D.E. Publicado em 25/06/2021 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal para condenar o réu ANDERSON BRAND PIRES pela prática do crime do artigo 273, §§ 1º, 1º-A e 1º-B, do Código Penal, no regime inicial ABERTO, substituída a pena priva de liberdade por duas penas restritivas de direito, nos termos do voto do Relator. Prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu fixar a fração de redução referente à causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, no patamar de ½ (metade), tendo em vista a enorme quantidade de medicamentos apreendidos, e fixar a definitivamente a pena em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e pagamento de 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Fausto De Sanctis, com quem voto o Desembargador Federal Nino Toldo, vencido o Desembargador Federal Relator que aplicava a minorante prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, na sua fração máxima de 2/3 (dois terços) e fixava a pena definitiva em 01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão e ao pagamento de 193 dias-multa.
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VOTO CONDUTOR
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara de Barueri/SP, que absolveu o réu ANDERSON BRAND PIRES quanto à imputação do delito tipificado no artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
Na sessão realizada em 14.05.2020, acompanhei o e. Relator quanto ao provimento do recurso do Ministério Público Federal, a fim de condenar o réu ANDERSON BRAND PIRES pela prática do crime do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal.
Na oportunidade, também acompanhei o e. Relator quanto aos critérios da primeira e segunda fases do cálculo da dosimetria da pena, quanto à fração referente à causa de aumento do artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/2006, bem como em relação à substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito.
Todavia, divergi de Sua Excelência acerca do patamar de redução da causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006.
Passo ao voto.
O apelado ANDERSON BRAND PIRES restou condenado nesta Instância pela prática do crime do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal, pois promoveu a importação de produtos sem registro perante o órgão de vigilância sanitária competente, consistentes em 1.000 comprimidos Pramil 50 mg; 50 ampolas com a inscrição "Ampolla 1 ml"; 20 comprimidos de Oxitoland - Oximetolona 50mg, e 1 vidro de medicamento Stanozoland Depot - Stanozolol 50mg.
Ao final da segunda fase da dosimetria, a pena estabelecida pelo e. Relator restou determinada em 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira etapa da dosimetria, a pena do apelado foi acrescida de 1/6 (um sexto), em razão da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, patamar de incremento que também acompanho.
Todavia, ao reconhecer a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, o e. Relator diminuiu a pena em 2/3 (dois terços), de modo a estabelecê-la definitivamente em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.
Nesse ponto, divirjo do e. Relator, a fim de fixar o patamar de redução referente à causa de diminuição acima estampada em ½ (metade), tendo em vista a enorme quantidade de medicamentos apreendidos (1.000 comprimidos Pramil 50 mg; - 50 ampolas com a inscrição "Ampolla 1 ml"; - 20 comprimidos de Oxitoland - Oximetolona 50mg; - 1 vidro de medicamento Stanozoland Depot - Stanozolol 50mg), o que denota envolvimento, ainda que ocasional, com organização criminosa.
Desse modo, mantidos os demais critérios adotados pelo e. Relator em seu voto, fixo definitivamente a pena em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, no regime inicial ABERTO, e pagamento de 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.
Mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas, nos termos do voto do Relator, ou seja, uma pena de prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de serviço por dia da pena corporal substituída, ressalvado o disposto no artigo 46, §4º, do Código Penal, e uma pena de prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, a ser paga em favor da União.
Dispositivo
Ante o exposto, divirjo parcialmente do e. Relator, para fixar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, no patamar de ½ (metade), tendo em vista a enorme quantidade de medicamentos apreendidos, e, mantidos os demais critérios adotados pelo e. Relator em seu voto, fixar definitivamente a pena em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, no regime inicial ABERTO, e pagamento de 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa. Substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito.
É o voto.
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RELATÓRIO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Barueri/SP, que absolveu o réu ANDERSON BRAND PIRES da imputação do crime previsto no artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
Narra a denúncia à fl. 143:
Segundo a acusatória, estariam presentes indícios suficientes de materialidade e autoria para o réu ANDERSON BRAND PIRES do delito de importação irregular de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem o registro de vigilância sanitária (ANVISA), nos termos do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal.
A denúncia foi recebida em 01/12/2015 à fl. 147.
Defesa prévia do réu às fls. 191/241.
O Ministério Público Federal em alegações finais às fls. 378/381, requereu a condenação do réu pelos fatos descritos na denúncia.
