D.E.

Publicado em 25/06/2021
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001743-57.2013.4.03.6115/SP
2013.61.15.001743-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
REL. ACÓRDÃO : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : SILVIO JORGE DA SILVA
ADVOGADO : SP066186 GLAUDECIR JOSE PASSADOR e outro(a)
No. ORIG. : 00017435720134036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/1990. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DIRETAMENTE PELO FISCO E POSTERIOR COMPARTILHAMENTO. LICITUDE DA PROVA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. APELAÇÃO DO MPF PROVIDA.
1. A questão da licitude das provas tratada nestes autos foi apreciada em decisão monocrática pela Suprema Corte, a qual deu provimento ao Recurso Extraordinário interposto pelo MPF, com fulcro no que restou decidido pelo Tribunal Pleno no julgamento do RE 601.314, de relatoria do Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno (julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016), bem como a possibilidade de compartilhamento desses dados para fins de instrução criminal. O respectivo trânsito em julgado ocorreu em 21/03/2018, conforme Certidão acostada aos autos.
2. A concretização do crime previsto no artigo 1º, caput, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, exige supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24.
3. A materialidade delitiva restou fartamente comprovada por meio do Procedimento Administrativo Fiscal e os documentos que o acompanham, os quais demonstram a efetiva sonegação de imposto de renda pessoa física nos anos-calendários de 2007 e 2008, mediante a omissão ao Fisco dos valores que circularam pelas contas bancárias do réu, cuja origem não restou comprovada. O crédito tributário foi definitivamente constituído, restando cumpridos os requisitos da Súmula Vinculante n.º 24 do STF.
4. Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, onde constam os termos de verificação fiscal, consolidação do crédito tributário e auto de infração, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.
5. A autoria restou comprovada nos autos. Em se tratando de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a apuração do valor devido é obtida com base nas informações constantes da Declaração de Ajuste Anual, cuja responsabilidade é do contribuinte. O simples fato de se delegar a terceiros a confecção dos Ajustes Anuais não exime o contribuinte de sua responsabilidade de prestar as corretas informações ao Fisco, menos ainda em uma situação como a dos autos, em que o réu sequer soube informar quem seria esse profissional. Não foram prestados esclarecimentos acerca dos altos valores que circularam por suas contas bancárias, tampouco documentos que pudessem comprovar as alegadas negociações de compra e venda de milho ou identificar os supostos clientes ou fornecedores, restando configurada sua atuação de forma direta na perpetração da fraude, consubstanciada na sonegação de tributos federais mediante omissão de receitas ao Fisco informando valores a menor nas Declarações de Ajuste Anual.
6. Nos crimes contra a ordem tributária, basta o dolo genérico. Era dever do increpado informar suas receitas em Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física e omitiu ao Fisco rendimentos decorrentes de sua atividade profissional nos anos de 2007 e 2008 em valor superior a um milhão e meio de reais, o que evidencia o intuito fraudulento de sonegar tributo. Em decorrência disso, o tributo originariamente sonegado superou trezentos mil reais, valor que certamente não era ignorado pelo réu, restando cabalmente demonstrado o elemento subjetivo.
7. Dosimetria da pena. A pena-base deve ser fixada acima do mínimo legal em razão das consequências negativas do crime, pois o valor do tributo originariamente reduzido remontou a R$ 370.854,54 (trezentos e setenta mil, oitocentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta e quatro centavos), sendo imperiosa a majoração da pena base para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase da dosimetria não há circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem sopesadas, não se verificando, igualmente, causas de aumento ou de diminuição a serem valoradas na terceira fase.
8. A conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada e tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal).
9. Acerca do quantum de aumento, em acórdão relatado pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva, qual seja, de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
10. Não se desconhece que o critério consagrado na jurisprudência é no sentido de que a continuidade delitiva não se configura quando ultrapassado o intervalo de um mês entre um fato e outro. Não obstante, há que se atentar para o fato de que esta orientação foi construída a partir de delitos de natureza diversa, porém, cuidando-se de delitos fiscais, tem-se reconhecida a continuidade se entre um fato e outro decorreu o tempo mínimo previsto em lei. Precedentes do STJ e TRF3.
11. Considerando que os fatos dizem respeito à supressão de Imposto de Renda Pessoa Física nos exercícios consecutivos de 2008 e 2009 (anos-calendário 2007 e 2008, respectivamente) e tendo em vista o critério acima adotado, verifica-se que a majoração da pena deve ser de 1/5 (um quinto), resultando na reprimenda de 3 (três) anos de reclusão.
12. No que tange à pena de multa, conforme precedentes desta Turma, sua fixação deve se dar de forma proporcional à pena privativa de liberdade, seguindo os mesmos parâmetros e frações de majoração e de redução.
13. O valor unitário do dia-multa deve ser estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos à míngua de informações acerca da situação financeira do réu.
14. O regime inicial de cumprimento da pena deve ser o aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
15. Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada deve ser substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviços à comunidade ou em entidades públicas a ser definida pelo Juízo da Execução Penal, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, bem como prestação pecuniária no valor de 20 (vinte) salários-mínimos, destinada a entidade assistencial idônea, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.
16. Apelação do MPF provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, inicialmente, por maioria, rejeitar preliminar suscitada pelo Desembargador Federal Nino Toldo no sentido de determinar a remessa dos autos ao juízo de origem para análise das questões de mérito, a fim de se evitar supressão de instância, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator, com quem votou o Desembargador Federal José Lunardelli; prosseguindo no mérito, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decide DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PARA CONDENAR O RÉU SILVIO JORGE DA SILVA como incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, combinado com o artigo 71 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou em entidades públicas a ser definida pelo juízo da execução penal, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, bem como prestação pecuniária no valor de 20 (vinte) salários mínimos, destinada a entidade assistencial idônea, a ser designada pelo juízo da execução penal, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decide fixar a pena de multa em 14 (quatorze) dias-multa, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Nino Toldo, com quem votou o Desembargador Federal José Lunardelli, vencido o Desembargador Federal Relator, que fixava a pena de multa em 81 dias-multa, nos termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de dezembro de 2020.
NINO TOLDO
Relator para o acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11DE2005286DE313
Data e Hora: 30/03/2021 18:45:25



