Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020180-02.2010.4.03.6100/SP
2010.61.00.020180-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : ABDIAS LIMA DE SOUZA
ADVOGADO : SP254986B ITALO BRUNO DE AVILA e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP163587 EDUARDO DE ALMEIDA FERRARI e outro(a)
No. ORIG. : 00201800220104036100 10 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ARTIGO 1.021 DO CPC/15. INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO UNIPESSOAL DO RELATOR QUE DEU PROVIMENTO A RECURSO DE APELAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 557, § 1º-A, DO CPC/73. HIPÓTESE QUE AUTORIZAVA DECISÃO MONOCRÁTICA. CRIAÇÃO DOMÉSTICA DE AVE SILVESTRE SEM A DEVIDA PERMISSÃO, LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE. PRETENSÃO DO IBAMA EM VÊ-LA DEVOLVIDA À VIDA SELVAGEM OU ENTREGUE A ZOOLÓGICO: DESPROPÓSITO ABSURDO, NA SINGULARIDADE DO CASO (AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE). ANIMAL JÁ DOMESTICADO HÁ MUITOS ANOS - QUE VAI ACABAR NAS GARRAS DOS PREDADORES SE FOR SOLTO NA NATUREZA COMO QUER O IBAMA - E MUITÍSSIMO BEM TRATADO POR PESSOA QUE LHE DEDICA AFETO E DISPENDIOSOS CUIDADOS. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. O art. 557, § 1º-A, do CPC/73, vigente à época em que publicada a decisão então recorrida, e, portanto, aplicável ao presente caso (vide EREsp 615.226/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2006, DJ 23/04/2007; RE 910.502/SP, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, decisão proferida em 18.03.2016, DJE 54/2016 divulgado em 22.03.2016; RESP 1.248.117/RS, Relator Min. HUMBERTO MARTINS, decisão proferida em 18.03.2016, DJE 1935/2016 publicado em 22.03.2016; dentre outros), autorizava o relator a dar provimento monocraticamente a qualquer recurso, desde que sobre o tema recorrido haja jurisprudência dominante em Tribunais Superiores; foi o caso dos autos. Com efeito, prejudicada a alegação de necessidade de observância do art. 932 do CPC/15 ou de inaplicabilidade do art. 557, caput, do CPC/73 ao presente caso.
2. Trata-se de ação ordinária que busca assegurar ao autor/agravado a guarda e a posse da ave "Juninho", um papagaio verdadeiro (amazona aestiva), que está com a família desde 1998, afastando-se determinação do IBAMA para a devolução do animal.
3. Prova dos autos - não infirmada pelo IBAMA - de que a ave é muito bem tratada, tem alimentação equilibrada e acompanhamento veterinário, além de estar adaptada ao convívio familiar e ao meio em que vive.
4. A severidade da Lei nº 9.605/98 e da legislação protetiva da fauna silvestre deve ser vista cum granulum salis quando existe demonstração de que o infrator devota ao animal um louvável grau de afeto e o trata com tal grau de desvelo que se aproxima daquele que seria tributado até a um ser humano, como, por exemplo, assegurar-lhe cuidados médicos e alimentação muito adequada.
5. Na singularidade do caso cabe perguntar: qual a utilidade de se devolver ao hábitat selvagem animal que se acostumou a uma vida aprazível em cativeiro? Quem vai protegê-lo dos outros animais predadores de sua espécie? O IBAMA - órgão federal notoriamente carente de recursos - terá condições de remeter o animal em segurança até um local selvagem onde seja reposto na natureza? Ainda: será que algum zoológico destinará à ave de que cuida este processo o mesmo tratamento de excelência que as impetrantes lhe tributam há tantos anos?
6. Por certo que a devolução desta ave - aclimatada a um suave cativeiro, sem sofrer maus tratos e sendo bem cuidada - ao seu hábitat natural ou mesmo a entrega a zoológico não seria razoável tendo em vista que já está adaptada ao convívio doméstico há muito tempo; já perdeu o contato com o hábitat natural e estabeleceu laços afetivos com a família das impetrantes, de modo a tornar a mudança arriscada para a sobrevivência da ave, com perigo de frustração da readaptação.
7. Ao Judiciário cabe também aplicar a lei atendendo a seus fins; a legislação ambiental específica dos animais busca a proteção deles, e de modo algum a ave carinhosamente chamada de "Juninho" estaria melhor se lançada à sanha de seus predadores ou aprisionada em zoológico. Bem por isso, a legislação elencada nas razões de recurso pelo IBAMA não pode vicejar contrariando a razoabilidade e o bom senso. Precedentes. Caso em que deve ser reconhecido o direito do autor/agravado de permanecer em definitivo na posse e propriedade da ave indicada na peça inicial.
8. Agravo interno a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 22 de fevereiro de 2018.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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Data e Hora: 23/02/2018 17:54:59



