "estrito cumprimento na Lei Federal 7.498/86 e Decreto 94.406/87 quando da elaboração das Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho", a serem editadas), que seria o pedido final, revela-se totalmente abstrato e inadequado a uma tutela específica do alegado bem-interesse almejado na ação, pois, em substância, estar-se-ia pedindo apenas que a União Federal observasse, genericamente, na edição de regulamentação de determinada matéria, o que previsto na legislação específica editada.
Não houve, in casu, o pedido de uma condenação específica que atendesse ao interesse da autora em tutelar a segurança dos trabalhadores celetistas quanto às normas de proteção à saúde.
Portanto, já por estas considerações pode-se concluir pela inadmissibilidade da ação civil pública ajuizada.
Mas na verdade, o que se constata é que, essencialmente, a autora formula dois pedidos principais que devem ser considerados como um único pedido, o qual expressa a real pretensão de que a norma infralegal impugnada (NR 4 - que foi editada pelo Ministério do Trabalho em cumprimento ao comando dos arts. 157, 200 e 913 da C.L.T. a fim de estabelecer normas complementares de segurança e medicina do trabalho, para proteção aos trabalhadores celetistas) seja afastada do sistema normativo por ser ilegal e, de outro lado, que a União Federal, venha a editar uma nova regulamentação complementar de segurança e medicina do trabalho, nesta nova norma observando, estritamente, a legislação reguladora da atividade de enfermagem.
Em suma: a autora quer ver a União condenada a editar uma nova Norma Regulamentadora sobre a matéria, no que tange às profissões de enfermagem, a qual deverá observar a legislação específica mencionada.
Não houve, de fato, um pedido expresso para que a União venha a editar esta nova norma regulamentar, mas esta é a real pretensão formulada, considerando que a matéria é de relevância social, que não poderia ficar a matéria sem uma normatização válida (visto que seria afastada a aplicabilidade da NR 4 em face de sua ilegalidade, em razão de uma eventual acolhida do 1º pedido formulado) e que a União tem a incumbência expressa na CLT para a edição destas normas protetivas do trabalhador.
Ocorre que não é possível, em ação civil pública, formular pretensão desta natureza.
Com efeito, se esta é a pretensão formulada, além de não expressar uma medida concreta a ser adotada pela União, mas uma tutela essencialmente abstrata, evidenciando a inadequação da ação proposta (conforme acima já exposto), também busca impor à ré a obrigação de editar uma norma regulamentar sobre determinada matéria, o que é da estrita análise de conveniência e oportunidade do legislador (aqui considerado num sentido amplo, compreendendo a atribuição do Poder Executivo em editar normas para fiel cumprimento de leis editadas pelo Poder Legislativo), campo reservado à atuação política do Parlamento, o que a um só tempo ofende o princípio da separação dos Poderes (Constituição Federal, artigo 2º) e em essência transmuta a natureza da presente ação civil pública, pois por um lado colocaria como um pedido principal a declaração de ilegalidade de ato normativo (o que, por si só, é inadmissível pela sua abstração e generalidade), ao mesmo tempo combinando esta pretensão com um mandado de injunção (a tese de que não há regulamentação válida sobre a matéria e que deve haver a edição de uma norma infralegal para esse fim pelo Ministério do Trabalho), em evidente usurpação da competência do C. Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 5º, LXXI, e art. 105, I, "h").
Isso sem falar na inadequação de mandado de injunção quando o fim almejado seja alterar uma lei ou ato normativo já existente, pois o âmbito desta ação constitucional é a supressão de omissão legislativa, total ou parcial, a respeito de determinada matéria, conforme a doutrina de Alexandre de Moraes:
Portanto, a r. sentença de improcedência deve ser reformada em razão da inadequação da ação proposta.
Ante o exposto, restringindo-me aqui à apreciação da questão preliminar da admissibilidade da presente ação coletiva, DOU PROVIMENTO à apelação da União Federal e à remessa oficial, bem como julgo PREJUDICADO o agravo retido, extinguindo o processo sem exame do mérito nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, invertendo-se os ônus de sucumbência, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
Uma vez superada a questão da inadmissibilidade da presente ação civil pública que suscitei em meu voto-preliminar, passo ao exame das questões de mérito controvertidas.
