D.E.

Publicado em 25/06/2021
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015145-70.2014.4.03.6181/SP
2014.61.81.015145-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
REL. ACÓRDÃO : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : LUIS ANTONIO BISCUOLA
ADVOGADO : SP175602 ANGELITA APARECIDA STEIN e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00151457020144036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/1990. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO VERIFICADA. AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADOS. ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA PENA DE MULTA.
1. A consumação do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990, não depende de qualquer norma integrativa, bastando supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 do STF.
2. Inocorrência da prescrição retroativa. No caso em tela, como os fatos imputados foram praticados sob a égide da Lei nº 12.234, de 15 de maio de 2010, não sendo possível a contagem prescricional em data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa, o que torna sem efeito os argumentos invocados pela defesa no sentido de que teria ocorrido a prescrição entre a data dos fatos e o recebimento da peça acusatória. De qualquer forma, verifica-se que a pena aplicada na sentença em face do acusado foi de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de reclusão e, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, a prescrição ocorrerá após o decurso de 08 (oito) anos entre os marcos interruptivos. Nesse contexto, não transcorreu lapso superior entre o recebimento da denúncia (09.03.2015) e a publicação da sentença (26.05.2017), tampouco entre este marco interruptivo e a presente data, subsistindo integralmente o direito de punir.
3. Não há que se falar em inépcia da denúncia, pois mediante simples leitura da peça acusatória é possível se inferir, cabal e corretamente, quais imputações são dirigidas ao réu, além de possibilitar a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades que estes feitos contêm), adimplindo, assim, ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal. Há suficiente qualificação do acusado, o qual foi apontado como responsável pela administração da empresa autuada e pela omissão de informações ao Fisco acerca das efetivas receitas auferidas nos anos-calendário de 2007, conduta que resultou em sonegação fiscal.
4. A materialidade delitiva não foi questionada e restou sobejamente comprovada pelo conjunto probatório, sobretudo pelo Procedimento Administrativo Fiscal e os documentos que o acompanham, merecendo destaque a Representação Fiscal para Fins Penais, o Termo de Início do Procedimento Fiscal, as Declarações de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) e de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), ambas relativas ao ano-calendário de 2007 (exercício 2008), o Detalhamento Mensal acerca das Declarações de Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf), o Termo de Verificação Fiscal, as Notas Fiscais de Prestação de Serviços emitidas pela empresa fiscalizada, o Demonstrativo Mensal da Receita Bruta, os Autos de Infração referentes à sonegação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, e o Termo de Encerramento, os quais revelam a prática de conduta delitiva no período mencionado. Em juízo, a auditora fiscal da Receita Federal ratificou integralmente todo o apurado por ela na fiscalização realizada na empresa autuada.
5. Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.
6. Ao contrário do alegado pela defesa, a autoria restou comprovada nos autos pelo contrato social da empresa autuada, no qual o réu figura como exclusivo administrador, bem como pela testemunha arrolada pela acusação, que o apontou como o responsável pela gestão da pessoa jurídica autuada tendo, inclusive, dado ordens para a emissão da DIPJ e da DCTF relativas ao ano-calendário 2007 com valores em branco. Embora tenha negado a prática delitiva, não refutou o fato de ser o administrador da empresa em questão e não trouxe elementos aos autos capazes de comprovar a alegada atuação insubordinada do contador, contrariando, assim, o disposto no artigo 156, caput, do Código de Processo Penal.
7. Ao contrário do pretendido pela defesa, a existência de um profissional para elaboração da contabilidade empresarial não exime o gestor de sua responsabilidade pelas questões tributárias da pessoa jurídica.
8. Não ocorrência do erro de tipo. Nos termos do art. 20, caput, do Código Penal, "o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei." Os crimes tributários (arts. 1º a 3º da Lei nº 8.137/1990) somente são puníveis a título de dolo, assim, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Código Penal, a consequência do erro de tipo em crimes desta espécie é a atipicidade da conduta ("salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente"). A supressão ou redução do tributo incide sobre elemento constitutivo do tipo e somente seria possível se falar em erro de tipo em havendo a sonegação no recolhimento do tributo em razão de erro na interpretação tributária. O increpado conhecia sua obrigação de prestar as corretas informações ao Fisco para tributação, tanto que determinou ao contador a emissão da DIPJ e da DCTF relativas ao ano-calendário 2007 com valores em branco com o claro intuito de sonegar tributos federais. Essa conduta revela não somente sua participação direta nos fatos, como também sua intenção fraudulenta.
9. Não ocorrência do erro de proibição. A ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. O conjunto probatório revela que o réu tinha a clara percepção do caráter ilícito de sua conduta, além do que, o dever de pagar impostos é de amplo conhecimento de todo empresário.
10. Nos crimes contra a ordem tributária, ao contrário do alegado pela defesa, basta o dolo genérico, consubstanciado na supressão voluntária de tributos federais mediante a omissão de informação ao Fisco, não havendo se comprovar que houve intenção em sua conduta. Ao contrário do alegado em sede recursal, há nos autos prova suficiente acerca do elemento anímico, evidenciado pela própria conduta do réu, o qual determinou a informação ao Fisco de valores zerados na DIPJ e na DCTF relativas a 2007 com o claro intuito de sonegar tributos federais, sobretudo diante do fato de que o faturamento apurado nas Notas Fiscais de Prestação de Serviços emitidos pela empresa por ele administrada (Ouro Velho - Promotora de Crédito Ltda.) superou um milhão de reais.
11. Dosimetria. Embora não tenha sido formulado pedido relacionado à dosimetria da pena, os aspectos atinentes à sua legalidade devem ser, no caso, apreciados de ofício. A sentença recorrida utilizou o valor dos tributos sonegados para aferir negativamente a culpabilidade e as consequências do crime, na primeira fase, bem como para justificar a aplicação da causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, na terceira fase. Registre-se, todavia, que a culpabilidade não se afastou da reprovabilidade esperada para crimes desta espécie, devendo ser excluída como vetor negativo. O valor do prejuízo melhor se amolda às consequências negativas geradas pelo delito, considerando que o prejuízo originário causado foi de R$ 116.685,06 (cento e dezesseis mil, seiscentos e oitenta e cinco reais e seis centavos) e não pode ser utilizado novamente para aumentar a pena na terceira fase, sob pena de "bis in idem". Nos moldes do entendimento desta Turma Julgadora somente as sonegações superiores a quatrocentos mil reais são capazes de ensejar a aplicação da majorante prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/1990. Neste cenário, a pena-base deve ser fixada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão em razão das consequências negativas do crime. Ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição, resta definitiva a pena imposta.
12. A redução da pena privativa de liberdade para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão reflete na fixação da pena de multa, a qual deve ser redimensionada, conforme precedentes desta Turma, de forma proporcional à pena privativa de liberdade, seguindo os mesmos parâmetros e frações de majoração e de redução.
13. À míngua de recurso acerca do tema deve ser mantido o valor unitário do dia-multa estabelecido em cinco salários mínimos vigentes à época dos fatos.
14. Correta a fixação do regime inicial de cumprimento aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
15. Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal, em local a ser designado pelo Juízo da Execução Penal, e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos. À míngua de recurso acerca do tema, nada há a ser modificado.
16. Apelação do réu desprovida. De ofício, redimensionada a pena aplicada.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR AS PRELIMINARES e manter o valor unitário de cinco salários mínimos vigentes à época dos fatos, a fixação do regime inicial aberto de cumprimento da pena, bem como a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal, em local a ser designado pelo juízo da execução penal, e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator; prosseguindo a Turma, por maioria, decide NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DE LUIS ANTONIO BISCUOLA e, de ofício, REDUZIR SUA PENA PARA 2 (DOIS) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO E FIXAR A PENA DE MULTA EM 11 (ONZE) DIAS-MULTA, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Nino Toldo, com quem votou o Desembargador Federal José Lunardelli, vencido o Desembargador Federal Relator, que dava parcial provimento à apelação do réu para reduzir sua pena privativa de liberdade para 2 anos e 4 meses de reclusão e fixava sua pena de multa em 48 dias-multa, nos termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de dezembro de 2020.
NINO TOLDO
Relator para o acórdão


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015145-70.2014.4.03.6181/SP
2014.61.81.015145-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : LUIS ANTONIO BISCUOLA
ADVOGADO : SP175602 ANGELITA APARECIDA STEIN e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00151457020144036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo réu LUIS ANTONIO BISCUOLA, nascido em 13.06.1959, em face da r. sentença acostada às fls. 578/624, proferida pelo Exma. Juíza Federal Maria Isabel do Prado (5ª Vara Federal criminal de São Paulo/SP), que procedeu à "emendatio libelli", nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, para incluir a causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, e julgou PROCEDENTE o pedido formulado em ação penal para CONDENAR o Apelante pela prática do artigo 1º, inciso I, c.c. art. 12, inciso I, ambos da Lei n.º 8.137/1990, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão, no regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 114 (cento e catorze) dias-multa, no valor unitário de cinco salários mínimos à época dos fatos. Houve substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos consubstanciadas em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal, em local a ser designado pelo Juízo da Execução Penal, e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos.


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face do Apelante nos seguintes termos (fls. 421/424):


(...)
Luis Antonio Biscuola, consciente e voluntariamente, na qualidade responsável legal pela empresa Ouro Velho - Promotora de Crédito Ltda. (CNPJ n.º 01.292.346/0001-73), prestou Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF e Declaração de Informações Econômicas-Fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ falsas, no ano-calendário 2007, ao omitir os valores destinados ao cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre lucro líquido apresentando tais valores em branco, ou seja, sem informação de quaisquer valores referentes à receita bruta.
Em fiscalização realizada pela Receita Federal do Brasil, constatou-se, pela análise das notas fiscais de prestação de serviços, que a empresa Ouro Velho, administrada pelo denunciado, obteve, no ano calendário 2007, receita bruta no valor de R$ 1.067.311,28 (um milhão, sessenta e sete reais e vinte e oito centavos), a qual não foi informada na Declaração de Informações Econômicas-Fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ e na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF, portanto, não serviu de base de cálculo para o recolhimento do imposto de renda e da contribuição social sobre lucro líquido.
Dessa maneira, a DIPJ e a DCTF, declarações obrigatórias, que servem para o auto-lançamento dos tributos pelo contribuinte, foram apresentadas praticamente em 'branco' e objetivavam induzir o fisco a concluir equivocadamente pela inexistência de créditos tributários.
Ademais, a falta de recolhimento dos tributos e a omissão reiterada de informações não só DIPJ, mas também na DCTF, indica o intuito do denunciado de ocultar da autoridade fiscal a ocorrência do fato gerador e o montante de imposto de renda e contribuições federais devidos.
Assim, mediante omissão de receita e falsa declaração às autoridades fazendárias no ano-calendário 2007, o denunciado, na qualidade de representante legal da empresa Ouro Velho - Promotora de Crédito Ltda, suprimiu Imposto de Renda Pessoa Jurídica - IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Presumido - CSLL, bem como seus reflexos na Contribuição de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS.
Por sua vez, a Receita Federal, no processo administrativo n.º 19515.001135/2011-81, com base na receita bruta apurada e deduzindo os valores retidos pelas fontes pagadoras, lavrou auto de infração para constituição e exigência do crédito tributário no valor de R$ 334.448,99 (trezentos e trinta e quatro mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e noventa e nove centavos) - fl. 324.
Os créditos tributários, vinculados ao Processo Administrativo Fiscal n.º 19515.001135/2011-81, foram definitivamente constituídos em 30 de junho de 2011 e inscritos em Dívida Ativa da União em 22 de junho de 2012, com valor consolidado, em agosto de 2014, de R$ 504.150,00 (quinhentos e quatro mil e cento e cinquenta reais) - fl. 350.
O valor do tributo suprimido pelo denunciado estão descritos na tabela abaixo.
(...)
A Procuradoria da Fazenda Nacional conf irmou que os débitos apurados no Processo Administrativo Fiscal n.º 19515.001135/2011-81 encontram-se definitivamente constituídos e inscritos em Dívida Ativa da União não havendo parcelamento ativo, pagamento integral do débito ou outras causas de suspensão e extinção do crédito.
Da mesma forma, a autoria delitiva restou comprovada em face do denunciado, o qual consta como sócio administrador da empresa no contrato social (fls. 50/52).
Além disso, em que pese devidamente intimado Luis Antonio Biscuola, não tenha comparecido para prestar esclarecimentos, não há como cogitar que desconhecia a supressão de tributos, uma vez que diante de sua elevada participação societária (90% noventa por cento do capital social) certo é que determinou que fossem prestadas falsas informações às autoridades fiscais.
Neste sentido, o contador da empresa, Adão Manoel Soares Dias informou que o proprietário da empresa, Luis Antonio Biscuola, determinou que as declarações fossem entregues 'zeradas'.
Em face do exposto, o Ministério Público Federal denuncia Luis Antonio Biscuola como incurso no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, requerendo seja o denunciado citado, interrogado e processado até final sentença condenatória, bem como a oitiva das testemunhas abaixo arroladas.
(...)


