D.E. Publicado em 24/01/2023 |
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EMENTA
1. A não apresentação das razões recursais dentro do prazo legal constitui mera irregularidade que não impede o conhecimento da apelação nem tem o condão de tornar intempestivo o apelo oportunamente interposto.
2. A apelação interposta intempestivamente, sem a apresentação de justificativa plausível pela parte interessada, reclama o não conhecimento do recurso.
3. O crime de desenvolvimento de atividade de telecomunicação (art. 183, Lei nº 9.472/1997) pressupõe uma atividade que se prolonga no tempo, reiterada e habitual, ao passo que o delito de instalação ou utilização de telecomunicações (art. 70, Lei nº 4.117/1962) demanda um ato único, isolado e independente de reiteração. Alterado o enquadramento típico fixado na sentença.
4. Prescrição da pretensão punitiva estatal reconhecida em relação aos crimes do artigo 334 do Código Penal e artigo 70 da Lei nº 4.117/62, diante do transcurso do lapso superior a 4 (quatro) anos entre os marcos interruptivos.
5. A questão afetada ao Supremo Tribunal Federal e apreciada no Tema nº 1.003 da repercussão geral, que restabeleceu a vigência de norma anterior revogada, é aplicável tão somente à conduta de importar medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária (artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal).
6. A aplicação do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal em sua redação original torna possível, em tese, a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei nº 9.099/95.
7. Apelação ministerial não conhecida. Apelações das defesas prejudicadas em parte e, na parte não prejudicada, suspenso o julgamento dos recursos de apelação interpostos pela acusação e pela defesa, com determinação de baixa dos autos ao Juízo de origem a fim de oportunizar a manifestação do Ministério Público Federal sobre a concessão da suspensão condicional do processo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer o recurso interposto pelo Ministério Público Federal; acolher parecer ministerial para decretar a extinção da punibilidade de Eloi Martins da Silva e de Rodrigo da Silva Lorensato em razão da prescrição da pretensão punitiva quanto aos delitos do artigo 334 do Código Penal e artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com fundamento nos artigos 107, inciso IV, 109, caput e inciso V, 110, §1º e 117, inciso IV, todos do Código Penal; julgar parcialmente prejudicadas as apelações de Eloi Martins da Silva e de Rodrigo da Silva Lorensato, na parte não prejudicada, suspender o julgamento dos recursos e determinar a remessa dos autos à origem, de maneira a possibilitar eventual proposta de suspensão condicional do processo por parte do órgão ministerial lá oficiante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal, Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva em face da sentença das fls. 250/263, v., que julgou procedente a denúncia para condenar os réus pela prática das condutas previstas no art. 334, caput, (com redação anterior à Lei nº 13.008/2014) e art. 273, § 1º-B, inc. I, do Código Penal, em concurso formal (art. 70, caput, CP) e no art. 183 da Lei nº 9.472/1997, em concurso material (art. 69, caput, CP), a penas de 11 (onze) anos de reclusão e 2 (dois) anos de detenção, bem como ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente em março de 2011.
Pleiteia o Ministério Público Federal, em suma (fls. 265/269):
(a) o reconhecimento da inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, aplicando-se aos réus a pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/06;
(b) seja dada nova definição jurídica à comunicação por meio de radiotransmissores, a fim de que os réus sejam condenados pelo crime do art. 70 da Lei nº 4.117/62.
Por sua vez, a defesa de Eloi Martins da Silva alega e requer, em suma (fls. 309/314):
(a) que o réu não tinha conhecimento da quantidade de cigarros carregados no veículo, de quem faria o carregamento e em quanto tempo ou onde, qual era a marca dos cigarros e mesmo se seriam de fato cigarros;
(b) desconhecimento do acusado quanto à existência dos medicamentos apreendidos;
(c) arbitramento de honorários advocatícios segundo a tabela de honorários publicada pelo Conselho da OAB, Seccional de Mato Grosso do Sul.
De outra parte, interpostos recursos de apelação em favor de Rodrigo da Silva Lorensato às fls. 316/326 e 330/341.
Nas razões apresentadas às fls. 316/326, a defesa argumenta e pleiteia, em síntese:
(a) nulidade da sentença por cerceamento de defesa decorrente de mutatio libelli e, consequentemente, absolvição da imputação do crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97;
(b) absolvição da imputação de prática do crime do art. 273, § 1º-B, inc. I, do Código Penal, por insuficiência de provas de materialidade, isto é, de que os produtos apreendidos eram adulterados ou falsificados
(c) reconhecimento da circunstância atenuante de confissão em relação ao crime do art. 334, caput, do Código Penal;
(d) redução da pena ao mínimo legal;
(e) conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos, nos termos do art. 44, I, do Código Penal;
(f) violação ao princípio constitucional da individualização da pena, pois o juízo a quo teria aplicado a mesma sanção a todos os réus.
Já nas razões recursais das fls. 330/341, a defesa alega e requer:
(a) absolvição do réu da imputação de prática do crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97, por ausência de prova de materialidade (habitualidade de uso dos aparelhos de telecomunicação) ou, subsidiariamente, desclassificação para a conduta do art. 70 da Lei nº 4.117/62;
(b) absolvição do réu da imputação de prática do crime do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, por insuficiência de provas de autoria, salientando que os medicamentos foram encontrados em momento posterior à prisão em flagrante e não estavam em poder do acusado;
(c) inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, por infração ao princípio da proporcionalidade, e substituição pela pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Contrarrazões recursais apresentadas às fls. 302/307, 342/348 e 349/354.