A defesa apresentou alegações finais às fls. 388/410, postulando a absolvição do réu ANDERSON BRAND PIRES. Afirmou que a quantidade de medicamentos apreendidos duraria 6 meses para uso do réu, que é deficiente físico e possui dificuldades em viajar ao Paraguai. Aduziu que o réu é primário, possui bons antecedentes, profissão definida e residência fixa. Requereu o reconhecimento do princípio da insignificância. Pleiteou, subsidiariamente, a desclassificação do crime do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal para os delitos de contrabando (artigo 334-A, do Código Penal). Solicitou a aplicação do preceito secundário do artigo 33, da Lei nº 11.343/06 ao delito, bem como as benesses do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006.
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença de fls. 417/430, que julgou improcedente o pedido formulado na denúncia e absolveu o réu ANDERSON BRAND PIRES com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
A sentença foi publicada em 31/05/2019 à fl. 434.
O Ministério Público Federal interpôs apelação à fl. 436. Em suas razões de recurso às fls. 437/443 requer a reforma da sentença, com a condenação do réu como incurso nas penas do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal.
Em contrarrazões, a defesa do réu ANDERSON BRAND PIRES às fls. 449/456 requer o desprovimento da apelação ministerial. Alega que o réu é deficiente físico (perna esquerda amputada) e que os medicamentos apreendidos seriam para uso próprio, não sendo destinados a mercancia. Sustenta que os medicamentos apreendidos não eram adulterados ou falsificados não havendo que se falar em falsificação, corrompimento, adulteração ou alteração.
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou às fls. 461/466 pelo provimento do recurso ministerial com a condenação do réu pela pratica do crime do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal e com aplicação analógica das penas previstas para o crime do artigo 33, caput da Lei 11.343/2006.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto pelo Ministério Público Federal e passo ao exame de mérito.
Consoante já relatado, o Ministério Público Federal denunciou réu ANDERSON BRAND PIRES pela suposta prática do crime previsto no artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal, in verbis:
Por sua vez, o MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Barueri/SP proferiu a sentença de fls. 417/430, publicada em 31/05/2019 (fl. 434), absolvendo o réu ANDERSON BRAND PIRES com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
Em suas razões recursais às fls. 437/443, o Ministério Público Federal requer a reforma da sentença, com a condenação do réu ANDERSON BRAND PIRES como incurso nas penas do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal.
Princípio da insignificância:
O MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Barueri/SP absolveu o réu ANDERSON BRAND PIRES, pelos seguintes fundamentos às fls. 429/430. A saber:
Em seu apelo, o Ministério Público Federal afirma que a absolvição do réu ANDERSON BRAND PIRES com fundamento na atipicidade material da conduta, por aplicação do princípio da insignificância não se sustenta.
O recurso ministerial comporta provimento.
Com efeito, o princípio da insignificância, como corolário do princípio da pequenez ofensiva inserto no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto.
No entanto, a quantidade e a qualidade dos medicamentos apreendidos, de origem estrangeira, sem registro na ANVISA, inviabilizam a aplicação do princípio da insignificância, na medida em que não demonstrados os vetores da mínima ofensividade da conduta e do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento dos agentes. Ademais, a quantidade e variedade de medicamentos apreendidos indicam o intuito comercial dos mesmos.
Desclassificação do delito de importação irregular de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem o registro de vigilância sanitária para o delito de contrabando:
A defesa de ANDERSON BRAND PIRES pretende a desclassificação da conduta imputada do delito do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal para o delito de contrabando.
A conduta de importar medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente caracteriza o delito previsto no artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal, norma específica, que prevalece sobre o crime de contrabando, em observância ao princípio da especialidade.
Malgrado os medicamentos possam ser considerados "mercadoria proibida", não se trata de contrabando já que existe norma específica neste aspecto.
Ademais, o tipo penal do artigo 334 do Código Penal visa tutelar a política estatal de comércio exterior, pois através da proibição de importação de determinada mercadoria, ou da tributação sobre a sua importação, o Estado pode estimular ou proteger determinado setor da indústria nacional. De outro lado, não há interesse do Estado na proteção da regularidade do comércio exterior no caso de medicamentos proibidos. Estes têm sua importação proibida, não em razão da política estatal de comércio exterior, mas pelo fato de não estarem em regularidade com as normas de vigilância sanitária, podendo colocar em risco a saúde pública.
Nesse sentido:
Desta forma, diante do princípio da especialidade afasto a tese da defesa.
A conduta imputada a ANDERSON BRAND PIRES é a de importar produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente. A materialidade do crime descrito no artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal foi devidamente comprovada nos autos, restando incontroversa.