Ainda de acordo com a exordial, os valores inscritos foram de: R$ 161.498,58 a título de IRPJ (CDA n.º 80.2.12.008233-84; valor consolidado em ago/2014: R$ 279.104,54); de R$ 71.647,56 (CDA n.º 80.6.12.0018392-75; valor consolidado em ago/2014: R$ 123.838,27); de R$ 49.241,77 a título de COFINS (CDA n.º 80.6.12.018393-56; valor consolidado em ago/2014: R$ 85.089,31); e de R$ 9.324,78 a título de PIS (CDA n.º 80.7.12.008005-00; valor consolidado em ago/2014: R$ 16.117,88).


O Ministério Público Federal requereu o aditamento da exordial nos seguintes termos (fl. 431):


(...)
O MPF requer, respeitosamente, com fulcro no art. 569 do CPP, o aditamento da denúncia constante a fls. 421/424, isso para que consta o seguinte parágrafo abaixo da tabela indicada a fl. 423: 'A fl. 410, a PRFN 3ª Região informa que os créditos tributários indicados na tabela supracitada foram constituídos definitivamente em 30 de junho de 2011. No mais, também consta a informação, a fl. 410, de que os supracitados créditos tributários estão relacionados ao Processo Administrativo n.º 19515.720160/2011-68 (ressalte-se que esse processo administrativo se refere à Representação Fiscal para Fins Penais n.º 19515.001135/2011-81).'
Ainda, o MPF requer, respeitosamente, que a expressão 'Processo Administrativo Fiscal n.º 19515.001135/2011-81', constante da denúncia acostada a fls. 421/424, seja substituída por 'Representação Fiscal para Fins Penais n.º 19515.001135/2011-81'.
Ante todo o exposto, o MPF requer, respeitosamente, que este aditamento seja recebido, produzindo, consequentemente, seus regulares efeitos.
(...)


A denúncia e seu aditamento foram recebidos em 09 de março de 2015 (fls. 433/434).


Processado regularmente o feito, sobreveio a sentença publicada em 26 de maio de 2017 (fl. 625).


Inconformado, o réu LUIS ANTONIO BISCUOLA interpôs Apelação alegando, preliminarmente: a) ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia; b) inépcia da denúncia. No que tange ao mérito pleiteou a absolvição sustentando erro de tipo e erro de proibição, tendo em vista que o increpado teria delegado a parte contábil ao contador da empresa, bem como insuficiência de provas quanto à autoria e ao elemento subjetivo (fls. 629/663).


Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões (fls. 673/676v.), subiram os autos a esta E. Corte.


Nesta instância, o Parquet Federal ofereceu Parecer no qual opinou pelo desprovimento do recurso interposto pela Defesa e manifestou-se pelo reconhecimento, de ofício, de bis in idem na fixação da pena do réu, considerando que o valor do montante sonegado foi utilizado na primeira fase para majorar a pena-base, e como causa de aumento prevista no art. 12, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990 (fls. 679/684v.).


Enquanto o feito aguardava julgamento nesta E. Corte, foi proferida liminar no Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n.º 1.055.941 e, considerando que a instauração do presente processo ocorreu com base no compartilhamento de informações bancárias e/ou fiscais diretamente do Fisco com o Ministério Público Federal, houve o reconhecimento de que esta Ação Penal se enquadra na hipótese de sobrestamento determinada naquela decisão proferida pela Suprema Corte (fl. 686).


Todavia, em 28.11.2019, foi concluído o julgamento do referido Recurso Extraordinário, oportunidade em que foi revogada a tutela provisória anteriormente concedida, razão pela qual o feito e o prazo prescricional retomaram seu curso normal, conforme decisão à fl. 690 e v.


É o relatório.


À revisão, nos termos regimentais.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 16/11/2020 12:08:28



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015145-70.2014.4.03.6181/SP
2014.61.81.015145-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : LUIS ANTONIO BISCUOLA
ADVOGADO : SP175602 ANGELITA APARECIDA STEIN e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00151457020144036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 1º DA LEI N.º 8.137/1990 E DA ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL

Em sede de Apelação, a Defesa aduz, preliminarmente, ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, que teria se dado entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia.

Referida tese não merece acolhida.

O Apelante foi denunciado e condenado em primeiro grau pela prática do art. 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, in verbis:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
(...)
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

A supressão do tributo ocorre pelo não pagamento e a redução se dá quando o agente recolhe a menor o valor devido, sempre mediante fraude. As condutas constantes dos incisos em aludido artigo têm, pois, o escopo de estabelecer os modos pelos quais o resultado (supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório) será alcançado.

Consoante estabelecido pela Súmula Vinculante n.º 24, é necessário o lançamento definitivo para a configuração do crime contra a Ordem Tributária estatuído no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, cuidando-se, portanto, de crime material.

Para que este delito reste perfectibilizado, não bastaria a simples omissão ou prestação de declaração falsa. Há a necessidade da efetiva supressão ou redução do tributo, exigindo-se, portanto, conduta com eficácia de ofensa ao bem jurídico, com prejuízo patrimonial ao erário público.

É dizer, a consumação do crime delineado no artigo 1º da referida lei somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, inclusive, a partir daí, a prescrição penal (STF, HC n.º 85051/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 07.06.2005).

Neste segmento, identificada a prática nos autos de crime material contra ordem tributária, o termo inicial do prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal se inicia quando da constituição definitiva do crédito tributário, ocasião, aliás, em que efetivamente consumado o delito e a partir do qual se mostra preenchida a condição objetiva de punibilidade consagrada pelo C. Supremo Tribunal Federal quando da edição de sua Súmula Vinculante nº 24 - a propósito:

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. A contagem do prazo prescricional em relação ao crime previsto no art. 1º da Lei n. 8.137/1990 inicia-se no momento da constituição definitiva do crédito tributário, ocasião em que é, efetivamente, consumado o delito e preenchida a condição objetiva de punibilidade necessária para a deflagração da ação penal. (...)
(STJ, HC 219.752/SC, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/10/2015, DJe 03/11/2015) (grifei).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1.º, I, DA LEI N.º 8.137/90). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PENA HIPOTÉTICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INADMISSIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. (...) 2. Considerando que o crime imputado ao recorrente consuma-se com a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos do Enunciado n.º 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, impossível se cogitar do início do curso do prazo prescricional, como pretendido na inicial da insurgência, em momento anterior. (...)
(STJ, RHC 36.070/RS, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 21/08/2014) (grifei).

Nesse diapasão, nota-se que a constituição definitiva do crédito tributário debatido ao longo deste feito ocorreu em 30 de junho de 2011, conforme constatado pela Receita Federal à fl. 341, data esta que, a teor do posicionamento anteriormente exposto, deve figurar como termo inicial da contagem da prescrição da pretensão punitiva.

A ausência de recurso da acusação torna impossível o agravamento da reprimenda imposta, devendo o prazo prescricional ser regulado pela pena aplicada pelo juiz singular, nos termos do artigo 110, § 1º, do Código Penal, e, nos termos do artigo 119 do Código Penal, a aferição da prescrição levará em conta a pena aplicada pela perpetração do delito sem a incidência do aumento de pena decorrente do concurso de crimes ("No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente"), regramento este acolhido pela jurisprudência que se formou acerca do tema no âmbito do C. Supremo Tribunal Federal, a redundar na edição da Súmula 497 ("Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação").

No caso em tela, como os fatos imputados foram praticados sob a égide da Lei n.º 12.234, de 15 de maio de 2010, não é possível a contagem prescricional em data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa, o que torna sem efeito os argumentos invocados pela Defesa no sentido de que teria ocorrido a prescrição entre a data dos fatos e o recebimento da peça acusatória.

De qualquer forma, verifica-se que a pena aplicada na r. sentença em face do acusado foi de 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão (não tendo havido acréscimo por concurso de crimes) e, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, a prescrição ocorrerá após o decurso de 08 (oito) anos entre os marcos interruptivos.

Nesse contexto, não transcorreu lapso superior entre o recebimento da denúncia (09.03.2015 - fl. 433/434) e a publicação da sentença (26.05.2017 - fl. 625), tampouco entre este marco interruptivo e a presente data, subsistindo integralmente o direito estatal de punir.

Assim, presente a pretensão punitiva estatal, refuta-se o argumento recursal acerca da prescrição.

DA NÃO OCORRÊNCIA DE INÉPCIA DA DENÚNCIA

Em razões recursais a Defesa alega, genericamente, inépcia da denúncia.

Referida tese não encontra respaldo.

Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária) - a propósito: A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Cumpre salientar que a consequência imposta pelo ordenamento jurídico à peça acusatória que não cumpre os elementos anteriormente descritos encontra-se prevista no art. 395 do mesmo Diploma Processual Penal, consistente em sua rejeição (A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal).

A jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores mostra-se pacífica no sentido de que, tendo os ditames insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal sido respeitados pela denúncia ou pela queixa, impossível o reconhecimento da inépcia - a propósito:

HABEAS CORPUS - JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO - POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA - COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DELEGADA PELO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (RISTF, ART. 192, "CAPUT", NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009) - ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DECISÓRIA - FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA - ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP - PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS - SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - ILIQUIDEZ DOS FATOS - CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO 'HABEAS CORPUS' - RECONHECIMENTO DA PLENA CORREÇÃO JURÍDICA DA DECISÃO AGRAVADA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF, HC 140629 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 04-08-2017 PUBLIC 07-08-2017) - destaque nosso.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INÉPCIA DA INICIAL. SURSIS PROCESSUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não se verifica supressão de instância na análise, pelo Tribunal do Estado, de matéria já abordada pelo juízo de primeiro grau. 2. É afastada a inépcia quando a denúncia preencher os requisitos do art. 41 do CPP, com a individualização da conduta do réu, descrição dos fatos e classificação do crime, de forma suficiente para dar início à persecução penal na via judicial, bem como para o pleno exercício da defesa. 3. As disposições veiculadas na Lei nº 10.259/01 não alteraram o patamar do sursis processual, que continua sendo disciplinado pelos preceitos inscritos no art. 89 da Lei nº 9.099. 4. Recurso ordinário improvido
(STJ, RHC 28.236/PR, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015) (grifei).

No caso em concreto, mediante simples leitura da peça acusatória é possível se inferir, cabal e corretamente, quais imputações são impingidas ao réu, além de possibilitar a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades que estes feitos contêm), adimplindo, assim, ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal.

A peça acusatória traz suficiente qualificação do acusado LUIS ANTONIO BISCUOLA e narra que, na qualidade de responsável legal pela empresa Ouro Velho - Promotora de Crédito Ltda. (CNPJ n.º 01.292.346/0001-73), ele teria, de forma consciente e voluntária, praticado o crime de sonegação fiscal mediante omissão de receitas. De acordo com a fiscalização realizada pela Receita Federal do Brasil, em análise às notas fiscais de prestação de serviços emitidas no ano-calendário de 2007 teria se constatado a obtenção de receita bruta de R$ 1.067.311,28 (um milhão, sessenta e sete mil, trezentos e onze reais e vinte e oito centavos), a qual não foi informada na respectiva Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ, tampouco na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF, portanto, não serviu de base de cálculo para o recolhimento do imposto de renda e da contribuição social sobre lucro líquido. Registre-se que tais declarações obrigatórias foram apresentadas ao Fisco com valores zerados, o que levou à sonegação de tributos federais e gerou o crédito tributário no valor atualizado de R$ 334.448,99 (trezentos e trinta e quatro mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e noventa e nove centavos) - fl. 324.

Destaque-se que nos crimes tributários, embora as condutas dos réus nem sempre sejam amplamente especificadas na denúncia, deve-se constar da narrativa, o liame entre a conduta e a autoria, a permitir o exercício da ampla defesa e do contraditório, ou seja, cabe na inicial acusatória demonstrar o nexo causal entre as funções dos denunciados (sócios-gerentes) e a suposta supressão de tributos, sendo que durante a persecução criminal haverá, ou não, a constatação da ocorrência do fato típico e antijurídico em relação à pessoa imputada.

Nesse sentido há consolidado entendimento da doutrina e jurisprudência:

Nos crimes contra a ordem tributária, em que a conduta criminosa tem o dolo como núcleo, é necessário que a denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público, contenha, ao menos de forma global, a descrição da conduta de cada uma das pessoas envolvidas, como corolário do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. (...) É preciso ter em conta que a denúncia pode, dependendo das circunstâncias de cada caso, conter a referência genérica às condutas tidas por criminosas, mas o julgamento não pode ser levado a efeito sem cabal comprovação da ocorrência do fato típico mais o elemento subjetivo que é o dolo.
(Direito Penal Tributário - Crimes Contra a Ordem Tributária e Contra a Previdência Social. Edmar Oliveira Andrade Filho. 7ª ed., Editora Atlas S.A., 2015, pág. 123).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. CRIME SOCIETÁRIO. ARTIGO 1º, II, DA LEI Nº 8.137/90. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE AUTORIA. ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA NO ATO IMPUGNADO. ATUAÇÃO EX OFFICIO DO STF INVIÁVEL. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos crimes societários é prescindível a descrição minuciosa e detalhada das condutas de cada autor, bastando a descrição do fato típico, das circunstâncias comuns, os motivos do crime e indícios suficientes da autoria ainda que sucintamente, a fim de garantir o direito à ampla defesa e contraditório. Precedentes: HC 118.891, Primeira Turma, Relator Min. Edson Fachin, DJe 20/10/2015, HC 116.781, Segunda Turma, Relator Min. Teori Zavascki, DJe 15/04/2014, HC 101.754, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe 25/06/10. (...)
(STF, HC 136822 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 16-12-2016 PUBLIC 19-12-2016) (grifei).
PENAL. PROCESSO PENAL. DA LICITUDE DA PROVA. DA INEXISTÊNCIA DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. DO ADITAMENTO DA INICIAL. DA CONDUTA TÍPICA - SONEGAÇÃO FISCAL. ARTIGO 1°, INCISOS I E II, LEI 8.137/90. DA DOSIMETRIA. (...) II. Nos crimes societários, a exigência de pormenorização da conduta de cada réu é arrefecida, sendo suficiente que a denúncia narre as condutas delituosas de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa, o que foi feito in casu. A denúncia permitiu que os réus exercessem o contraditório e a ampla defesa, de sorte que a rejeição da alegação de inépcia é imperativa, conforme se infere da jurisprudência desta C. Turma. (...).
(ACR 00072762220074036110; 11ª Turma; Rel.: Des. Fed. Cecilia Mello; e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2017) (grifei).

