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Diário Eletrônico

DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 104/2015 - São Paulo, quarta-feira, 10 de junho de 2015

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO


PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF


Secretaria da Presidência


Expediente Processual 36843/2015


SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Nº 0031349-11.2014.4.03.0000/SP
2014.03.00.031349-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal PRESIDENTE
REQUERENTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
: VANESSA MARTINS
REQUERIDO(A) : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA DE FRANCA Sec Jud SP
PARTE AUTORA : DAVI MIGUEL SILVA GAMA incapaz
ADVOGADO : SP175601 ANGELICA PIRES MARTORI e outro
REPRESENTANTE : JESIMAR APARECIDO GAMA
: DINEA DOS REIS FERREIRA SILVA
ADVOGADO : SP175601 ANGELICA PIRES MARTORI e outro
No. ORIG. : 00026093720144036113 3 Vr FRANCA/SP
DECISÃO


Em 22 de abril de 2.015, esta Presidência prolatou a seguinte decisão:


"Trata-se de de pedido de suspensão de tutela antecipada concedida nos seguintes termos (fls. 71/73):


"Diante do exposto, havendo prova inequívoca da verossimilhança do direito alegado pelo autor, bem ainda o justo receio de dano irreparável se o demandante tiver de aguardar até mesmo a finalização da instrução probatória, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA pleiteada, determinando à União que providencie e custeie, integralmente, tudo o que for necessário para que o autor seja submetido a uma cirurgia de transplante de intestino e aos respectivos tratamentos junto ao Jackson Memorial Medical situado em Miami, Estado da Florida, nos Estados Unidos da América, durante o tempo que se fizer necessário, inclusive com o tratamento de home care que a equipe médica daquele hospital do exterior recomendar, respeitando-se a fila norte-americana e seus critérios de espera pelo transplante.
Face à experiência com o caso Sophia, a União não poderá, em nenhuma hipótese, deixar de iniciar ou interromper as providências cabíveis alegando ignorância das questões burocráticas, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal de quem lhe der causa.
Pelo mesmo motivo, este Juízo desde já determina à União que auxilie pró-ativamente o autor e seus pais junto ao Departamento de Polícia Federal, para a expedição dos passaportes de emergência, nos termos do artigo 13 do Decreto n. 5.978/2006, sem o pagamento das taxas, dada a condição de pobreza da família.
Deverá a União auxiliar o autor e seus genitores na obtenção do visto junto às autoridades norte-americanas, inclusive solicitando urgência em virtude da gravidade da situação da saúde do autor, podendo se valer de seu serviço diplomático.
Por fim, deverá providenciar a remoção via aérea pelo menos de Ribeirão Preto-SP, com aeronave equipada com o necessário à manutenção da vida do autor durante o traslado, sem prejuízo da remoção rodoviária até o aeroporto, com os mesmos cuidados.
A União deverá providenciar os depósitos em dinheiro que forem eventualmente exigidos pelo hospital norte-americano, bem ainda a adequada instalação da família (aqui entendida o autor e seus genitores), com o fornecimento de residência próxima ao nosocômio ou eventual alojamento dentro do próprio complexo hospitalar.
Este Juízo assinala o prazo de 15 (quinze) dias para que sejam tomadas as providências cabíveis para a remoção da criança ao exterior e sua internação no referido hospital, sendo que qualquer fato externo que venha a elastecer tal prazo deverá ser cumpridamente demonstrado, sempre no prazo de 24 horas da ocorrência, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com fundamento no art. 461 do Código de Processo Civil. Tais prazos serão contados da efetiva intimação (e não da juntada aos autos)".

É uma síntese do necessário.