Rejeito a alegação de decadência e/ou prescrição, pois na presente ação coletiva o objetivo é de expurgar do mundo jurídico determinado ato administrativo reputado contrário à legislação posteriormente editada, substituindo-o por outro que atenda referida legislação, portanto, objetivando afastar os efeitos atuais e futuros do citado ato normativo, não se aplicando nesta espécie os preceitos legais invocados pela União Federal (arts. 1º, 2º e 3º do Decreto nº 20.910, de 06.01.01932, e o art. 178, § 10, VI, do Código Civil de 1916, e art. 1º-C da Lei nº 9494/97, na redação dada pela MP nº 2.180-35/2001; súmula 163 do ex-TFR), que se referem a ações em que se postulam prestações pecuniárias.
Conforme exposto inicialmente, a presente ação civil pública tem por objeto, essencialmente, a pretensão de que seja reconhecida a ilegalidade do ato administrativo impugnado (NR 4 - editada pelo Ministério do Trabalho em cumprimento ao comando dos arts. 157, 200 e 913 da C.L.T. a fim de estabelecer normas complementares de segurança e medicina do trabalho, para proteção aos trabalhadores celetistas) reputado contrário à legislação posteriormente editada reguladora das atividades dos profissionais de enfermagem (Lei nº 7.498/86 e Decreto nº 94.406/87) e, de outro lado, a pretensão de que a União Federal, na nova regulamentação que vier a ser editada sobre a matéria, observe estritamente a referida legislação.
A autora alegou que a NR-04 viola a normatização editada pela Lei nº 7.498/86 e Decreto nº 94.406/87, essencialmente, por não fazer a devida distinção entre os diversos profissionais da atividade de enfermagem, tal como previsto na referida legislação quanto à sua denominação e qualificação técnica (enfermeiro, técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem), bem como ao dispor que poderiam ser executados apenas com a presença de auxiliares de enfermagem (denominação que na NR 4 é a única empregada, enquanto que na Lei nº 7.498/86 se refere ao técnico e ao auxiliar de enfermagem), não exigindo a presença obrigatória de enfermeiro para orientação e supervisão dos serviços de enfermagem de maior complexidade técnica.
A sentença acolheu integralmente a pretensão da autora, cumprindo agora examinar a controvérsia devolvida na apelação da União Federal, que se baseia nos argumentos de que:
1º) o campo de regulamentação da NR-04 (serviço especializado em segurança e medicina do trabalho, de caráter essencialmente prevencionista, que deve ser mantido por empresas cujo objeto não é a prestação de serviços de saúde) é diverso do tratado na referida legislação em que se exige a supervisão por Enfermeiro das atividades exercidas por auxiliares de enfermagem, conforme art. 15 da Lei nº 7.498/86, que é restrita aos casos de instituições de saúde públicas ou privadas (ex: hospitais, clínicas) ou programas de saúde (ex: programas de atendimento à população em doenças específicas; programas como o "Saúde em Casa", etc.);
2º) a NR-04 atende aos objetivos da Lei nº 7.498/86 porque em todos os casos em que se prevê a atuação de um auxiliar de enfermagem, sua supervisão é feita por um médico do trabalho.
Pois bem. A NR 4 foi editada pelo Ministério do Trabalho em cumprimento aos arts. 157, 200 e 913 da C.L.T., regulando o direito social previsto no art. 7º, XXII, da Constituição Federal, exercendo competência atribuída pela lei para a fixação de normas complementares de "segurança e medicina do trabalho" para proteção aos trabalhadores celetistas:
A NR 4 foi aprovada pela Portaria nº 3.214, de 08.06.1978, que dispõe sobre a manutenção do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT, por empresas privadas e públicas, órgãos públicos da administração direta e indireta e dos Poderes Legislativo e Judiciário, que tenham empregados regidos pela C.L.T., dispondo nos seus anexos Quadros I e II, respectivamente, sobre o enquadramento das empresas em graus de risco conforme suas atividades econômicas, bem como o dimensionamento dos profissionais necessários conforme o número de empregados do estabelecimento e o respectivo grau de risco (cópia juntada a fls. 28/60).
Do Quadro II (Dimensionamento do SESMT - cópia juntada a fl. 59) pode-se extrair a exigência de diversas espécies de profissionais ligados à segurança e medicina do trabalho: Técnico em Segurança do Trabalho, Engenheiro em Segurança do Trabalho, Auxiliar de Enfermagem do Trabalho, Enfermeiro do Trabalho e Médico do Trabalho, estabelecendo situações de enquadramento das empresas conforme os Graus de Risco 1 a 4 e conforme o Nº de Empregados, sendo que, relativamente ao interesse representado pela autora desta ação coletiva (COREN/SP - profissões da área de enfermagem):
a) a NR-04 não faz exigência de profissionais de enfermagem em ½ metade das situações de enquadramento;
b) a NR-04, editada em 1978, somente se refere a Auxiliar de Enfermagem do Trabalho, não se referindo a Técnicos e/ou Auxiliares do Trabalho, distinção que passou a ocorrer com a superveniente legislação das profissões de enfermagem que foi editada em 1986;
c) a NR-04, em alguns casos, prevê a exigência de Auxiliares de enfermagem sem a exigência concomitante de Enfermeiro, mas sempre exigindo um Médico.