Cabe ressaltar que, nos termos do entendimento sufragado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, ocorre a preclusão da tese de inépcia da denúncia quando ocorre a sobrevinda de sentença penal, conforme é possível ser aferido do julgado que segue:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO DA TESE DE DEFESA, ANTE A SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. Com a superveniência de sentença condenatória - que considerou apta a denúncia e as provas suficientes para a condenação - resta superada a alegação de inépcia da denúncia, que não teria descrito, suficientemente, o fato delituoso e todas as suas circunstâncias, quanto ao ora paciente. II. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a análise da alegação de insuficiência de provas, para a condenação dos pacientes, não pode ser feita na via estreita do writ, eis que demanda reexame minucioso de matéria fático-probatória, insuscetível de ser realizado, em sede de habeas corpus. III. Agravo Regimental desprovido
(AgRg no HC 190.234/RS, Relatora Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 27.08.2013, DJe 06.05.2014) (grifei).

Diante deste cenário, completamente impertinente a alegação de que a peça acusatória teria ofendido, maculado ou dificultado o exercício constitucional do direito de defesa (assegurado a todo e qualquer acusado sob o pálio do devido processo legal e de seus corolários - ampla defesa e contraditório), motivo pelo qual se rechaça a preliminar em comento.

DA MATERIALIDADE DELITIVA

A materialidade delitiva não foi questionada e restou sobejamente comprovada pelo conjunto probatório, sobretudo pelo Procedimento Administrativo Fiscal n.º 19515.720160/2011-68, e os documentos que o acompanham, merecendo destaque a Representação Fiscal para Fins Penais n.º 19515.001135/2011-81, o Termo de Início do Procedimento Fiscal, as Declarações de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) e de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), ambas relativas ao ano-calendário de 2007 (exercício 2008), o Detalhamento Mensal acerca das Declarações de Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf), o Termo de Verificação Fiscal, as Notas Fiscais de Prestação de Serviços emitidas pela empresa fiscalizada, o Demonstrativo Mensal da Receita Bruta, os Autos de Infração referentes à sonegação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, e o Termo de Encerramento, os quais revelam a prática de conduta delitiva no período mencionado na exordial.

A fiscalização realizada pela Receita Federal do Brasil constatou, pela análise das notas fiscais de prestação de serviços, que a empresa Ouro Velho - Promotora de Crédito Ltda. (CNPJ n.º 01.292.346/0001-73) obteve, no ano calendário 2007, receita bruta no valor de R$ 1.067.311,28 (um milhão, sessenta e sete mil, trezentos e onze reais e vinte e oito centavos), a qual não foi informada na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ e na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF, portanto, não serviu de base de cálculo para o recolhimento do imposto de renda e da contribuição social sobre lucro líquido. Referidos documentos, declarações obrigatórias que servem para o auto-lançamento dos tributos pelo contribuinte, foram apresentadas em branco e induziram o Fisco a concluir equivocadamente pela inexistência de créditos tributários.

Em razão da fraude houve a sonegação do valor originário de R$ 116.685,06 (cento e dezesseis mil, seiscentos e oitenta e cinco reais e seis centavos), assim discriminado: R$ 64.599,43 a título de Imposto de Renda Pessoa Jurídica - IRPJ (atualizado: R$ 185.155,00); R$ 28.659,02 a título de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL (atualizado: R$ 82.155,68); R$ 3.729,91 a título de Contribuição para o PIS (atualizado: R$ 10.692,88); e R$ 19.696,70 a título de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS (atualizado: R$ 56.445,43).

A despeito de os valores acima destoarem dos descritos na tabela constante da exordial, registre-se que correspondem aos contidos nos autos de infração acostados aos autos e, por essa razão, devem ser os considerados para fins de materialidade delitiva.

O crédito tributário apurado em R$ 334.448,99 (trezentos e trinta e quatro mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e noventa e nove centavos) foi definitivamente constituído em 30.06.2011 (fl. 341), restando cumpridos os requisitos da Súmula n.º 24 do STF, conforme mencionado alhures.

Outrossim, não foram fornecidos elementos pelo acusado que pudessem ilidir a presunção de veracidade, legitimidade e legalidade de que goza o Procedimento Administrativo Fiscal levado a efeito pela autarquia federal.

Anote-se, por fim, que a auditora fiscal da Receita Federal Regina Sinzato foi ouvida como testemunha da acusação e ratificou integralmente em juízo todo o apurado por ela na fiscalização realizada na empresa autuada (mídia à fl. 528).

Nesse contexto, resta consolidada a materialidade delitiva do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990.

DAS TESES DEFENSIVAS QUANTO AO MÉRITO

No que tange ao mérito a Defesa pleiteia a absolvição alegando erro de tipo e erro de proibição, tendo em vista que o increpado teria delegado a parte contábil ao contador da empresa, e sustenta insuficiência de provas quanto à autoria e ao elemento subjetivo.

Anote-se, de início, que referidas teses já foram objeto de alegações finais, sendo integralmente reproduzidas na Apelação, sem qualquer inovação, e foram satisfatoriamente rebatidas pela sentença de primeiro grau.

No que tange à comprovação da autoria e do elemento subjetivo, vale transcrever o seguinte trecho do decisum recorrido (fls. 591/598):

