D.E. Publicado em 14/07/2022 |
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EMENTA
1. Apenas na hipótese de estar configurada a justa causa para o ato invasivo, com base em elementos concretos de que o crime esteja ocorrendo no interior do domicílio, é que estará configurada a exceção ao direito previsto no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, em decorrência do flagrante delito. Na hipótese, verifica-se que o caso não encontra-se abarcado pelas exceções constitucionais previstas à inviolabilidade do domicílio.
2. O fato de o recorrido ter sido preso em flagrante delito não constitui, por si só, circunstância autorizadora para o ingresso dos policiais militares na residência, sem mandado judicial.
3. Imprescindível a demonstração prévia de que a medida foi adotada mediante justa causa, com amparo em elementos que indiquem a suspeita da ocorrência de situação autorizadora do ingresso forçado na casa, o que, no caso em análise, não ocorreu.
4. Tendo sido descoberta a situação de flagrante a posteriori, por mero acaso, entende-se que a prova foi obtida ilicitamente, de forma que violou a norma constitucional e tornou imprestáveis os atos produzidos posteriormente (teoria dos frutos da árvore envenenada/fruits of the poisonous tree doctrine).
5. Além de entender que não havia fundadas razões para a configuração do estado de flagrância, por se tratar de cumprimento de mandado de prisão, somente seria possível o ingresso no domicílio se o morador autorizasse o ingresso no domicilio ou se comprovada a existência de mandado de busca e apreensão para entrar na residência de ANTONISIO MARTINS DOS SANTOS.
6. Entende-se que a ordem judicial autorizando a prisão, não é a melhor solução para o ingresso em domicílio, haja vista que o mandado de prisão acabaria se transformando em algo vago, impreciso.
7. Ainda, verifica-se que não ficou comprovado que o réu tenha de fato franqueado a entrada dos policiais em sua residência, pois as testemunhas não se recordavam sobre a autorização da entrada no domicílio. Se não bastasse, há notícia de que a abordagem pessoal e a busca domiciliar tenham ocorrido durante a madrugada, por volta das 2h da manhã, o que não se coaduna com os ditames dos artigos 240 do Código de Processo Penal e 5, XI, da Constituição Federal.
8. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não restaram demonstrados os elementos que justificaram a invasão do domicílio do recorrido, devendo ser mantida a sentença absolutória proferida pelo Magistrado a quo, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
9. Recurso da acusação desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo da acusação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Relator Paulo Fontes, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida dos autos para formação de minha convicção.
Reporto-me ao relatório lavrado por Sua Excelência:
O Relator negou provimento ao recurso do Ministério Público Federal para manter a sentença que absolveu o acusado, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, visto que ausente fundadas razões que autorizassem o ingresso dos Policiais Militares na residência do réu, sem o seu consentimento e sem determinação judicial.
Após examinar os autos, chego às mesmas conclusões do Desembargador Federal Relator.
Ante o exposto, acompanho o relator.
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal, em face da sentença de fls. 363/374, proferida pelo Juízo Federal da 9ª Vara Criminal de São Paulo/SP, que julgou improcedente a denúncia para absolver ANTONISIO MARTINS DOS SANTOS da imputação da prática do delito disposto no artigo 289, §1º do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII do Código de Processo Penal.
Em razões recursais (fl. 378/381), a acusação requer seja reformada a sentença para que o acusado ANTONISIO MARTINS DOS SANTOS seja condenado pela prática do crime descrito no artigo 289, § 1º do Código Penal.
Contrarrazões da defesa (fl. 383/388).
A Exma. Procuradora Regional da República, Elaine Cristina de Sá Proença, manifestou-se em parecer (fl. 390/392) pelo provimento do recurso da acusação.
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Do caso dos autos. ANTONISIO MARTINS DOS SANTOS foi denunciado como incurso nas penas do artigo 289, § 1º, do Código Penal.
Narra a denúncia (fl. 309/311) o que se segue:
A denúncia foi recebida 26 de outubro de 2018 (fl. 314/316).
Após devida instrução processual, sobreveio sentença (fl. 363/374), que absolveu o acusado da imputação da prática do delito disposto no artigo 289, §1º do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII do Código de Processo Penal.
Do mérito.
O Ministério Público Federal sustenta a legalidade do flagrante, sob a alegação de que o acusado teria franqueado o ingresso dos policiais em sua residência, não havendo que se falar em nulidade da apreensão policial.
Sobre o tema, primeiramente, cumpre destacar o teor do artigo 5º, inciso XI, da Constituição da República, que consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
O texto constitucional traz a regra de que a residência é asilo inviolável, dando-lhe contorno de direito fundamental atrelado ao direito à proteção da vida privada e ao direito à intimidade. Contudo, em numerus clausus, previu exceções à regra, quais sejam: consentimento do morador; flagrante delito; desastre; prestação de socorro; e, durante o dia, por determinação judicial.
Em relação ao estado de flagrância, cujas situações estão previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal, é necessário avaliar o caso concreto, para se constatar a legalidade do procedimento utilizado pelos policiais para a violação do domicílio.