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001743-57.2013.4.03.6115/SP
2013.61.15.001743-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : SILVIO JORGE DA SILVA
ADVOGADO : SP066186 GLAUDECIR JOSE PASSADOR e outro(a)
No. ORIG. : 00017435720134036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face da r. sentença acostada às fls. 214/225, publicada em 09.11.2015 (fl. 226), proferida pelo Exmo. Juiz Federal Jacimon Santos da Silva (2ª Vara Federal de São Carlos/SP), a qual julgou IMPROCEDENTE o pedido contido na denúncia para ABSOLVER o acusado SILVIO JORGE DA SILVA da imputação de praticar o crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, nos termos do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal.


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de SILVIO JORGE DA SILVA, nascido em 18.03.1959, nos termos seguintes (fls. 30/35):


(...)
Consta do incluso inquérito policial que SILVIO JORGE DA SILVA, na condição de contribuinte do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), reduziu R$ 370.854,54 (trezentos e setenta mil, oitocentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta e quatro centavos) do tributo devido nos anos-calendário de 2007 e 2008, mediante artifício fraudulento consistente em omitir informações de valores recebidos e movimentados em suas contas bancárias.
Conforme apurado, a Receita Federal do Brasil, no desempenho de sua atribuição fiscalizatória, e a partir de 'denúncia' recebida da Ouvidoria do Ministério da Fazenda, selecionou as declarações de IRPF do denunciado, relativas aos anos-calendário de 2007 e 2008 (fls. 194/208 do apenso), para uma apreciação mais detida dos dados e informações ali contidos, no intuito de detectar eventual omissão de rendimentos auferidos naquele período.
De início, a auditora-fiscal notificou o denunciado a apresentar-lhe os extratos de movimentação das contas bancárias de sua titularidade, no tocante aos anos-calendário de 2007 e 2008.
Em virtude de não ter sido atendida, solicitou às instituições 'Bradesco' e 'Banco do Brasil' a remessa dos extratos referentes às contas bancárias mantidas pelo denunciado no período em questão.
Em resposta, as instituições bancárias enviaram os documentos solicitados, como se vê de fls. 18/119 e 121/80.
Após minuciosa checagem dos dados ali contados, e uma vez excluídos os estornos e as transferências entre contas da mesma titularidade, a fiscalização novamente o notificou, só que dessa vez para comprovar, com documentos hábeis e idôneos, as causas e operações que deram origem ao recebimento dos recursos depositados ou creditados nessas contas.
Apesar disso, o denunciado não o fez, deixando, assim, de comprovar, perante o Fisco, a origem dos recursos depositados/creditados em contas bancárias sob sua responsabilidade e registrados nos extratos bancários que instruíram o procedimento fiscal.
A discrepância entre os valores movimentados em suas contas bancárias e os declarados ao Fisco constam da tabela abaixo:
[vide tabela à fl. 32]
A planilha contendo o volume de recursos movimentados nas contas bancárias em nome do denunciado está encartada às fls. 183/9 do apenso.
O Relatório Fiscal de fls. 209/12, a seu turno, além da movimentação financeira incompatível com os rendimentos declarados ao Fisco, destacou que o denunciado fazia uso de dois CPFs - um deles (o de nº 872.295.951-34) cancelado de ofício pela Receita Federal do Brasil ao cabo da ação de fiscalização -, além de se utilizar de endereços que não correspondiam ao seu efetivo domicílio.
Com isso, a Receita Federal do Brasil, por setor competente, lavrou o Auto de Infração de fls. 214/6 do apenso, instruído com o Demonstrativo Consolidado do Crédito Tributário (fl. 213 do apenso) e com os Demonstrativos de Apuração do IRPF e seus Acessórios (multa e juros de mora) (fls. 217/25 do apenso), lançando de ofício os créditos tributários de IRPF, nos valores abaixo discriminados:
Crédito Tributário  Valores (R$) 
IRPF (principal)  370.854,54 
Juros de Mora  131.369,35 
Multa  834.422,72 
Total  1.336.646,61 
Encerrada a ação fiscal (fl. 226 do apenso), sem a impugnação do lançamento fiscal pelo denunciado (termo de revelia à fl. 237 do apenso), operou-se a constituição definitiva do crédito tributário, ao final inscrito em dívida ativa da União (DAU) (em 28/09/2012 - fl. 10).
Ao ser inquirido na Polícia Federal (fl. 11), o denunciado, em linhas gerais, admitiu não ter declarado ao Fisco os rendimentos por ele auferidos.
Até o momento, não há notícia de pagamento ou de parcelamento do débito em apreço, que, atualmente, atinge a cifra de R$ 1.689.398,53 (um milhão, seiscentos e oitenta e nove mil, trezentos e noventa e oito reais e cinquenta e três centavos) (fl. 20).
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia a Vossa Excelência SILVIO JORGE DA SILVA, como incurso no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, c/c o art. 71, caput, do Código Penal (duas vezes). E requer que, recebida e autuada a presente denúncia, seja o acusado citado/intimado para apresentar resposta/defesa inicial e participar dos atos do processo, adotando-se o rito (ordinário) previsto nos arts. 396 a 405 do Código de Processo Penal (com a redação dada pelo art. 1º da Lei nº 11.719/08), até final condenação, ouvindo-se a testemunha a seguir arrolada.
(...)


A denúncia foi recebida em 06 de setembro de 2013 (fl. 36 e verso).


Em sede de Apelação, a acusação requereu a integral reforma da sentença, reconhecendo-se a licitude da obtenção de dados bancários diretamente pela Receita Federal, nos termos da Lei Complementar n.º 105/2001, cuja constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 601.314, bem como a consequente condenação do réu nos termos pretendidos na exordial (fls. 247/263v.).


Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões (fls. 275/278), subiram os autos a esta E. Corte.


Nesta instância, o Ministério Público Federal ofertou Parecer no qual opinou pelo integral provimento do recurso interposto pela acusação (fls. 281/286v.).


Em julgamento proferido por esta E. Décima Primeira Turma, por unanimidade, deu-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Parquet Federal para afastar a absolvição do réu com base no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, e determinou-se o trancamento da presente ação penal, reconhecendo-se a ilicitude da prova, com a consequente nulidade do processo desde o início por ausência de justa causa, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal (fls. 291 e 293/297v.).


Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso Extraordinário às fls. 300/311v., no qual requereu a cassação do acórdão recorrido, por expressa ofensa aos artigos 5º, incisos X e XII, 129, incisos I, VI, VIII e IX, e 145, § 1º, todos da Constituição Federal. As respectivas contrarrazões foram apresentadas às fls. 317/318, sendo o referido RE admitido às fls. 320/324v.


Em decisão monocrática a Suprema Corte deu provimento ao aludido Recurso Extraordinário interposto nestes autos, reconhecendo a licitude das provas obtidas diretamente pela Receita Federal (cf. decisão do Tribunal Pleno proferida no julgamento do RE 601.314, de relatoria do Ministro Edson Fachin), bem como a possibilidade de compartilhamento desses dados para fins de instrução criminal (fls. 336/341). O respectivo trânsito em julgado ocorreu em 21/03/2018, conforme Certidão acostada à fl. 346.


Os autos retornaram a esta E. Corte para julgamento da Apelação acostada às fls. 247/263v.


Enquanto o feito aguardava julgamento nesta E. Corte, foi proferida liminar no Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n.º 1.055.941 e, considerando que a instauração do presente processo ocorreu com base no compartilhamento de informações bancárias e/ou fiscais diretamente do Fisco com o Ministério Público Federal, houve o reconhecimento de que esta Ação Penal se enquadra na hipótese de sobrestamento determinada naquela decisão proferida pela Suprema Corte (fl. 349).


Todavia, em 28.11.2019, foi concluído o julgamento do referido Recurso Extraordinário, oportunidade em que foi revogada a tutela provisória anteriormente concedida, razão pela qual o feito e o prazo prescricional retomaram seu curso normal, conforme decisão proferida à fl. 352 e v.


É o relatório.


À revisão, nos termos regimentais.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066
Nº de Série do Certificado: 11DE1912184B5CBD
Data e Hora: 16/11/2020 12:08:34



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001743-57.2013.4.03.6115/SP
2013.61.15.001743-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : SILVIO JORGE DA SILVA
ADVOGADO : SP066186 GLAUDECIR JOSE PASSADOR e outro(a)
No. ORIG. : 00017435720134036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

DA LICITUDE DA PROVA

Os argumentos invocados pelo Ministério Público Federal em sede de Apelação, atinentes à licitude da prova, no sentido de que é possível a quebra do sigilo bancário diretamente pela autoridade fazendária, bem como seu compartilhamento para fins de instrução criminal sem que, para tanto, tenha que haver ordem judicial autorizativa, já restaram analisados no presente feito.

Conforme constou no Relatório, em decisão monocrática a Suprema Corte deu provimento ao Recurso Extraordinário do MPF interposto nestes autos, reconhecendo a licitude das provas obtidas diretamente pela Receita Federal (cf. decisão do Tribunal Pleno proferida no julgamento do RE 601.314, de relatoria do Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016), bem como a possibilidade de compartilhamento desses dados para fins de instrução criminal (fls. 300/311v., 336/341 e 346). O respectivo trânsito em julgado ocorreu em 21/03/2018, conforme Certidão acostada à fl. 346.

Portanto, restou bem delineada a licitude da prova, tendo sido consignada a possibilidade de compartilhamento dos dados obtidos pela administração fazendária diretamente das instituições bancárias com órgão de persecução penal a fim de que se possibilite a instauração de investigação (e de posterior ação penal) com o objetivo de aferir a eventual prática de infração penal perpetrada contra a ordem tributária (especialmente, das condutas típicas descritas na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990).

DO MÉRITO

Do crime previsto no artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990

A imputação imposta ao réu está prevista no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, in verbis:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
(...)
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

A supressão do tributo ocorre pelo não pagamento e a redução se dá quando o agente recolhe a menor o valor devido, sempre mediante fraude. As condutas constantes dos incisos em aludido artigo têm, pois, o escopo de estabelecer os modos pelos quais o resultado (supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório) será alcançado.

Consoante estabelecido pela Súmula Vinculante n.º 24, é necessário o lançamento definitivo para a configuração do crime contra a Ordem Tributária estatuído no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, cuidando-se, portanto, de crime material.

Para que este delito reste perfectibilizado, não bastaria a simples omissão ou prestação de declaração falsa. Há a necessidade da efetiva supressão ou redução do tributo, exigindo-se, portanto, conduta com eficácia de ofensa ao bem jurídico, com prejuízo patrimonial ao erário público.

É dizer, a consumação do crime delineado no artigo 1º da referida lei somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, inclusive, a partir daí, a prescrição penal (STF, HC n.º 85051/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 07.06.2005).

Nesse diapasão, nota-se que o crédito tributário tratado nestes autos foi definitivamente constituído em 30.08.2012 (trinta dias após o Termo de Revelia acostado à fl. 237 do Apenso 2), sendo inscrito em dívida ativa em 28.09.2012 (fl. 10 dos autos principais) ante a ausência de pagamento tampouco parcelamento.

Tendo em vista a sentença absolutória, deve ser considerada a pena máxima em abstrato de 05 (cinco) anos, prevista no preceito secundário do artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990, crime imputado ao réu, o que corresponde à prescrição de 12 (doze) anos, nos termos da tabela do artigo 109, inciso III, do Código Penal.

