D.E.

Publicado em 02/07/2021
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025165-19.2007.4.03.6100/SP
2007.61.00.025165-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : SAO JOSE CONSTRUCOES E COM/ LTDA
ADVOGADO : SP146429 JOSE ROBERTO PIRAJA RAMOS NOVAES e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP182831 LUIZ GUILHERME PENNACHI DELLORE e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP066471 YARA PERAMEZZA LADEIRA e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. POSSE. MANUTENÇÃO. TURBAÇÃO. BEM PÚBLICO. MERA DETENÇÃO. REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO.
1. Ao presente recurso aplica-se o CPC/73.
2. Não prospera a alegação de que o feito teria sido decidido sem que fosse aberta vista para manifestação sobre as contestações apresentadas e sobre os documentos que as acompanharam. Quando concedida oportunidade para que a autora se manifestasse sobre as contestações e os documentos, quedou-se inerte. Após o despacho em audiência, a apelante manifestou-se, indicando assistente técnico e formulando quesitos, mas nada disse quanto às contestações e aos documentos, o que ratifica a preclusão.
3. Também não há nulidade da sentença porque esta teria sido proferida sem que o juízo tivesse determinado que o perito apresentasse esclarecimentos ou laudo complementar. Ao juiz cabe indeferir diligências que considere inúteis à formação do seu convencimento; a realização de nova perícia ou a resposta a novos quesitos só tem cabimento quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida.
4. Para a ação de manutenção da posse, cumpre ao autor provar: i) a sua posse; b) a turbação praticada pelo réu; c) a data da turbação; d) a continuação da posse, embora turbada (CPC/73, art. 927). No caso, esses requisitos não estão provados, tendo o laudo pericial concluído que a área em discussão é parte de uma outra área, mais extensa, conhecida como Parque do Povo, de propriedade da CEF e do INSS. Sendo bem público, não é passível de posse pelos particulares. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
5. Como a ação possessória tem natureza dúplice, é lícito ao réu, na contestação, alegar ofensa à sua posse, demandando a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor (CPC/73, art. 922). As perdas e danos são objeto de liquidação provisória, baseada no laudo pericial que arbitrou o valor do aluguel, a qual deverá ter prosseguimento.
6. Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR A MATÉRIA PRELIMINAR e NEGAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 06 de maio de 2021.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025165-19.2007.4.03.6100/SP
2007.61.00.025165-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : SAO JOSE CONSTRUCOES E COM/ LTDA
ADVOGADO : SP146429 JOSE ROBERTO PIRAJA RAMOS NOVAES e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP182831 LUIZ GUILHERME PENNACHI DELLORE e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP066471 YARA PERAMEZZA LADEIRA e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por SÃO JOSÉ CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA em face de sentença que, integrada por embargos de declaração, julgou improcedente a presente ação de manutenção de posse e, em vista do caráter dúplice da ação, julgou procedente o pedido de manutenção de posse em favor da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).


Razões recursais a fls. 690/714, alegando matéria preliminar de nulidade e, no mérito, pugnando pela reforma da sentença.


Foram apresentadas contrarrazões.


É o relatório.


VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Esclareço, inicialmente, que, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.3.2015) - NCPC, em 18.03.2016, são necessárias algumas observações relativas aos recursos interpostos sob a égide do Código de Processo Civil anterior (Lei nº 5.869, de 11.01.1973) - CPC/73.


O art. 1.046 do NCPC dispõe que, "[a]o entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973".


O art. 14 do NCPC, por sua vez, dispõe que "[a] norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".


Esse último dispositivo citado decorre do princípio do isolamento dos atos processuais, voltado à segurança jurídica. Isso significa que os atos praticados sob a vigência de determinada lei não serão afetados por modificações posteriores. É a aplicação do princípio tempus regit actum.


Assim, os atos praticados durante o processo, na vigência do CPC/73 não serão afetados pelo NCPC, tais como as perícias realizadas, os honorários advocatícios estabelecidos em sentença e os recursos interpostos.


Portanto, no exame do presente recurso, aplicar-se-á aos honorários advocatícios o CPC/73, pois a sentença, que os estabeleceu foi publicada sob a sua vigência, consolidando-se naquele momento o direito e o seu regime jurídico.


Pela mesma razão, não incide no caso a sucumbência recursal de que trata o art. 85, § 11, do NCPC. Isso, aliás, é objeto do enunciado nº 11 do Superior Tribunal de Justiça, aprovado em sessão plenária de 9 de março de 2016: "Somente nos recursos interpostos com decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do NCPC".


Feitos estes esclarecimentos, passo ao exame do recurso.


De início, afasto a matéria preliminar.


Com efeito, não prospera a alegação de que o feito teria sido decidido sem que fosse aberta vista para manifestação sobre as contestações apresentadas e sobre os documentos que as acompanharam. É o que se conclui da leitura da ata de audiência (fls. 454), na qual o juízo a quo expressamente determinou: "Após, abra-se vista dos autos a parte autora para querendo apresentar réplica e manifestar sobre os demais documentos apresentados".


Portanto, não procede a alegação de que teria havido violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, na medida em que, quando concedida oportunidade para que a autora se manifestasse sobre as contestações e os documentos juntados aos autos, quedou-se inerte.