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020180-02.2010.4.03.6100/SP
2010.61.00.020180-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : ABDIAS LIMA DE SOUZA
ADVOGADO : SP254986B ITALO BRUNO DE AVILA e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP163587 EDUARDO DE ALMEIDA FERRARI e outro(a)
No. ORIG. : 00201800220104036100 10 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo interposto pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS RENOVÁVEIS - IBAMA nos termos do art. 1.021 do CPC/15, contra decisão monocrática que não conheceu do agravo retido e deu provimento à apelação, com fulcro no art. 557, § 1º-A, do CPC/73.


A presente ação, ajuizada por Abdias Lima de Souza em face do IBAMA, objetiva ter reconhecida a posse definitiva do papagaio "Juninho". Relata o autor que a ave foi adquirida em 1998 e que desde então vive no seio de sua família, recebendo tratamento de excelente qualidade. Assevera que firmou, ainda em 2004, termo de contrato voluntário de animais silvestres com o IBAMA, que lhe concedia a posse provisória do animal; que em 2010, porém, recebeu intimação da aludida autarquia federal para que promovesse a devolução da ave. Sustenta temer pela vida do papagaio, porquanto já se encontra completamente adaptado à vida em cativeiro.


Na sentença de fls. 223/227, o MM. Juiz a quo julgou improcedente o pedido e condenou o autor ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais).


O autor interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da sentença (fls. 237/250).


Com fulcro no art. 557, § 1º-A, do CPC/73, vigente à época em que publicada a decisão então recorrida, este Relator deu provimento ao recurso de apelação, reconhecendo o direito do apelante de permanecer em definitivo na posse e propriedade da ave indicada na inicial. Invertido o ônus sucumbencial, foram mantidos os honorários no patamar fixado na r. sentença, vez que o valor atende ao que disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73 (fls. 273/278).


Agora o IBAMA interpõe o presente agravo, nos termos do art. 1.021 do CPC/15, pleiteando a reforma da decisão (fls. 281/288). Sustenta, em síntese, a impossibilidade de julgamento da apelação nos termos do art. 932 do CPC/15 ou do art. 557, § 1º-A, do CPC/73, ante a inocorrência das hipóteses autorizadoras. No mérito, afirma que o apelado assinou termo de contrato voluntário de animais silvestres, por meio do qual se comprometeu a restituir a ave em questão quando lhe fosse assim exigido. Ainda, que a obtenção da ave, nestas condições, é ato precário, não gerando direito adquirido. Defende ser equivocada a noção de que o animal, por estar "domesticado", deve permanecer junto dos atuais possuidores humanos e que um criadouro regularizado pode lhe ser uma alternativa melhor. Aduz que a ave em questão é espécie considerada em extinção no Estado de São Paulo e sua reintrodução na natureza ou em um criadouro conservacionista pode ser importante para as futuras populações. Por fim, alega que a posse de animal silvestre por particular, sem origem legal comprovada, é ilegal e não há, na legislação de regência, qualquer hipótese de regularização da conduta.


Sem contrarrazões (fl. 289).


É o relatório.


VOTO

Cuida-se de recurso de agravo interposto pelo IBAMA, nos termos do art. 1.021 do CPC/15, contra decisão monocrática que não conheceu do agravo retido e deu provimento à apelação, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC/73.