Considerando que os fatos foram perpetrados sob a égide da Lei n. 12.234, de 05 de maio de 2010, segundo a qual a contagem prescricional não pode ter como termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa, verifica-se que não decorreu lapso superior a doze anos entre o recebimento da peça acusatória (16.09.2013 - fl. 36 e v.) e a presente data, subsistindo integralmente, em favor do Estado, o direito de punir.

MATERIALIDADE

A materialidade delitiva restou fartamente comprovada por meio do Procedimento Administrativo Fiscal n.º 18088.720203/2012-19 (Apenso 1 e 2), e os documentos que o integram, sobretudo a Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 04/05 do Apenso 1), os extratos bancários enviados pelo Banco do Brasil S/A e pelo Bradesco (fls. 17/180 do Apenso 1), as Declarações de Ajuste Anual Simplificada do IRPF referente aos anos-calendário de 2007 e 2008, exercícios 2008 e 2009, respectivamente (fls. 195/202 do Apenso 1 e 208 do Apenso 2), o Relatório Fiscal (fls. 209/212 do Apenso 2), o Demonstrativo Consolidado do Crédito Tributário (fl. 213 do Apenso 2), o Auto de Infração referente ao IRPF (fl. 214 do Apenso 2), e o Termo de Encerramento (fl. 226 do Apenso 2), os quais demonstram a efetiva sonegação de imposto de renda pessoa física nos anos-calendários de 2007 e 2008.

De acordo com o Relatório Fiscal (fl. 209/212 do Apenso 2), em diligência anterior à fiscalização, verificou-se que o contribuinte SILVIO JORGE DA SILVA utilizava-se de dois CPFs, inclusive para entrega de declarações de IRPF, sendo um deles (o de n.º 872.295.951-34) cancelado de ofício pela Receita Federal ao final do procedimento administrativo. Apurou-se, também, que o réu informava nas declarações ao Fisco endereços que não correspondiam ao seu domicílio.

Consigne-se, apenas a título de esclarecimento, no que diz respeito à duplicidade de documentos, que o auditor fiscal Edson Ribeiro da Silva informou no Relatório Fiscal (fls. 209/212 do Apenso 2) que o réu utilizava um CPF na cidade de Capivari/SP (872.295.951-34), com o nome de Silvio Bastos Jesuíno de Souza, e outro em Mirassol/SP (167.776.971-87), como SILVIO JORGE DA SILVA, tendo observado que a data de nascimento em ambos os documentos era a mesma, tratando-se, portanto, da mesma pessoa. Esclareceu que no ano de 2010 foram transmitidas à Receita Federal pelo mesmo IP ("internet protocol") duas declarações de ajuste anual de imposto de renda, sendo uma com o CPF de Mirassol e a outra com o de Capivari. A partir desse fato iniciou-se a presente fiscalização em face do réu. Conforme acima aludido, ao final do procedimento administrativo, verificada a duplicidade de documentos, a Receita Federal cancelou, de ofício, o CPF de Capivari (fls. 179/180).

Sobre esses fatos o réu esclareceu tanto na fase policial (fl. 11) quanto em juízo (fls. 181/182) que seu nome sempre foi SILVIO JORGE DA SILVA, cujo CPF é o de n.º 167.776971-87, porém, quando tinha 38 anos de idade e, portanto, possuía todos os documentos obrigatórios, foi reconhecido como filho pelo seu pai biológico, sendo alterado seu nome para Silvio Bastos Jesuíno de Souza, sendo necessária a troca dos documentos. Alegou que fez a solicitação do novo CPF e naquela oportunidade foi informado pelos funcionários dos Correios que haveria substituição desse documento. Disse que perdeu esses novos documentos e não utiliza o nome alterado.

Em que pese essas alegações, nenhum documento comprobatório dessa alteração de nome foi juntado aos autos.

Registre-se, todavia, que a utilização de CPFs com números diversos não faz parte da denúncia e a verificação dessa irregularidade apenas deflagrou a fiscalização do réu, apurando-se, posteriormente, a omissão de receitas acima aludida que culminou com a redução de tributos atinentes aos anos calendários 2007 e 2008.

Retomando a análise dos presentes fatos de sonegação fiscal, constata-se que nos autos do Procedimento Administrativo Fiscal n.º 18088.720203/2012-19 o contribuinte foi intimado acerca da fiscalização, mas recusou o referido termo, sendo citado por edital. Após requisição de extratos bancários e minuciosa checagem dos dados ali contados, e uma vez excluídos os estornos e as transferências entre contas da mesma titularidade, a fiscalização novamente o notificou, só que dessa vez para comprovar, com documentos hábeis e idôneos, as causas e operações que deram origem ao recebimento dos recursos depositados ou creditados nessas contas.

Apurou-se que em 2007 a movimentação financeira nas contas bancárias mantidas pelo réu nas instituições financeiras Banco do Brasil e Bradesco foi de R$ 711.106,76 (setecentos e onze mil, cento e seis reais e setenta e seis centavos), tendo sido declarados ao Fisco rendimentos de R$ 16.720,00 (dezesseis mil, setecentos e vinte reais). Em 2008 a movimentação financeira nos mesmos bancos foi de R$ 1.556.473,33 (um milhão, quinhentos e cinquenta e seis mil, quatrocentos e setenta e três reais e trinta e três centavos), tendo sido declarado ao erário o rendimento de R$ 32.320,00 (trinta e dois mil, trezentos e vinte reais).

Findo o prazo concedido pela fiscalização sem apresentação pelo réu de documentos acerca da origem dos créditos que circularam por suas contas bancárias, foi lavrado o Auto de Infração apurando-se a sonegação de IRPF no valor originário de R$ 370.854,54 (trezentos e setenta mil, oitocentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta e quatro centavos), apurando-se o crédito tributário de R$ 1.336.646,61 (um milhão, trezentos e trinta e seis mil, seiscentos e quarenta e seis reais e sessenta e um centavos), o qual foi definitivamente constituído em 30.08.2012 (trinta dias após o Termo de Revelia acostado à fl. 237 do Apenso 2), restando cumpridos os requisitos da Súmula Vinculante n.º 24 do STF.

