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Diário Eletrônico

DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 234/2013 - São Paulo, quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO


PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF


Subsecretaria da 5ª Turma


Expediente Processual 26354/2013


HABEAS CORPUS Nº 0029921-28.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.029921-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
IMPETRANTE : PAULO JOSE IASZ DE MORAIS
: REBECCA BANDEIRA BUONO
PACIENTE : BENTO DOS SANTOS KANGAMBA
ADVOGADO : SP124192 PAULO JOSE IASZ DE MORAIS e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 8 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
CO-REU : FERNANDO VASCO INACIO REPUBLICANO
: WELLINGTON EDWARD SANTOS DE SOUZA
: LUCIANA TEIXEIRA DE MELO
: ROSEMARY APARECIDA MERLIN
: ERON FRANCISCO VIANNA
: JACKSON SOUZA DE LIMA
No. ORIG. : 00154638720134036181 8P Vr SAO PAULO/SP
DECISÃO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Trata-se de embargos de declaração opostos por BENTO DOS SANTOS KANGAMBA contra decisão proferida na presente ordem de habeas corpus, em sede de apreciação liminar do pedido inicial.
A decisão ora embargada está assim redigida:

"Trata-se de ordem de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrada por Paulo José Iasz de Morais e Rebeca Bandeira Buono, advogados, em favor de BENTO DOS SANTOS KANGAMBA, sob o argumento de que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal por parte do MM. Juiz Federal da 8ª Vara Criminal de São Paulo - SP.
Informam os impetrantes que o paciente denunciado pela suposta prática dos delitos descritos nos artigos 288, caput; 228, caput e § 3º; 231, caput e §§ 1º e 3º; 148, caput e § 1º, V nos termos dos artigos 69 e 29, todos do Código Penal, uma vez que "é o maior destinatário dos serviços das vítimas prostituídas e fornecedor pecuniário a manter toda a estrutura delitiva, de modo a favorecer a prostituição, açular o tráfico de pessoas, sem embargo de colocá-las de forma subjugada, encarcerando-as durante o período que entenda pertinente, até o encetamento das condutas delitivas" (fls. 4).
Consta, ainda, que a mesma decisão que recebeu a inicial acusatória determinou a busca e apreensão, o seqüestro e arresto de bens, a apreensão dos passaportes dos denunciados e a prisão preventiva de todos os acusados de participar de um esquema internacional de tráfico de mulheres.
Concluem a descrição dos fatos afirmando que a Autoridade Impetrada, após indeferir pedido de revogação da prisão preventiva, determinou o desmembramento dos autos, com a criação de um novo feito onde estão sendo processados os réus estrangeiros, mantidos os brasileiros nos autos originários.
Aduzem, preliminarmente, que a Justiça Federal Brasileira não seria competente para processar e julgar o paciente na ação penal originária, uma vez que os fatos descritos na exordial acusatória não descrevem o emprego de qualquer tipo de fraude ou coação no suposto recrutamento de mulheres e tampouco evidencia a vulnerabilidade das alegadas vítimas, o que afastaria a ocorrência do tráfico internacional de pessoas.
Alegam, ainda, que nos termos do artigo 7º do Código Penal, a lei brasileira somente poderia ser aplicada nos crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro caso o mesmo ingresse em território nacional, o que, no caso do paciente, nunca teria ocorrido.
Afirmam que o paciente possui imunidade diplomática, uma vez que é General do Governo e casado com a sobrinha do Presidente de Angola, o que afastaria a competência da Justiça Brasileira para a investigação dos fatos a ele imputados.
Aduzem que a fundamentação da decisão que recebeu a denúncia em desfavor do paciente demonstraria parcialidade por parte da autoridade impetrada, uma vez que teria, por diversas vezes, emitido Juízo de valor quanto as fatos narrados na inicial, demonstrando manifesta repulsa.
Alegam que o Juízo impetrado teria desrespeitado o disposto no artigo 282, § 3º, do Código de Processo Penal, ao deferir as medidas cautelares em desfavor do paciente, em especial o decreto de prisão preventiva, sem a prévia oitiva da defesa, o que se consubstanciaria em ofensa ao princípio do contraditório.
Afirmam que não se mostra lícita a imposição concomitante da prisão preventiva com as medidas cautelares alternativas previstas no artigo 319 e 320, do Código de Processo Penal, se mostrando suficiente, no caso concreto, a determinação de entrega do passaporte.
Aduzem que não se encontram presentes, no caso concreto, os requisitos constantes do artigo 312, do Código de Processo Penal, que autorizariam o decreto da prisão cautelar em desfavor do ora paciente.
