![]() DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 94/2019 - São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2019
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOPUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF
Subsecretaria da 1ª Turma
Acórdão 27892/2019 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008319-33.2007.4.03.6000/MS
EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CABIMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. TARIFA SOBRE CHEQUES SEM PROVISÃO. COBRANÇA QUE ABRANGE CHEQUES QUE PODERIAM SER SALDADOS. ILEGALIDADE. MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. MESMOS ÍNDICES COBRADOS PELO BANCO PELA UTILIZAÇÃO DO LIMITE DE CHEQUE ESPECIAL. INAPLICABILIDADE. TERMO INICIAL. DATAS DAS COBRANÇAS INDEVIDAS. ÍNDICES APLICÁVEIS. DECISÃO VÁLIDA EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS EM FAVOR DE FUNDO QUE NÃO É PARTE NA DEMANDA. DESCABIMENTO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. No caso concreto, o Ministério Público Federal ajuizou a presente ação civil pública em face da Caixa Econômica Federal - CEF em decorrência de representação formulada por cidadão acerca da sistemática então adotada pela ré para a compensação de cheques. Relata-se que o banco recorrido vinha cobrando de seus clientes uma tarifa de R$ 15,00 sobre cada cheque compensado no mesmo dia, na hipótese de pelo menos um dos cheques não ter provisões suficientes, ainda que houvesse saldo suficiente para o pagamento das demais cártulas. 2. O processo coletivo como um todo não é regido única e exclusivamente pela Lei nº 7.347/1985, mas, ao revés, submete-se a uma série de diplomas legais que integram um microssistema a regê-lo de modo mais amplo. Dessa forma, de par com a Lei nº 7.347/1985, devemos cogitar de outras leis que disciplinam o cabimento da ação civil pública. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 81, preceitua que os interesses individuais homogêneos podem ser tutelados pela via coletiva, aqui incluída a ação civil pública, ainda que não representem um direito coletivo em sua essência, por serem divisíveis. 3. Rejeitada, portanto, a preliminar de inadequação da via eleita suscitada pela apelante. 4. Ausente previsão específica de prazo prescricional para a ação civil pública, a Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça tem sedimentado o entendimento de que é cabível, por analogia, a aplicação do prazo quinquenal disposto na Lei da Ação Popular, eis que ambos os diplomas compõem um microssistema de tutela de direitos difusos. Precedentes. 5. Correta, portanto, a sentença ao reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão ressarcitória relativa a cobranças irregulares efetivadas em data anterior a 06/09/2002, devendo ser mantida neste ponto. 6. Não há - e nem poderia haver - previsão legal ou regulamentar para cobrança de tarifa bancária referente a cheque sem fundos sobre título que pode ser pago com os recursos existentes na conta bancária de seu emitente, mesmo na hipótese de ser apresentado junto com outras cártulas que não possam ser honradas, sob pena de incorrer o banco em verdadeiro enriquecimento ilícito, porquanto ausente justa causa para a cobrança do encargo (art. 964 do Código Civil de 1916 e art. 884 do Código Civil de 2002). 7. O art. 40 da Lei n° 7.357/1985 não dá respaldo à pretensão recursal, uma vez que regula hipóteses de apresentação simultânea de cheques, estabelecendo critérios de preferência quanto à ordem em que devem ser pagos, e não prevendo que todos os títulos apresentados ao mesmo tempo serão tratados como sem fundos se apenas um ou alguns deles efetivamente estiverem nesta situação. 8. Correta a sentença ao reconhecer a ilicitude da sistemática de cobrança de tarifa bancária intentada pela CEF em desfavor de um número indeterminado, mas determinável, de consumidores, bem como a lesão a direitos individuais homogêneos daí decorrente e o consequente dever da parte requerida de ressarcir os clientes lesados, devendo ser mantida neste ponto. 