Em juízo o réu também não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar a origem lícita da movimentação bancária. Em seu interrogatório negou genericamente que os valores apontados pela Receita Federal tenham circulado por suas contas bancárias, alegou que as ordens de pagamento permitiriam identificar os beneficiários e respondeu que não possuía consigo quaisquer documentos capazes de comprovar as negociações sobre a compra e venda de milho, não fornecendo informações capazes de identificar seus clientes ou fornecedores (fls. 181/182).

Nesse contexto, não tendo o réu apresentado qualquer prova documental a esmaecer o que restou testificado na esfera administrativa, verifica-se a licitude do lançamento realizado a partir da presunção de omissão de receitas decorrentes de depósitos bancários de origem não comprovada, nos termos do artigo 42 da Lei n. 9.430/1996.

Ressalte-se que referido dispositivo, fundamento para a autuação, autoriza a incidência do tributo sobre os valores considerados como omissão de receita, cuja origem dos recursos financeiros o titular da conta não tenha logrado comprovar. É a própria lei definindo que os depósitos bancários de origem não comprovada caracterizam omissão de receita ou rendimentos. Portanto, não é o depósito bancário em si que caracteriza o fato gerador do imposto de renda e legitima o lançamento de ofício pelo Fisco, mas sim o depósito desacompanhado de prova da origem, depois de intimado o contribuinte a fazê-lo. Trata-se de presunção legal relativa passível de ser ilidida caso justificada a origem dos recursos.

Cumpre esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça reconhece a legalidade do dispositivo, que considera omissão de receita tributável os depósitos em conta corrente sem correspondente comprovação de sua origem pelo contribuinte:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÕES GENÉRICAS DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. IMPOSTO DE RENDA. OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. ART. 42 DA LEI 9.430/1996. LEGALIDADE. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. INCIDÊNCIA DO ART. 173, I, DO CTN.
(...)
4. A jurisprudência do STJ reconhece a legalidade do lançamento do imposto de renda com base no art. 42 da Lei 9.430/1996, tendo assentado que cabe ao contribuinte o ônus de comprovar a origem dos recursos a fim de ilidir a presunção de que se trata de renda omitida (AgRg no REsp 1.467.230/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28.10.2014; AgRg no AREsp 81.279/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21.3.2012).
5. Agravo Regimental não provido.
(STJ, AgRg no AREsp 664675/RN, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 05.05.2015, DJe 21.05.2015).
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.
(...)
2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal.
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PACIENTE QUE SE RECUSOU A PRESTAR ESCLARECIMENTOS À AUTORIDADE FISCAL MESMO APÓS INTIMADO. ACUSADO QUE SE MANTEVE SILENTE DURANTE O INTERROGATÓRIO JUDICIAL. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA NAS PROVAS OBTIDAS DURANTE O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO E NO DECORRER DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRESUNÇÃO DE OMISSÃO DE RENDAS PREVISTA NO ARTIGO 42 DA LEI 9.430/1996. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
1. O inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal confere ao acusado o direito à não autoincriminação, permitindo que, por ocasião do interrogatório, cale-se acerca dos fatos criminosos que lhe são imputados, ou ainda, e via de consequência do sistema de garantias constitucionais, negue a autoria delitiva, sem que isso dê ensejo à apenação criminal ou mesmo à valoração negativa pelo magistrado, que poderá, no máximo, desconsiderá-las quando do cotejo com os demais elementos probatórios colacionados.
2. No caso dos autos, o paciente, intimado pela Receita Federal a comprovar a origem dos recursos movimentados em suas contas bancárias, não o fez, também quedando-se silente quando interrogado judicialmente.
3. Conquanto o contribuinte não seja obrigado a prestar os esclarecimentos solicitados pela autoridade fiscal, ao não fazê-lo permite à Receita Federal presumir determinados fatos que ensejam a constituição do crédito tributário.
4. Assim, a fim de atestar a regularidade de suas movimentações financeiras, o paciente deveria comprovar, quando instado pela Receita Federal, a origem dos recursos utilizados em suas operações bancárias, sob pena de, não o fazendo, restar caracterizada a presunção de omissão de rendimentos prevista no artigo 42 da Lei 9.430/1996 que, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é apta a caracterizar o crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990. Precedentes.
5. Ademais, da leitura do aresto objurgado, constata-se que embora o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tenha mencionado que o acusado manteve-se calado quando inquirido pelo togado de origem, não entendeu comprovada a autoria do delito somente em razão do seu silêncio, apontando provas produzidas tanto no procedimento administrativo tributário quanto no curso da ação penal hábeis a justificar o decreto condenatório.
6. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC 280305/GO, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 12.02.2015, DJe 25.02.2015).

Desse modo, uma vez constatada a omissão de receitas, após observado o devido processo administrativo fiscal, revela-se que essa omissão de informação ao Fisco, com fundamento na presunção legal do artigo 42 da Lei n. 9.430/1996, é apta a configurar o crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990, restando demonstradas a materialidade delitiva e tipicidade da conduta.

Observe-se que, em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, onde constam os termos de verificação fiscal, consolidação do crédito tributário e auto de infração, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.

A par de tais considerações colaciono o seguinte julgado:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E VERACIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PERSUASÃO RACIONAL. MERA FACULDADE DE REQUERER. INADMISSIBILIDADE. INCONSISTÊNCIAS PONTUAIS NÃO INDICADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRESUNÇÃO LEGAL. ÔNUS DA PROVA. DOLO GENÉRICO CONFIGURADO. ERRO DE TIPO NÃO CONFIGURADO. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1.Réus condenados pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, em concurso formal, nos termos do artigo 71 do Código Penal, à pena de 04 (quatro) anos, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, arbitrado cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
2. Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade delitiva resta comprovada através da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do procedimento administrativo fiscal, notadamente dos Termos de Verificação Fiscal, Autos de Infração e Demonstrativos de Consolidação do Crédito Tributário que, como atos administrativos que são, gozam de presunção de legitimidade e veracidade.
3.Os autos de infração, lavrados por servidor público federal, gozam de presunção de legitimidade e veracidade.
(...)
(TRF3, ACR n.º 00010440920074036105, Relator Desembargador Federal Souza Ribeiro, Segunda Turma, D.E 16.12.2016) (grifei).