Em 08 de janeiro de 2015, prolatei a seguinte decisão:

"'Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas', diz o artigo 4º, da Lei Federal nº 8.437/92.
No caso concreto, há manifesto interesse público e grave lesão à ordem e à economia públicas, a justificar o deferimento do pedido de suspensão.
A criança, nascida em 12 de março de 2014 (fls. 38), é portadora de doença de inclusão microvilositária (fls. 41), patologia grave e rara, cujo tratamento exige o transplante do intestino.
Do nascimento até 6 de outubro de 2014 - data da distribuição da petição inicial, no Juízo Federal de origem (fls. 18) - a criança recebeu atendimento médico, em hospitais brasileiros públicos ou universitários, com a assistência técnica disponível.
A documentação juntada aos autos prova o cuidado e o tratamento dispensados ao menor pela rede pública brasileira de serviço médico, nas cidades de Franca e Ribeirão Preto (SP).
A petição inicial da ação noticia, entretanto, que a cura da criança depende de cirurgia altamente sofisticada, inexistente no Brasil, mas realizada, com indicadores de êxito, em hospital de Miami (EUA).
Recebida a petição inicial, no Juízo de origem, Juiz Federal Substituto prolatou a seguinte decisão (fls. 56):
'Sem prejuízo, devido à urgência da apreciação do pedido antecipatório, determino que se oficie ao setor responsável pela realização de cirurgia pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas e CAISM, vinculado à Universidade de Campinas, requisitando que informem, no prazo de 05 (cinco) dias, se existe a viabilidade técnica da realização do procedimento postulado nestes autos nesses hospitais, no âmbito do Sistema Único de Saúde, caso haja indicação médica para tanto.
Deverão ainda estas entidades informar a taxa de sucesso na realização do referido procedimento, a expectativa de sobrevida e se possuem ciência acerca da existência de eventual benefício em sua realização no hospital indicado na petição inicial, a saber, Jackson Memorial Medical, sediado em Miami-Flórida, Estados Unidos, no que tange aos aspectos mencionados (expectativa de sobrevida, taxa de sucesso).
Devido a exiguidade do prazo ora concedido, a consulta ora formulada se refere à possibilidade, em tese, de realização do procedimento, que não dispensará, obviamente, a apreciação da situação concreta, seja pelo médico assistente da parte autora, seja pelos responsáveis pela realização do procedimento'.
Com a resposta do Hospital de Clínicas, da Universidade Estadual de Campinas, sem a manifestação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), outro Magistrado - Juiz Federal - concedeu a tutela antecipada aqui questionada.
Na fundamentação, Sua Excelência explicou que o pedido judicial de informações ao HCFMUSP precisou ser complementado por dados objetivos do prontuário médico da criança.
Afirmou, ainda, que aguardaria a resposta do HCFMUSP até o dia 20 de outubro de 2014 (fls. 62), quando, então, decidiria o pedido cautelar.
Sem a manifestação do HCFMUSP, concedeu a tutela antecipada no dia 20 de outubro de 2014.
No dia seguinte - 21 de outubro de 2014 -, chegou aos autos a opinião técnica colhida junto ao HCFMUSP, cuja elaboração ocorreu em 17 de outubro de 2014 (fls. 74/76).
O documento produzido no HCFMUSP, subscrito pelo Professor Uenis Tannuri, Titular de Cirurgia Pediátrica, Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica, do Instituto da Criança, registra o seguinte (fls. 76):
'Neste momento, não há viabilidade técnica da realização de transplante intestinal em paciente com peso de 4.210 gramas. É de consenso mundial que não se indique transplante de intestino para crianças com menos de 10 kg.