Discorrem sobre sua tese e citam doutrina e jurisprudência que entendem lhes favorecer.
Pedem seja concedida liminar para que seja revogada a prisão cautelar decretada em desfavor do paciente e, no mérito, requerem seja concedida a ordem para, confirmando a liminar concedida, determinar que seja trancada a ação penal em relação ao réu, pela incompetência da Justiça Federal Brasileira ou em razão do reconhecimento da imunidade diplomática a que faria jus o acusado, ou, alternativamente, seja decretada a nulidade da decisão que recebeu a denúncia.
Juntaram os documentos de fls. 70/277.
É o breve relatório.
DECIDO.
Inicialmente, cumpre destacar que a competência para processar e julgar ação penal instaurada para investigar a suposta prática do delito de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual, como descrita na inicial acusatória, é da Justiça Federal do Brasil, nos termos do artigo 109, V, da Constituição Federal, considerando que, nos termos da denúncia, o delito, em tese, teria se iniciado em solo nacional, com o aliciamento e envio das mulheres ao exterior, e se consumava em território estrangeiro, com a exploração sexual das vítimas.
Em uma breve análise dos elementos de prova colacionados que o momento processual permite, verifico que a inicial acusatória descreve, em 66 páginas impressas, fatos que, em tese, configurariam os delitos descritos nos artigos 288, caput; 228, caput e § 3º; 231, caput e §§ 1º e 3º; 148, caput e § 1º, V.
Especificamente no que tange à conduta imputada ao ora paciente, transcrevo o seguinte excerto da inicial acusatória, in verbis:
"(...)
IV. DA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DOS ACUSADOS NÚCLEO DE ANGOLA
IV.I. BENTO DOS SANTOS KANGAMBA, também conhecido como TIO BENTO ou TIO CHICO
Apurou-se que BENTO é general de três estrelas das Forças Armadas Angolanas, empresário e político naquele país, possui diversas empresas de variados ramos (desde clube de futebol a fábrica de lapidação de diamantes e empresa de fabricação de telhados, dentre outras), bens e negócios em Angola e no exterior, em especial em Portugal, onde está investindo boa parte de seus bens. E casado com Avelina dos Santos, sobrinha do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, já foi processado criminalmente e preso em seu país (conforme pesquisas de fls. 2020/205) e, em julho de 2013, a Polícia francesa apreendeu perto de 3 milhões de euros (cerca de US$ 4 milhões) em dinheiro que estavam sendo transportados para Mônaco, num caso que o envolve (fls. 213/215), não tendo sido preso por ostentar passaporte diplomático. Aparentemente a empresa LS Republicano seria de sua propriedade, mas de responsabilidade gerencial de NINO REPUBLICANO (fls. 359/370 do apenso - RIP 02/2013).
Conforme restou apurado, BENTO, de forma consciente e voluntária, em prévio conluio e com unidade de desígnios, associou-se aos demais acusados, em quadrilha, há pelo menos sete anos, formando verdadeira organização criminosa transnacional, para o fim de cometer crimes tais como de favorecimento à prostituição, com o fim de lucro (art. 228, caput e §3°, CP), rufianismo (art. 230, caput, CP), tráfico internacional de pessoas para o fim de exploração sexual (art. 231, caput, §1° e §3°,CP), como já exposto. Além disso, também de forma consciente e voluntária, em prévio conluio e unidade de desígnio com os demais acusados, concorreu para a atração das vítimas para a prostituição, bem como para promoção, intermediação e facilitação de suas saídas do Brasil, durante o período de julho de 2008 a agosto de 2013, para exercerem a prostituição no exterior, mais precisamente em Angola, África do Sul e Portugal, tal como respectivamente já detalhado nos autos, financiando toda a atividade da organização criminosa, inclusive o transporte (passagens) e alojamento (hospedagem) das mesmas no exterior. E, no período de 18/05/2013 a 29/05/2013, concorreu, de forma consciente e voluntária, em prévio conluio e com unidade de desígnios com os demais acusados, para que as vítimas VIVIANE SOARES SANTOS e VALDINELMA ANACLETO CANDIDO permanecessem em Angola, privadas de sua liberdade, em cárcere privado com fins libidinosos, conforme já descrito no item 111.1.1V desta denúncia. E, no período de 21)0512013 a 30/05/2013, para que as vítimas FERNANDA LUISA SILVERA DA ROCHA, JAQUELINE VIANA BATISTA e PRISCILA NABOSNY BONATTO permanecessem em Angola, privadas de sua liberdade, em cárcere privado com fins libidinosos, conforme já descrito no item llI.l.V desta denúncia. Tal acusado exerce o comando de toda a organização no exterior, mais precisamente em Angola, sendo o seu financiador exclusivo, fornecendo recursos para o transporte das vítimas brasileiras para exploração sexual em Angola, Portugal e África do Sul, e para o seu alojamento em tais países.