Anote-se que o auditor fiscal Edson Ribeiro da Silva foi ouvido em Juízo como testemunha da acusação e ratificou integralmente a apuração da sonegação fiscal no procedimento administrativo (fls. 179/180).

Diante do exposto, verifica-se que o conjunto probatório não deixou margem de dúvidas acerca da materialidade delitiva do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990.

AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO

A autoria igualmente restou comprovada.

Com efeito, em se tratando de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a apuração do valor devido é obtida com base nas informações constantes da Declaração de Ajuste Anual, cuja responsabilidade é do contribuinte.

Além da obrigação legal, note-se que o próprio réu esclareceu em seu interrogatório judicial que, embora não tenha elaborado diretamente as declarações de IRPF dos anos-calendários 2007 e 2008, nunca comentou com o contador contratado sobre o percentual que recebia das negociações que intermediava na compra e venda de milho. Alegou, ainda, não dispor de provas de que encaminhou a documentação àquele profissional para elaboração das aludidas declarações e informou apenas que ele se chamava Eduardo, não fornecendo outras referências que pudesse levar a identificação de aludida pessoa (fls. 181/182).

Registre-se que o simples fato de se delegar a terceiros a confecção dos Ajustes Anuais não exime o contribuinte de sua responsabilidade de prestar as corretas informações ao Fisco, menos ainda em uma situação como a dos autos, em que o réu sequer soube informar quem seria esse profissional e assumiu que não o cientificou acerca das comissões recebidas, confirmando a sonegação de receitas.

Ademais, conforme já mencionado por ocasião da análise da materialidade, o réu não trouxe esclarecimentos acerca dos altos valores que circularam por suas contas bancárias, tampouco documentos que pudessem comprovar as alegadas negociações de compra e venda de milho ou identificar os supostos clientes ou fornecedores.

Tais fatos revelam que o increpado atuou de forma direta na perpetração da fraude, consubstanciada na sonegação de tributos federais mediante omissão de receitas ao Fisco informando valores a menor nas Declarações de Ajuste Anual.

As testemunhas arroladas pela Defesa, Analia Vicente de Oliveira (mídia à fl. 150) e João Carlos de Assis (mídia à fl. 166), em nada contribuíram com a versão do réu, pois não souberam prestar informações sobre os fatos tratados nestes autos, restringindo-se a dizer que ele é corretor e nada sabem que possa desaboná-lo.

Nesse contexto, resta consolidada a autoria na pessoa do increpado ao qual competia a responsabilidade pela prestação das informações contidas em suas Declarações, não obstante, ludibriou o Fisco omitindo as receitas constatadas em sua movimentação bancária, cuja origem não restou comprovada.

O elemento subjetivo igualmente restou demonstrado.

O tipo penal descrito no artigo 1º e seus incisos, da Lei n.º 8.137/1990, prescinde de dolo específico, ou seja, de um especial estado de ânimo dirigido à sonegação fiscal. Basta o dolo genérico à sua configuração, consistente na vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo por meio das condutas elencadas no dispositivo legal. Não importa o motivo pelo qual o agente foi levado à prática do crime, sendo suficiente que sua conduta se amolde ao comportamento descrito na norma.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. OMISSÃO DE RECEITA DA PESSOA JURÍDICA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. RECONHECIMENTO DE ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 12 DA LEI N. 8.137/90. IMPROCEDÊNCIA. RELEVANTE VALOR SONEGADO E GRAVE DANO À COLETIVIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. DESTINAÇÃO DE OFÍCIO PARA A UNIÃO. APELO DESPROVIDO.
1- Imputa-se ao apelante, na qualidade de responsável pela empresa, a prática do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 8.137 /90, por suprimir o pagamento de tributos no total de R$1.793.949,40, mediante declaração falsa e inexata, na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica no ano-calendário 2002.
2- Materialidade demonstrada pela prova documental coligida (extratos bancários, livro caixa, livro de saída de mercadorias, etc.) que aponta que o réu realizou as vendas escrituradas em seu livro caixa, omitindo, no entanto, tais rendimentos de sua declaração à Receita Federal. Em razão de tais omissões (declarações falsas e inexatas) foi suprimido tributo no montante de R$1.793.949,40 (um milhão setecentos e noventa e três mil novecentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos).
3 - A autoria restou inconteste: o conjunto probatório demonstra que o réu era o titular da empresa e único responsável pelas declarações falsas e inexatas prestadas à Receita Federal.
4 - A alegação de ausência de dolo não convence. O dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.
5 - A incidência de tributos é inerente ao exercício da atividade mercantil. Além disso, o réu laborava no ramo habitualmente desde 1995, não se tratando, desse modo, de pessoa ignorante. Ademais, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal, é expresso: "O desconhecimento da lei é inescusável."
6 - Afastada a alegação de inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade em razão de dificuldades financeiras.
7 - Para que caracterizem a excludente, as adversidades devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, sendo certo que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. No caso dos autos, no entanto, os meses nos quais houve omissão de receita foram justamente aqueles nos quais a empresa auferiu maior rendimento.
8 - Não há demonstração da impossibilidade financeira alegada no período dos ilícitos, não tendo a defesa se desincumbido do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.
9 - A dosimetria da pena não comporta reparos. A pena base foi fixada no mínimo legal, inexistindo atenuantes ou agravantes.
10 - A sonegação de vultosa quantia (R$ 1.793.949,40) não é ínsita ao tipo penal, vale dizer, não consubstancia elementar da figura típica e justifica a incidência da majorante específica em comento (art. 12, I, da Lei nº 8.137/90), na terceira fase do sistema trifásico, disso não resultando bis in idem ou ofensa à taxatividade.
11- Mantida a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, eis que presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal.
12 - Alterada, de ofício, a destinação da pena pecuniária em favor da União. 13 - Apelo desprovido.
(ACR 00126649020084036102, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/06/2014) (grifei).