O art. 557, § 1º-A, do CPC/73, vigente à época em que publicada a decisão então recorrida, e, portanto, aplicável ao presente caso (vide EREsp 615.226/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2006, DJ 23/04/2007; RE 910.502/SP, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, decisão proferida em 18.03.2016, DJE 54/2016 divulgado em 22.03.2016; RESP 1.248.117/RS, Relator Min. HUMBERTO MARTINS, decisão proferida em 18.03.2016, DJE 1935/2016 publicado em 22.03.2016; dentre outros), autorizava o relator a dar provimento monocraticamente a qualquer recurso, desde que sobre o tema recorrido haja jurisprudência dominante em Tribunais Superiores; foi o caso dos autos.


Com efeito, prejudicada a alegação de necessidade de observância do art. 932 do CPC/15 ou de inaplicabilidade do art. 557, caput, do CPC/73 ao presente caso.


Na situação vertente, os argumentos apresentados no agravo não abalaram a fundamentação e a conclusão exaradas por este Relator.


Trata-se de ação ordinária que busca assegurar ao autor/agravado a guarda e a posse da ave "Juninho", um papagaio verdadeiro (amazona aestiva), que está com a família desde 1998, afastando-se determinação do IBAMA para a devolução do animal.


Os documentos acostados aos autos demonstram que a ave não sofre maus tratos e nem há indícios de que o apelante desenvolve atividade econômica ligada à comercialização de aves silvestres. Muito ao contrário: o que se constata é que a ave está sendo bem tratada, tem alimentação equilibrada e acompanhamento veterinário, além de estar adaptada ao convívio com as pessoas da família e ao meio em que vive - haja vista que está sob os cuidados do autor desde 1998.


É certo que a Lei nº 9.605/98 tipifica a conduta de ter em cativeiro espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, in verbis:


Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
(...)
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

Mas é óbvio que a severidade da disposição penal deve ser vista cum granulum salis quando existe demonstração de que o infrator devota aos animais um louvável grau de afeto e os trata com um tal grau de desvelo que se aproxima daquele que seria tributado até a um ser humano, como, por exemplo, assegurar-lhes cuidados médicos e alimentação muito adequada.


Também é certo que o rigor do § 1º do art. 25 da mencionada lei impõe que, verificada a infração, os animais sejam "libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados".


Mas aqui cabe perguntar: qual a utilidade de se devolver ao habitat selvagem animais que se acostumaram a uma vida aprazível em cativeiro? Quem vai protegê-los dos outros animais predadores de suas espécies? O IBAMA - órgão federal notoriamente carente de recursos - terá condições de remeter os animais em segurança até um local selvagem onde sejam repostos na natureza?


E outras questões se alevantam: será que algum zoológico destinará à ave de que cuida este processo o mesmo tratamento de excelência que o apelante lhe tributa há tantos anos? A emenda pretendida pelo agravante não será pior do que o soneto?


Ora, a decisão judicial também deve se pautar pela razoabilidade.


Na singularidade, a devolução da ave - aclimatada a um suave cativeiro, sem sofrer maus tratos e sendo bem cuidada - ao seu habitat natural ou mesmo a entrega a zoológicos não seria razoável tendo em vista que já está adaptada ao convívio doméstico há muito tempo; já perdeu o contato com o habitat natural e estabeleceu laços afetivos com a família do apelante, de modo a tornar a mudança arriscada para a sobrevivência da ave, com perigo de frustração da readaptação.