Quanto ao artigo 303, do Código de Processo Penal, vale ressaltar que, embora seja incontroverso que nos delitos permanentes o estado de flagrância se protraia ao longo do tempo, devem ser analisadas as circunstâncias que antecederam a violação de domicílio, de forma a verificar se evidenciam fundadas razões que embasem o ingresso no domicílio e eventual prisão em flagrante, na forma do artigo 240, § 1º, do Código de Processo Penal.
A ideia de "justa causa" ou de fundadas razões para a entrada no domicílio foi enfatizada em julgamento do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, que repudiou a violação do domicílio em caso de flagrante, ainda que constatada a prática do crime, quando não havia justa causa que embasasse a medida.
Confira-se:
Assim, apenas na hipótese de estar configurada a justa causa para o ato invasivo, com base em elementos concretos de que o crime esteja ocorrendo no interior do domicílio, é que estará configurada a exceção ao direito previsto no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, em decorrência do flagrante delito.
Na hipótese, após detida análise dos autos, verifica-se que o caso não se encontra abarcado pelas exceções constitucionais previstas à inviolabilidade do domicílio.
Em suma, verifica-se que a abordagem policial se deu, inicialmente, em razão de denúncia acerca do réu, com a posterior verificação de mandados de prisão pendentes de cumprimento contra ele e a entrada em seu domicílio no período noturno com a apreensão de 112 (cento e doze) cédulas contrafeitas.
Conforme se extrai do boletim de ocorrência (fl. 16/23) e da denúncia (fl. 309/311) apresentada, a entrada dos policiais militares teria sido franqueada pelo réu.
No entanto, não restaram evidenciadas as fundadas razões exigidas para que os policiais militares realizassem a busca e apreensão na residência de ANTONÍSIO MARTINS DOS SANTOS.
Em juízo, o policial militar Francisco Cledson da Silva Fortunato Lima, não se recordou dos fatos ou do réu presente na audiência, tendo tão somente confirmado sua assinatura, aposta na fase inquisitiva.
Já o policial militar Wesley dos Santos Cabral, não confirmou ter havido autorização para o ingresso na residência do recorrido, tendo afirmado que o acusado foi encontrado no portão da moradia. Informou que após a abordagem, verificou-se que o acusado constava como procurado, com mandado de prisão em aberto. Relatou que não havia mandado de busca e apreensão para ingressar na residência do réu, somente mandado de prisão.
O réu, ouvido na fase judicial, afirmou que estava em sua casa dormindo, quando, por volta das 2h30 da manhã, ouviu uma mulher chamando no portão. Relatou que ao atender ao chamado, foi surpreendido por três viaturas policiais. Informou que abriu o portão e sofreu agressão por parte dos policiais militares. Alegou que as notas falsificadas não pertenciam a ele, não sabendo informar acerca da origem das cédulas. Afirmou, ainda, não ter franqueado a entrada dos policiais militares na residência, tendo inferido que sua casa teria sido invadida.
Cumpre salientar, ainda, a inexistência de qualquer circunstância anterior ou investigação preliminar à apreensão que denotasse que o acusado mantinha em sua guarda cédulas contrafeitas, de forma que pudesse justificar o estado de flagrância.
Nestes termos, o fato de o recorrido ter sido preso em flagrante delito não constitui, por si só, circunstância autorizadora para o ingresso dos policiais militares na residência, sem mandado judicial.
Destaque-se que não há de se exigir uma certeza acerca da prática delitiva para que seja admitida a entrada em domicílio. É imprescindível, no entanto, a demonstração prévia de que a medida foi adotada mediante justa causa, com amparo em elementos que indicassem a suspeita da ocorrência de situação autorizadora do ingresso forçado na casa, o que, no caso em análise, não ocorreu.
Além de entender que não havia fundadas razões para a configuração do estado de flagrância, por se tratar de cumprimento de mandado de prisão, somente seria possível o ingresso no domicílio se o morador autorizasse o ingresso no domicilio ou se comprovada a existência de mandado de busca e apreensão para entrar na residência de ANTONISIO MARTINS DOS SANTOS.
Entende-se que a ordem judicial autorizando a prisão, não é a melhor solução para o ingresso em domicílio, haja vista que o mandado de prisão acabaria se transformando em algo vago, impreciso.
Ainda, verifica-se que não ficou comprovado que o réu tenha de fato franqueado a entrada dos policiais em sua residência, pois as testemunhas não se recordavam sobre a autorização da entrada no domicílio.
Se não bastasse, há notícia de que a abordagem pessoal e a busca domiciliar tenham ocorrido durante a madrugada, por volta das 2h da manhã, o que não se coaduna com os ditames dos artigos 240 do Código de Processo Penal e 5, XI, da Constituição Federal.
Nesse sentido, depreende-se dos autos a ausência de fundadas razões que autorizassem o ingresso dos policiais militares na residência do réu, sem o seu consentimento e sem determinação judicial.
Destarte, tendo sido descoberta a situação de flagrante a posteriori, por mero acaso, entende-se que a prova foi obtida ilicitamente, de forma que violou a norma constitucional e tornou imprestáveis os atos produzidos posteriormente (teoria dos frutos da árvore envenenada/fruits of the poisonous tree doctrine).
Assim, em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não restaram demonstrados os elementos que justificaram a invasão do domicílio do recorrido, devendo ser mantida a sentença absolutória proferida pelo Magistrado a quo, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo interposto pelo Ministério Público Federal.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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