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo não conhecimento do recurso ministerial, por intempestividade, e, no mérito pelo reconhecimento de ofício da inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, com aplicação do preceito secundário do art. 33 da Lei nº 11.343/06, atribuindo-se novas penas aos réus. Opina, outrossim, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal em relação aos crimes de contrabando e telecomunicações, pelo não provimento do recurso de apelação de Rodrigo da Silva Lorensato e pelo não conhecimento do recurso de Eloi Martins da Silva, pela ausência de interesse recursal. Por fim, se manifestou pela imediata execução das penas, consoante o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no HC nº 126.292 e ADC 43 e 44.
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Consta dos autos que, no dia 19/03/2011, Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva, dolosamente e cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, importaram e internaram em território brasileiro cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de documentação legal, importaram medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente (ANVISA), bem como desenvolveram atividades clandestinas de telecomunicação.
De acordo com a denúncia, os corréus foram abordados durante fiscalização de rotina no posto de combustíveis "Morumbi", localizado em Naviraí/MS, enquanto efetuavam o transbordo de diversos pacotes de cigarros de um veículo Chevrolet/Zafira, que apresentou pane mecânica, para um veículo Renault/Logan. Na ocasião, os Policiais Rodoviários Federais encontraram 2.340 (dois mil, trezentos e quarenta) pacotes de cigarros, 950 (novecentas e cinquenta) cartelas de "Rheumazin Forte" e 40 (quarenta) cartelas de "Pramil", além de 02 (dois) rádios transmissores instalados de forma oculta nos painéis de ambos os automóveis.
Diante destes fatos, Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva foram denunciados pela prática dos crimes previstos nos artigos 273, § 1º-B, inciso I e artigo 334, caput, ambos do Código Penal e do delito do artigo 70, caput, da Lei nº 4.117/62, em concurso material (fls. 119/120-vº).
Após regular instrução, sobreveio sentença que condenou Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva pela prática dos crimes previstos no artigo 334, caput (com redação anterior à Lei nº 13.008/2014) e artigo 273, § 1º-B, inciso I, ambos do Código Penal, em concurso formal impróprio (artigo 70, caput, do Código Penal) e do delito insculpido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, todos em concurso material (artigo 69, caput, do Código Penal), ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 11 (onze) anos de reclusão e 2 (dois) anos de detenção, em regime inicial fechado e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente ao tempo do crime, para cada condenado, vedada a substituição da sanção corporal por restritivas de direitos (fls. 250/263-vº).
Passo à matéria devolvida.
De início, saliento que, em favor de Rodrigo da Silva Lorensato, foram apresentadas duas razões de apelação por advogados distintos (fls. 316/326 e 330/341).
Em razão do princípio da ampla defesa e diante do fato de que essa Turma Julgadora, por vezes, reconhece benefícios penais e reduz penas de ofício, conheço de ambos os recursos.
Conheço, inclusive, das razões recursais apresentadas pelo defensor Leonardo Marques Siqueira (OAB/GO 21.411), constituído pelo corréu Rodrigo da Silva Lorensato já em fase recursal (fls. 328/329), apesar de sua extemporaneidade.
De fato, a não apresentação das razões recursais dentro do prazo legal de 8 (oito) dias, nos termos do artigo 600, caput, do Código de Processo Penal, constitui mera irregularidade que não impede o conhecimento da apelação nem tem o condão de tornar intempestivo o apelo oportunamente interposto.
E é esse o caso dos autos. Aqui, Rodrigo da Silva Lorensato foi pessoalmente intimado da sentença condenatória em 18/08/2016 (fls. 294/295) e a defesa técnica constituída à época interpôs tempestivamente o recurso de apelação no dia 22/08/2016 (fl. 290). Ademais, o corréu outorgou mandato a novo defensor logo após a interposição do recurso (fls. 328/329), de maneira que a intempestividade das razões recursais deve ser relevada em prol do princípio constitucional da ampla defesa.
Fica, portanto, afastado o pedido da Procuradoria Regional da República de não conhecimento do segundo recurso de apelação interposto por Rodrigo da Silva Lorensato por intempestividade.
De outro lado, no que diz respeito à alegação de intempestividade do recurso interposto pelo Ministério Público Federal, assiste razão à Procuradoria Regional da República.
Com efeito, de acordo com a certidão de fl. 264-vº, os autos deram entrada na Procuradoria da República no Município de Naviraí/MS no dia 22/03/2016, uma terça-feira antecedente da semana do feriado de Páscoa. Note-se que, nos termos do artigo 798, §1º, do Código de Processo Penal, o prazo recursal teve início em uma segunda-feira, dia 28/03/2016 (primeiro dia útil seguinte à carga dos autos) e se esgotou na sexta-feira, dia 01/04/2016. Sendo assim, o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal é intempestivo, pois foi protocolado no dia 04/04/2016 (fl. 265), fora do prazo de 05 (cinco) dias.
Assim sendo, a apelação interposta pela acusação não deve ser conhecida.
Crime do artigo 334 do Código Penal
Em parecer, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pela extinção da punibilidade dos corréus em relação aos crimes de contrabando e de desenvolvimento clandestino de telecomunicações, diante da prescrição da pretensão do direito de punir do Estado.
Com razão.
