D.E. Publicado em 05/03/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 23/02/2018 17:54:59 |
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RELATÓRIO
Trata-se de recurso de agravo interposto pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS RENOVÁVEIS - IBAMA nos termos do art. 1.021 do CPC/15, contra decisão monocrática que não conheceu do agravo retido e deu provimento à apelação, com fulcro no art. 557, § 1º-A, do CPC/73.
A presente ação, ajuizada por Abdias Lima de Souza em face do IBAMA, objetiva ter reconhecida a posse definitiva do papagaio "Juninho". Relata o autor que a ave foi adquirida em 1998 e que desde então vive no seio de sua família, recebendo tratamento de excelente qualidade. Assevera que firmou, ainda em 2004, termo de contrato voluntário de animais silvestres com o IBAMA, que lhe concedia a posse provisória do animal; que em 2010, porém, recebeu intimação da aludida autarquia federal para que promovesse a devolução da ave. Sustenta temer pela vida do papagaio, porquanto já se encontra completamente adaptado à vida em cativeiro.
Na sentença de fls. 223/227, o MM. Juiz a quo julgou improcedente o pedido e condenou o autor ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais).
O autor interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da sentença (fls. 237/250).
Com fulcro no art. 557, § 1º-A, do CPC/73, vigente à época em que publicada a decisão então recorrida, este Relator deu provimento ao recurso de apelação, reconhecendo o direito do apelante de permanecer em definitivo na posse e propriedade da ave indicada na inicial. Invertido o ônus sucumbencial, foram mantidos os honorários no patamar fixado na r. sentença, vez que o valor atende ao que disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73 (fls. 273/278).
Agora o IBAMA interpõe o presente agravo, nos termos do art. 1.021 do CPC/15, pleiteando a reforma da decisão (fls. 281/288). Sustenta, em síntese, a impossibilidade de julgamento da apelação nos termos do art. 932 do CPC/15 ou do art. 557, § 1º-A, do CPC/73, ante a inocorrência das hipóteses autorizadoras. No mérito, afirma que o apelado assinou termo de contrato voluntário de animais silvestres, por meio do qual se comprometeu a restituir a ave em questão quando lhe fosse assim exigido. Ainda, que a obtenção da ave, nestas condições, é ato precário, não gerando direito adquirido. Defende ser equivocada a noção de que o animal, por estar "domesticado", deve permanecer junto dos atuais possuidores humanos e que um criadouro regularizado pode lhe ser uma alternativa melhor. Aduz que a ave em questão é espécie considerada em extinção no Estado de São Paulo e sua reintrodução na natureza ou em um criadouro conservacionista pode ser importante para as futuras populações. Por fim, alega que a posse de animal silvestre por particular, sem origem legal comprovada, é ilegal e não há, na legislação de regência, qualquer hipótese de regularização da conduta.
Sem contrarrazões (fl. 289).
É o relatório.
VOTO
Cuida-se de recurso de agravo interposto pelo IBAMA, nos termos do art. 1.021 do CPC/15, contra decisão monocrática que não conheceu do agravo retido e deu provimento à apelação, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC/73.
O art. 557, § 1º-A, do CPC/73, vigente à época em que publicada a decisão então recorrida, e, portanto, aplicável ao presente caso (vide EREsp 615.226/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2006, DJ 23/04/2007; RE 910.502/SP, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, decisão proferida em 18.03.2016, DJE 54/2016 divulgado em 22.03.2016; RESP 1.248.117/RS, Relator Min. HUMBERTO MARTINS, decisão proferida em 18.03.2016, DJE 1935/2016 publicado em 22.03.2016; dentre outros), autorizava o relator a dar provimento monocraticamente a qualquer recurso, desde que sobre o tema recorrido haja jurisprudência dominante em Tribunais Superiores; foi o caso dos autos.
Com efeito, prejudicada a alegação de necessidade de observância do art. 932 do CPC/15 ou de inaplicabilidade do art. 557, caput, do CPC/73 ao presente caso.
Na situação vertente, os argumentos apresentados no agravo não abalaram a fundamentação e a conclusão exaradas por este Relator.
Trata-se de ação ordinária que busca assegurar ao autor/agravado a guarda e a posse da ave "Juninho", um papagaio verdadeiro (amazona aestiva), que está com a família desde 1998, afastando-se determinação do IBAMA para a devolução do animal.
Os documentos acostados aos autos demonstram que a ave não sofre maus tratos e nem há indícios de que o apelante desenvolve atividade econômica ligada à comercialização de aves silvestres. Muito ao contrário: o que se constata é que a ave está sendo bem tratada, tem alimentação equilibrada e acompanhamento veterinário, além de estar adaptada ao convívio com as pessoas da família e ao meio em que vive - haja vista que está sob os cuidados do autor desde 1998.
É certo que a Lei nº 9.605/98 tipifica a conduta de ter em cativeiro espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, in verbis:
Mas é óbvio que a severidade da disposição penal deve ser vista cum granulum salis quando existe demonstração de que o infrator devota aos animais um louvável grau de afeto e os trata com um tal grau de desvelo que se aproxima daquele que seria tributado até a um ser humano, como, por exemplo, assegurar-lhes cuidados médicos e alimentação muito adequada.
Também é certo que o rigor do § 1º do art. 25 da mencionada lei impõe que, verificada a infração, os animais sejam "libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados".
Mas aqui cabe perguntar: qual a utilidade de se devolver ao habitat selvagem animais que se acostumaram a uma vida aprazível em cativeiro? Quem vai protegê-los dos outros animais predadores de suas espécies? O IBAMA - órgão federal notoriamente carente de recursos - terá condições de remeter os animais em segurança até um local selvagem onde sejam repostos na natureza?
E outras questões se alevantam: será que algum zoológico destinará à ave de que cuida este processo o mesmo tratamento de excelência que o apelante lhe tributa há tantos anos? A emenda pretendida pelo agravante não será pior do que o soneto?
Ora, a decisão judicial também deve se pautar pela razoabilidade.
Na singularidade, a devolução da ave - aclimatada a um suave cativeiro, sem sofrer maus tratos e sendo bem cuidada - ao seu habitat natural ou mesmo a entrega a zoológicos não seria razoável tendo em vista que já está adaptada ao convívio doméstico há muito tempo; já perdeu o contato com o habitat natural e estabeleceu laços afetivos com a família do apelante, de modo a tornar a mudança arriscada para a sobrevivência da ave, com perigo de frustração da readaptação.
É o entendimento pacífico do E. STJ:
No mesmo sentido, colaciono os seguintes julgados:
E ainda: APELREEX 00071972820104058100, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::10/04/2014; APELREEX 200981000134362, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::09/05/2013; APELREEX 200871070029171, SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 28/09/2009; entre outros.
Ora, ao Judiciário cabe também aplicar a lei atendendo a seus fins; a legislação ambiental específica dos animais busca a proteção deles, e de modo algum a ave carinhosamente chamada de "Juninho" estaria melhor se lançada à sanha de seus predadores ou aprisionada em zoológico. Bem por isso, a legislação elencada nas razões deste agravo pelo IBAMA não pode vicejar contrariando a razoabilidade e o bom senso.
Destarte, deve ser reconhecido, mesmo que excepcionalmente, o direito do apelante de permanecer em definitivo na posse e propriedade da ave indicada na peça inicial.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.
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