É importante acrescentar que, após o despacho em audiência, a apelante manifestou-se (fls. 494), indicando assistente técnico e apresentando quesitos para a realização da perícia, mas nada disse quanto às contestações e aos documentos, o que ratifica a preclusão - temporal e lógica - para a réplica.


Ademais, lembre-se que eventual nulidade processual deve ser alegada na primeira oportunidade que a parte tem para se manifestar nos autos, sob pena de preclusão, não sendo possível alegá-la apenas depois - e em razão - de - uma decisão desfavorável.


Também não há nulidade da sentença porque esta teria sido proferida sem que o juízo tivesse determinado que o perito apresentasse esclarecimentos ou laudo complementar.


No caso, o juízo, na sentença, manifestou-se expressamente sobre a questão, dispondo que era "desnecessária a apresentação de resposta pelo Perito Judicial aos quesitos complementares elaborados pela parte autora, às fls. 534/535, pois o laudo pericial apresentou-se completo e conclusivo, não havendo necessidade de outros esclarecimentos".


Ao juiz cabe indeferir diligências que considere inúteis à formação do seu convencimento; a realização de nova perícia ou a resposta a novos quesitos só tem cabimento quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida.


Rejeitadas as preliminares, passo ao exame do mérito.


Trata-se de ação de manutenção de posse proposta pela ora apelante, relativamente ao imóvel situado na esquina das ruas Arthur Ramos e Franz Schubert, nesta Capital, sob a alegação de que exercia posse mansa e pacífica sobre o mesmo, adquirida mediante escritura pública de cessão de direito possessório datada de 27.10.2003 e 20.10.2006. Aduz que utilizava o terreno como canteiro de obras para a construção de um empreendimento residencial, mas que, a partir de 2007, a CEF ingressou indevidamente na posse do imóvel.


Segundo o art. 927 do CPC/73, para a ação de manutenção da posse, cumpre ao autor provar: i) a sua posse; b) a turbação praticada pelo réu; c) a data da turbação; d) a continuação da posse, embora turbada.


No caso em exame, porém, esses requisitos não estão provados. Com efeito, o laudo pericial afirmou que a área em discussão está compreendida nas matrículas nºs 59.085 e 36.173 (fls. 445/451), sendo parte de uma outra área, mais extensa, conhecida como Parque do Povo, de propriedade da CEF e do INSS.


A apelante utilizava essa área como canteiro de obras de uma incorporação imobiliária com base em escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios (fls. 26/36).


Ocorre que a prova produzida, em especial a pericial, não deixa dúvidas de que essa área pertence à CEF e ao INSS, caracterizando-se como bem público. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou a sua jurisprudência no sentido de que os bens públicos não são passíveis de posse pelos particulares. A título exemplificativo:

INTERDITO PROIBITÓRIO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA, PERTENCENTE À COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA TERRACAP. INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA NO CASO.
A ocupação de bem público, ainda que dominical, não passa de mera detenção, caso em que se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contra o órgão público. Não induzem posse os atos de mera tolerância (art. 497 do CC/1916).
Recurso especial não conhecido.
(REsp 146.367/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 14.12.2004, DJ 14.03.2005, p. 338)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA PARA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. BEM PÚBLICO. AUSÊNCIA DE POSSE. MERA DETENÇÃO QUE NÃO ENSEJA A PROTEÇÃO REQUERIDA.
1. Particular não exerce posse sobre bem público, restando caracterizada mera detenção, que não legitima proteção possessória.
2. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1190693/ES, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 20.11.2012, DJe 23.11.2012)

Nessa linha também dispõe o art. 1.208 do Código Civil, primeira parte, segundo o qual não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância.


De outro lado, a apelante não apresentou elementos aptos a afastar as conclusões do perito judicial, que tem experiência na matéria, já tendo atuado em outras ações onde era discutida a delimitação do Parque do Povo.


Assim, deve prevalecer a conclusão da perícia judicial de que a área objeto da discussão nestes autos pertence à CEF e ao INSS. Como bem público, não é passível de transmissão, aquisição ou posse nos moldes do direito privado. Em consequência, a ação de manutenção de posse é descabida, uma vez que os particulares que não têm a posse do bem público, mas apenas sua detenção.


Como a ação possessória tem natureza dúplice, é lícito ao réu, na contestação, alegar ofensa à sua posse, demandando a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor (CPC/73, art. 922). Por isso, com fundamento nessa regra e nos fatos demonstrados nos autos, especialmente que a apelante detinha a área discutida, utilizando-a como canteiro de obras de um empreendimento imobiliário, é correta a sentença ao determinar que a desocupação do imóvel.


Confirmo a sentença quanto à condenação da apelante ao pagamento de perdas e danos à CEF e ao INSS, proprietários do imóvel por ela indevidamente ocupado, consistentes no valor do aluguel devido pela utilização da área (CPC/73, art. 921, I). Anoto que essas perdas e danos são objeto de liquidação provisória, baseada no laudo pericial que arbitrou o valor do aluguel (AI nº 2014.03.00.012222-9), a qual deverá ter prosseguimento.


Posto isso, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR e NEGO PROVIMENTO à apelação.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11DE2005286DE313
Data e Hora: 07/05/2021 19:46:26




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