Estabelece o artigo 110, §1º, do Código Penal que a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.
No caso, verifica-se que os fatos ocorreram em 19/03/2011, a denúncia foi recebida em 15/06/2011 (fl. 112) e a sentença condenatória foi publicada no dia 14/03/2016 (fl. 264).
Não obstante tenha sido interposta apelação pela acusação, não houve insurgência recursal quanto à dosimetria do delito do artigo 334 do Código Penal. Ademais, conforme visto linhas acima, o referido apelo não foi conhecido por intempestividade. Logo, pode-se dizer que houve trânsito em julgado para a acusação quanto à pena fixada pela sentença.
Assim, diante da pena aplicada (1 ano de reclusão), não impugnada pela acusação, o lapso prescricional que deve ser observado é o de 4 (quatro) anos, consoante o disposto no artigo 109, inciso V, do Código Penal.
Além disso, como os fatos descritos na denúncia ocorreram em 2011, deve ser aplicado o artigo 117 do CP com a redação determinada pela Lei nº 11.596/2007, que prevê como marco interruptivo da prescrição, em seu inciso IV, a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.
Desta feita, uma vez que entre a data do recebimento da denúncia (15/06/2011) e a data da publicação da sentença condenatória (14/03/2016) transcorreu prazo superior a 4 (quatro) anos, acolho manifestação da Procuradoria Regional da República para decretar a extinção da punibilidade de Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva diante do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, em relação ao crime do artigo 334 do Código Penal.
Prejudicado em parte o recurso de Eloi Martins da Silva, no tocante ao pedido de redução da pena-base do delito de contrabando em virtude do desconhecimento da quantidade de cigarros carregados no veículo.
Crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97
A defesa de Rodrigo da Silva Lorensato pede a decretação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa decorrente da mutatio libelli realizada pelo Juiz de 1º grau e, consequentemente, absolvição da imputação do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Ainda, quanto à de telecomunicação apreendidos ou, subsidiariamente, a desclassificação materialidade do referido delito, requer a absolvição por ausência de prova de habitualidade de uso dos aparelhos para a conduta do artigo 70 da Lei nº 4.117/62.
O pedido subsidiário é procedente.
Dispõe o artigo 70 da Lei nº 4.117/62: constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.
Por sua vez, o artigo 183 da Lei nº 9.472/97 estabelece: desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Note-se que os tipos penais em questão possuem núcleos diferentes; enquanto o primeiro refere-se a "instalar" ou "utilizar", o segundo cuida de "desenvolver" atividade de telecomunicação. Assim, tratam de condutas diversas e convivem harmonicamente no sistema jurídico.
O desenvolvimento de atividade de telecomunicação pressupõe uma atividade que se prolonga no tempo, que é reiterada, habitual.
Assim, as atividades consistentes na radiodifusão clandestina (desde que prolongada no tempo) ou prestação de serviços de comunicação telemática ou telefônica se enquadrariam no tipo penal do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.
De outra parte, a instalação ou utilização a que se refere o artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 demanda um ato único, isolado e independente de reiteração.
A esse tipo penal se amolda a conduta descrita na denúncia.
O Auto de Apreensão nº 39/2011 (fls. 45/46) e o Laudo de Perícia Criminal Federal nº 0446/2011 - SETEC/SR/DPF/MS (fls. 85/92) atestam a apreensão de dois rádios transceptores móveis que operavam na frequência de 155,025 MHz, embora um deles estivesse homologado e autorizado pela Anatel a operar na faixa de frequências entre 144,0 MHz e 148,0 MHz, enquanto o outro não possuía registro de certificação.
Assim, aos corréus foi imputada a conduta consistente em utilizar radiotransmissores, sem qualquer indicação de que tal atividade tenha se prolongado no tempo, mas se restringido a uma única oportunidade.
Neste tipo penal também poderiam ser enquadradas condutas diversas na área de radiodifusão ou prestação de comunicação telemática ou telefônica clandestinas. Por exemplo, o profissional que se encarrega da mera instalação de equipamentos destinados à prática daquelas atividades ou o indivíduo que utiliza estação clandestina de rádio para um único pronunciamento. Nestes casos, por se tratar de atos isolados, sem repetição, incidiria o artigo 70 do Código Brasileiro de Telecomunicações.
Por esta razão, mantenho a capitulação jurídica exposta na denúncia, reformo a sentença que realizou a emendatio libelli para condenar os corréus nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97 e considero que a conduta imputada a Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva amolda-se ao delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, que estabelece pena de 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção, sem previsão de multa.
Tendo em vista que o Magistrado de 1º grau, na dosimetria do delito de telecomunicações, aplicou a pena-base no mínimo legal e considerou a ausência de atenuantes, agravantes, causas de diminuição e de aumento de pena, a reprimenda desse crime ficou estabelecida no patamar mínimo (naquele caso, 2 anos de detenção).
No particular, com a nova classificação jurídica da conduta, seria caso de fixar, de modo definitivo, a pena de 01 (um) ano de detenção.
Ocorre que, também aqui, assiste razão à manifestação da Procuradoria Regional da República quanto à ocorrência de prescrição da pretensão punitiva quanto ao crime do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962.
Estabelece o artigo 110, §1º, do Código Penal que a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.
No caso, verifica-se que os fatos ocorreram em 19/03/2011, a denúncia foi recebida em 15/06/2011 (fl. 112) e a sentença condenatória foi publicada no dia 14/03/2016 (fl. 264).