É ele quem escolhe algumas das vítimas e efetua "encomendas", escolhendo muitas vezes mulheres do meio artístico e outras a que tem preferência, tais como as vítimas MULHER MELANCIA (ANDRESSA SOARES AZEVEDO) e CINTHIA. Salienta-se que ANDRESSA já viajou diversas vezes para Angola, mostrando ser, ao lado de CINTHIA, uma das prediletas de BENTO (fls. 696 e ss do apenso RIP 04/2013). É também o principal destinatário final da exploração sexual das mulheres brasileiras traficadas, sendo certo que estas o são para satisfação de sua lascívia sexual e de alguns conterrâneos conhecidos seus, pagando BENTO cerca de U$10.000,00 por cada uma das mulheres traficadas para exploração sexual, além de cerca de US$100.000,00 pela mulher escolhida para manter relações sexuais com ele sem o uso de preservativos, valores que são repartidos entre os membros da organização criminosa e as mulheres exploradas sexualmente, na forma já exposta anteriormente.
Durante o período das interceptações BENTO manteve contatos diretos ou através de NINO (que atua como verdadeiro braço direito ou longa manus do primeiro), com LATYNO e até mesmo com uma das vitimas, CYNTHIA, pessoa de sua confiança, não o fazendo com os demais integrantes da organização do Núcleo do Brasil.
Teve várias menções nos diálogos captados de todos os acusados, sendo chamado muitas vezes de "chefe" e "tio", tais como no diálogo mantido entre ROSE e ERON, em 29/05/2013, às l9h43min (fis. 959 do apenso - lP 05/2013), em que conversam sobre as passagens de PRISCILA NABOSNY BONATTO e FERNANDA LUISA SILVEIRA DA ROCHA, as quais tiveram a saída do país, em 21/05/2013, intermediada, promovida e facilitada pelos acusados, para serem exploradas sexualmente em Angola, tendo retornado em 30/05/2013, no Rio de Janeiro. Em tal conversa, ROSE pede para ERON ver as passagens de FERNADA para São Paulo e de PRISCILA para Cuiabá, afirmando ainda que já mandaram trocar as passagens lá, que eram para ter vindo hoje e acabaram ficando, que o "tio" mandou trocar a passagem, acertou, já pagou todo mundo.
Também em diálogo mantido entre LATYNO e JOGA, em 28/05/201 3, às 3hl6min, JOCA afirma que "tio" não gostou de nenhuma garota, em razão delas serem muito baixinhas. Ao final do diálogo LATYNO pergunta se as mulheres estão controladas e JOCA responde afirmativamente (fls. 959/960 do apenso - RIP n° 05/2013).
Captou-se também diálogo mantido entre BENTO e LATYNO, em 31/05/2013, às 18h41 mm, no qual o primeiro questiona o segundo sobre o "pessoal que vai agora". LATYNO diz estar com várias pessoas preparadas, que é tudo pessoal de TV. BENTO pergunta das meninas da África do Sul. LATYNO afirma que vai também a JUJU, a DANI e a dançarina do Latino. BENTO pede a JANE. LATYNO diz que pode falar com ela também. LATYNO diz que que a KATE também pediu para ir, a KATE. a magrinha que vai junto com a JANE sempre. BENTO diz para colocar o grupo das duas para ir na quinta-feira. LATYNO diz que tem um pessoal indo para quinta- feira então e que vai comprar os bilhetes, com o que concorda BENTO (fis. 981 do apenso- RIP 05/2013). No mesmo dia, alguns minutos após tal ligação, em nova ligação BENTO pergunta o nome da "menina que faz programa da tarde". LATYNO questiona se é Ana Hichkmann. BENTO responde afirmativamente, que a cara é boa. LATYNO diz que ela boa, é grande, mas que ele já tentou, mas é difícil demais. BENTO pede a LATYNO para organizar tudo então. LATYNO diz que vai organizar e pede para o CARECA liberar um pagamento para ele poder comprar os bilhetes na segunda. Bento diz que falará com ele. De outro modo, em 14/06/2013, às l6h27min, CINTHIA, que já teria ido cerca de sete vezes a Angola por intermédio da quadrilha, ligou para BENTO oferecendo-se para uma nova viagem. No diálogo, CINTHIA o questiona se a abandonou e BENTO afirma estar em Mônaco, e não na Africa, e que ia falar com o "coiso" para ela viajar para Portugal na quarta-feira. CINTHIA pede para ele mandar a passagem e ele afirma que mandará no dia seguinte (fls. 1149/1150 apenso - RIP 06/2013).
Em 17/06/2013, em nova ligação telefônica mantida entre CINTHIA e BENTO, este afirma que já mandou comprar passagem para CINTHIA ir para PortLigal na sexta-feira. Diz que falou com NINO. CINTHIA questiona "com NINO? Mas quem estava resolvendo minhas coisas era o LATYNO". BENTO afirma que ligarão para ela no dia seguinte (RIP 06/201 3).