A Lei da profissão de enfermagem que se alega estar sendo afrontada pela NR-04 é a seguinte:
Ora, entendo que, se a NR-04 expressa uma norma infralegal complementar de segurança e medicina do trabalho e, para o fim a que se destina, ainda que de caráter primordialmente prevencionista, manifesta no seu Quadro II a necessidade da presença de profissionais de enfermagem em determinadas situações de enquadramento das empresas, é evidente que deve observar a específica regulamentação legal da profissão de enfermagem no que se refere às diferentes espécies de profissionais (segundo a complexidade do campo de atuação e grau de conhecimentos específicos na instrução exigida para cada um, conforme arts. 6º a 8º e 11 a 13 da Lei nº 7.498/86, regulamentada pelo Decreto nº 94.406/87).
De outro lado, a regra do artigo 15 da Lei nº 7.498/86, segundo a qual as atividades referidas nos artigos 12 e 13 (reservadas, respectivamente, aos técnicos e aos auxiliares de enfermagem), "quando exercidas em instituições de saúde, públicas e privadas, e em programas de saúde, somente podem ser desempenhadas sob orientação e supervisão de Enfermeiro", deve ser aplicada também ao campo de normatização da NR-04, pois conquanto não possa o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT ser incluído na referência legal às "...instituições de saúde, públicas e privadas...", certamente o pode na referência aos "...programas de saúde...", eis que disso é que substancialmente se trata quando se estabelecem as regras de atendimento à saúde do trabalhador e se prevê a indispensabilidade de profissionais de enfermagem em certas situações, que certamente não se restringem a uma mera atuação prevencionista, mas sim também a efetiva prestação de serviços de enfermagem decorrente de ocorrências durante o exercício profissional.
Neste ponto, é necessário que se consigne que a presença do médico do trabalho não supre a exigência, inserida na lei, quanto à necessidade de supervisão por enfermeiro das atividades de técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, eis que se trata de campos de atuação profissional diversas.
Portanto, uma vez superada a questão da admissibilidade da presente ação civil publica, deve esta ser julgada procedente para o fim de condenar a ré União Federal a observar as normas da legislação reguladora das atividades de enfermagem (Lei nº 7.498/86, regulamentada pelo Decreto nº 94.406/87) na edição de normas complementares de segurança e medicina do trabalho.
Deve, pois, a sentença ser mantida.
Por fim, importa consignar que esta Colenda 3ª Turma já assentou posicionamento no sentido de que a sentença da ação civil pública, em não se tratando de relações de consumo regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (caso em que se aplicam as regras de eficácia da sentença dispostas nesse Código : AC 1153578. Rel. JUIZA CECILIA MARCONDES. DJF3 CJ1 20/01/2010, p. 174), está sujeita à regra de limitação da sua eficácia aos limites territoriais do órgão jurisdicional de 1ª instância que a proferiu, nos termos do art. 16 da Lei nº 7.347/85, dispositivo cuja validade foi reconhecida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal em decisão liminar na ADI nº 1.576-1.
Nesse sentido os seguintes precedentes:
Nesse ponto, então, deve ser provida a apelação e a remessa oficial para restringir a eficácia da sentença ao limite do território do juízo prolator.
Por fim, não vislumbro nas soluções dadas neste julgamento e ante a fundamentação supra, ofensa a quaisquer dos princípios e/ou dispositivos constitucionais e legais prequestionados: 1º) a diversos dispositivos: Lei 7.498/86, Decreto nº 94.406/87, Lei 7.347/85, arts. 11, 12, § 2º, 13 e 16, Decreto nº 20.910/32, art. 178, § 10, VI, do Código Civil de 1916, arts. 157, 200 e 913 da C.L.T., art. 1º-C da Lei nº 9494/97 e Lei 5.010/96; e 2º) aos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia e da eficiência, conforme art. 37, da CF/88, bem como arts. 2º, 7º, XXII, 92, 97 e 103, § 3º, da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, julgando o mérito da presente ação coletiva, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da União Federal e à remessa oficial, bem como julgo PREJUDICADO o agravo retido, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
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