Cumpre ainda sublinhar que além do peso e condições clínicas mínimas, há que se ter doadores cadavéricos com órgãos compatíveis e em excelentes condições para doação, motivo pelo qual o procedimento de transplante de intestino ainda não pôde ser realizado no Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, portanto não há dados necessários e suficientes para responder as questões referentes à taxa de sucesso e sobrevida.
Os benefícios da realização do procedimento dependerão não só da expertise da instituição (a ser apurada/verificada localmente), bem como da patologia de base e das condições clínicas do paciente por ocasião da realização do ato cirúrgico'.
informação capital neste documento técnico, subscrito por especialista com a mais alta qualificação: o requisito de peso mínimo, para a criança suportar a intervenção cirúrgica de grande porte e exigência.
A opinião do especialista não convenceu o Juiz Federal. Sua Excelência argumentou: 'O Ilmo. Prof. Dr. Uenis Tannuri entende que não há viabilidade técnica da realização de transplante intestinal em paciente com peso de 4.210 gramas, além de ser consenso mundial que não se indique transplante de intestino com menos de 10 Kg. Tal parecer não infirma a possibilidade que se vislumbra pelos relatos do Dr. Paulo Chapchap e do Dr. Rodrigo Vianna, já citados na decisão antecipatória' (fls. 78).
Salvo melhor juízo, em nenhum momento os médicos Paulo Chapchap e Rodrigo Vianna contestaram a exigência de peso mínimo, para a realização da grave intervenção cirúrgica.
De plano, anote-se circunstância da maior relevância: ao se referir aos médicos Paulo Chapchap e Rodrigo Vianna, a r. decisão ora impugnada fez uso de prova produzida em outra ação, relacionada a paciente distinto.
O médico Paulo Chapchap, segundo a transcrição efetuada na própria r. decisão aqui questionada, afirmou (fls. 65): "Não é do meu conhecimento que qualquer serviço de transplantes multiviscerais do Brasil tenha submetido ao transplante pacientes com menos de 10 Kg".
O depoimento do cirurgião Rodrigo Vianna, prestado em relação a outra criança, tomado, por empréstimo, de caso judicial diverso - repita-se -, também não dispensa a exigência do peso mínimo, para a realização do transplante.
A r. decisão aqui questionada adotou o depoimento prestado, a uma rádio, pelo médico Rodrigo Vianna, e aceitou a conclusão dele extraída por Desembargador Federal, para demonstrar algo distinto e estranho à exigência do peso mínimo.
Confira-se o precedente relacionado a outra criança, transcrito na r. decisão agora impugnada (fls. 67):
'De se considerar, também, que o estado clínico da agravada vem se mantendo em situação assaz crítica, especialmente o seu fígado, sobremodo traumatizado pela alimentação exclusivamente parenteral. Outrossim, na entrevista concedida à Rádio Ipanema, o Dr. Rodrigo Vianna afirma que 'independentemente da síndrome, ela tem uma doença congênita que está afetando o intestino e que a nutrição parenteral está afetando o fígado. Então isso é até mais importante que a síndrome, o fato de que ela não consegue fazer a digestão e já estar desenvolvendo problemas com o fígado' (fls. 487v), o que reforça a urgência e a necessidade de transferência da recorrente aos Estados Unidos para realização do transplante ora pleiteado'.
Por primeiro, ignora-se o grau de rejeição à alimentação parenteral pelas duas crianças. O fenômeno não é unívoco. São seres humanos diferentes. A prova emprestada, para este efeito, é inservível.
Segundo, as intercorrências advindas da aplicação da alimentação parenteral afetam, negativamente, o aumento de peso, repercutindo no mínimo exigível. Por isto, estas eventuais intercorrências podem retardar a realização do transplante.
Além da afirmação do Professor Uenis Tannuri, no documento juntado após a concessão da tutela antecipada, o próprio cirurgião Rodrigo Vianna recomenda a permanência, no Brasil, da criança vinculada a este caso.