Em 18/07/2013, LATYNO e ERON conversam sobre o passaporte e a passagem de CINTHIA (RIP 07/2013, fls. 1338/1339 do apenso). LATYNO estava em Portugal. Após várias tratativas mantidas entre CINTHIA, LATYNO e ERON, em relação às suas passagens, passaporte e visto, aquela empreendeu viagem para Portugal em 22/07/2013, no vôo TP86, tendo retornado ao Brasil em 29/07/2013.
Assim, verifica-se que BENTO é quem dá a palavra final de quem (vítima) deve ir para o exterior, onde será explorada sexualmente, por intermédio da quadrilha por ele liderada de Angola, sendo o grande financiador e responsável pela manutenção de todo o esquema criminoso ora investigado. (...)"
Com efeito, o paciente é acusado, em tese, de organizar e financiar uma organização criminosa a recrutar e enviar mulheres brasileiras ao exterior para prostituírem-se, momento em que seriam submetidas à privação da liberdade e deveriam efetuar a divisão dos proventos com os demais integrantes da quadrilha, o que fixa a competência da Justiça Federal Brasileira.
O fato de se tratar de Oficial General e marido da sobrinha do Chefe de Estado da República de Angola não afasta a jurisdição brasileira, uma vez que o paciente não pode ser considerado "agente diplomático", nos termos do Artigo 1, 'e', da Convenção de Viena, por não ser chefe ou integrar a Missão Diplomática de Angola no Estado brasileiro. Ainda que assim não fosse, a alegada extensão da imunidade diplomática prevista na Convenção de Viena é restrita aos familiares do agente diplomático que com ele vivam, nos termos do artigo 37, do decreto nº 56.435/65, como se depreende de sua simples leitura:
"Artigo 37
1. Os membros da família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidade mencionados nos artigos 29 e 36, desde que não sejam nacionais do estado acreditado. (...)"
Tampouco há que se falar na aplicabilidade das restrições referentes à extraterritorialidade da lei penal, constantes do artigo 7º do Código Penal, uma vez que, como já afirmado, parte das condutas ocorreram em território nacional, aplicando-se o disposto no artigo 6º, do referido diploma legal, que fixa a aplicação da legislação e jurisdição brasileiras ao caso concreto.
Reconhecida a competência da Justiça Federal Brasileira para o conhecimento do feito, passo à análise do pedido liminar.
A decisão que decretou a prisão cautelar em desfavor do ora paciente está assim fundamentada, in verbis:
"(...)
O réu BENTO DOS SANTOS KANGAMBA, ostenta indicativos acerca da presença de inúmeros elementos probatórios quanto a autoria e materialidade delitivas, pois, ao que consta, concerne à pessoa que fomenta com seus desejos e financiamento da suposta organização criminosa, não se olvidando de utilização dos métodos mais mendazes para o recrutamento de mulheres a servirem a satisfação de sua lascívia. Assim, indicativos existem de que favorece a prostituição, açula o tráfico de pessoas, comanda as atividades em Angola, possuí contatos no Brasil, enfim, engendra toda sorte de condutas no universo delitivo em vislumbre. Destarte, resta imperativa a prisão preventiva desse acusado, tanto para garantir que a instrução criminal possa ocorrer a contento, ante ao notório e evidente risco de não ficar atrelado ao distrito da culpa e, ainda, para esfacelar o cérebro organizacional, interrompendo o financiamento, as encomendas, pedidos, enfim, garantindo, ao menos, a ordem pública, visto que acaso solto resta conspurcada. " (fls. 191/192)
Vê-se, pois, que a decisão ora impugnada se mostra fundamentada na garantia da instrução criminal e da ordem pública, considerando a ausência de vínculo com o distrito da culpa e o vultoso poder econômico do réu, fato que, aliado à existência de contatos no Brasil, pode interferir no bom andamento da instrução processual, bem como a constatação de numerosos indícios no sentido de que a conduta a ele imputada vem sendo reiterada, o que permitiria a manutenção da prisão cautelar para a garantia da ordem pública.
No que tange à alegada ofensa ao disposto no § 3º, do artigo 282, do Código de Processo Penal, reputo patente a existência da ressalva prevista no próprio dispositivo legal, que permite o contraditório diferido nos casos de urgência ou perigo de ineficácia da medida, considerando, inclusive, a resistência do paciente ao cumprimento de mandado de prisão expedido em seu desfavor.
Por fim, verificada a necessidade da manutenção da prisão cautelar não há que se falar na suficiência de medidas cautelares diversas como querem os Impetrantes.
Destarte, em uma análise perfunctória que o momento processual permite, não se vislumbra se existência de patente ilegalidade ou abuso de poder que determine a concessão do pedido liminar.
Diante do exposto INDEFIRO A LIMINAR. (...)" (fls. 279/282verso)