Cuida-se de crime formal, já que prescinde da efetiva ocorrência do dano a alguém. O objeto material do crime é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Por sua vez, o objeto jurídico é a saúde pública.
O Auto de Apresentação e Apreensão às fls. 06/07 demonstra que foram apreendidos diversos itens descritos como medicamentos no documento, distribuídos nas seguintes quantidades:
- 1.000 comprimidos Pramil 50 mg;
- 50 ampolas com a inscrição "Ampolla 1 ml";
- 20 comprimidos de Oxitoland - Oximetolona 50mg;
- 1 vidro de medicamento Stanozoland Depot - Stanozolol 50mg;
- 1 bilhete de passagem da Viação Pluma - poltrona 35.
Os laudos periciais às fls. 62/64, 107/114 e 370/374 esclareceram que os produtos apreendidos eram de importação e distribuição proibidas em território nacional (fl. 112), em razão da ausência de registro na ANVISA, bem como enfatizaram a origem estrangeira dos produtos apreendidos.
Os bens apreendidos apresentam potencial lesivo à saúde pública e a conduta imputada ao réu subsome-se, com exatidão, ao artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal.
Comprovada, portanto, a materialidade do delito.
Autoria e dolo:
A autoria restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas demais provas amealhadas em juízo.
O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os medicamentos foram apreendidos como pela prova oral produzida.
Os depoimentos em juízo dos policiais militares Fernando Dalmeida Fonseca e Jeferson Pereira Murat (mídia - fls. 260) ratificaram as declarações prestadas na fase inquisitiva às fls.02/03, afirmando que efetuaram vistoria no interior do ônibus da Viação Pluma oriundo de Foz de Iguaçu junto aos passageiros e seus pertences e que ao revistarem o réu ANDERSON BRAND PIRES, portador de necessidades especiais que não possui a perna esquerda, encontraram dentro da perna da calça diversos medicamentos de origem paraguaia sem registro no órgão de vigilância sanitária brasileira.
O policial militar Jeferson Pereira Murat (mídia - fls. 260) ao ser indagado pelo advogado de defesa, sobre a cooperação do réu ao ser abordado pela polícia, afirmou que ANDERSON BRAND PIRES "ficou tranquilo e em momento algum se exaltou, ele assumiu a propriedade dos medicamentos e cooperou com o trabalho policial".
Ressalte-se que os depoimentos dos policiais, sobretudo produzidos em juízo, sob o crivo do contraditório, são idôneos para ensejar um provimento condenatório, inclusive porque corroboram as provas documentais já produzidas, e gozam de fé pública e presunção "juris tantum", não afastada pela defesa.
Nesse tocante, já decidiu esta E. Décima Primeira Turma:
Em seu interrogatório na fase policial à fl. 4, o réu ANDERSON BRAND PIRES confessou a prática dos fatos em comento, asseverando que os medicamentos eram para uso pessoal. A saber:
A autoria delitiva do réu ANDERSON BRAND PIRES é inconteste, uma vez que confessou o delito no interrogatório judicial (mídia - fl. 314). Afirmou que viajou até o Paraguai e lá adquiriu os anabolizantes, que algumas pessoas disseram que não tinha perigo, que eram legalizados no Brasil, mas que aqui só eram vendidos mediante receita médica além de serem caros, desconhecia que era crime a importação desses medicamentos, que queria fazer academia e ganhar corpo, que não tinha interesse em vender os medicamentos.
A versão declinada pelo réu ANDERSON BRAND PIRES de que os medicamentos seriam para consumo pessoal e que desconhecia a ilicitude de sua conduta destoa do conjunto probatório amealhado, restando isolada nos autos.
Os medicamentos, como já salientado, estavam escondidos na perna da calça esquerda, que é a perna amputada do réu, consoante depoimento dos policiais que participaram do flagrante e confirmado pelo réu em depoimento judicial, o que corrobora o conhecimento sobre a proibição de introdução da referida mercadoria de origem estrangeira em território brasileiro.
Inadmissível, assim, especialmente pelas próprias palavras do réu, constatar que incidiu em erro.
Logo, não há se falar em erro de tipo, preceituado pelo Código Penal como:
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci conceitua o erro de tipo como: "o erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causas de aumento e agravantes. O engano a respeito de um dos elementos que compõem o modelo legal de conduta proibida sempre exclui o dolo, podendo levar à punição por crime culposo" (Código Penal Comentado, 13. ed., 2013, São Paulo, Ed. RT, p. 232).