Verifica-se no caso em concreto que o dolo exsurge das circunstâncias fáticas, pois era dever do réu o fornecimento de informações sobre suas receitas em Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física e omitiu ao Fisco rendimentos decorrentes de sua atividade profissional nos anos de 2007 e 2008 em valor superior a um milhão e meio de reais, o que evidencia o intuito fraudulento de sonegar tributo, sobretudo em um cenário em que das receitas auferidas no respectivo período (R$ 711.106,76 em 2007; R$ 1.556.473,33 em 2008), apenas informou ao erário rendimentos de R$ 16.720,00 e R$ 32.320,00 nas Declarações de IRPF dos exercícios de 2008 e 2007, respectivamente.

Em decorrência disso, o tributo originariamente sonegado superou trezentos mil reais, valor que certamente não era ignorado pelo réu, restando cabalmente demonstrado o elemento subjetivo.

Nesta toada, restaram devidamente comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, sendo imperiosa a condenação do réu SILVIO JORGE DA SILVA pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990.

DOSIMETRIA

O cálculo da pena deve observar os critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.

Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.

No caso em concreto, tendo em vista a sentença absolutória na primeira instância, passa-se a dosar a pena a ser imposta ao réu.

No que tange à culpabilidade, verifica-se que a conduta perpetrada pelo réu foi reprovável socialmente, mas não ultrapassou os limites do tipo penal.

O réu, tecnicamente, não ostenta antecedentes criminais.

Não há elementos concretos nos autos a embasar a valoração negativa da conduta social e da personalidade do agente.

Os motivos e as circunstâncias do crime são normais à espécie, nada havendo a se considerar.

Quanto ao comportamento, a vítima em nada contribuiu para a prática do crime.

Por fim, destaque-se que o elevado montante sonegado deve ser valorado negativamente como "consequências do crime", conforme é possível ser aferido pelos seguintes julgados a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/1990. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. VALOR SONEGADO. FUNDAMENTO IDÔNEO. FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA. FRAÇÃO DEFINIDA COM BASE NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO RÉU. REVISÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 7 E 568/STJ. 1. Na linha da jurisprudência iterativa desta Corte Superior, é admissível a valoração negativa das consequências do crime de sonegação fiscal quando expressivo o valor do crédito tributário suprimido ou reduzido na forma do art. 1º da Lei 8.137/1990. Incidência da Súmula 568/STJ. (...)
(STJ, AGARESP 201700431270, Relator Ministro Reynaldo Soares Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23.05.2017, v.u., DJE: 31.05.2017) (grifei).
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INAPLICABILIDADE. VALOR DO TRIBUTO SONEGADO: PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. CAUSA DE AUMENTO DO ARTIGO 12 DA LEI Nº 8.137/90. INAPLICABILIDADE. NO BIS IN IDEM. PENA DE MULTA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELAÇÃO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDA. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO. (...) consequências do crime devem ser valoradas negativamente, uma vez que o crédito tributário, consolidado em 07/2002, totalizava R$ 88.110,73, inscrito em dívida ativa em 29/01/2003, no valor de R$ 187.235,30. A jurisprudência do STJ firmou entendimento no quanto à possibilidade de consideração do elevado valor do tributo sonegado como consequências do crime (...).
(TRF3, ACR 00004217720004036108, Relator Des. Fed. Hélio Nogueira, Primeira Turma, julgado em 21.03.2017, e-DJF3 Judicial 1 28.03.2017) (grifei).

Portanto, tendo em vista que o valor do tributo originariamente reduzido remontou a R$ 370.854,54 (trezentos e setenta mil, oitocentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta e quatro centavos), conforme se verifica no Auto de Infração à fl. 214 do Apenso 2, é imperiosa a majoração da pena base para 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase da dosimetria não há circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem sopesadas, não se verificando, igualmente, causas de aumento ou de diminuição a serem valoradas na terceira fase.

Da continuidade delitiva

A conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada e tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal).

Acerca do "quantum" de aumento, em acórdão relatado pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva, qual seja, "de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento" (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).

Não se desconhece que o critério consagrado na jurisprudência é no sentido de que a continuidade delitiva não se configura quando ultrapassado o intervalo de um mês entre um fato e outro. Não obstante, há que se atentar para o fato de que esta orientação foi construída a partir de delitos de natureza diversa, porém, cuidando-se de delitos fiscais, tem-se reconhecida a continuidade se entre um fato e outro decorreu o tempo mínimo previsto em lei, conforme se verifica nos julgados a seguir:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CONTINUIDADE DELITIVA. LAPSO SUPERIOR A 30 DIAS. RECONHECIMENTO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AFERIÇÃO DOS REQUISITOS. EXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. 'Inexistindo previsão legal expressa a respeito do intervalo temporal necessário ao reconhecimento da continuidade delitiva, presentes os demais requisitos da ficção jurídica, não se mostra razoável afastá-la, apenas pelo fato de o intervalo ter ultrapassado 30 dias' (AgRg no AREsp 531.930/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 13/02/2015). 2. A análise acerca da presença, na espécie, dos requisitos necessários ao reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes contra a ordem tributária praticados no período compreendido de fevereiro/2001 a abril/2001 e de agosto/2001 a novembro/2001 demandaria o revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado nesta instância extraordinária, nos termos da Súmula 7 deste Sodalício. 3. Agravo interno improvido
(STJ, AGRESP 201601848259, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - SEXTA TURMA, DJE DATA:13/12/2016) (grifei).
PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTARIA. SONEGAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. CONDUTAS PERPETRADAS EM EXERCÍCIOS NÃO SUBSEQUENTES. CONTINUIDADE DELITIVA NÃO CARACTERIZADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. A divergência restringe-se à possibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva no crime do artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/1990, na conduta de sonegação de imposto de renda de pessoa física. 2. É certo que, em se tratando de Imposto de Renda Pessoa Física, não há possibilidade de o contribuinte efetuar a entrega da declaração em intervalo inferior a um ano, sendo, via de regra, cabível o instituto da continuidade delitiva, ainda que o intervalo entre os crimes seja de um ano. Precedentes. 3. O acusado praticou duas condutas delituosas, relativas aos anos-base 2000 e 2002, com o intervalo de um ano-base, de modo que há um intervalo efetivo de dois anos entre a primeira e a segunda conduta. 4. Embora o intervalo anual no cometimento dos crimes não descaracterize a continuidade, no delito de sonegação do imposto de renda da pessoa física, no caso dos autos não houve sonegação em exercícios subsequentes. 5. Restando ultrapassado o limite temporal admitido na jurisprudência para o reconhecimento da continuidade delitiva nos crimes contra a ordem tributária, é de rigor a manutenção do concurso material de delitos. 6. Embargos infringentes improvidos.
(TRF3, EIFNU 00111815020064036181, Juiz Convocado Márcio Mesquita, Primeira Seção, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/10/2014) (grifei).