Não obstante tenha sido interposta apelação pela acusação, o esta não foi concedida por intempestividade. Logo, pode-se dizer que houve trânsito em julgado para a acusação quanto à pena fixada pela sentença.
Assim, diante da pena aplicada (1 ano de detenção), o lapso prescricional que deve ser observado é o de 4 (quatro) anos, consoante o disposto no artigo 109, inciso V, do Código Penal.
Além disso, como os fatos descritos na denúncia ocorreram em 2011, deve ser aplicado o artigo 117 do CP com a redação determinada pela Lei nº 11.596/2007, que prevê como marco interruptivo da prescrição, em seu inciso IV, a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.
Desta feita, uma vez que entre a data do recebimento da denúncia (15/06/2011) e a data da publicação da sentença condenatória (14/03/2016) transcorreu prazo superior a 4 (quatro) anos, acolho manifestação da Procuradoria Regional da República para decretar a extinção da punibilidade de Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva diante do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, em relação ao crime do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962.
Crime do artigo 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal
A materialidade do crime de importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente está demonstrada pelos seguintes elementos de convicção: a) auto de prisão flagrante (fls. 02/03); b) boletim de ocorrência nº 176080 (fls. 17/21); c) relatório circunstanciado nº 545/2011 (fls. 40/41); d) relatório circunstanciado nº 544/2011 (fls. 42/43); e) Auto de Apreensão nº 39/2011 (fls. 45/46); f) depoimento testemunhal de João José Santana, Agente de Polícia Federal (fl. 47); g) Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense) nº 0476/2011 - SETEC/SR/DPF/MS (fls. 100/107) e h) depoimentos judiciais das testemunhas (mídia, fls. 164 e 181).
De fato, o laudo pericial indica que o produto farmacêutico "Pramil", fabricado pelo laboratório paraguaio "Novophar", bem como o medicamento "Rheumazin Forte", de origem paraguaia e fabricado pelo laboratório "Lasca", não possuem registro na ANVISA e sua importação, comércio e uso são proibidos por esse órgão de vigilância sanitária, de acordo com as Resoluções RE nº 2297, de 12/09/2006 e RE nº 2568, de 10/10/2005 (fls. 100/107).
A autoria delitiva e o dolo também são incontestes.
Ouvido em sede policial, Rodrigo da Silva Lorensato declarou que partiu em viagem de Itumbiara/GO em direção à cidade de Salto del Guairá/Paraguai, na companhia de Eloi Martins da Silva, para comprar cigarros para revenda. Disse que, na cidade paraguaia, adquiriram e repartiram o preço pago pela carga de cigarros e que, na viagem de retorno, Eloi seguiu à frente na função de "batedor", conduzindo o veículo "Renault/Logan". Relatou que estava na direção do "Chevrolet/Zafira", com todo o carregamento de cigarros, ocasião em que esse automóvel apresentou problemas mecânicos e, em razão disso, os coacusados passaram a fazer a transferência da carga para o "Renault/Logan", no pátio do posto de combustíveis Morumbi (fls. 08/09).
Reinquirido pela autoridade policial após a localização dos medicamentos no interior do veículo "Renault Logan", Rodrigo da Silva Lorensato afirmou desconhecê-los e, quanto às demais perguntas, permaneceu em silêncio (fl. 48).
Em interrogatório judicial, Rodrigo da Silva Lorensato confessou a prática do crime de contrabando de cigarros, mas negou ter conhecimento sobre a existência dos medicamentos ou que estes estivessem em seu veículo. Disse que os remédios lhe foram apresentados dois dias depois de sua prisão em flagrante e que não viu Eloi Martins da Silva comprando tais produtos no Paraguai. Informou que conduzia o veículo "Chevrolet/Zafira" no dia dos fatos e que Eloi não comentou que havia medicamentos no "Renault/Logan". Relatou que conhecia Eloi havia pouco tempo, de Itumbiara/GO, cidade de origem e residência do corréu. Narrou que combinaram a viagem para o Paraguai para adquirir cigarros que seriam comercializados em Itumbiara/GO, pois ouviam "boatos de ir", ocasião em que comprou o "Chevrolet/Zafira", enquanto Eloi comprou o "Renault/Logan" e que repartiram as despesas. Asseverou que compraram os cigarros em conjunto. Disse que Eloi viajava à frente como batedor na condução do "Renault/Logan" e que esse corréu não carregava cigarros, sendo que todos estavam no "Chevrolet/Zafira". Afirmou que não tinha conhecimento dos rádios instalados nos automóveis e que não os utilizou (mídia, fl. 215).
Na Polícia, Eloi Martins da Silva declarou que partiu em viagem de Itumbiara/GO em direção ao município de Salto del Guairá/Paraguai, na companhia de Rodrigo da Silva Lorensato, para comprar cigarros para revenda em sua cidade de origem. Informou que o dinheiro utilizado para a aquisição dos produtos pertencia a ambos, sendo o valor total dos cigarros dividido entre os corréus. Narrou que, durante o retorno, era o motorista do veículo "Renault/Logan", responsável por avisar Rodrigo, que viajava logo atrás na direção do "Chevrolet/Zafira", sobre a existência de eventual barreira policial durante o percurso. Disse que, próximo ao posto Morumbi, o automóvel dirigido por Rodrigo apresentou defeito mecânico, razão pela qual ambos resolveram efetuar o transbordo da carga do "Chevrolet/Zafira" para o "Renault/Logan". Asseverou que, nesse momento, foram abordados pelos policiais (fls. 10/11).