Outra circunstância de grande relevo: o médico Rodrigo Vianna é Diretor do Serviço de Transplantes, do Departamento de Cirurgia, da Escola de Medicina da Universidade de Miami, à qual o próprio Hospital de Miami (EUA) está vinculado (fls. 214).
Na troca de correspondência eletrônica com representante do Ministério da Saúde, a respeito da criança vinculada a este caso, o aludido cirurgião escreveu (fls. 197 verso):
'According to the last information we have received about this baby it seems like he still weighting only 5 kilos. Even though we do not have a strong policy regarding the minimum weight to accept a transfer we strongly encourage the weight gain to be achieved in Brazil until he reaches 7 kg. That would be the minimum weight to be included in our waiting list'.
Ou seja, o próprio cirurgião do Hospital de Miami (EUA) recomenda a permanência da criança, no Brasil, até o ganho de peso mínimo.
Parece irrefutável que, no curso de tratamento adequado, prestado por médicos e professores da rede pública brasileira de assistência, a judicialização prematura da questão fez o Poder Executivo incorrer em despesas desnecessárias e injustificáveis - U$ 50.000 foram remetidos ao Hospital de Miami (EUA), no cumprimento da r. decisão aqui questionada.
O mais grave, porém, é a quebra da ordem administrativa, a ruptura da confiança que os usuários do sistema público de saúde devem depositar na execução adequada do serviço - se e quando isto é exato, como no caso concreto.
Neste ponto, o fundamental: não há prova alguma de que, em determinado momento, o sistema público de saúde tenha negligenciado ou recusado qualquer solução para o caso da criança - inclusive a eventual remoção dela para os Estados Unidos, respeitados os protocolos de conduta médica.
A opção por uma das possibilidades terapêuticas, sem respeito aos protocolos de conduta médica, contra a opinião técnica dos mais qualificados especialistas, com desperdício de finitas verbas públicas, configura grave comprometimento da ordem administrativa e das finanças públicas, com manifesto prejuízo ao interesse público - e, ainda, no limite, pode colocar em risco a vida da criança, inclusive por conta de deslocamentos desnecessários.
Parece claro que o encaminhamento da solução adequada dependerá da (1) análise de equipe médica qualificada, (2) com base em todo o histórico da criança, (3) no momento em que ela estiver em situação compatível com as exigências de transplante de grande porte.
Neste momento, sob as condições médicas adequadas - repita-se -, será necessário avaliar todo o quadro de assistência disponível para o tratamento - também a ida aos Estados Unidos, mas não só.
Será preciso considerar a existência de outras soluções. Como o tratamento realizado na Argentina, disponível, mais barato e talvez menos penoso para a criança (fls. 109 e 111).
A utilização de equipe técnica do Brasil, uma vez que há médicos brasileiros em processo de treinamento no Hospital de Miami (EUA).
Há hospital nacional de excelência já credenciado pelo Ministério da Saúde, registre-se.
A propósito, o médico Rodrigo Vianna tem realizado transplantes complexos, no sistema público hospitalar brasileiro. Confira-se a correspondência eletrônica de 14 de novembro de 2014, enviada por este profissional (fls. 214):
'Desculpe a demora na resposta. Hoje fiz um transplante multivisceral no HC e acabei passando a tarde por lá. A cirurgia foi muito bem e o doente está bem. Quanto a avaliação do menino, a logística fica complicada porque eu estou voltando amanhã para os EUA. O menino tem menos de 5kg e precisa ganhar peso. Eu estarei de volta em dezembro apresentando meu doutorado aqui e aí poderia avaliar a criança de Franca e de Limeira. Neste mês teríamos tempo para observar o ganho de peso. Acho um pouco precoce levá-los a qualquer lugar neste momento'.
Por estes fundamentos, suspendo a tutela antecipada concedida no digno Juízo de 1º grau de jurisdição".