Assim, não há como se exigir o intervalo mínimo de trinta dias entre uma conduta e outra em hipóteses como a dos autos, em que a informação ao Fisco e referido recolhimento ocorre anualmente.

Nesta perspectiva, considerando que os fatos dizem respeito à supressão de Imposto de Renda Pessoa Física nos exercícios consecutivos de 2008 e 2009 (anos-calendário 2007 e 2008, respectivamente) e tendo em vista o critério acima adotado, verifica-se que a majoração da pena deve ser de 1/5 (um quinto), resultando na reprimenda de 03 (três) anos de reclusão.

Pena de Multa

A aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que essa pena será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).

Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.

Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.

Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.

Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21/07/2017).

Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal a que foi citada anteriormente).

No caso concreto a pena restou fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão até a terceira fase e, de acordo com o critério acima, a pena de multa resulta em 68 (sessenta e oito) dias. Com o acréscimo por força da continuidade delitiva (um quinto) deve ser fixada em 81 (oitenta e um) dias-multa.

O valor unitário do dia-multa deve ser estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos à míngua de informações acerca da situação financeira do réu.

O regime inicial de cumprimento da pena deve ser o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.

Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade

Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada deve ser substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviços à comunidade ou em entidades públicas a ser definida pelo Juízo da Execução Penal, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, bem como prestação pecuniária destinada a entidade assistencial idônea, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.

No tocante ao valor da prestação pecuniária, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.

Assim, considerando o valor não recolhido aos cofres públicos, a prestação pecuniária deve ser fixada em 20 (vinte) salários-mínimos vigentes na data da sentença, tendo em vista que tal somatória atende ao princípio da individualização da pena e se mostra razoável à substituição da reprimenda imposta.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO da acusação para CONDENAR o réu SILVIO JORGE DA SILVA como incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, combinado com o artigo 71 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 81 (oitenta e um) dias-multa, no valor unitário de 01/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou em entidades públicas a ser definida pelo Juízo da Execução Penal, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, bem como prestação pecuniária no valor de 20 (vinte) salários mínimos, destinada a entidade assistencial idônea, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais, tudo nos termos da fundamentação.

É o voto.

FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066
Nº de Série do Certificado: 11DE1912184B5CBD
Data e Hora: 15/12/2020 14:55:13



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001743-57.2013.4.03.6115/SP
2013.61.15.001743-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : SILVIO JORGE DA SILVA
ADVOGADO : SP066186 GLAUDECIR JOSE PASSADOR e outro(a)
No. ORIG. : 00017435720134036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Divirjo do e. Relator porque tenho que este Tribunal não pode, por ora, examinar o mérito da pretensão do Ministério Público Federal, recorrente, sob pena de supressão de instância.


Embora o juízo de origem tenha dito que absolvia o apelado, o fato é que declarou a nulidade do feito de origem sem examinar a matéria fática constante nos autos, de sorte que sua apreciação, diretamente pelo Tribunal, não é possível. Esta Turma já se pronunciou neste exato sentido, em recente acórdão da minha relatoria, decidido à unanimidade (ACR 0003385-07.2013.4.03.6102, j. 22.10.2020, DJe 06.11.2020).


Assim, afastada a ilegalidade das provas que embasaram a denúncia, os autos devem ser devolvidos ao juízo de primeiro grau para que as questões de mérito sejam analisadas, a fim de se evitar supressão de instância.


Vencido quanto a isso, acompanho o e. Relator com a ressalva de meu entendimento em relação ao crime continuado (CP, art. 71), pois considero que esse instituto integra o sistema trifásico da dosimetria da pena (CP, art. 68), visto constituir causa de aumento de pena, bem como dele divirjo, com a devida vênia, quanto à pena de multa imposta ao acusado SIMONE, pois, conforme precedentes desta Turma, sua fixação deve se dar de forma proporcional à pena privativa de liberdade, seguindo os mesmos parâmetros e frações de majoração e de redução.


Assim, seguindo os mesmos parâmetros utilizados pelo e. Relator na dosimetria da pena privativa de liberdade, refaço a dosimetria da pena de multa para fixá-la em 14 (catorze) dias-multa.


Posto isso, divirjo do e. Relator apenas para determinar a remessa dos autos ao juízo de origem para análise das questões de mérito, a fim de se evitar supressão de instância. Vencido quanto a isso, divirjo para DAR PROVIMENTO à apelação em menor extensão e fixar a pena de multa imposta ao acusado SILVIO JORGE DA SILVA em 14 (catorze) dias-multa, nos termos da fundamentação supra.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11DE2005286DE313
Data e Hora: 30/03/2021 18:45:28




Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Av. Paulista, 1842 - Cep: 01310-936 - SP - © 2010