É o entendimento pacífico do E. STJ:


ADMINISTRATIVO-AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 480, 481 DO CPC/1973 E AO ART. 1.022 DO CPC/2015. APREENSÃO DE ARARAS. ANIMAIS ADAPTADOS AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DA RECORRIDA. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. Não se configura a alegada ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, porque o Tribunal de origem julgou integralmente a lide. Claramente se observa que não se trata de omissão, contradição ou obscuridade, tampouco de correção de erro material, mas sim de inconformismo direto com o resultado do acórdão, que foi contrário aos interesses do recorrente.
2. No tocante à alegada afronta aos arts. 480 a 482 do CPC/1973, a irresignação não prospera, pois não houve declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais mencionados, tampouco seu afastamento. 3. In casu, o Tribunal local considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que os animais deveriam continuar sob a guarda da recorrida, uma vez que eram criados como animais domésticos.
4. A jurisprudência do STJ tem admitido a manutenção em ambiente doméstico de animal silvestre que já vive em cativeiro há muito tempo, notadamente quando as circunstâncias do caso concreto levantadas nas instâncias ordinárias não recomendem o retorno da espécime ao seu habitat natural. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ.
6. Recurso Especial não provido.
(REsp 1650672/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/04/2017, DJe 05/05/2017)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO RECORRIDO. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ.
1. In casu, o Tribunal local entendeu que "não se mostra razoável a devolução do papagaio 'Tafarel' à fauna silvestre, uma vez que está sob a guarda da autora há pelo menos vinte anos, sendo certa sua adaptação ao convívio com seres humanos, além de não haver qualquer registro ou condição de maus tratos ". Vale dizer, a Corte de origem considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que a ave deveria continuar sob a guarda da recorrido, porquanto criada como animal doméstico.
2. Ademais, a fauna silvestre, constituída por animais "que vivem naturalmente fora do cativeiro", conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portanto, bem público.
In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre.
3. A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ.
4. Precedentes: AgRg no AREsp 333105/PB, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/09/2014; AgRg no AREsp 345926/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 15/04/2014; REsp 1085045/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 04/05/2011; e REsp 1.084.347/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2010.
5. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp 1483969/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APREENSÃO DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO RECORRIDO. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ.
1. In casu, o Tribunal local entendeu ser "questionável se a retirada do animal do cativeiro doméstico efetivamente atende ao seu bem-estar. Pelo tempo de vida doméstica e pela sua completa adaptação ao meio em que vive, difícil identificar qualquer vantagem em transferir a posse para um órgão da Administração Pública" (fl.
280, e-STJ). Vale dizer, a Corte de origem considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que o animal deveria continuar sob a guarda do recorrido, uma vez que era criado como animal doméstico.
2. Ademais, a fauna silvestre, constituída por animais "que vivem naturalmente fora do cativeiro", conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portanto, bem público.
In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre.
3. A Lei 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ.
4. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no AREsp 345.926/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 15/04/2014)

No mesmo sentido, colaciono os seguintes julgados:


DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO - CRIAÇÃO DOMÉSTICA DE AVES SILVESTRES SEM A DEVIDA PERMISSÃO, LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE. PRETENSÃO DO IBAMA EM VÊ-LOS DEVOLVIDOS À VIDA SELVAGEM OU ENTREGUES A ZOOLÓGICO - DESPROPÓSITO, NA SINGULARIDADE DO CASO (AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE) - ANIMAIS JÁ DOMESTICADOS E MUITÍSSIMO BEM TRATADOS POR PESSOA QUE LHES DEDICA AFETO E DISPENDIOSOS CUIDADOS - APELAÇÃO E REXAME NECESSÁRIO (DADO POR INTERPOSTO) IMPROVIDOS. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO POR FALTA DE REITERAÇÃO.
1. Agravo retido não conhecido por falta de reiteração nas razões de apelação, conforme determina o art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil.
2. Pretensão da autora em permanecer na posse e propriedade de aves silvestres brasileiras encontradas em vida doméstica na residência da Alameda das Palmeiras, 42, Condomínio Lago Azul, município de Araçoiaba da Serra/SP, pertencente a Maria Regina Marques Patrício, onde o IBAMA constatou a existência e manutenção em cativeiro de oito exemplares da fauna silvestre nacional: dois exemplares de Ara Ararauna (Arara-Canindé), um exemplar de Ara Chloroptera (Arara-Vermelha), quatro exemplares de Amazona Aestiva (Papagaio-verdadeiro) e um exemplar de Amazona Amazônica (papagaio-curica).
4. Prova dos autos - não infirmada pelo IBAMA - de que as aves (de espécie não ameaçada de extinção) são muito bem tratadas: vivem em um terreno espaçoso, têm alimentação equilibrada e dispõe de acompanhamento veterinário especializado, além do que estão adaptadas ao convívio com as pessoas da família da autora e ao meio doméstico em que vivem.
5. A severidade da Lei nº 9.605/98 e da legislação protetiva da fauna silvestre deve ser vista cum granulum salis quando existe demonstração de que o infrator devota aos animais um louvável grau de afeto e os trata com um tal grau de desvelo que se aproxima daquele que seria tributado até a um ser humano, como, por exemplo, assegurar-lhes cuidados médicos e alimentação muito adequada.
6. Na singularidade do caso cabe perguntar: qual a utilidade de se devolver ao habitat selvagem animais que se acostumaram a uma vida aprazível em cativeiro? Quem vai protegê-los dos outros animais predadores de suas espécies? O IBAMA - órgão federal notoriamente carente de recursos - terá condições de remeter os animais em segurança até um local selvagem onde sejam repostos na natureza? Ainda: será que algum zoológico destinará às aves de que cuida este processo o mesmo tratamento de excelência que a autora lhes tributa há tantos anos?
7. Na singularidade do caso a devolução das aves - aclimatadas a um suave cativeiro, sem sofrer mais tratos e sendo bem cuidadas - aos seus habitats naturais ou mesmo a entrega a zoológicos não seria razoável tendo em vista que já estão adaptadas ao convívio doméstico há muito tempo; já perderam o contato com o habitat natural e estabeleceram laços afetivos com a família do autor e entre elas mesmas, de modo a tornar a mudança arriscada para a sobrevivência das aves, com perigo de frustração da readaptação.
8. Ao Judiciário cabe também aplicar a lei atendendo a seus fins; a legislação ambiental específica dos animais busca a proteção deles, e de modo algum as aves carinhosamente chamadas de "Hommer", "Azul", "Red", "Papa" -, "Pedrito", "Fio", "Sacha" e "Lindinha" estariam melhores se lançadas à sanha de seus predadores ou aprisionadas em zoológico. Bem por isso, a legislação elencada nas razões de recurso pelo IBAMA não pode vicejar contrariando a razoabilidade e o bom senso. Precedentes. Caso em deve ser, mesmo que excepcionalmente, reconhecido o direito da autora de permanecer em definitivo na posse e propriedade das aves indicadas na peça inicial.
9. Apelo e reexame oficial (tido como interposto) desprovidos.
(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC 0011660-62.2006.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 27/11/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/12/2014)
AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE ANIMAL SILVESTRE EM CATIVEIRO. PAPAGAIO DE ESTIMAÇÃO EM CONVÍVIO COM OS DONOS HÁ MAIS DE 14 ANOS. ESPÉCIE NÃO AMEAÇADA DE EXTINÇÃO. BONS TRATOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA POSSE COM OS DONOS.
1. Apelação interposta pelo IBAMA em face da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para assegurar ao autor a posse de seu papagaio, bem como determinou ao IBAMA que procedesse às providências necessárias para regularização da guarda doméstica do animal pelo autor.
2. A legislação ambiental (art. 29 da Lei nº 9.605/98 e o art. 24, parágrafo 3º, III, do Decreto n. 6.514/2008) prevê a ocorrência de crime ambiental e infração administrativa no caso de guarda de animal silvestre sem a devida autorização do órgão ambiental competente.