(...)
2.5. Análise da Autoria Delitiva
A autoria delitiva, igualmente, é certa e induvidosa e deve ser imputada ao réu.
Senão vejamos.
Em juízo, ao prestar seu depoimento em audiência realizada no dia 28 de julho de 2015 (fl. 526, mídia à fl.528), o contador da empresa, Sr. Adão Manuel Soares, em harmonia com o seu depoimento prestado em solo policial (fls.403), aduziu que o acusado LUÍS ANTÔNIO BISCUOLA é o único sócio e administrador da empresa. Mencionou ainda que recebeu ordens expressas do acusado para apresentar a declaração de informação econômico-fiscal da empresa pessoa jurídica DIPJ e a Declaração de Débitos e Créditos Federais DCTF 'praticamente em branco' porque, em momento posterior, após regularizar a situação da empresa, apresentaria uma retificação.
Aduziu, por fim, que nem o acusado LUIS ANTONIO BISCUOLA, nem tampouco o administrador financeiro da empresa, Sr. Adriano Celso Siqueira Soares de Camargo, chegaram a lhe entregar mencionada retificação, fato esse que o levou a findar o contrato com a empresa.
Terminada a relação de prestação de serviços de contabilidade com a empresa Ouro Velho, a testemunha devolveu os poucos documentos que ainda possuía sob sua responsabilidade ao administrador financeiro Sr. Adriano.
Adriano Celso Siqueira Soares de Camargo, ao prestar seu depoimento em audiência realizada no dia 31 de agosto de 2015 (fl. 549, mídia à fl.551), esclareceu muito pouco acerca dos fatos, alegando não ter conhecimento sobre tais documentos em branco, máxime porque não estava na reunião ocorrida entre o acusado e o contador.
Regina Sinzato, Auditora Fiscal da Receita Federal, ao prestar seu depoimento em audiência realizada no dia 28 de julho de 2015 (fl. 527, mídia à fl.528), confirmou a representação fiscal para fins penais em todos os seus termos, explicando que a empresa Ouro Velho Promotora de Créditos Ltda. teve, por conta das notas fiscais de prestação de serviços, uma receita bruta no ano-calendário de 2007 de mais de um milhão de reais, receita bruta essa que não foi informada na declaração de informação econômico-fiscais da pessoa jurídica - DIPJ, nem tampouco na declaração de débitos e créditos tributários federais- DCTF.
Em Juízo, ao ser interrogado na audiência de instrução e julgamento realizada no dia 31 de agosto de 2015, sob o crivo do contraditório e ampla defesa (fl. 550, mídia à fl. 551), o acusado LUIS ANTONIO BISCUOLA confirmou que passou por problemas financeiros em sua empresa no ano-calendário de 2007, todavia, negou que tenha dado instruções ao contador para apresentar a declaração de informação econômico-fiscal da empresa pessoa jurídica DIPJ e a Declaração de Débitos e Créditos Federais DCTF 'praticamente em branco'.
Pois bem.
Da análise das provas colacionadas ao presente feito, restou inconteste que o responsável pela entrega das declarações DIPJ e DCTF era, de fato, o acusado.
Com efeito, em que pesem as negativas por ele expendidas em seu interrogatório, secundadas pelos argumentos lançados pela Defesa, nada há nos autos capaz de ilidir o procedimento administrativo muito bem conduzido que culminou em diversas evidências apontando que o acusado, na condição de responsável legal pela empresa Ouro Velho - Promotora de Crédito, consciente e voluntariamente, prestou Declaração de Débitos e Créditos Federais - DCTF e Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ falsas, no ano-calendário 2007, ao omitir os valores destinados ao cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, apresentando tais valores em branco.
Frise-se, por oportuno, que da análise do Contrato Social de fls. 50/52, notadamente em sua Cláusula 7, infere-se que o réu é sócio administrador da empresa, possuindo elevada participação societária, verbis:
7ª. A administração da sociedade será exercida pelo sócio Luis Antonio Biscuola, fazendo uso da firma isoladamente, autorizado o uso do nome empresarial, vedado, no entanto, em atividades estranhas ao interesse social ou assumir obrigações seja em favor de qualquer dos quotistas ou de terceiros, bem como onerar ou alienar bens móveis da sociedade, sem autorização do outro sócio.(g.n.).
Deve ainda ser observado que, a despeito de devidamente intimado, o acusado não compareceu para prestar esclarecimentos; todavia, determinou ao seu contador que prestasse informações falsas às autoridades fiscais.
Acresça-se, ainda, que a Procuradoria da Fazenda Nacional confirmou que os débitos apurados no Processo Administrativo Fiscal Nº 19515.001135/2011-81 encontram-se definitivamente constituídos e inscritos na Dívida Ativa da União, não havendo parcelamento ativo, pagamento integral do débito ou outras causas de suspensão e extinção do crédito.
Portanto, resulta indeclinável que somente o acusado tinha o domínio do fato, máxime porque era o dono, único sócio e administrador único e último da empresa, é dizer, a pessoa que nela mandava e que, em reunião com o contador Adão Manuel Soares determinou-lhe que entregasse a DIPJ e DCTF da empresa Ouro Velho praticamente em branco, sem informar a receita bruta de mais de um milhão de reais no ano-calendário de 2007, ao argumento de que, posteriormente, apresentaria uma retificação.
Além disso, não faz nenhum sentido que o contador Adão, contra quem o acusado asseverou não ter nada, poderia inventar algo para prejudicá-lo, através de expediente criminoso que favoreceria exclusivamente a empresa Ouro Velho.
Ao contrário, o Sr. Adão mencionou expressamente que o acusado o orientou no sentido da denúncia, ou seja, apresentar a DIPJ e DCTF praticamente zerada - em branco - que depois faria as retificações, informações essas que nunca vieram.
Com relação às declarações do Sr. Adriano, elas não eximem em nada a culpabilidade do réu, pois, de acordo com o contador Adão, a primeira reunião, que foi, na verdade, única, na qual o acusado determinou ao Sr. Adão que apresentasse as declarações zeradas, praticamente em branco, não contava com a presença do Sr. Adriano.
Indubitável, portanto, que o réu era o responsável pela administração e gerência da empresa, bem como pelo pagamento dos tributos, mormente porque era o sócio administrador da empresa.
Ademais, a tentativa do réu em atribuir a responsabilidade dos fatos ao contador não prospera, pois este nenhum interesse teria na redução/supressão dos tributos, já que a responsabilidade pelo pagamento era da empresa.
Deste modo, a conclusão que inexoravelmente se extrai das considerações expostas é que o réu efetivamente omitiu informações às autoridades fazendárias com a finalidade de sonegar tributo.
Não é demais aduzir, outrossim, que qualquer empresário sabe da importância de cuidar e manter em ordem o cumprimento de suas obrigações tributárias.
Por outro lado, é notório que um subalterno ou contador estranho não fraudaria a Fazenda, submetendo-se ao risco de ser responsabilizado, inclusive criminalmente, sem nenhuma vantagem pessoal e sem conhecimento do empregador ou contratante favorecido, contra a vontade destes.
Em contrapartida, ao acusado jamais teria passado despercebida a diminuição tão significativa do montante pago a título de tributos.
Razão pela qual, comandando a empresa, que agia irregularmente na seara fiscal, exercia o domínio do fato e provocou a supressão dos impostos, em detrimento do erário público.
Nessa perspectiva, despontam fartas evidências fartas acerca do dolo, na medida em que não se cuidou de mero inadimplemento de tributo devidamente declarado por causa de dificuldades financeiras supervenientes ou ignorância. Ao omitir ou inserir dados inexatos, ensejando alteração da base de cálculo do tributo, o acusado premeditou e cometeu o crime, imbuído de má-fé, bem como locupletou-se, voluntária e conscientemente, de recursos destinados aos cofres públicos.
Tal situação caracteriza sonegação e difere muito daquela em que o responsável declara o imposto devido, permitindo a constituição regular do crédito, sem necessidade de fiscalização e autuação pela Fazenda, mas não o paga por variados motivos, até mesmo adversidades econômicas.
De modo que, in casu, deve ser aplicada a Teoria do Domínio do Fato, de Claus Roxin. Na exegese de Cezar Roberto Bitencourt [BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, pag. 549.],
'A teoria do domínio do fato, partindo do conceito restritivo de autor, tem a pretensão de sintetizar os aspectos objetivos e subjetivos, impondo-se como uma teoria objetivo-subjetiva. Embora o domínio do fato suponha um controle final, ' aspecto subjetivo', não requer somente a finalidade, mas também uma posição objetiva que determine o efetivo domínio do fato. Autor, segundo essa teoria, é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. É não só o que executa a figura típica, como também aquele que se utiliza de outrem, como instrumento, para a execução da infração penal (autoria mediata). Como ensina Welzel, ' a conformação do fato mediante a vontade de realização que dirige de forma planificada é o que transforma o autor em senhor do fato'.(...)
E, mais adiante, prossegue o ilustre autor:
(...)O âmbito de aplicação da Teoria do Domínio do Fato, com seu conceito restritivo de autor, limita-se aos delitos dolosos. Somente nestes se pode falar em domínio final do fato típico, pois os delitos culposos caracterizam-se exatamente pela perda desse domínio [Idem. Ibidem]
(...)
A jurisprudência sufraga a linha de entendimento que se vem esposando, ao que se constata dos seguintes julgados:
(....) PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, II e III DA LEI 8137/90. REDUÇÃO INDEVIDA DO LUCRO REAL. REFLEXOS NOS CÁLCULOS DO IMPOSTO DE RENDA E CSSL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TEORIA DO DOMÍNIO FINAL DO FATO. DOLO ESPECÍFICO CONFIGURADO, EMBORA INEXIGÍVEL. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELA NÃO REPETIÇÃO DE EXAME GRAFOTÉCNICO REALIZADO EM FASE DE INQUÉRITO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO.
A materialidade delitiva está consubstanciada no auto de infração, no procedimento administrativo fiscal, no auto de exibição de notas fiscais, no ofício do INSS informando não ter havido pagamento do débito e no laudo da perícia contábil. Da análise desses documentos, se constata que o(s) responsável(eis) pela administração da sociedade empresária GRSTEEL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS E METAIS LTDA., teria(m) reduzido tributo por meio das condutas de prestar informações falsas, de fraudar a fiscalização tributária inserindo elementos inexatos em livro fiscal e de alterar notas fiscais. Tais condutas resultaram na redução indevida do Lucro Real na competência de 1999, apresentando reflexos no cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e no cálculo do Imposto de Renda devido, causando ao erário prejuízo de R$ 499.792,00 a título de IRPJ e de R$ 265.340,50 a título de CSSL.
2. Também não há dúvidas acerca da autoria delituosa por parte do apelante, pois, apesar de SALVADOR CARMEM ROMANIA ter deixado de figurar como sócio no contrato social da sociedade sonegadora a partir de 01/04/1999, ficou comprovado que era ele o responsável, de fato, pela administração da empresa na época do crime, tendo em vista os depoimentos das testemunhas, o depoimento do próprio acusado em interrogatório, e o depoimento do auditor fiscal responsável pela fiscalização, prestado na fase de inquérito.
3. Segundo a Teoria do Domínio Final do Fato, considera-se autor quem tem o controle final do fato e decide sobre a prática, circunstância e interrupção do crime. De toda sorte, ainda que o apelante desconhecesse a prática das condutas que lhe são imputadas, tal fato não afastaria a autoria delitiva já que, repito, a ele competia a administração da sociedade, cabendo-lhe o controle, a fiscalização e consequente responsabilidade pelas operações realizadas.
4. A alegação do acusado em interrogatório judicial de que houve mero erro por parte dos funcionários ou extravio de documentos não é suficiente para afastar a tipicidade da conduta, até porque a sociedade foi intimada administrativamente a sanar todas as omissões e incorreções apontadas e nada fez.
5. O tipo penal descrito no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 exige apenas o dolo genérico, não sendo essencial o dolo específico ou especial fim de agir, bastando apenas que o agente preste declarações falsas às autoridades fazendárias, independentemente do motivo. Embora inexigível, revela-se o dolo específico na conduta do apelante.
6. Conforme conclusão do laudo pericial grafotécnico, realizado na fase de inquérito policial (vide fls.171/174), SALVADOR seria o autor dos lançamentos manuscritos constantes das notas fiscais alteradas, submetidas à fiscalização fazendária. A despeito do que alega o apelante, não há óbice a que esse laudo seja livremente apreciado pelo órgão julgador para a formação de sua convicção, até porque foi elaborado por peritos oficiais, segundo os ditames da lei processual.
7. É facultado ao juiz, motivadamente, indeferir diligências ou negar pedido de produção de provas, se julgar impertinentes para a instrução do processo, ou se julgar suficientes para o seu convencimento as demais provas colhidas. A não repetição da referida perícia grafotécnica perante o juízo não implicou em cerceamento de defesa, até porque a conclusão deste laudo não é o principal elemento ensejador da condenação, servindo apenas como mais um indício, considerado em consonância com as demais provas documentais e testemunhais, da responsabilidade de SALVADOR pela condutas descritas na denúncia.
8. Comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, bem como a prática livre e conscientemente das condutas tipificadas no art. 1º, I, II e III da Lei n. 8.137/90, é de rigor a manutenção da condenação do réu SALVADOR CARMEM ROMANIA, como incurso nas penas do mencionado dispositivo legal.
9. Apelação do réu a que se nega provimento.
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 39428 - 0006704-41.2004.4.03.6120, Rel. JUIZ CONVOCADO RENATO TONIASSO, julgado em 05/10/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/10/2010 PÁGINA: 195)
(...)PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A TRIBUTÁRIA: ART. 1º, I, DA LEI 8137/90: DECLARAÇÃO FALSA DE IMPORTAÇÃO ISENTA DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS REFERENTE A PRODUTOS DESTINADOS A PESQUISAS CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS: DESVIO DE FINALIDADE. LEI 11.719/08: NATUREZA PROCESSUAL: INSTRUÇÃO FINDA: INAPLICABILIDADE. DESNECESSIDADE DE REINTERROGATÓRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO, PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ: REGRA DE JULGAMENTO: FÉRIAS REGULAMENTARES: CASO DE AFASTAMENTO. NULIDADE DA SENTENÇA QUE NÃO SE RECONHECE. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS: TEORIA DO DOMÍNIO FINAL DO FATO. DOLO ESPECÍFICO CONFIGURADO, EMBORA INEXIGÍVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA: ALTO VALOR DOS TRIBUTOS SONEGADOS: REPERCUSSÃO NAS CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME: PENA-BASE MAJORADA.
1. Finda a instrução, e realizado o ato processual de interrogatório, que compõe esta fase, sob a égide da lei antiga, não há nulidade pela falta de novo interrogatório após a oitiva das testemunhas, já que se trata de lei processual, que não prejudica os atos já realizados.
2. O princípio da identidade física do juiz (art. 399, 2º, CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.719/08) pressupõe corretamente que está mais apto a julgar aquele que teve contato pessoal com as testemunhas, tenha feito inspeção judicial e qualquer outra forma de colheita pessoal das provas, de preferência àquele que poderia apenas ler nos autos o registro escrito de tais atos. O juiz que deve proferir a sentença não é aquele que houver simplesmente determinado a expedição de carta precatória para oitiva de testemunhas, apreciado pedido de requisição de documentos ou informações na fase, do artigo 499 do CPP. Com mais forte razão a sentença não deve ser proferida pelo juiz que meramente declarou encerrada a fase instrutória e determinou a intimação das partes para alegações finais.
3. Ademais, se o Magistrado está em gozo de férias regulamentares por ocasião da prolação da sentença, trata-se de caso de afastamento que excepciona a aplicação do princípio da identidade física do Juiz, nos termos do artigo 312 do CPC, aplicado por analogia ao processo penal (art. 3º do CPP).
4. Comprovadas nos autos a materialidade e autoria do crime previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90. O réu, na qualidade de representante legal de uma instituição educacional, suprimiu tributo por meio de declaração falsa às autoridades fazendárias por meio da utilização de benefícios fiscais para importar indevidamente produtos estrangeiros que, quando destinados a pesquisas científicas e tecnológicas, são isentos de Imposto de Importação-II e Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI- artigo 1º, da Lei 8010/90) sem, todavia, dar a esses produtos importados a destinação que justificava a isenção, fato que causou aos cofres públicos o prejuízo R$ 1.381.207,12 (um milhão, trezentos e oitenta e um mil, duzentos e sete reais e doze centavos). Crédito inscrito em dívida ativa, sem causa de suspensão de exigibilidade.
5. Segundo a Teoria do Domínio Final do Fato, considera-se autor quem tem o controle final do fato e decide sobre a prática, circunstância e interrupção do crime. De toda sorte, ainda que o réu desconhecesse o uso indevido dos equipamentos, não restaria afastada a autoria delitiva, já que a ele competia a administração da instituição de ensino, cabendo-lhe o controle, a fiscalização e conseqüente responsabilidade pelas operações realizadas.
6. O tipo penal descrito no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 exige apenas o dolo genérico, não sendo essencial o dolo específico ou especial fim de agir, bastando apenas que o agente preste declarações falsas às autoridades fazendárias, independentemente do motivo. Embora inexigível, revela-se o dolo específico na conduta do apelante.
7. O alto valor dos tributos sonegados, causador de grave dano e prejuízo aos cofres públicos, constitui circunstância que repercute nas consequências do crime, impondo a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Pena-base elevada para três anos de reclusão.
8. Mantida a incidência da causa de aumento prevista no art. 71 do CP no patamar de dois terços: Pena elevada para cinco anos de reclusão, a serem cumpridos inicialmente em regime semi-aberto, e pagamento de 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa no valor estipulado pela sentença.
9. Afastada a substituição da pena privativa de liberdade, tendo em vista o quantum aplicado.
10. Apelação da defesa a que se nega provimento. Apelação da justiça Pública a que se dá provimento para majorar a pena-base do réu.
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, EIFNU - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 39959 - 0102543-43.1997.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF, julgado em 26/10/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/11/2010 PÁGINA: 254)
Portanto, o acervo probatório edificado aos autos é suficiente para configurar o dolo na conduta delitiva do acusado, à luz da Teoria do Domínio do Fato.
Obtempere-se, ainda, que acusado não produziu nenhuma prova no sentido de excluir sua culpabilidade ou infirmar aquelas que foram produzidas pela acusação, restando suas asserções totalmente isoladas do contexto probatório trazido com o inquérito policial e confirmado em Juízo, na instrução criminal.
Infere-se, por conseguinte, que o réu absolutamente não logrou provar suas alegações, eximindo-se de ônus que lhe competia, à luz do artigo 156 do Código de Processo Penal, verbis:
'Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer(....)'
Por outro viés, sublinho que o ônus probandi, não é um dever processual afeto apenas ao órgão acusatório, incumbindo à defesa a sua prova.
Ademais, o STF já teve oportunidade para decidir neste sentido no HC 68.964-7-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 22.4.94, cuja ementa tem o seguinte teor:
'O álibi, enquanto elemento de defesa, deve ser comprovado, no processo penal condenatório, pelo réu a quem seu reconhecimento aproveita'.
Ora, LUIS ANTONIO BISCUOLA, em seu interrogatório, limitou-se a negar a autoria delitiva, através de versão claramente fantasiosa e pouco crível, repleta de contradições e não encontrando amparo em nenhum elemento de prova, restando destoante do conjunto probatório.
A defesa, por seu turno, não carreou ao bojo destes autos nenhum elemento de prova que colocasse em dúvida o depoimento das testemunhas ou que corroborasse a versão aduzida pelo réu.
Por conseguinte, suas justificativas afiguram-se desmerecedoras de crédito quando em confronto com os demais elementos de prova, sobretudo porque isolado frente à prova produzida.
Dessa forma, há elementos probatórios suficientes nos autos no sentido de que LUIS ANTONIO BISCUOLA, perpetrou o crime previsto no artigo 1º, I, c.c. art. 12, ambos da Lei 8137/90.
Como se vê, a prova acusatória encerrou-se firme, coesa e robusta, pois os relatos (declarações e depoimentos) colhidos no curso do contraditório ajustaram-se em perfeita harmonia aos demais elementos de convicção existentes nos autos, inclusive àqueles colhidos na fase extraprocessual.
(...)