Após a contagem dos produtos encontrados nos veículos e a localização de medicamentos de origem paraguaia no interior do "Renault Logan", Eloi Martins da Silva foi reinquirido em sede policial e negou ter conhecimento dos medicamentos. Afirmou que não foi o responsável por adquiri-los e que não sabe dizer se os remédios pertenciam a Rodrigo. Disse que, quando chegaram a Salto del Guairá/PY, separaram-se para fazer compras e, durante a viagem de retorno, apenas o veículo "Chevrolet/Zafira" conduzido por Rodrigo encontrava-se carregado de cigarros. Reafirmou que o "Chevrolet/Zafira" apresentou problema mecânico que motivou o transbordo dos cigarros desse automóvel para o "Renault Logan" (fl. 64).
Interrogado em juízo, Eloi Martins da Silva confessou a prática somente do contrabando de cigarros e disse que foi surpreendido por policiais quando transferia a carga de cigarros de um veículo que apresentou falha para o seu automóvel. Negou ter ido até o Paraguai para buscar os produtos e informou que a carga pertencia a um colega seu e de Rodrigo da Silva Lorensato. Narrou que sua participação no delito se restringiu a transportar os cigarros para a cidade de Itumbiara/GO e que foi pago para realizar o transporte (mídia, fl. 204).
Na Polícia, o Policial Rodoviário Federal Denilto Freire relatou a forma como se deu a abordagem e a prisão em flagrante de Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva no dia dos fatos. Informou que os corréus realizavam o transbordo de diversos pacotes de cigarros de um veículo "Chevrolet/Safira", que estava com problemas mecânicos, para um veículo "Renault/Logan". Disse que ambos narraram ao depoente que os cigarros foram adquiridos no Paraguai e seriam transportados até o município de Itumbiara/GO (fls. 05/06).
Perante o Juiz, a testemunha do juízo Denilto Freire, Policial Rodoviário Federal, em um primeiro momento, não se recordou dos fatos descritos na denúncia e, posteriormente, se lembrou e confirmou integralmente seu depoimento prestado em sede inquisitiva. Afirmou que, no dia dos fatos, encontrou dois veículos estacionados em uma borracharia carregados de cigarros. Informou que um dos automóveis tinha apresentado falha mecânica e os corréus efetuavam a transferência da carga para o outro veículo, para seguirem viagem. Relatou não se recordar se os coacusados afirmaram ter sido contratados para transportar os cigarros (mídia, fl. 181).
Em sede policial, o Agente de Polícia Federal João José Santana declarou que, em 21/03/2011, foi escalado para efetuar a contagem dos cigarros que se encontravam acondicionados nos veículos Chevrolet/Safira" e "Renault/Logan", cuja apreensão foi realizada no dia 19/03/2011. Disse que, quando efetuou a retirada dos pacotes de cigarros do interior do "Renault/Logan", localizou uma caixa contendo os medicamentos "Rheumazin Forte" e "Pramil". Informou que havia na embalagem dos remédios indicação de fabricação no Paraguai. Narrou que, além dos cigarros e dos produtos medicinais, encontrou dois rádios transmissores ocultos em ambos os automóveis (fl. 47).
Em sede judicial, a testemunha do juízo João José Santana, Agente de Polícia Federal, afirmou que participou da contagem das mercadorias apreendidas em poder dos corréus e que, na oportunidade, encontrou várias cartelas de medicamentos, muitos pacotes de cigarros de origem paraguaia e dois rádios transmissores, que estavam ocultos na parte de atrás dos painéis dos automóveis. Não soube dizer quantas cartelas de remédios havia, mas afirmou que eram várias e que, pelo volume, estava caracterizado o intuito de comercialização. Disse que os medicamentos tinham selos ou logos que permitiam deduzir que provinham do Paraguai e estavam em uma caixa de papelão, envolvidos com elásticos de dinheiro, misturados entre as caixas de cigarro. Informou que a caixa era de pequeno volume e facilmente detectável, sendo que uma pessoa poderia ter a dimensão de que os produtos medicinais estavam ali colocados. Relatou que não participou da prisão dos corréus, mas apenas da contagem das mercadorias (mídia, fl. 164).
A defesa de Rodrigo da Silva Lorensato pleiteia a sua absolvição imputação de prática do crime do artigo 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal, por insuficiência de provas de seu envolvimento no delito, uma vez que os medicamentos foram encontrados em momento posterior à prisão em flagrante e não estavam em poder desse coacusado, bem como por ausência de prova de materialidade. Por sua vez, a defesa de Eloi Martins da Silva afirma que esse corréu sequer tinha conhecimento dos remédios.
Sem razão as defesas.
As considerações acerca da materialidade delitiva já foram acima expostas e, de acordo com o conjunto probatório, não é possível afastar a existência do crime. Acrescente-se que o fato de os medicamentos apreendido não serem adulterados ou falsificados não afasta a materialidade, pois se trata, aqui, de produtos medicinais sem registro no órgão de vigilância sanitária competente.