Jamais houve veto ao tratamento no exterior.

A decisão é literal.

O que não cabia é a judicialização prematura e desinformada da questão, com a exposição da criança a longos deslocamentos desnecessários, sem condições clínicas para o transplante, com o dispêndio inútil de verba pública, passível de empenho para a salvação ou a redução de danos a outras crianças.

É ver que, no curso da lide, o deslocamento da criança ao Hospital Samaritano, centro de excelência em transplantes, às custas da União, contribuiu, decisivamente, para a melhora do quadro clínico.

O Relatório Médico do Hospital Samaritano indica que a criança foi cuidada e estabilizada, preservada dos efeitos de nova e séria infecção.

Com a otimização das condições clínicas da criança, no Hospital Samaritano, o que importa é direcionar a execução do transplante.

Na Suspensão de Tutela Antecipada nº 0000679-53.2015.4.03.0000, em tramitação nesta Presidência, relacionada a caso similar, a atuação da Procuradoria Regional da República foi eficiente, propiciando a apresentação de prova útil.

Diante deste fato, prolatei, naquele caso, a seguinte decisão:

"Ao deferir o pedido de suspensão, levei em consideração o fato de que a União estava - como está - adotando as providências necessárias, para o atendimento aos pacientes necessitados de transplante de intestino.
Isto é exato - nenhuma prova foi produzida em sentido contrário.
Ressaltei ponto específico da questão: 'É certo que o ciclo de transplantes, no Brasil, está na fase inicial. Mas as outras experiências - internacionais - também não estão consolidadas' (fls. 286).
Quanto a esta particularidade - o ciclo brasileiro de maturação de todos os procedimentos necessários (administrativos, financeiros e médicos) para a realização de transplante de intestino -, a produção de prova nova determina outra abordagem, para o caso concreto.
Os dois hospitais brasileiros de excelência - o de Clínicas (fls. 363), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e o Albert Einstein (fls. 384) -, credenciados para a realização de transplante de intestino, jamais realizaram o procedimento.
Sobre este tema, a prova é documental.
De outro lado, é incontroversa a necessidade da realização do procedimento cirúrgico.
Em casos excepcionais, como o presente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal autoriza o empenho de verba pública, para o custeio de tratamento, ainda que vinculado a país estrangeiro - confira-se: STA 50, Relator: Ministro PRESIDENTE NELSON JOBIM".
No presente caso, diante da omissão das partes, determino, de ofício, a juntada dos documentos apresentados pelos Hospitais das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e Albert Einstein.
Não obstante a prova indique que o Poder Público vem realizando avanços sensíveis, para a estruturação de complexo médico-hospitalar capacitado para a realização do transplante discutido nesta ação, o fato é que, agora, não é possível executar o tratamento no Brasil - os documentos apresentados pelos dois hospitais mencionados no parágrafo anterior atestam o impedimento.
Em circunstâncias excepcionais, como registrado acima, o Supremo Tribunal Federal admite o emprego de verba pública, para tratamento viabilizado no exterior.
É o caso.
Não cabe, porém, restringir, sem qualquer avaliação, o tratamento ao centro médico de Miami (EUA). Esta deverá ser uma das possibilidades - aceitável, sem dúvida -, a critério justificado da União, cuja conclusão deverá ser apresentada, em 15 dias, ao digno Juízo de 1º grau de jurisdição.
Por outro lado, registro o fato público e notório de que a população foi convocada para o custeio relacionado ao objeto específico desta ação.
Dada a excepcionalidade do caso, a solução não pode deixar de contar com todas as variáveis colaborativas - e seria insensato desprezar as doações realizadas com o fim específico, quando o orçamento público não conta com fonte certa e determinada para atender a pretensão inicial.
Por estes fundamentos:
1. revogo, em parte, a decisão de fls. 285/289 , para autorizar a realização do transplante no exterior, em centro médico escolhido a critério da União;
2. determino que o autor da ação originária apresente prova documental das contas bancárias utilizadas na arrecadação de dinheiro da população, desde a sua abertura e com toda a movimentação, bem ainda realize o depósito integral do numerário perante o digno Juízo de 1º grau de jurisdição;
3. determino que o dinheiro da União seja utilizado após o cumprimento das diligências mencionadas no tópico anterior e o esgotamento dos recursos arrecadados junto à população.
Após o início do cumprimento desta ordem, o autor da ação originária deverá, mensalmente, prestar contas do dinheiro arrecadado junto à população e disponibilizá-lo junto ao digno Juízo de 1º grau de jurisdição".