A tese acusatória restou comprovada por meio de prova documental e testemunhal. O Contrato Social acostado às fls. 50/52, traz a informação de que ao réu LUIS ANTONIO BISCUOLA competia a exclusiva administração da empresa Ouro Velho - Promotora de Crédito Ltda. A testemunha arrolada pela acusação, Adão Manuel Soares Dias, informou que era o contador da empresa e apontou o increpado como sendo o exclusivo responsável pela gestão da pessoa jurídica autuada e, inclusive, afirmou que recebeu ordens dele para a emissão da DIPJ e da DCTF relativas ao ano-calendário 2007 com valores em branco (mídia à fl. 528).

Vale destacar que o próprio réu, embora tenha negado a prática delitiva, não refutou o fato de ser o administrador da empresa em questão (mídia à fl. 551) e, de qualquer forma, não trouxe elementos aos autos capazes de comprovar a alegada atuação insubordinada do contador, contrariando, assim, o disposto no artigo 156, caput, do Código de Processo Penal.

Ao contrário do pretendido pela Defesa, a existência de um profissional para elaboração da contabilidade empresarial não exime o gestor de sua responsabilidade pelas questões tributárias da pessoa jurídica, ao contrário, pode até configurar a presença do dolo eventual, a depender das circunstâncias fáticas, revelando descaso com o dever de administrar a empresa.

Neste cenário, caem por terra as alegações defensivas de ocorrência do erro de tipo e erro de proibição em face de o increpado ter delegado a parte contábil ao contador da empresa.

Em primeiro lugar porque, como se disse acima, não se comprovou que o contador Adão Manuel Soares Dias, contratado pelo réu, tivesse realizado as fraudes apuradas pela Receita Federal por conta própria, sem a anuência de seu contratante LUIS ANTONIO BISCUOLA.

E em segundo lugar porque, ainda que se verificasse a aludida situação, ela não seria capaz de configurar erro de tipo ou erro de proibição, afastando-se o dolo do réu nos termos argumentados pela Defesa, conforme adiante se verá.

No que diz respeito ao erro de tipo, o art. 20, caput, do Código Penal dispõe que "o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei."

Anote-se que os crimes tributários (arts. 1º a 3º da Lei nº 8.137/1990) somente são puníveis a título de dolo, assim, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Código Penal, a consequência do erro de tipo em crimes desta espécie é a atipicidade da conduta ("salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente").

A supressão ou redução do tributo incide sobre elemento constitutivo do tipo e somente seria possível se falar em erro de tipo em havendo a sonegação no recolhimento do tributo em razão de erro na interpretação tributária. Seria o caso, por exemplo, do contribuinte adotar um tipo de tributação com alíquota inferior ao sistema pretendido pelo erário, o qual, todavia, refletiria operação lícita e factível no âmbito tributário.

Não é esse o caso dos autos, pois o increpado conhecia sua obrigação de prestar as corretas informações ao Fisco para tributação, tanto que determinou ao contador a emissão da DIPJ e da DCTF relativas ao ano-calendário 2007 com valores em branco com o claro intuito de sonegar tributos federais. Essa conduta revela não somente sua participação direta nos fatos, como também sua intenção fraudulenta.

Acerca do tema, mister colacionar o seguinte trecho da sentença recorrida (fls. 586v./589):

(...)
Ou seja, o réu determinou ao contador que apresentasse a declaração de informação econômico-fiscais da empresa pessoa jurídica - DIPJ e a Declaração de Débitos e Créditos Federais - DCTF praticamente em branco, mencionando que, oportunamente, procederia à regularização, o que não aconteceu.
Desse modo, o acusado levou a Receita Federal a uma percepção incorreta da real situação da empresa, com a consequência tributária de se eximir do pagamento de impostos.
O fato é que o acusado se valeu de um expediente que iludiu a Receita Federal e, com essa ilusão, logrou eximir-se do pagamento de tributos.
De conseguinte, cai por terra a alegação de erro de tipo essencial invencível, pugnada pela defesa.
Colaciono, a propósito, precedentes oriundos do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, verbis:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, INC. II, DA LEI 8.137/90. PARCELAMENTO DA DÍVIDA NÃO ENSEJA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ERRO DE TIPO. ERRO DE PROIBIÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INCABÍVEL. PENA-BASE MANTIDA. REDUÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A previsão de extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida é um benefício previsto em lei que tem interpretação restrita, isto é, somente se aplica diante do pagamento integral.
2. A materialidade delitiva está devidamente demonstrada por meio da representação fiscal para fins penais: auto de infração, termo de início de fiscalização, termo de constatação e verificação fiscal, demonstrativo de apuração e termo de encerramento.
3. Autoria e dolo comprovados.
4. Para a configuração do erro de tipo é necessário que o agente suponha, por erro, situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, o que não ocorreu.
5. Para configurar o erro de proibição é necessário que o agente suponha, por erro, que seu comportamento é lícito, vale dizer, há um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade.
6. Verifica-se que o acusado era imputável, na época dos fatos, e possui formação superior em Administração. Como gestor da empresa, tinha o dever de saber que inserir informações não existentes para reduzir o valor do imposto é crime.
7. Ademais, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal é expresso: 'O desconhecimento da lei é inescusável.'
8. Para o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, faz-se imprescindível a prova inequívoca dos fatos - que hão de ser excepcionais, frise-se - que lhe dão suporte, não se afigurando suficientes, por razões de ordem intuitiva, meras declarações prestadas pelo réu.
9. No caso presente não foram trazidos aos autos elementos que comprovassem sequer a existência das alegadas dificuldades financeiras, não havendo, pois, provas a excluir a ilicitude do fato ou a culpabilidade do agente.
10. Pena-base mantida, pois o valor do débito tributário apurado em decorrência da conduta delitiva praticada pelo acusado justifica-se a majoração.
11. Merece reparo o valor da prestação pecuniária, pois, sopesadas as circunstâncias do caso, e considerando a situação econômica do réu, reputo excessivo o valor de 100 (cem) salários mínimos fixado, razão pela qual reduzo a prestação pecuniária para 20 (vinte) salários mínimos.
12. Recurso parcialmente provido.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 55982 - 0007037-62.2008.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 25/04/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2016)
(...) PENAL - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - ARTIGO 1º, I E II, DA LEI 8.137/90 - TRANCAMENTO DA AÇÃO - AFASTAMENTO - CRÉDITO TRIBUTÁRIO EFETIVAMENTE CONSTITUÍDO NA ESFERA ADMINISTRATIVA - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO - COMPROVAÇÃO - ERRO DE TIPO E DIFICULDADES FINANCEIRAS - ALEGAÇÕES NÃO DEMONSTRADAS - CONCURSO MATERIAL - AFASTAMENTO - RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
1.- Não há falar-se em trancamento da ação penal em tela, tendo em vista a informação da Secretaria da Receita Federal de fls. 474/475, dando conta que o crédito tributário em referência tornou-se definitivamente constituído na esfera administrativa em 26 de outubro de 2001, sendo encaminhado para inscrição em Dívida Ativa da União em 18 de fevereiro de 2002.
2.- Materialidade delitiva comprovada por meio do procedimento administrativo-fiscal encartado aos autos, particularmente, pelas declarações de imposto de renda pessoa jurídica ideologicamente falsas, apresentadas ao Fisco, e demais elementos colhidos da escrituração da empresa, tais como páginas do Livro Diário, em que atestada pela Auditoria Fiscal as rasuras e inserções de elementos inexatos, aptas à redução do faturamento líquido da empresa, com conseqüente redução de tributos.
3.- Autoria também demonstrada, ante todo o contexto probatório produzido.
4.- A alegação de erro de tipo escusável também é claramente protelatória e, inclusive, confunde-se com todas as demais questões analisadas, já que, mais uma vez, o acusado tenta isentar-se, imputando toda a responsabilidade à contadoria, isto é, ao escritório da acusada Vanja Batista.
5.- As dificuldades financeiras acarretadoras de inexigibilidade de outra conduta (excludente de culpabilidade) devem ser de tal monta que ponham em risco a própria sobrevivência da empresa, cabendo ao acusado cabal demonstração de tal circunstância, nos termos do art. 156 do CPP, sendo que a simples existência de protestos e ações judiciais em curso são circunstâncias normais no dia-a-dia de qualquer empresa, sendo necessário, para o reconhecimento da exculpante, provas robustas da precariedade econômico-financeira, o que, porém, não foi trazido pela defesa.
6.- O caso dos autos, ao contrário do entendimento esposado em primeiro grau, revela a ocorrência de continuidade delitiva, nos termos do artigo 71 do Código Penal, porquanto os delitos previstos nos incisos I a V do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 são da mesma espécie, tendo sido previstos no bojo do mesmo tipo penal e praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução. Precedentes desta Corte.
7.- Concurso material afastado, com a conseqüente redução da pena.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 9717 - 0607107-21.1995.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 28/08/2007, DJU DATA:18/09/2007 PÁGINA: 287)
Igualmente não prospera o argumento da defesa de ausência de dolo na conduta do acusado.
Ora, consoante já assinalado, o acusado figurava como sócio administrador da sociedade em questão e tinha pleno conhecimento dos negócios firmados e dos atos perpetrados perante as autoridades competentes.
As provas coligidas aos autos evidenciaram, portanto, o elemento cognitivo ou intelectual (consciência atual), abrangendo todos os elementos essenciais e constitutivos do tipo penal, bem como o elemento volitivo (vontade) na conduta de LUIS ANTONIO BISCUOLA.
(...)

Portanto, não há que se falar em erro de tipo.

Outrossim, não assiste melhor sorte à Defesa quanto à alegação de desconhecimento da lei, que repousa no artigo 21 do Código Penal, in verbis:

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

O erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato não se equipara ao mero desconhecimento da lei, mas ao desconhecimento de que a conduta é contrária à legislação.

A ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade.

A perquirição sobre a incidência de erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato nos crimes tributários pode ocorrer, por exemplo, na hipótese de um acusado que tenha parcelado o débito tributário, todavia o pagamento das prestações avençadas tenha ocorrido sem a incidência da taxa SELIC, em afronta ao disposto no artigo 13 da Lei n.º 10.522/2002.

No caso em concreto, a análise do conjunto probatório revela que o réu LUIS ANTONIO BISCUOLA tinha a clara percepção do caráter ilícito de sua conduta, além do que, o dever de pagar impostos é de amplo conhecimento de todo empresário.

O tema foi sobejamente abordado pela r. sentença recorrida, merecendo transcrição o trecho a seguir (fls. 600/602v.):