Outrossim, de acordo com os relatórios circunstanciados nº 545/2011 e 544/2011 (fls. 40/41 e 42/43, respectivamente), no veículo "Renault/Logan" foram encontrados 810 (oitocentos e dez) pacotes de cigarros da marca "Polo Club", 950 (novecentas e cinquenta) cartelas com 10 (dez) compridos cada do medicamento "Rheumazin Forte" e 40 (quarenta) cartelas com 20 (vinte) compridos cada do medicamento "Pramil" e no veículo "Chevrolet/Safira" foram localizadas 1.530 (mil, quinhentos e trinta) pacotes de cigarros da marca "Polo Club". As fotografias que instruem esses relatórios policiais mostram a enorme quantidade de mercadorias, todas expostas de modo ostensivo, espalhadas nos bancos e nos bagageiros de ambos os automóveis.
Muito embora os medicamentos tenham sido encontrados no veículo "Renault/Logan" dirigido por Eloi Martins da Silva, não é possível afastar a responsabilidade penal de Rodrigo da Silva Lorensato quanto ao delito do artigo 273 do Código Penal. Isso porque a prova oral produzida nos autos (depoimentos dos policiais e declarações dos próprios coacusados em sede judicial e na seara policial) dá conta de que o automóvel "Chevrolet/Safira" sofreu uma pane mecânica, que motivou o transbordo dos produtos desse veículo para o "Renault/Logan". Nesse sentido e pelas circunstâncias fáticas, é possível que os remédios estivessem no "Chevrolet/Safira" tendo sido colocados no "Renault/Logan" (onde, de fato, foram encontrados) minutos antes da abordagem policial. Em outros termos, a responsabilidade pela importação dos medicamentos sem registro na ANVISA deve ser atribuída a ambos.
Ademais, o fato de a caixa contendo os medicamentos ter sido encontrada dois dias depois da abordagem dos corréus e da apreensão dos cigarros não afasta a autoria e nem os exime de responsabilidade. Embora Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva tenham alegado desconhecimento acerca da existência dos remédios, a autoria emerge dos elementos produzidos na fase inquisitorial e das provas coletadas durante a instrução probatória, principalmente os depoimentos das testemunhas Denilto Freire e João José Santana, Policial Militar Rodoviário e Agente de Polícia Federal, respectivamente.
Na mesma linha, o dolo também ficou comprovado.
Aqui, o fato de as cápsulas encontrarem-se ocultas no interior de uma caixa junto com a grande carga de cigarros contrabandeados indica que os corréus tinham plena e total consciência do desvalor de suas ações. De fato, o depoimento do Agente de Polícia Federal João José Santana
no sentido de que os medicamentos estavam em uma caixa de papelão, envolvidos com elásticos de dinheiro, misturados entre as caixas de cigarro e facilmente detectável, demonstra claramente a vontade dos agentes de cometer o crime.
Dessa forma, diante do conjunto probatório, é imperioso destacar que os apelantes agiram de forma dolosa ao importar e transportar, com finalidade comercial, produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem registro no órgão de vigilância sanitária competente.
Comprovadas a materialidade e a autoria delitivas e presente o dolo, condeno Rodrigo da Silva Lorensato e Eloi Martins da Silva pela prática do crime do artigo 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal.
As penas foram fixadas pelo juiz sentenciante com a seguinte fundamentação:
b) Crime do artigo 273, 1º-B, inciso I, do Código Penal
O Órgão Especial do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou partido pela constitucionalidade da pena prevista no art. 273, 1º-B, do Código Penal, senão vejamos:
DIREITO PENAL. ARTIGO 273, 1º-B, DO CÓDIGO PENAL. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMINADA EM ABSTRATO (PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA). INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA. - Incidente de Argüição de Inconstitucionalidade criminal suscitado pela Quinta Turma deste Tribunal em sede de apelação criminal (proc. nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP), versando sobre a desarmonia do preceito secundário do art. 273, 1º-B, do Código Penal com a Constituição Federal, por ausência de proporcionalidade e razoabilidade. - Inexistente o aventado vício de inconstitucionalidade da pena fixada em abstrato pela norma secundária do art. 273, 1º-B, do Estatuto Repressivo, pois o seu rigor decorre da própria natureza do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde pública, e da elevada potencialidade lesiva da conduta tipificada, devidamente sopesadas pelo legislador. - Inadmissível a aplicação analógica de penas previstas para outros delitos, preconizada em razão das pretensas desproporcionalidade e ausência de razoabilidade, eis que atentatória aos princípios da separação dos poderes e da reserva legal, não cabendo ao julgador, no exercício da sua função jurisdicional, realizar o prévio juízo de proporcionalidade entre a pena abstratamente imposta no preceito secundário da norma com o bem jurídico valorado pelo legislador e alçado à condição de elemento do tipo penal, por se tratar de função típica do Poder Legislativo e opção política, não sujeita, portanto, ao controle judicial. Precedente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região sobre a mesma questão (ARGINC nº 47 - processo 201051014901540 -, Rel. Des. Federal Guilherme Couto de Castro, Plenário, j. 22.08.2011, E-DJF2R 08.09.2011.) - O próprio Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já reconheceu a impossibilidade de o Poder Judiciário, na ausência de lacuna da lei, se arrogar função legiferante e criar por via oblíqua, ao argumento da inadequação da sanção penal estabelecida pelo Legislativo, uma terceira norma, invadindo a esfera de atribuições do Poder competente (v.g., HC nº 109676/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.08.2013; RE nº 443388/SP, Relª. Minª. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 11.09.2009). Precedentes, na mesma linha, do E. STJ. - Habeas corpus a ser concedido de ofício que não se conhece, por se tratar de medida de competência da Turma julgadora da apelação criminal que deu origem ao incidente, eis que cabe àquele Órgão fracionário conhecer das questões de fato relativas ao caso concreto. - Argüição de Inconstitucionalidade rejeitada. Habeas Corpus ex officio não conhecido. (TRF-3 - ARGINC 000793-60.2009.4.03.6124, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, Data de Julgamento: 14.08.2013, ÓRGÃO ESPECIAL)
Deste modo, passo à fixação da pena.