Em 30 de abril de 2.015, o digno Juízo questionado prolatou a r. sentença (fls. 856 - vol. 4).

A União pediu (fls. 804/841 - vol. 4), então, a suspensão da execução da sentença, na parte conflitante com a decisão de suspensão da tutela antecipada, acima transcrita.

Em substância, a anterior decisão desta Presidência e a r. sentença são conflitantes em dois pontos:

1) a r. sentença impõe a realização da cirurgia em determinado centro médico e a Presidência entendeu que a União deveria ser ouvida previamente sobre a escolha;
2) a r. sentença dispensa, no pagamento dos custos necessários para o tratamento no exterior, o numerário de titularidade do menor, recebido através de doação, enquanto esta Presidência determinou o empenho do dinheiro na satisfação do encargo.


Por primeiro, julgo prejudicado o agravo (fls. 678 - vol. 3) interposto pelo autor.

É que não mais subsiste a tutela antecipada concedida logo após o ajuizamento da ação. E, como corolário, a ordem de suspensão emitida por esta Presidência.

Defiro, em parte, a suspensão da tutela antecipada concedida na r. sentença.

Quanto à escolha do centro médico, a União teve mais de uma oportunidade para, objetiva e prontamente, apontar e justificar a sua opção.






Agora mesmo, no presente pedido de suspensão de execução da sentença, deveria ter aclarado tal ponto. Ou fazê-lo perante o digno Juízo de 1º grau e dar a notícia aqui.

Leva, no entanto, o espírito de pugna a limite inaceitável.

Mantenho, nesta parte, os efeitos da r. sentença.

Quanto ao numerário de propriedade do autor da ação originária - seja qual for o título de sua aquisição -, deve ser empenhado no tratamento.


EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAÚDE (ART. 196, CF). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO. DESLOCAMENTO DO FEITO PARA JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA PROTELATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). 3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. In casu, o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida.
5. Agravo regimental no recurso extraordinário desprovido.
(RE 607381 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 31/05/2011, DJe-116 DIVULG 16-06-2011 PUBLIC 17-06-2011 EMENT VOL-02546-01 PP-00209 RTJ VOL-00218- PP-00589) .

E, com mais razão - ou força normativa -, quando o dinheiro foi objeto de doação com encargo.

Além de notório, é, agora, fato incontroverso a arrecadação de dinheiro promovida junto à população, com a finalidade específica de custear o tratamento do autor.

O autor admitiu o fato reiteradas vezes nos autos, também.

É, assim, induvidoso que o significativo valor foi doado pela população, por espírito de alta colaboração e altruísmo.

Trata-se de doação com encargo. O dinheiro não pode, nem deve, ter outra destinação. Seria fraude contra o ato de vontade dos muitos que desejaram colaborar para o bom destino da donatária, a criança autora da ação originária.

Sylvio Capanema de Souza aviva, com propriedade, o senso de cuidado social que deve ser dispensado ao instituto da doação:

"A doação, genericamente considerada, representa um ato de altruísmo, uma liberalidade, traduzida por uma oferta sem contraprestação, despojando-se o doador, voluntariamente, de um bem, para transferi-lo para o patrimônio do donatário.
No mundo atual, dominado pelo egoísmo e pelos interesses materiais, em que tanto valor se confere ao patrimônio, reveste-se a doação de maior densidade moral, representando, de um certo modo, a grandeza da alma humana.
Mas é justamente aí que estão os perigos que rondam a doação, fazendo com que alguns autores, a começar por Ihering, a considerem com desconfiança, temerosos que a liberalidade que ela encerra seja fruto de um impulso de momento, no fogo da paixão das emoções ou até mesmo da pressão psicológica do beneficiário, aproveitando-se da fragilidade do doador.
Essas considerações, que não são inteiramente infundadas, levaram os sistemas jurídicos modernos a fixar limites à sua eficácia, afrouxando o vínculo contratual e criando regras especiais, diversas das que se aplicam aos negócios onerosos.
Maior cuidado, por exemplo, cerca a sua forma, exigindo-se a escrita, a não ser quando se refere a coisas móveis, de pequeno valor, que não representam grande desfalque ao patrimônio do doador.
Também se liberta o doador de alguns deveres, inerentes aos contratos onerosos, como a garantia pela evicção e a responsabilidade pela existência de vícios redibitórios, dispensando-o dos juros moratórios, a não ser que o retardamento na entrega da coisa doada se deva a má-fé.
E, para completar o arsenal de medidas que protegem o doador, abrem-se significativas exceções ao princípio geral da força obrigatória e da imutabilidade dos contratos, admitindo-se a inclusão de uma cláusula de reversão, que faz com que os bens doados retornem ao patrimônio do doador, se o donatário precedê-lo na morte, sem falar da revogação por ingratidão do donatário.
Tão marcante é a preocupação do legislador, no que tange à proteção do doador, que o artigo 556 veda a renúncia antecipada do direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário, só a admitindo após consumado o ato que a caracteriza.
Pelas mesmas razões não se permite a doação universal, de todos os bens do doador, sem que reserve ele os necessários à sua subsistência, para que não fique reduzido à miséria, a depender da caridade alheia.
Como se percebe, sem maior esforço, admite-se a doação, louvando-se o altruísmo e a solidariedade humana de que se reveste o negócio, mas as suas consequências, para o doador, são mitigadas, especialmente se o donatário, não correspondendo ao significado ético do gesto, se revela ingrato ou não cumpre os encargos que lhe foram cometidos, o que permite a revogação do benefício, como oportunamente se verá".
(Sylvio Capanema de Souza, Comentários ao Novo Código Civil, vol. VIII, Forense, 2004, pp. 82/83).

No caso concreto, a situação dramática da criança configura, exatamente, o "fogo da paixão das emoções" despertado na população caridosa. O Poder Judiciário precisa, neste contexto, zelar pela correta satisfação da vontade dos doadores.

A ação originária tem natureza condenatória. De fazer cumprir obrigação de dar; dar o dinheiro para o custeio do tratamento.


A população atendeu ao chamamento. Não pode pagar duas vezes - uma, no financiamento do SUS, outra, na campanha altruísta. Nem ver o dinheiro recolhido com finalidade específica desviado para outros propósitos - a elevação da condição econômica dos pais do autor ou o pagamento de verba honorária, ainda que tais objetivos também sejam - e são - meritórios e socialmente desejáveis.


O Código Civil é claro. O Poder Judiciário não pode desprestigiar o instituto da doação - tanto mais quando as ofertas são estimuladas em campanhas de massa -, pois a população caridosa ficaria refém de fraudes, na execução dos atos altruístas.


O autor da ação originária tem razão em um ponto, todavia.


É preciso fazer reserva de parte do capital, para o custeio de despesas incidentais ao tratamento. Isto também interessa à União, porque lhe caberia o desembolso imediato de tais verbas.


Do capital, reservo 30%, para o pagamento destas despesas, sendo que todo o numerário deverá ser colocado, de imediato, à disposição do digno Juízo de 1º grau, cabendo ao Ministério Público Federal, na qualidade de curador dos interesses do menor, exercer a fiscalização cabível.


Ao final do tratamento, a sobra destes 30% do capital, se houver, será convertida em prol da União - os outros 70%, desde logo.


Quanto ao capital, reitero a imposição das condições necessárias à fiscalização e ao controle do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal: cabe ao digno Juízo de 1º grau examinar cada uma das contas bancárias destinadas à arrecadação de numerário, desde a abertura, e apurar cada um dos pagamentos realizados a partir desta fonte.




Para estes efeitos, suspendo, em parte, a r. sentença.


Comunique-se. Publique-se. Intimem-se.


Ciência à Procuradoria Regional da República.



São Paulo, 03 de junho de 2015.
FABIO PRIETO
Presidente


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