(...)
3.2. Análise da Potencial Consciência da Ilicitude
Nesta fase, cabe ao magistrado investigar se o agente, ao praticar o delito, tinha possibilidade de saber que fazia algo errado ou injusto, de acordo com o meio social que o cerca, as tradições e costumes locais, nível intelectual e sua formação cultural. Será necessário, portanto, que, além de não conhecer o caráter ilícito do fato, o acusado não tinha nenhuma possibilidade de fazê-lo.
Dentro dessa perspectiva, da análise dos dados acima alinhavados, e o mais que dos autos consta, verifico que existia plena possibilidade de LUIS ANTONIO BISCUOLA conhecer o caráter ilícito de sua conduta ou, noutro falar, tinha possibilidade de saber que o que fazia era crime, demonstrando ser uma pessoa integrada na sociedade e perfeitamente consciente do que é certo e ilícito.
Com efeito, a par de mencionar em seu interrogatório que é administrador de empresas, o réu demonstrou ser pessoa integrada na sociedade, máxime porque a empresa Ouro Velho Promotora de Créditos Ltda., empresa em que é o único sócio e proprietário, obteve, por conta das notas fiscais de prestação de serviços uma receita bruta no ano-calendário de 2007 de mais de um milhão de reais, receita bruta essa que não foi informada na declaração de informação econômico-fiscais da pessoa jurídica na declaração de débitos e créditos tributários federais DCTF.
Assim, o réu tanto conhecia a legislação que estava a prestar informação falsa à autoridade fazendária e, por conseguinte, reduziu os tributos devidos causando dano ao erário público.
Dito isto, cumpre asseverar que diante da contundência das provas e dos fatos aqui delineados não restam dúvidas de que o acusado tinha consciência de que praticava um ilícito ao determinar que o seu contador apresentasse as declarações 'praticamente em branco'.
Por outro viés, conforme já explicitado, para a caracterização do erro de proibição, opera-se a completa inconsciência do ilícito por parte do agente. E não se trata aqui do conhecimento estrito da lei, mas sim no sentido de que não poderia o réu sequer supor que a conduta não é a correta, apropriada, ou ilícita.
Neste sentido, o entendimento jurisprudencial do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, verbis:
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, I, DA LEI 8137/90. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. PROVAS LÍCITAS. AMPARO LEGAL. PRECEDENTES DO STF E DEMAIS TRIBUNAIS PÁTRIOS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ERRO DE PROIBIÇÃO. NÃO CARACTERIZADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PENA DE MULTA REFORMADA. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Quebra de sigilo bancário. Licitude das provas. Legalidade. Provas admitidas, para embasar a condenação. Precedentes do STF, STJ e desta E. Corte.
2. A materialidade delitiva restou comprovada por meio da farta documentação que instruiu o Procedimento Administrativo Fiscal, instaurado pela Delegacia da Receita Federal, dentre os quais podemos citar o Termo de Início da Ação Fiscal, o Auto de Infração, os demonstrativos de apuração e o Termo de Encerramento de Ação Fiscal.
3. A autoria não foi objeto de recurso, restando devidamente demonstrada pelo conjunto probatório contido nos autos.
4. Dolo comprovado. Não houve comprovação da defesa, por meio de documentação idônea, acerca da alegação de que os valores movimentados na conta do apelante não constituíram rendimentos tributáveis auferidos por ele. Ademais, há uma presunção legal no sentido de que esses valores pertencem ao apelante, sujeitos, portanto, à incidência do imposto de renda, apesar de não informados na declaração de ajuste anual.
5. Erro de proibição não caracterizado. A declaração de rendimentos recebidos pela pessoa física é procedimento de conhecimento notório de qualquer cidadão de instrução mediana. No caso, não se trata de pessoa ignorante, mas um corretor de imóveis que movimentou mais de cinco milhões de reais em sua conta corrente. Outrossim, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal é expresso: 'O desconhecimento da lei é inescusável.'
6. Reforma da pena de multa, posto que a fixação desta deve ser realizada demodo proporcional ao cálculo realizado na fixação da pena privativa de liberdade.
7. Recurso da defesa parcialmente provido.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 58443 - 0009265-61.2010.4.03.6109, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 22/08/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/08/2016).
(...)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. REDUÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA E REFLEXOS. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL NÃO VERIFICADA. SÚMULA VINCULANTE Nº 24. MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME. DEMONSTRAÇÃO. DOLO CONFIGURADO. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA. REVISÃO. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
Ação penal que preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, segundo a qual "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".
2- Ação penal fundada em crédito tributário definitivamente constituído na esfera administrativa, o que basta à configuração da justa causa para a ação penal.
3-Lançado o tributo na esfera administrativa, preenchida está a condição objetiva de punibilidade prevista na Súmula Vinculante nº 24. A partir daí, a conclusão do juízo penal pela subsunção da conduta real à figura típica inserta na norma penal é independente do quanto apurado na esfera administrativa, tanto porque as infrações não se confundem, quanto porque os sistemas em que inseridos cada um dos aspectos da conduta imputada ao réu têm suas próprias regras de aferição de responsabilidade, principalmente quanto ao ônus da prova, que, na seara penal é do órgão acusatório, militando em favor da contribuinte e ora réu a presunção de inocência (não-culpabilidade). Assim, a alegada violação ao contraditório na esfera do processo administrativo fiscal não tem o condão de nulificar a ação penal fundada naquele procedimento.
4- A garantia material que não pode ser afastada, esta, sim, apta a invalidar o processo penal, é a do contraditório e da ampla defesa no bojo da ação penal, por meio da qual ao acusado é conferida a oportunidade de impugnar as conclusões do auditor, juntar documentos, arrolar testemunhas e, principalmente, influenciar o juízo de convicção sobre o qual se fundou a sentença ao final proferida.
5- Transcorrido integralmente o prazo legal para impugnação, sem a interposição do competente recurso pela parte interessada, tem-se preclusa a oportunidade e, portanto, definitiva, na esfera administrativa, a constituição do crédito tributário.
6- Materialidade e autoria do crime demonstradas pela prova documental e testemunhal produzida nos autos.
7- O erro de proibição, ou erro a respeito da ilicitude do comportamento, como se sabe, não se equipara ao mero desconhecimento da lei; trata-se, isso sim, de não vislumbrar (o agente) nexo de ilicitude, é dizer, nexo de amoldamento entre sua conduta concreta e uma figura penal prevista na legislação. É o desconhecimento a respeito de sua conduta concreta ser contrária à legislação. Hipótese não configurada no caso concreto.
8- O objeto material do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 é apenas o valor do tributo efetivamente suprimido/reduzido, sem a inclusão dos consectários civis do inadimplemento (juros e multa).
9- Configurada a continuidade delitiva, pois os delitos foram praticados em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, ao longo de anos-calendário subsequentes (art. 71 do Código Penal).
10- Dosimetria. Revisão. Mantida a exasperação da pena-base em razão das consequências do crime. Afastada a causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, pois o valor histórico dos tributos sonegados não autoriza o reconhecimento de que a conduta criminosa causou grave dano à coletividade, como exige a norma penal.
11- Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
12- Apelo defensivo parcialmente provido.
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 70075 - 0003479-48.2015.4.03.6113, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 25/04/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/05/2017).
Ante o exposto, afasto a tese defensiva do erro de proibição aventada pela Defesa.
Enfeixada se encontra, portanto, a potencial consciência da ilicitude do acusado e, como consequência lógica, excluído o erro de proibição escusável ou inescusável, delineados no artigo 21, caput, do Código Penal.
(...)

Assim, também deve ser refutada referida tese defensiva.

Por fim, ao contrário do alegado em sede recursal, há nos autos prova suficiente acerca do elemento anímico, evidenciado pela própria conduta do réu, o qual determinou ao seu contador a informação ao Fisco de valores zerados na DIPJ e na DCTF relativas a 2007 com o claro intuito de sonegar tributos federais, sobretudo diante do fato de que o faturamento apurado nas Notas Fiscais de Prestação de Serviços emitidos pela empresa por ele administrada (Ouro Velho - Promotora de Crédito Ltda.) superou um milhão de reais.

O tipo penal descrito no artigo 1º e seus incisos, da Lei n.º 8.137/1990, prescinde de um especial estado de ânimo dirigido à sonegação fiscal. Basta o dolo genérico à sua configuração, consistente na vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo por meio das condutas elencadas no dispositivo legal. Não importa o motivo pelo qual o agente foi levado à prática do crime, sendo suficiente que sua conduta se amolde ao comportamento descrito na norma.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. OMISSÃO DE RECEITA DA PESSOA JURÍDICA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. RECONHECIMENTO DE ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 12 DA LEI N. 8.137/90. IMPROCEDÊNCIA. RELEVANTE VALOR SONEGADO E GRAVE DANO À COLETIVIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. DESTINAÇÃO DE OFÍCIO PARA A UNIÃO. APELO DESPROVIDO.
1- Imputa-se ao apelante, na qualidade de responsável pela empresa, a prática do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 8.137 /90, por suprimir o pagamento de tributos no total de R$1.793.949,40, mediante declaração falsa e inexata, na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica no ano-calendário 2002.
2- Materialidade demonstrada pela prova documental coligida (extratos bancários, livro caixa, livro de saída de mercadorias, etc.) que aponta que o réu realizou as vendas escrituradas em seu livro caixa, omitindo, no entanto, tais rendimentos de sua declaração à Receita Federal. Em razão de tais omissões (declarações falsas e inexatas) foi suprimido tributo no montante de R$1.793.949,40 (um milhão setecentos e noventa e três mil novecentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos).
3 - A autoria restou inconteste: o conjunto probatório demonstra que o réu era o titular da empresa e único responsável pelas declarações falsas e inexatas prestadas à Receita Federal.
4 - A alegação de ausência de dolo não convence. O dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.
5 - A incidência de tributos é inerente ao exercício da atividade mercantil. Além disso, o réu laborava no ramo habitualmente desde 1995, não se tratando, desse modo, de pessoa ignorante. Ademais, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal, é expresso: "O desconhecimento da lei é inescusável."
6 - Afastada a alegação de inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade em razão de dificuldades financeiras.
7 - Para que caracterizem a excludente, as adversidades devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, sendo certo que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. No caso dos autos, no entanto, os meses nos quais houve omissão de receita foram justamente aqueles nos quais a empresa auferiu maior rendimento.
8 - Não há demonstração da impossibilidade financeira alegada no período dos ilícitos, não tendo a defesa se desincumbido do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.
9 - A dosimetria da pena não comporta reparos. A pena base foi fixada no mínimo legal, inexistindo atenuantes ou agravantes.
10 - A sonegação de vultosa quantia (R$ 1.793.949,40) não é ínsita ao tipo penal, vale dizer, não consubstancia elementar da figura típica e justifica a incidência da majorante específica em comento (art. 12, I, da Lei nº 8.137/90), na terceira fase do sistema trifásico, disso não resultando bis in idem ou ofensa à taxatividade.
11- Mantida a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, eis que presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal.
12 - Alterada, de ofício, a destinação da pena pecuniária em favor da União. 13 - Apelo desprovido.
(ACR 00126649020084036102, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 27/06/2014) (grifei).

Nesta toada, comprovadas a materialidade, autoria e o dolo, e afastadas as alegadas excludentes, deve ser mantida a condenação de LUIS ANTONIO BISCUOLA pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990.

DA DOSIMETRIA DA PENA

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.

Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.

Atento a estes elementos o sentenciante efetuou a dosimetria nos seguintes termos:

(...)
A) Culpabilidade: Analisada a culpabilidade agora em seu sentido lato, como juízo de reprovação (análise esta bem diferente da realizada em tópico anterior, em que se verificou a culpabilidade em sentido estrito, sob o enfoque de pressuposto para aplicação da pena, à luz da teoria finalista da ação), nesta fase, a culpabilidade será apreciada sob o foco da reprovação social, de acordo com as condições pessoais do agente, grau de instrução, condição social, vida familiar, cultura, meio social onde vive. Também será analisada a intensidade do dolo: quanto mais intenso for o dolo, maior será a censura; quanto menor a sua intensidade, menor será a censurabilidade. Em caso de crime culposo, também deve ser verificada a maior ou menor violação do cuidado objetivo.
-Para pontuar este tópico, utilizar-se-á o seguinte critério:
a) A culpabilidade do réu é merecedora de reprovação em grau elevado (04 meses e 15 dias);
b) A culpabilidade do réu é merecedora de reprovação em grau médio (03 meses);
c) A culpabilidade do réu é merecedora de reprovação em grau mínimo (01 mês e 15 dias);
d) A culpabilidade do réu não se afastou do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo (não há valoração).
Observo que o valor do débito é circunstância judicial passível de ensejar exasperação da pena-base do delito de sonegação fiscal, segundo remansoso entendimento jurisprudencial.
No caso ora em apreciação, e consoante já assinalado, os valores sonegados pelo acusado são de alto valor eis que o acusado obteve, no ano calendário de 2007, receita bruta no valor de R$1.067.311,28 ( um milhão, sessenta e sete reais e vinte e oito centavos), sendo que o valor do tributo suprimido , consolidado em agosto de 2014 foi de R$ 504.150,00 ( quinhentos e quatro mil e cento e cinquenta reais). (Processo Administrativo Nº 19515.001135/2011-81).
De conseguinte, a culpabilidade do réu afastou-se do grau normal de reprovabilidade adequada ao tipo, sendo sua conduta merecedora de elevada censura.
Perfilhando o mesmo entendimento, assim já se manifestou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE PARA A MAJORAÇÃO PROCEDIDA. CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. ALTO VALOR SONEGADO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVAMENTE VALORADA. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. AGRAVANTE NÃO APLICADA PELO JUÍZO. (...) Hipótese em que a paciente foi condenada pela prática de crime contra a ordem tributária, tendo sido fixada a pena-base acima do mínimo legal, em razão da análise desfavorável da circunstância judicial concernente às consequências do crime. A pena-base aplicada ao paciente pelo Magistrado singular, a partir do exame das circunstâncias judiciais relativas à conduta pessoal e social da ré, aos antecedentes, motivos, circunstâncias e consequências do crime, foi fundamentadamente fixada, em obediência aos critérios de lei, com a devida ressalva dos motivos que levaram à indigitada exasperação do seu quantum. Para majorar a sanção, fulcrado no exame desfavorável de apenas uma circunstância judicial, referente às consequências do crime, o Julgador de 1º grau ressaltou a sonegação de valor em patamares superiores a quatro milhões de reais. Não se trata de afirmação genérica acerca da gravidade do delito, ou das graves consequências que a conduta da paciente causou ao país, ou da simples menção a circunstância judicial do art. 59 do Estatuto Punitivo, mas, sim, da referência expressa à quantia de quatro milhões de reais que, sem titubear, pode-se afirmar trará gravíssimas consequências ao Estado Brasileiro. O contexto fático do caso dos autos revela situação peculiar autorizadora de maior reprovação social, capaz de impedir a fixação da pena-base no mínimo legal. O Juiz prolator da sentença condenatória consignou, expressamente, o vultoso montante do tributo não recolhido - quatro milhões de reais -, e, assim, não obstante o grave dano à coletividade, evidenciado pela falta, aos cofres públicos, da referida quantia, não fez incidir o agravamento previsto no art. 12, inciso I, da Lei 8.137/90, optando por valorar negativamente as consequências do crime. Procedimento que não se reveste de ilegalidade, pois o que o Magistrado não poderia fazer seria utilizar este mesmo fato para majorar a pena-base e, em seguida, agravar a reprimenda, sob pena de incorrer em bis in idem. A opção do Juiz, que adotou o quantum de seis meses para majorar a pena-base, foi mais benéfica à acusada do que o eventual aumento da sanção de um terço até a metade, isto é, de oito a doze meses, previsto na Lei 8.137/90. (...) Ordem denegada.
(STJ, HC n. 200602476529, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 08.05.07). (negritei e sublinhei).
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. APLICAÇÃO DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. CONSIDERÁVEL MONTANTE SONEGADO (R$ 3.473.851,33 - TRÊS MILHÕES, QUATROCENTOS E SETENTA E TRÊS MIL, OITOCENTOS E CINQUENTA E UM REAIS E TRINTA E TRÊS CENTAVOS). MAJORAÇÃO JUSTIFICADA (...) 1. O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime, além das próprias elementares comuns ao tipo. E, quando considerar desfavoráveis as circunstâncias judiciais, deve o magistrado declinar, motivadamente, as suas razões, pois a inobservância dessa regra implica ofensa ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. 2. Na hipótese dos autos a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, tendo em vista circunstância desfavorável referente às consequências do crime, quanto ao considerável montante do tributo sonegado, o que evidencia, sem sombra de dúvida, consequência extremamente nociva ao erário. (...) 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e nessa parte denegada.
(STJ, HC n. 201001879839, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.05.13) (grifei e sublinhei).
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região também é nesse sentido:
PENAL. LEI N. 8.137/90, ART. 1, I (...) DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. (...) 7. Não obstante o apelante não apresente registros criminais pretéritos (fls. 34, 71/72, 74/75 e 78), é certo que as consequências do crime são gravosas, tendo em vista o elevado valor sonegado, que totalizava R$ 1.200.813,70 (um milhão duzentos mil oitocentos e treze reais e setenta centavos), à data da lavratura do auto de infração (fls. 12/16 do Apenso I, Vol. I). Majoro, portanto, a pena-base em 1/6 (um sexto), em razão da circunstância judicial desfavorável das consequências do crime, o que perfaz 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. (...) 12. Desprovido o recurso de apelação da defesa. Parcialmente provido o recurso de apelação do Ministério Público Federal.
(TRF 3ª Região, ACR n. 00037483820114036110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 27.04.15) (grifei e negritei).
PENAL - PROCESSO PENAL - EMBARGOS INFRINGENTES - DIVERGÊNCIA ADSTRITA À POSSIBILIDADE DE SE AUMENTAR A PENA-BASE TENDO POR FUNDAMENTO O VALOR DO TRIBUTO SONEGADO AO ERÁRIO, ACRESCIDO DOS JUROS E MULTA LEGAIS - EMBARGOS DESPROVIDOS. 1- No caso dos autos, o valor sonegado pelo réu, ora embargante, ainda que considerado apenas o principal - R$ 1.235.771,78 (um milhão, duzentos e trinta e cinco mil, setecentos e setenta e um reais e setenta e oito centavos) -, deve ser valorado negativamente, como consequência reprovável da conduta delituosa, constituindo, pois, circunstância apta à exasperação da pena-base. 2- Sem dúvida, é inquestionável que a supressão ardilosa ou fraudulenta de um crédito tributário da ordem de R$ 1.000.000,00 ofende, com maior força e amplitude, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal descrito no art. 1º, "caput", e incisos, da Lei nº 8.137/90, do que a sonegação de meros R$ 10.000,00. 3- Ademais, a importância do valor sonegado na aplicação das penas dos condenados por crimes contra a ordem tributária tanto mais se evidencia quando considerado que se o valor suprimido dos cofres públicos não ultrapassar o limite previsto para o ajuizamento da ação executiva fiscal, a respectiva conduta criminosa consubstanciará crime de bagatela. 4- Nada obstante, mesmo que se considerasse que o quantum sonegado, qualquer que seja seu valor, constitui desdobramento natural de todo e qualquer crime material praticado em detrimento da ordem tributária, não se pode olvidar que, segundo entendimento doutrinário, as consequências e circunstâncias próprias do tipo penal refletem-se, em último caso, no grau de culpabilidade do agente. Assim, é evidente que a culpabilidade de um contribuinte que age no sentido de ilidir dos cofres públicos a quantia de R$ 1.000.000,00 é maior do que aquele que sonega R$ 10.000,00. 5- Por fim, cumpre salientar que o entendimento que tem prevalecido tanto neste Tribunal como nas demais Cortes Federais é no sentido de que, ao se proceder à dosimetria da sanções nos crimes de sonegação fiscal, os valores suprimidos pelo réu não só podem, como devem influir na cominação da pena-base. 6- Embargos infringentes desprovidos.
(TRF 3ª Região, EIFNU n. 01039128519944036181, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 21.11.13) (grifei e negritei).
Ante o exposto, verifico que a culpabilidade do réu afastou-se do grau normal de reprovabilidade, eis que a fraude fiscal se deu por meio de deliberada e premeditada conduta fraudatória, consistente em diversas operações de omissão de receitas, motivo pelo qual deve ser valorada negativamente.
De conseguinte, fixo a pena-base acima do mínimo legal para o crime previsto no artigo 1º, I, da Lei 8137/90, considerando este Juízo que a culpabilidade do réu é merecedora de reprovação em grau elevado.
Valoração: 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
B) Antecedentes: Neste tópico, em respeito ao princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, ao preceituar que 'ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória', bem como à Súmula 444 do STJ.
Eventuais 'maus antecedentes' poderão ser considerados neste tópico apenas se a sentença penal condenatória transitada em julgado for posterior a eventual segundo crime, ainda que anterior a seu julgamento. Trata-se, in casu, do 'tecnicamente primário'.
Verifico dos autos que não há antecedentes, não havendo que se falar, portanto, em incidência desta circunstância judicial.
Valoração: Nada a valorar.
C) Conduta Social: Será analisado neste tópico o conjunto do comportamento do agente no meio social, na família, na sociedade, na empresa, na associação de bairro, na comunidade, etc.
-Para pontuar este tópico, utilizar-se-á o seguinte critério:
a) A conduta social do réu é merecedora de reprovação em grau elevado (04 meses e 15 dias);
b) A conduta social do réu é merecedora de reprovação em grau médio (03 meses);
c)A conduta social do réu é merecedora de reprovação em grau mínimo ( 01 mês e 15 dias);
d)A conduta social do réu não se afastou do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo (não há valoração).
Da análise dos autos, verifico que a conduta social do réu não se afastou do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo.
Valoração: Não há valoração.
D) Personalidade: O magistrado deve apreciar, neste momento, na visão de Mario Fedeli, 'a particular visão dos valores de um indivíduo, os seus centros de interesse e o seu modo de chegar ao valor predominante para o qual tende. A personalidade é que vai constituir a originalidade e a nobreza da individualidade, pois ela revela as escolhas e preferências dadas a um determinado valor'.
Em última análise, será apreciada a boa ou má índole do agente, sua maior ou menor sensibilidade ético-social.
-Para pontuar este tópico, utilizar-se-á o seguinte critério:
a) A personalidade do réu é merecedora de reprovação em grau elevado (04 meses e 15 dias);
b) A personalidade do réu é merecedora de reprovação em grau médio (03 meses);
c) A personalidade do réu é merecedora de reprovação em grau mínimo (01 mês e 15 dias);
d) A personalidade do réu não se afastou do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo (não há valoração).
Verifico que não há elementos que apontem para uma personalidade voltada para o crime, motivo pelo qual esta circunstância é neutra.
Valoração: Nada a valorar.
E) Motivos Determinantes: Analisar-se-á neste item a natureza e qualidade dos motivos que levaram o agente a praticar o crime. Noutro falar, qual foi o elemento motivador da conduta e se o motivo é reprovador ou enobrecedor.
-Para pontuar este tópico, utilizar-se-á o seguinte critério:
a) Os motivos do crime merecem censura em grau elevado (04 meses e 15 dias);
b) Os motivos do crime merecem censura em grau médio (03 meses);
c) Os motivos do crime merecem censura em grau mínimo (01 mês e 15 dias);
d) Os motivos do crime não se afastaram do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo (não há valoração).
Verifico que os motivos do crime não se afastaram do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo.
Valoração: Nada a valorar.
F) Circunstâncias do Crime: Serão analisados os meios utilizados pelo agente para praticar o delito, o tempo, o lugar, objetivo, forma de execução, etc. Igualmente, a conduta do agente durante ou após a conduta criminosa (insensibilidade, indiferença ou arrependimento).
Friso que determinadas circunstâncias qualificam ou privilegiam o crime ou, de alguma forma, são valoradas em outros dispositivos, ou até mesmo como elementares do crime. Nesses casos, não serão avaliadas nesse momento, para evitar dupla valoração.
-Para pontuar este tópico, utilizar-se-á o seguinte critério:
a)As circunstâncias do crime merecem censura em grau elevado; (04 meses e 15 dias);
b)As circunstâncias do crime merecem censura em grau médio (03 meses):
c)As circunstâncias do crime merecem censura em grau mínimo (01 mês e 15 dias);
d)As circunstâncias do crime não se afastaram do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo (não há valoração).
Verifico que as circunstâncias do crime não se afastaram do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo.
Valoração: Nada a valorar.
G) Consequências do Crime: o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena neste momento. Serão analisados os efeitos decorrentes da conduta do agente, a maior ou menor danosidade decorrente da ação delituosa praticada, ou o maior ou menor alarme social provocado.
-Para pontuar este tópico, utilizar-se-á o seguinte critério:
a) As consequências extrapenais do crime merecem censura em grau elevado (04 meses e 15 dias);
b) As consequências extrapenais do crime merecem censura em grau médio (03 meses);
c) As consequências extrapenais do crime merecem censura em grau mínimo (01 mês e 15 dias).
d) As consequências extrapenais do crime não se afastaram do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo (não há valoração).
Verifico que as consequências extrapenais do crime contra a ordem tributária afastaram-se do grau normal de reprovabilidade, máxime porque o não recolhimento do vultoso montante de tributos mediante a supressão ardilosa ou fraudulenta configura grave dano à coletividade.
No mesmo sentido:
PENAL - PROCESSO PENAL - EMBARGOS INFRINGENTES - DIVERGÊNCIA ADSTRITA À POSSIBILIDADE DE SE AUMENTAR A PENA-BASE TENDO POR FUNDAMENTO O VALOR DO TRIBUTO SONEGADO AO ERÁRIO, ACRESCIDO DOS JUROS E MULTA LEGAIS - EMBARGOS DESPROVIDOS. 1- No caso dos autos, o valor sonegado pelo réu, ora embargante, ainda que considerado apenas o principal - R$ 1.235.771,78 (um milhão, duzentos e trinta e cinco mil, setecentos e setenta e um reais e setenta e oito centavos) -, deve ser valorado negativamente, como consequência reprovável da conduta delituosa, constituindo, pois, circunstância apta à exasperação da pena-base. 2- Sem dúvida, é inquestionável que a supressão ardilosa ou fraudulenta de um crédito tributário da ordem de R$ 1.000.000,00 ofende, com maior força e amplitude, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal descrito no art. 1º, "caput", e incisos, da Lei nº 8.137/90, do que a sonegação de meros R$ 10.000,00. 3- Ademais, a importância do valor sonegado na aplicação das penas dos condenados por crimes contra a ordem tributária tanto mais se evidencia quando considerado que se o valor suprimido dos cofres públicos não ultrapassar o limite previsto para o ajuizamento da ação executiva fiscal, a respectiva conduta criminosa consubstanciará crime de bagatela. 4- Nada obstante, mesmo que se considerasse que o quantum sonegado, qualquer que seja seu valor, constitui desdobramento natural de todo e qualquer crime material praticado em detrimento da ordem tributária, não se pode olvidar que, segundo entendimento doutrinário, as consequências e circunstâncias próprias do tipo penal refletem-se, em último caso, no grau de culpabilidade do agente. Assim, é evidente que a culpabilidade de um contribuinte q ue age no sentido de ilidir dos cofres públicos a quantia de R$ 1.000.000,00 é maior do que aquele que sonega R$ 10.000,00. 5- Por fim, cumpre salientar que o entendimento que tem prevalecido tanto neste Tribunal como nas demais Cortes Federais é no sentido de que, ao se proceder à dosimetria da sanções nos crimes de sonegação fiscal, os valores suprimidos pelo réu não só podem, como devem influir na cominação da pena-base. 6- Embargos infringentes desprovidos.(TRF 3ª Região, EIFNU n. 01039128519944036181, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 21.11.13) (grifei e negritei).
Valoração: 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
H) Comportamento da Vítima: Tal circunstância pode minorar a censurabilidade do comportamento delituoso se a vítima contribuiu decisivamente para a consecução do crime. A atuação concausal da vítima pode ser muito relevante na análise do comportamento do autor.
O sujeito passivo do crime contra a ordem tributária é o Estado (União, Estado, distrito Federal, Municípios ou outros entes beneficiários da arrecadação, como as autarquias).
-Para pontuar este tópico, utilizar-se-á o seguinte critério:
a )O comportamento das vítimas não facilitou e nem incentivou a ação da ré (04 meses e 15 dias);
b)O comportamento das vítimas facilitou e incentivou a ação do réu em grau mediano a ação do réu (03 meses);
c)O comportamento das vítimas facilitou e incentivou a ação do réu em grau mínimo (01 mês e 15 dias);
d)O comportamento da vítima não se afastou do grau normal de reprovabilidade, afigurando-se adequada ao tipo (não há valoração).
Valoração: Nada a valorar.
Ante o exposto, à vista das circunstâncias analisadas individualmente, impõe-se uma resposta penal condizente com a exigência da necessidade e suficiente para a reprovação e prevenção de crimes, conforme determinam os dispositivos norteadores para a aplicação da pena corporal.
Logo, a teor do acervo probatório colacionado aos autos, restou evidenciado o refinamento intelectual das fraudes praticadas por LUIS ANTONIO BISCUOLA, denotando intensidade do dolo e elevada censurabilidade da conduta que autorizam a fixação da pena acima do mínimo legal, ante a valoração negativa da culpabilidade.
Assim, à pena-base de 02 (dois) anos de reclusão, correspondente ao crime de contra a ordem tributária, somem-se 04 meses e 15 dias (culpabilidade) + 04 meses e 15 dias (consequências do crime) resultando em 02 anos e 9 meses de reclusão.
Diante da análise acima, fixo a pena-base em 02 (dois) anos, 04 meses e 15 dias de reclusão.
PENA-BASE = 02 ANOS E 09 MESES DE RECLUSÃO.
Na Segunda Fase de aplicação da pena, o magistrado deverá atentar para as circunstâncias legais genéricas, previstas na Parte Geral do Código Penal que podem ser agravantes (art. 61/62 do CP, rol exaustivo) e atenuantes (art. 65/66 do CP), rol exemplificativo.O quantum de cada agravante ou atenuante será fixado em 1/6 da pena-base.
- Analise das Circunstâncias Agravantes
Não há circunstâncias agravantes.
- Analise das Circunstâncias Atenuantes
Não há circunstâncias atenuantes.
PENA PROVISÓRIA= 02 ANOS, 04 MESES E 15 DIAS DE RECLUSÃO.
Na Terceira Fase da individualização da pena, serão analisadas as causas de aumento e diminuição de pena, oportunidade em que deverão incidir eventuais causas de aumento ou diminuição da Parte Geral ou Especial, ou de leis penais extravagantes, cujo cálculo deve ser feito sobre a pena apurada na segunda fase previstas na Parte Geral e Especial do Código Penal eis que fazem parte da estrutura típica do delito.Não há causas de diminuição de pena.
Verifico que se encontra presente a causa de aumento prevista no art. 12, I, Lei 8137/90, verbis:
Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1, 2 e 4 a 7:
I - ocasionar grave dano à coletividade;
II - ser o crime cometido por servidor público no exercício de suas funções;
III - ser o crime praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde.(...)
Cumpre ter-se presente que o valor acima explanado afasta-se inúmeras vezes do patamar de insignificância (R$ 20 mil, atualmente) utilizado pelo STF para o crime em tela, redundando, ainda, em grave prejuízo à sociedade, o que se mostra ainda mais nítido ante as dificuldades orçamentárias para investimentos em áreas básicas e essenciais, como saúde e educação.
Ante o exposto, majoro a pena anteriormente cominada em 1/3, resultando em 03 anos e 08 meses de reclusão.
PENA DEFINITIVA: 03 ANOS E 08 MESES DE RECLUSÃO
B)Dosimetria da Pena de Multa
Da Aplicação do Critério Bifásico
A fixação da pena de multa perfilhará o critério bifásico, adotado pelo Código Penal, com fundamento no artigo 49, do Código Penal.
Assim, analisar-se-á, em primeiro, a quantidade de dias-multa, através do critério trifásico de fixação da pena e, ao empós, o valor de cada dia-multa.
Em respeito ao principio da individualização da pena, estabelecido no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal ("a lei regulará a individualização da pena"), bem como ao principio da motivação das decisões judiciais, previsto no art. 93, IX , da Constituição Federal e, por fim, a teor dos arts. 59, 49 e 68 do CP, este Juízo utilizará o seguinte critério para definição da pena-base da multa:
a) Será efetuada uma operação aritmética de subtração entre o quantum mínimo de dia-multa (10) e o quantum máximo (360), estabelecidos no artigo 49, caput, CP;
b) O resultado obtido será dividido por 08 (número total de circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP);
c) Obtenção do quantum de cada circunstância desfavorável.
Ressalto que tal critério possibilita ao magistrado estabelecer a pena-base da multa de forma objetiva e rigorosamente passível de exame pelo órgão de instância superior, ao tempo em que cumpre o exato e real escopo da lei, qual seja, a fixação fundamentada da pena entre o máximo e o mínimo legal.
Posto isso, passo à Primeira Fase da Fixação da Pena de Multa à luz do sistema trifásico do Professor Nelson Hungria, previsto nos artigos 68 e 59 do Código Penal.
A). Primeira Fase da Fixação da Pena de Multa (Quantidade de Dias-Multa)
A1)Análise das Circunstâncias Judiciais (Art. 59, CP)
Na Primeira Fase da aplicação da pena, nos termos do artigo 59 e 68 do CP, o magistrado formará um juízo de censura sobre o autor e sobre o crime que ele cometeu, nos termos consubstanciados e determinados pelo legislador.
(...)
In casu, verifico que o artigo 49, caput, do Código Penal estabelece como quantum mínimo, 10 (dez) dias-multa e, como quantum máximo, 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
(...)
A valoração de cada dia-multa, portanto, será fixado, para cada circunstância judicial, em 43 dias-multa.
Friso que tal critério possibilita ao magistrado estabelecer a pena-base de forma objetiva e rigorosamente passível de exame pelo órgão de instância superior, ao tempo em que cumpre o exato e real escopo da lei, qual seja, possibilitar ao magistrado fixar, fundamentada e objetivamente, a pena entre o máximo e o mínimo legal.
Utilizar-se-á, ainda, o seguinte critério:
A) Censura em grau elevado: Valoração: 43 dias-multa;
B) Censura em grau médio: Valoração: 30 dias-multa;
C) Censura em grau mínimo: Valoração: 15 dias-multa;
D) Censura adequada ao tipo Valoração: Neutra.
Assim, considerando-se que houve a aplicação de duas circunstâncias judiciais negativas, em grau elevado, fixo a pena base da multa em 86 dias-multa.
PENA BASE DA MULTA: 86 DIAS-MULTA.
-A2) Análise das Circunstâncias Legais Genéricas, previstas na Parte Geral do Código Penal (Arts. 61/62 e 65/66 do CP)
Na Segunda Fase de aplicação da pena, o magistrado deverá atentar para as circunstâncias legais genéricas, previstas na Parte Geral do Código Penal que podem ser agravantes (art. 61/62 do CP, rol exaustivo) e atenuantes (art. 65/66 do CP), rol exemplificativo.
-Analise das Circunstâncias Agravantes
Não há circunstâncias agravantes.
- Analise das Circunstâncias Atenuantes
Não há circunstâncias atenuantes.
PENA PROVISÓRIA DA MULTA: 86 DIAS-MULTA.
-A3)Análise das Causas de Diminuição e Aumento de Pena, da Parte Geral ou Especial, ou de Leis Penais Extravagantes).
Na Terceira Fase da individualização da pena, serão analisadas as causas de diminuição e aumento de pena, oportunidade em que deverão incidir eventuais causas de aumento ou diminuição da Parte Geral ou Especial, ou de leis penais extravagantes, cujo cálculo deve ser feito sobre a pena apurada na segunda fase previstas na Parte Geral e Especial do Código Penal eis que fazem parte da estrutura típica do delito.
Não há causas de diminuição de pena.
Considerando-se a causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei 8137/90, majoro a pena provisória da multa em 1/3, resultando em 114 dias-multa.
PENA DEFINITIVA DA MULTA: 114 DIAS-MULTA.
B) Segunda Fase da Fixação da Pena de Multa (Valor de cada Dia-Multa)
Com fundamento no artigo 60, do Código Penal , passo a dosar o valor de cada dia-multa.
A teor do artigo 49, 1º, do CP, deverá o julgador atribuir o valor de cada dia-multa, o qual não poderá ser inferior a 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época do fato delituoso, nem superior a 05 (cinco) vezes esse salário.
De acordo com as provas produzidas nos autos e havendo informações de que se tratava de pessoa de alto poder aquisitivo, fixo o dia-multa no máximo legal, em 5 vezes o salário-mínimo vigente à época do fato.
VALOR DE CADA DIA-MULTA: 5 VEZES O MAIOR SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO FATO.
A) Análise do Valor Mínimo de Indenização (Art.387, IV, CPP ).
Deixo de fixar valor mínimo de indenização nos termos do art. 387, inciso IV do Código de Processo Penal, na medida em que não houve pedido expresso e não foi facultado o contraditório.
(...)
C) Análise Do Regime Inicial de Cumprimento de Pena (Art. 59, Inc. III, do Código Penal ).
Dispõe o artigo 33, do Código Penal, verbis:
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
1º - Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
4o O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais. (Incluído pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)
Com fundamento na alínea "c" do 2º do artigo 33 do Código Penal, fixo o regime inicial aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade.
F)Análise da Viabilidade de Aplicação de Penas Alternativas. (Art. 59, Inc. IV, do Código Penal ).
F.1)Das Penas Restritivas de Direitos
Preceitua o artigo 44 do Código Penal, verbis:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
II - o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
1o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
Nos termos do art. 44, 2º, segunda parte, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal, em local a ser designado pelo Juízo da Execução e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos.
(...)