Inconteste, portanto, pelas assertivas do réu, que adquiriu os medicamentos no Paraguai, ciente de que praticava conduta criminosa, à qual aderiu de forma livre e consciente, não incidindo em qualquer erro.
Assim, resta irrefutável a presença do dolo no comportamento engendrado pelo réu.
Pelos motivos ora expostos, a r. sentença deve ser reformada.
Aplicação do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal:
O parecer da Procuradoria Regional da República suscitou que o preceito secundário do artigo 273 do Código Penal é inconstitucional, devendo ser aplicada a dosimetria do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 para o referido delito.
O artigo 273 do Código Penal foi substancialmente modificado pela Lei nº 9.677/1998. Motivado pela descoberta maciça de medicamentos falsificados comercializados no País, o legislador alterou a redação do caput do artigo e seu §1º, acrescentou os §§1º-A e 1º-B, incluiu os delitos enumerados no artigo no rol de crimes hediondos e recrudesceu sobremaneira a pena (antes de um a três anos) para dez a quinze anos.
A constitucionalidade do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal passou a ser alvo de impugnação e, nesse contexto, foi objeto de decisão do Órgão Especial desta E. Corte que, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0000793-60.2009.4.03.6124, decidiu pela constitucionalidade da pena prevista para o delito, nos seguintes termos:
Dessa forma, como integrante da Décima Primeira Turma, órgão fracionário deste Tribunal, vinha adotando a referida orientação e aplicando, aos condenados pelos crimes do artigo 273 do Código Penal, seu respectivo preceito secundário. Paralelamente, afastava a tese das defesas dos réus, muitas vezes endossadas pela acusação, que pleiteavam, por analogia, a aplicação da pena do tráfico de entorpecentes nas condenações pelo crime em espeque.
Consoante meu entendimento, tal analogia, combinando diferentes dispositivos da legislação penal, afronta a lei. Uma vez reconhecida a constitucionalidade do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, tal prática fere o princípio da estrita legalidade previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna e no artigo 2º do Código Penal, já que se utiliza pena diversa da prescrita em lei.
No entanto, recentemente, a Corte Especial do C. Superior Tribunal de Justiça, em arguição de incidente de inconstitucionalidade, declarou inconstitucional o preceito secundário da norma penal em testilha, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Por oportuno, transcrevo a ementa do referido julgado:
Com a declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário da norma penal em tela, a Corte Superior passou a entender pela possibilidade de aplicação das penas previstas para o crime de tráfico de drogas aos crimes tipificados no artigo 273 do Código Penal, em razão da semelhança entre as condutas, inclusive com a possibilidade de aplicação da minorante prevista no §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006. A propósito, confira-se:
Os reflexos do entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça passaram a serem sentidos também nos julgados deste Tribunal. Em muitos casos, o Superior Tribunal de Justiça vem determinando o retorno dos autos a esta Corte, para que uma nova dosimetria da pena imposta ao crime do artigo 273 do Código Penal seja realizada, tomando-se por base o preceito secundário do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006. A título de exemplo, confiram-se julgados de minha relatoria:
Ademais, há recente julgado desta Corte que aplicou ao crime do artigo 273 o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:
Destaco que a dosimetria da pena para os crimes do artigo 273 do Código Penal deve levar em conta as sanções abstratamente previstas para o crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 e não apenas a aplicação restrita de seu preceito secundário. Isso porque não se pode, a partir de novo amoldamento da conduta (ao menos para fins sancionatórios, como parece ser "a ratio" da decisão superior), buscar a aplicação apenas das disposições jurídicas convenientes a uma das partes, mas sim de todo o conjunto de normas atinente ao quadro fático examinado em um caso concreto.
Assim, amoldando-se a conduta ao artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, não se tem apenas a aplicação de uma disposição normativa específica, mas de todas as normas penais pertinentes a esse enquadramento jurídico. Interpretação outra implicaria verdadeira negativa de vigência a todas as demais disposições legais pertinentes (como as constantes do artigo 40 e do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006), as quais, assumido o enquadramento inicial da conduta como amoldada ao artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, passam a ser em tese aplicáveis ao caso (se preenchidos os demais requisitos fáticos previstos nesses mesmos enunciados normativos).
Tecidas essas considerações, assiste razão ao MPF, devendo, nos termos explicitados, ser aplicada a dosimetria do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 ao delito em apreço.