Na fixação da pena base pela prática do crime do artigo 273, 1º-B, inciso I, do Código Penal, parto do mínimo legal de 10 (dez) anos de reclusão.
Circunstâncias judiciais (1ª fase)
Na primeira fase de aplicação da pena, da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, infere-se que: a) quanto à culpabilidade, o grau de reprovabilidade e o dolo apresentam-se normais à espécie; b) não há nos autos registros que possam ser considerados maus antecedentes (fls. 213, 221/224); c) não há elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade dos réus; d) os motivos são comuns ao crime; e) as circunstâncias do crime não devem ser consideradas em desfavor aos acusados; f) o crime não apresentou consequências, em razão da apreensão das mercadorias; g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima.
Assim, à vista dessas circunstâncias, mantenho a pena no mínimo legal e fixo a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão.
Circunstâncias agravantes e atenuantes (2ª fase)
Nesta fase da dosimetria da pena, não há circunstâncias atenuantes ou agravantes a serem consideradas, permanecendo a pena intermediária de 10 (dez) anos de reclusão.
Causas de aumento e diminuição de pena (3ª fase)
Não há causas de aumento ou diminuição da pena, pelo que torno a pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão, para ambos acusados.
Pena de multa
A pena de multa, por sua vez, deverá ser fixada observando-se o critério de proporcionalidade com a pena privativa de liberdade aplicada, considerando-se o intervalo de 10 a 360 dias-multa previsto no art. 49 do CP.
Desta feita, tendo sido a pena privativa de liberdade aplicada no mínimo legal, fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa a razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, considerando as informações prestadas pelos acusados acerca de suas condições financeiras.
(...)
Regime de Cumprimento de Pena
Quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, observando-se os critérios do art. 33, 2º, alínea "a", do Código Penal, dada a quantidade de pena, deverá ser o fechado.
Detração
Em observância à Lei 12.736/12, que acrescentou os parágrafos 1º e 2º ao artigo 387 do Código de Processo Penal, entendo que o tempo de prisão provisória dos acusados não acarreta modificação do regime inicial fixado (fechado), porquanto não perfaz tempo suficiente de cumprimento de pena para concessão do benefício de progressão de regime. Desse modo, é inviável a fixação de regime inicial mais brando em razão desse motivo.
Substituição da Pena Privativa de Liberdade
No vertente caso a pretendida substituição não se permite, uma vez que ausente o requisito objetivo (art. 44, I, CP).
Por igual motivo, não se mostra cabível a concessão de sursis.
A defesa de Eloi Martins da Silva requer a fixação da pena-base do contrabando no mínimo legal. De outra parte, a defesa de Rodrigo da Silva Lorensato pede o reconhecimento da circunstância atenuante de confissão em relação ao crime do artigo 334, caput, do Código Penal, a redução da pena ao mínimo legal; a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos; o reconhecimento de violação ao princípio constitucional da individualização da pena e de inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, por infração ao princípio da proporcionalidade e substituição pela pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Prejudicados em parte os apelos de Eloi Martins da Silva
e Rodrigo da Silva Lorensato no ponto em que se referem ao crime de contrabando, em virtude da decretação da prescrição da pretensão punitiva.
De fato, o art. 273 do Código Penal foi substancialmente modificado pela Lei nº 9.677/1998.
O tipo até então previsto era o de "alteração de substância alimentícia ou medicinal", com penas de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. Com a alteração legislativa, passou a ser intitulado "falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais", ocasião em que foram tipificadas diversas outras condutas (§§ 1º-A e 1º-B) e o preceito secundário da norma passou a cominar penas de reclusão de 10 (dez) a 15 (quinze) anos. Além disso, tais delitos foram incluídos no rol de crimes hediondos (art. 1º, inciso VII-B, da Lei nº 8.072/1990).
Em razão do recrudescimento do tratamento penal e processual penal conferido ao tipo e tendo em vista a desproporcionalidade entre a sanção e a gravidade abstrata da conduta, a constitucionalidade do preceito secundário do crime do art. 273 do Código Penal passou a ser contestada em diversos tribunais do País.
Neste contexto, o Órgão Especial deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com fundamento no art. 97 da Constituição Federal, em sessão realizada no dia 14/08/2013, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº 0000793-60.2009.4.03.6124, rejeitou, por maioria, a arguição de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal e não conheceu do habeas corpus de ofício concedido em favor dos réus, nos termos do voto da Desembargadora Federal Diva Malerbi, restando vencido o Relator Desembargador Márcio Moraes, que julgava parcialmente procedente o incidente para declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, da pena mínima estabelecida para o referido delito e, de ofício, concedia habeas corpus para determinar a expedição de alvará de soltura em favor dos acusados (TRF 3ª Região, Órgão Especial, ARGINC 0000793-60.2009.4.03.6124, Rel. Des. Fed. Márcio Moraes, j. 14/08/2013).