No que tange à dosimetria não houve insurgência da Defesa. O Parquet Federal atuante nesta instância, por sua vez, manifestou-se pelo reconhecimento, de ofício, de "bis in idem" na fixação da pena do réu, considerando que o valor do montante sonegado foi utilizado na primeira fase para majorar a pena-base, e como causa de aumento prevista no art. 12, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990.

Assiste razão ao Ministério Público Federal.

Verifica-se no trecho acima colacionado que a r. sentença recorrida utilizou o valor dos tributos sonegados para aferir negativamente a culpabilidade e as consequências do crime, na primeira fase, bem como para justificar a aplicação da causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, na terceira fase.

Registre-se, todavia, que a culpabilidade não se afastou da reprovabilidade esperada para crimes desta espécie, devendo ser excluída como vetor negativo.

O valor do prejuízo melhor se amolda às consequências negativas geradas pelo delito, considerando que o prejuízo originário causado foi de R$ 116.685,06 (cento e dezesseis mil, seiscentos e oitenta e cinco reais e seis centavos) e não pode ser utilizado novamente para aumentar a pena na terceira fase, sob pena de "bis in idem". Ademais, nos moldes do entendimento desta Turma Julgadora, somente as sonegações superiores a quatrocentos mil reais são capazes de ensejar a aplicação da majorante prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990.

Neste cenário, excluída a culpabilidade e mantida a consequência negativa do delito, a pena-base deve ser reduzida para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

Ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição, resta definitiva a pena acima imposta.

Pena de Multa

A aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que essa pena será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).

Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.

Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.

Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.

Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21/07/2017).

Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal a que foi citada anteriormente).

No caso concreto a pena foi reduzida para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e, de acordo com o critério acima, a pena de multa deve corresponder a 48 (quarenta e oito) dias-multa, reformando-se a r. sentença neste ponto.

À míngua de recurso acerca do tema deve ser mantido o valor unitário do dia-multa estabelecido em cinco salários mínimos vigentes à época dos fatos.

Correta a fixação do regime inicial de cumprimento ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.

Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal, em local a ser designado pelo Juízo da Execução Penal, e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos.

À míngua de recurso acerca do tema, nada há a ser modificado.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por REJEITAR AS PRELIMINARES e DAR PARCIAL PROVIMENTO à APELAÇÃO DO RÉU para reduzir sua pena privativa de liberdade para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, bem como estabelecer o pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa. Mantido o valor unitário de cinco salários mínimos vigentes à época dos fatos, a fixação do regime inicial ABERTO de cumprimento da pena, bem como a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal, em local a ser designado pelo Juízo da Execução Penal, e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos, tudo nos termos da fundamentação.

É o voto.

FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015145-70.2014.4.03.6181/SP
2014.61.81.015145-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : LUIS ANTONIO BISCUOLA
ADVOGADO : SP175602 ANGELITA APARECIDA STEIN e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00151457020144036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Divirjo do e. Relator, com a devida vênia, quanto ao parcial provimento da apelação, pois, segundo consta no relatório, não houve pedido relacionado à dosimetria da pena, de sorte que as alterações operadas na pena privativa de liberdade, com as quais concordo, foram realizadas de ofício.


Divirjo, outrossim, em relação à pena de multa, pois, conforme precedentes desta Turma, sua fixação deve se dar de forma proporcional à pena privativa de liberdade, seguindo os mesmos parâmetros e frações de majoração e de redução.


Assim, seguindo os mesmos parâmetros utilizados pelo e. Relator na dosimetria da pena privativa de liberdade, refaço a dosimetria da pena de multa imposta ao acusado, para fixá-la em 11 (onze) dias-multa.


Posto isso, divirjo do e. Relator para NEGAR PROVIMENTO à apelação de LUIS ANTONIO BISCUOLA e, DE OFÍCIO, reduzir sua pena para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, acompanhando-o em todo o mais.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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