Tecidas essas considerações, assiste razão ao MPF, devendo, nos termos explicitados, ser aplicada a dosimetria do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 ao delito em apreço.
Dosimetria:
Destaco que a dosimetria da pena para o crime do artigo 273 do Código Penal deve levar em conta as sanções abstratamente previstas para o crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, e não apenas a aplicação restrita de seu preceito secundário. Isso porque não se pode, a partir de novo amoldamento da conduta (ao menos para fins sancionatórios, como parece ser "a ratio" da decisão superior), buscar a aplicação apenas das disposições jurídicas convenientes a uma das partes, mas sim de todo o conjunto de normas atinente ao quadro fático examinado em um caso concreto.
Assim, amoldando-se a conduta ao artigo 33, da Lei 11.343/06, não se tem apenas a aplicação de uma disposição normativa específica, mas de todas as normas penais pertinentes a esse enquadramento jurídico. Interpretação outra implicaria verdadeira negativa de vigência a todas as demais disposições legais pertinentes (como as constantes do artigo 40 e do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343.06), as quais, assumido o enquadramento inicial da conduta como amoldada ao artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, passam a ser em tese aplicáveis ao caso (se preenchidos os demais requisitos fáticos previstos nesses mesmos enunciados normativos).
1ª Fase:
Passo à análise das circunstâncias judiciais.
Entendo que a culpabilidade é normal à espécie.
O réu não ostenta maus antecedentes, conforme documentos de fl. 349.
Em relação à conduta social e à personalidade, não vislumbro nenhum elemento indicativo de que tais circunstâncias sejam desfavoráveis.
Os motivos e as circunstâncias do crime são normais ao delito.
As consequências foram inerentes ao próprio tipo penal.
Por fim, quanto ao comportamento da vítima, não há vítima determinada, sendo neutra tal circunstância.
Dessa forma, ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base no mínimo legal, qual seja, 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
2ª Fase:
Na segunda etapa da dosimetria da pena, não ocorrem agravantes e incide apenas a atenuante prevista no artigo 65, III, "d", do Código Penal, pois o réu confessou a prática delitiva em seu interrogatório policial e judicial.
Mesmo nas hipóteses de prisão em flagrante e ainda que a autoria delitiva possa ser comprovada por outros meios de prova, o fato de o réu confessar espontaneamente a prática do crime ora narrado autoriza a incidência da atenuante da confissão. A propósito, confira-se:
Além disso, a confissão foi utilizada para embasar a condenação, o que, por si só, impõe a aplicação da aludida atenuante. Nesse diapasão, a Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça:
Contudo, diante da impossibilidade de se fixar a pena intermediária em patamar inferior ao mínimo legal (Súmula n. 231 do STJ), resta a reprimenda mantida em 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
3ª Fase:
Na última etapa da dosimetria, incide a minorante prevista no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, na sua máxima fração - 2/3 (dois terços) -, pois o réu é primário, tem bons antecedentes e não há indícios de que ele se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. Assim, a pena resta definitivamente fixada em 1 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.
Por fim, conforme decidido pela 4º Seção desta E. Corte, em julgamento realizado no dia 15.03.2018, nos Embargos Infringentes n.º 0001912-51.2007.4.03.6116/SP, de relatoria do e. Des. Fed. André Nekatschalow, faço incidir também a causa de aumento, prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006 (transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), restando a pena definitiva fixada em 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 193 (cento e noventa e três) dias-multa.
Multa:
Em razão da condição econômica ostentada pelo réu, fixo o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.
Regime inicial de cumprimento de pena:
Tendo em vista a pena privativa de liberdade aplicada e a redação constante do artigo 33, §2º, "c", do Código Penal, fixo o regime aberto para início de cumprimento da pena de reclusão ora imposta.
Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos:
Presentes os requisitos do artigo 44, do Código Penal, na medida em que a pena definitivamente aplicada não é superior a 4 (quatro) anos, o réu não é reincidente e não ostenta maus antecedentes, e a análise das circunstâncias judiciais indica que a substituição atende aos fins de prevenção e retribuição pelo delito praticado.
Substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de serviço por dia da pena corporal substituída, ressalvado o disposto no artigo 46, §4º, do Código Penal, e uma pena de prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, a ser paga em favor da União.
Dispositivo:
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal para condenar o réu ANDERSON BRAND PIRES pela prática do crime do artigo 273, §§1º, §1º-A e §1º-B, do Código Penal, à pena de 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 193 (cento e noventa e três) dias-multa, no valor unitário mínimo legalmente estabelecido, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
É o voto.
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