9. O banco requerido adotou um modus operandi de cobrança de valores contrário à lei, por meio do qual obteve evidente vantagem econômica em detrimento de grande número de consumidores e, dada a sutileza da forma pela qual foi concretizado, as regras ordinárias de experiência permitem afirmar que certamente muitos dos clientes lesados não se aperceberam dos pequenos e indevidos desfalques perpetrados em suas contas, bem como outros tantos optaram por não pleitear, administrativa ou judicialmente, ressarcimento em razão da pequenez dos valores embolsados pela ré ou por desconhecerem a ilicitude da cobrança, elementos que, aliados à ausência de notícia de que tenha a requerida restituído tais valores administrativamente, de ofício ou mediante requerimento, conduzem à conclusão de que a CEF agiu de má-fé ao praticar tais cobranças - que, aliás, se revelaram um tanto vantajosas para a parte ré -, de sorte que se revela correta a sentença ao determinar a restituição dos valores indevidamente cobrados em dobro, com fundamento no art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. 10. As alegadas dificuldades técnicas para a viabilização do comando judicial não configuram causa legal excludente de responsabilidade do banco recorrente, razão pela qual resta rejeitado o pedido de afastamento da condenação da apelante a "realizar amplo levantamento em seus bancos de dados para identificar os consumidores lesados na situação-hipótese narrada na petição inicial". Ademais, foi a própria CEF quem deu causa às lesões a direitos individuais homogêneos discutidos nos autos e, o que é ainda mais relevante, é a única pessoa detentora dos dados pessoais e bancários dos consumidores lesados, de sorte que se afigura impossível acolher o recurso neste ponto, sob pena de se beneficiar a parte por sua própria torpeza. 11. Não é possível fixar como índices de juros de mora e correção monetárias os mesmos cobrados licitamente pelo banco pela utilização do limite de crédito em cheque especial, uma vez que o complexo sistema de compensação de recursos bancários implica na impossibilidade de se afirmar que aqueles valores indevidamente cobrados pela instituição financeira serão destinados especificamente à concessão de crédito, na modalidade cheque especial, ao próprio cliente ou a qualquer outro, de modo que não se pode concluir que as cobranças espúrias reverteram em benefício da casa bancária sob a forma de juros e atualização monetária de cheque especial. 12. Índices de juros de mora e correção monetária passam a ser fixados da seguinte forma: (i) a partir de 06/09/2002, data a partir da qual as lesões aos direitos dos consumidores não foram abrangidas pela prescrição quinquenal, até 10/01/2003, devem incidir juros de mora de 6% ao ano (art. 1.062 do Código Civil de 1916), e correção monetária pela variação do IPCA-e, índice que melhor reflete a inflação no período, e; (ii) partir de 11/01/2003, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, deve ser aplicada exclusivamente a taxa SELIC, por ser a taxa em vigor para a mora de pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional e por compreender, em sua formação, ambos os institutos (art. 406 e EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008). 13. O C. Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia prevista no art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973, firmou o entendimento de que "os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo" (arts. 468, 472 e 474 do CPC/73 e 93 e 103 do CDC)" (REsp 1.243.887/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe: 12/12/2011). 14. A presente decisão, portanto, tem validade em todo o território nacional, respeitados os limites objetivos e subjetivos do quanto decidido. 15. A Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a questão relativa à condenação da parte sucumbente em honorários advocatícios, por representar consectário lógico do juízo de sucumbência, é matéria de ordem publica e, por isso, deve ser apreciada de ofício pelo magistrado. 16. A estas razões acrescento que, no caso concreto, houve fixação de honorários não em favor de patronos de quaisquer das partes, mas em benefício de um Fundo, de modo que eventual modificação quanto a estas verbas não implicará em prejuízo a direito material de titularidade de qualquer advogado (art. 85, § 14 do Código de Processo Civil de 2015). 17. Os honorários advocatícios sucumbenciais são devidos pela parte que deu causa à instauração da demanda em favor dos patronos de seu adversário processual, sendo certo que constituem direito material destes profissionais, de sorte que não se confundem com a indenização em dinheiro prevista no art. 13 da Lei n° 7.347/1985, não sendo devido o seu pagamento a qualquer Fundo que não seja parte na lide. 18. Sentença parcialmente reformada, de ofício. 19. Apelação não provida.
ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 09 de abril de 2019.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal Relator |