Aduz o embargante (fls. 361/367), em síntese, que a decisão seria omissa, uma vez que não abordou as teses referentes à alegada:
a) nulidade da decisão que recebeu a denúncia, em razão do suposto excesso de linguagem utilizado pela autoridade impetrada em desfavor do paciente, o que denotaria a ausência de imparcialidade;
b) suficiência da medida cautelar de retenção de passaporte para a garantia da ordem pública e da instrução criminal, do que exsurgiria a ilegalidade da decretação da prisão preventiva, por se tratar de medida excessiva e desnecessária;
Pede sejam providos os presentes embargos de declaração para que, sanando as omissões apontadas, lhe sejam atribuídos efeitos infringentes, com a revogação da prisão preventiva decretada.
É o relatório.
Decido.
Não assiste razão ao ora embargante.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a simples leitura da decisão ora impugnada permite afirmar que, na análise perfunctória dos autos que o momento processual permite, não se vislumbra, seja na decisão que determinou a prisão cautelar, seja na decisão que recebeu a denúncia, qualquer eiva de ilegalidade ou abuso de poder que ensejasse a concessão da medida liminar.
Sobre a desnecessidade de citar, um a um, os questionamentos efetuados pelo embargante, trago à colação o ensinamento de Guilherme de Souza Nucci, quando discorre sobre os embargos de declaração, in verbis:

"Vale mencionar que não se caracteriza a omissão quando o juiz deixar de comentar argumento por argumento levantado pela parte, pois, no contexto geral do julgado, pode estar nítida a sua intenção de rechaçar todos eles. Nessa óptica: 'É entendimento assente em nossa jurisprudência civil e penal que o órgão judicante, para expressar sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre cada um dos argumentos levantados pelas partes, se achou fundamento suficiente para a conclusão, o que também vale para os embargos de declaração' (TJSO, embargos de Declaração 51.812-0-1, São Paulo, Pleno, rel. José Osório, 13.06.2001, v.u.).
Outro ponto importante é que os embargos de declaração não se prestam à reavaliação das provas e dos fatos. Trata-se de recurso exclusivo para situações excepcionais, quando há ambigüidade, obscuridade, contradição ou omissão. O inconformismo da parte que perdeu deve ser deduzido no recurso apropriado (apelação, recurso especial ou extraordinário e até mesmo por habeas corpus)." (in Manual de Processo penal e Execução penal ; Nucci, Guilherme de Souza; Editora Revista dos Tribunais; 4ª Edição; 2008; página 894).

Outrossim, da leitura da decisão colacionada às fls. 137/208, depreende-se, ao menos por ora, a inocorrência do alegado excesso de linguagem na decisão que recebeu a denúncia, pois as adjetivações apontadas pelos impetrantes como parciais, na realidade, fundamentam o decreto da prisão cautelar e demais medidas cautelares decretadas em desfavor do ora paciente e dos demais co-réus, o que afasta a alegada nulidade.
Nesse sentido, assim já se decidiu, in verbis:

"..EMEN: HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO CONTRA FILHA E ENTEADA. CRIME HEDIONDO. FRAUDE PROCESSUAL. PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO E FORTES INDÍCIOS DE AUTORIA. PRESSUPOSTOS PARA A PRISÃO PREVENTIVA DEMONSTRADOS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. CRUELDADE DO MODUS OPERANDI. ALTERAÇÃO DA CENA DO CRIME. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE LINGUAGEM NA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IRREGULARIDADES NO INQUÉRITO POLICIAL NÃO COMPROVADAS E QUE, DE QUALQUER MODO, NÃO CONTAMINAM A AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM DENEGADA. (...)5. Não há excesso de linguagem na decisão que recebeu a denúncia, pois as adjetivações utilizadas apenas serviram para embasar a necessidade da custódia cautelar. (...)"..EMEN:(HC 200801458849, NAPOLEÃO NUNES MAIAFILHO, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:06/10/2008 ..DTPB:.)

Com efeito, a extensa decisão proferida pela autoridade impetrada abrange o recebimento da denúncia, a análise da competência da Justiça Federal para o conhecimento do feito e a apreciação da viabilidade das diversas medidas cautelares requeridas pelo Ministério Publico Federal.
No que se refere especificamente ao ato de recebimento da denúncia, não se vislumbra, até o presente momento, qualquer excesso de linguagem que pudesse demonstrar um prévio Juízo de valor desfavorável ao ora paciente, não se revelando, da sua simples leitura a alegada de imparcialidade do Juízo "a quo", como se depreende da simples leitura do seguinte excerto:
"Ante o exposto, por reputar presentes os indicativos da autoria e da materialidade delitivas, à luz de todos os elementos colhidos dos autos e, ademais, em virtude da observância dos requisitos estipulados no artigo 41 do Código de Processo penal, na medida em que a peça exordial trouxe à lume a exposição dos fatos criminosos, de forma absolutamente minudente, tecendo apontamentos à individualidade das condutas e classificação dos crimes, RECEBO A DENÚNCIA INTENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM FACE DOS RÉUS 1) WELLINGTON EDWARD SANTOS DE SOUZA (LATYNO), 2) ROSEMARY APARECIDA MERLYN (ROSE), 3) ERON FRANCISCO VIANNA, 4) LUCIANA TEIXEIRA DE MELO (LUCIANO OU LU BOB), 5) JACKSON SOUZA DE LIMA, 6) FERNANDO VASCO INÁCIO REPUBLICANO (NINO REPUBLICANO) e BENTO DOS SANTOS E BENTO DOS SANTOS KANGAMBA, ante a justa causa existente para a iniciação da Ação Penal."
Incabível, portanto, no caso concreto, a declaração liminar da nulidade do ato que recebeu a denúncia.
Por fim, no que tange às alegações quanto à desnecessidade do decreto de prisão preventiva, em razão da alegada suficiência da medida cautelar que determinou a apreensão do passaporte do ora paciente, inicialmente verifico que a Autoridade Impetrada determinou a "apreensão dos passaportes brasileiros de todos os denunciados"(fls. 206) o que excluiria o ora paciente da medida, vez que se trata de cidadão angolano.
Outrossim, a decisão ora embargada decidiu, ainda que liminarmente, de forma suficientemente fundamentada sobre a questão referente à necessidade da manutenção do decreto da prisão cautelar em desfavor do ora paciente, como se depreende da simples leitura do seguinte excerto, in verbis:
"(...)
Vê-se, pois, que a decisão ora impugnada se mostra fundamentada na garantia da instrução criminal e da ordem pública, considerando a ausência de vínculo com o distrito da culpa e o vultoso poder econômico do réu, fato que, aliado à existência de contatos no Brasil, pode interferir no bom andamento da instrução processual, bem como a constatação de numerosos indícios no sentido de que a conduta a ele imputada vem sendo reiterada, o que permitiria a manutenção da prisão cautelar para a garantia da ordem pública.
No que tange à alegada ofensa ao disposto no § 3º, do artigo 282, do Código de Processo Penal, reputo patente a existência da ressalva prevista no próprio dispositivo legal, que permite o contraditório diferido nos casos de urgência ou perigo de ineficácia da medida, considerando, inclusive, a resistência do paciente ao cumprimento de mandado de prisão expedido em seu desfavor.
Por fim, verificada a necessidade da manutenção da prisão cautelar não há que se falar na suficiência de medidas cautelares diversas como querem os Impetrantes.(...)" (fls. 282)

Tranqüila a orientação jurisprudencial no sentido de que os embargos de declaração não se prestam a instaurar uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada. Nesta senda, confiram-se os seguintes julgados do E. Superior Tribunal de Justiça:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS - OMISSÃO - INOCORRÊNCIA - REDISCUSSÃO DE MATÉRIA DECIDIDA NO ACÓRDÃO EMBARGADO - IMPOSSIBILIDADE - REJEIÇÃO.
- Devem ser rejeitados os embargos opostos contra acórdão que não contenha qualquer omissão .
- É vedada a rediscussão de matéria decidida no acórdão embargado por meio de embargos de declaração, aptos a dirimir apenas eventual omissão, contradição, obscuridade ou ambigüidade.
- embargos rejeitados" (EDHC 62751 - 5a. T. - Rel. Desembargadora Conv. Jane Silva - DJ 24.09.07, p. 331)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ART. 19, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. DENÚNCIA. ADITAMENTO. EMENDATIO LIBELLI. MEDIDA DISPENSÁVEL. NARRATIVA ABRANGENTE QUE PERMITE OUTRA ADEQUAÇÃO TÍPICA. ART. 171, § 3º, DO CP E ART. 19, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. CONDUTAS DIVERSAS. COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. SÚMULA Nº 7/STJ. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE.
I - São cabíveis embargos declaratórios quando houver na decisão embargada qualquer contradição, omissão ou obscuridade a ser sanada. Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência, sendo possível, excepcionalmente, a alteração ou modificação do decisum embargado.
II - Inviável, entretanto, a concessão do excepcional efeito modificativo quando, sob o pretexto de ocorrência de contradição na decisão embargada, é nítida a pretensão de rediscutir matéria já incisivamente apreciada.
embargos rejeitados. (EDRESP 761354 - 5a. T - Rel. Min. Félix Fisher - DJ 12.02.07, p. 294)
Isto posto, verifico que a decisão exarada nos presentes autos não apresenta qualquer omissão a ser sanada pela via dos embargos de declaração.
Diante do exposto REJEITO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
Considerando que as informações prestadas pela autoridade impetrada já foram colacionadas aos autos (fls. 286/360verso), remetam-se os autos ao Ministério Público Federal para oferecimento de parecer.
Após, conclusos.
Intime-se.

São Paulo, 12 de dezembro de 2013.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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