Por outro lado, com fundamento nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, em arguição incidental em habeas corpus, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário da referida norma, nos seguintes termos:
Neste contexto, a decisão do tribunal pleno da Corte Superior vinha refletindo nos julgados deste Tribunal Regional Federal, diante de determinações de retorno de processos a esta Corte para realização de nova dosimetria da pena fixada ao crime do art. 273 do Código Penal, tomando-se por base o preceito secundário do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Portanto, revi meu entendimento anterior e passei a adotar os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, para aplicar o preceito secundário do art. 33 da Lei nº 11.343/06 ao art. 273 do Código Penal.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1003 (RE 979.962, relator Min. Roberto Barroso, julgado em 24.03.2021), na sistemática de repercussão geral, fixou a seguinte tese:
Por esta razão, passo a acompanhar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, a partir da apreciação do tema nº 1003 da repercussão geral no bojo do Recurso Extraordinário nº 979.962, a Suprema Corte fixou a tese da inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal e, ao fazê-lo, reconheceu a incidência do efeito repristinatório da redação original do referido dispositivo (pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa).
Neste contexto, a aplicação da sanção penal do artigo 273 do Código Penal em sua redação original torna possível, em tese, a suspensão condicional do processo; é dizer: considerando que o preceito secundário ora aplicável tem como pena mínima 1 (um) ano, é cabível a formulação de proposta do chamado sursis processual pelo Ministério Público Federal, caso presentes os demais requisitos previstos em lei.
A suspensão condicional do processo é disciplinada pelo artigo 89 da Lei nº 9.099/95, nos seguintes termos:
Esse instituto foi concebido por razões de política criminal, com aptidão de proporcionar desburocratização, despenalização, celeridade na resposta estatal, bem como satisfação da vítima por meio da reparação de danos causado pelo agente.
Trata-se de mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal, uma vez que o legislador permitiu ao órgão acusatório o exame da conveniência do prosseguimento da ação penal, limitado às hipóteses legais. Portanto, a suspensão condicional do processo pode ser proposta pelo Ministério Público quando o réu preenche os requisitos previstos no caput do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, nos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano.
No ponto, é aplicável, por analogia, a Súmula nº 337 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.
Aqui, não se trata, propriamente, de caso de desclassificação, mas de readequação das penas diante da apreciação pela Suprema Corte do tema nº 1.003 submetido ao sistema da repercussão geral. Ocorre que a adoção do preceito secundário originário do crime previsto no artigo 273 do Código Penal implica a necessidade de análise acerca de possível proposta de suspensão condicional do processo, instituto mais benéfico ao acusado, porque visa precipuamente evitar a condenação, mediante extinção da punibilidade pelo decurso do prazo da suspensão, se atendidas as condições legais.
Assim, é o caso de determinar a remessa dos autos ao primeiro grau para que o membro do Ministério Público Federal lá oficiante se manifeste sobre a possibilidade de oferecimento do benefício previsto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95.
Saliento que deixo de anular a sentença, pois a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no sistema da repercussão geral não declarou a inconstitucionalidade do tipo penal insculpido no artigo 273 do Código Penal, mas sim da norma que alterou o preceito secundário (Lei n.º 9.677/98), de modo que não falar em nulidade da condenação.
Nesse sentido, a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em julgamento realizado no dia 19/09/2022 do feito nº 0000639-35.2019.4.03.6110, de relatoria do Desembargador Federal André Nekatschalow, decidiu, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes para manter o voto condutor proferido pelo Desembargador Federal Fausto de Sanctis que, no julgamento perante o órgão fracionário (11ª Turma), determinou a baixa dos autos ao Juízo de origem a fim de oportunizar a manifestação do Ministério Público Federal sobre a concessão da suspensão condicional do processo, permanecendo suspenso o julgamento dos recursos interpostos:
No primeiro grau, proposta a suspensão condicional do processo e aceitas pela parte ré as condições impostas pelo órgão acusatório, o feito deverá ser suspenso, permanecendo os autos no Juízo de origem, a quem compete acompanhar o cumprimento das condições pelo período de prova. Frustrada a tentativa de suspensão condicional do processo ou finda a respectiva fase com o cumprimento das condições, deverá o Juízo de origem remeter o feito a este Tribunal para o prosseguimento do julgamento dos recursos interpostos pelas partes, eis que permanece hígida a sentença de primeiro grau e o julgamento da apelação suspenso neste Tribunal, o que torna inviável a prolação de outra sentença pelo Juízo de primeira instância.
Ante o exposto, não conheço do recurso interposto pelo Ministério Público Federal; acolho parecer ministerial para decretar a extinção da punibilidade de Eloi Martins da Silva e de Rodrigo da Silva Lorensato em razão da prescrição da pretensão punitiva quanto aos delitos do artigo 334 do Código Penal e artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com fundamento nos artigos 107, inciso IV, 109, caput e inciso V, 110, §1º e 117, inciso IV, todos do Código Penal; julgo parcialmente prejudicadas as apelações de Eloi Martins da Silva e de Rodrigo da Silva Lorensato, na parte não prejudicada, suspendo o julgamento dos recursos e determino a remessa dos autos à origem, de maneira a possibilitar eventual proposta de suspensão condicional do processo por parte do órgão ministerial lá oficiante.
É como voto.
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