3. O objetivo da legislação ambiental é a busca da efetiva proteção dos animais, devendo a intenção do legislador guiar a interpretação do julgador nos casos em que se discute questão ambiental. Todavia, devem ser consideradas as suas peculiaridades: animal não está ameaçado de extinção; longo tempo de convivência com seus donos; bons tratos. Interpretação da norma ambiental de acordo com o princípio da razoabilidade, mantendo-se a guarda do animal com os seus donos ante as especificidades do caso concreto.
4. Apelação não provida.
(AC 00075004220104058100, Desembargador Federal Marcelo Navarro, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::11/06/2013 - Página::363.)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). CRIAÇÃO DOMÉSTICA DE ARARA. APREENSÃO. RISCOS À SOBREVIVÊNCIA DO ESPÉCIME. ATUAÇÃO DA AUTARQUIA. CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM SUAS ATIVIDADES. PRECEDENTES DO TRIBUNAL. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS.
1. Demonstrada a convivência harmônica que o espécime passeriforme manteve ao longo de muitos anos com o impetrante e seus familiares, chegando mesmo a receber a alcunha de "Chiquita Ferreira", nada recomenda que, de maneira abrupta, seja o animal apreendido e encaminhado para cativeiro mantido pela autarquia.
2. Não demonstração, por parte do Ibama, de que a arara tenha sido objeto de maus tratos, no período em que esteve sob a guarda de seus zeladores, quando, então, a autoridade impetrada sequer tinha notícia de sua existência.
3. De igual forma, não há nenhum indício de que o postulante desenvolva atividade econômica ligada à comercialização de animais silvestres, tratando-se de único exemplar, criado como animal de estimação.
4. "No caso específico, a restituição do papagaio ao meio ambiente, atenta mais contra a vida do animal, criado desde pequeno em outro ambiente que não o seu natural, do que contra a instabilidade do equilíbrio ecológico" (ACr 2009.38.03.005429-4/MG - Relator Desembargador Federal Carlos Olavo - e-DJF1 de 10.06.2011, p. 124).
5. A atuação do Ibama, em casos similares, acaba por contrariar os próprios princípios que norteiam as atividades da autarquia, porquanto, no caso, a inserção de "Chiquita Ferreira" no meio selvagem acaba pondo em risco a integridade da ave, afeita que está ao ambiente doméstico no qual vive há muito tempo.
6. Sentença mantida.
7. Apelação e remessa oficial desprovidas.
(AMS 200838000315130, DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:13/04/2012 PAGINA:1040.)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. GUARDA DE ANIMAL SILVESTRE SEM AUTORIZAÇÃO DO IBAMA.
1. Prevê a Constituição Federal, em seu art. 225, § 1º, VII, incumbir ao Poder Público "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade".
2. A previsão legal de constituir crime ambiental e infração administrativa ambiental (art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/98 e o art. 11, § 1º, III, do Decreto nº 3.179/99, respectivamente) a guarda de animal silvestre sem autorização do IBAMA visa principalmente coibir o comércio ilegal das espécies oriundas da fauna silvestre, mais conhecido como tráfico de animais.
3. Todavia, a devolução da ave ao seu habitat natural não seria razoável, tendo em vista que ninguém melhor que os próprios autores para cuidar de sua saúde e bem estar, além do fato de que praticamente desde que nasceu vive em cativeiro, sendo certo que não sobreviveria fora dele.
4. Dessa forma, considerando que a legislação tem como finalidade a proteção do animal, vê-se que no caso em mesa ele estará melhor protegido se permanecer com a parte autora, devendo-se ressaltar, ainda, que esta não possui propósito mercantil com a criação da ave, não sendo as disposições da Lei nº 9.605/98 e do Decreto nº 3.179/99 razão suficiente para o indeferimento do pedido.
(APELREEX 200771000356759, NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 03/03/2010.)

E ainda: APELREEX 00071972820104058100, Desembargador Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::10/04/2014; APELREEX 200981000134362, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::09/05/2013; APELREEX 200871070029171, SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, TRF4 - QUARTA TURMA, D.E. 28/09/2009; entre outros.


Ora, ao Judiciário cabe também aplicar a lei atendendo a seus fins; a legislação ambiental específica dos animais busca a proteção deles, e de modo algum a ave carinhosamente chamada de "Juninho" estaria melhor se lançada à sanha de seus predadores ou aprisionada em zoológico. Bem por isso, a legislação elencada nas razões deste agravo pelo IBAMA não pode vicejar contrariando a razoabilidade e o bom senso.


Destarte, deve ser reconhecido, mesmo que excepcionalmente, o direito do apelante de permanecer em definitivo na posse e propriedade da ave indicada na peça inicial.


Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.


É como voto.


Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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