D.E. Publicado em 09/12/2021 |
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EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIFICAÇÃO DE PAPÉIS PÚBLICOS. ARTIGO 293, §1º, INCISO I DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. ABANDONO DA CAUSA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. MATERIALIDADE. AUTORIA. PROVAS NÃO CONFIRMADAS EM JUÍZO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso da defesa para absolver o réu Lúcio Cristiano Caversan da prática do delito do artigo 293, §1º, I, do Código Penal com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Lúcio Cristiano Caversan contra a r. sentença de fls. 202/205 que o condenou às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e o pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos pela prática do delito previsto no artigo 293, §1º, I, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser designada pelo Juízo da Execução Penal, pelo prazo da pena corporal imposta e prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos direcionada ao Grupo Rosa e Amor localizado na cidade de Valinhos/SP.
Nas razões de apelação, a defesa postula, preliminarmente, a ocorrência de nulidade do processo por abandono da causa pelo defensor constituído anteriormente pelo ora apelante. No mérito, pleiteia a absolvição por ausência de provas do dolo, sob o argumento de desconhecimento da ilicitude do documento, já que foi vítima de "golpistas" (fls. 241/259).
Com contrarrazões (fls. 265/268), os autos vieram a esta Corte Regional, onde a Procuradoria Regional da República opina pelo desprovimento do apelo (fls. 274/278).
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Lúcio Cristiano Caversan foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 293, §1º, I, do Código Penal, porque, no dia 24.11.2013, foi apreendido papel de crédito público falso consistente em uma Letra do Tesouro Nacional - LTN no valor original de Cr$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos milhões de cruzeiros), em correspondência inspecionada no Aeroporto de Viracopos, em Campinas/SP, destinada à empresa que é proprietário (LTN nº H404094 na encomenda aérea internacional nº 8023.1079.9340, registrada em nome de P.B. Investment Empresarial S/A).
Narra a denúncia que, em razão de alertas de fraudes de títulos públicos, a Receita Federal do Brasil encaminhou a letra de câmbio à Casa da Moeda que constatou, mediante o Laudo Pericial nº 044/2013, a falsidade do papel questionado (fls. 15/25), falsidade que também foi atestada pelo Núcleo Técnico Científico em Polícia Federal de Campinas/SP (Laudo de Documentoscopia nº 012/2015 - fls. 57/62), tendo consignado que os aspectos semelhantes ao do documento autêntico são capazes de ludibriar o "homem comum".
Em resposta escrita à retenção administrativa, o denunciado Lúcio Cristiano Caversan confirmou ser dono do título de crédito público e que o enviava para a empresa KODEX, nos Estados Unidos da América, para realização de uma perícia no documento, bem como o adquiriu pelo valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) de pessoa chamada Ubiratan Salgado Figueiredo Neto que teria exibido, no momento da venda, laudo de autenticidade do título, o qual não foi apresentado, tampouco recibo da alegada compra lícita.
Finalmente, consoante informado pela Delegacia da Polícia Federal em Anápolis/GO, há indícios da inexistência da pessoa de Ubiratan, em razão de seu registro tardio no Cadastro de Pessoa Física e da inexistência de seu endereço cadastral (Informação nº 217/2015 de fls. 79).
A denúncia foi recebida em 22/01/2016 (fls. 90/91).
Após regular tramitação, sobreveio a sentença, publicada em 31/01/2019 (fl. 206) que condenou Lúcio Cristiano Caversan pela prática do delito de falsificação de papéis públicos (artigo 293, §1º, I, do Código Penal), às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo prazo da pena corporal e prestação pecuniária no valor de 5 (cinco) salários mínimos.
Passo às matérias devolvidas.
Nulidade processual por abandono de causa pelo defensor
Inicialmente, a defesa alega que houve desídia do antigo defensor do réu que não compareceu à audiência instrutória e, mesmo sendo reconhecido o abandono pelo Juízo a quo (fls. 158 e vº.), o réu não foi intimado para constituir novo defensor, tampouco realizadas diligências para sua localização.
Sem razão.
Consta dos autos que, na audiência realizada em 13.09.2017, não compareceu o réu e seu advogado constituído (Dr. Leão Di Ramos Caiado Neto - OAB/GO 6224), mas diante da citação pessoal regular e sem justificativa legítima (fls. 106 e 149), determinou o prosseguimento do feito (fls. 154 e vº.).
Intimado regularmente o patrono constituído (fls. 149, 154 e 157), o juízo de 1º grau reconheceu o abandono injustificado e, ao par de determinar expedição de ofício à seccional da OAB, determinou a intimação do réu para constituição de nova representação processual, sob pena de nomeação da Defensoria Pública da União (fls. 158/160).
Expedida carta precatória para intimação pessoal do réu da decisão (fls. 164), no endereço por ele declinado, não foi cumprida porque não foi encontrado (certidão de fls. 170), tendo sido consignado pelo sr. Oficial de justiça que foi informado pela funcionária do prédio residencial que Lúcio Cristiano havia se mudado há uns três anos. Em nova tentativa, outra funcionária da portaria do edifício disse que Lúcio Cristiano tinha se mudado, mas era o proprietário do imóvel. Por fim, em última tentativa de intimação, o zelador do prédio informou que após falar com as pessoas que estavam morando no apartamento, noticiou que não sabiam do paradeiro do réu.
Diante da alteração de endereço sem comunicação do juízo, foi nomeada a Defensoria Pública da União (fls. 181) que, ciente, nada requereu na fase do artigo 402, do Código de Processo Penal e indicou possíveis endereços, todos extraídos de cadastro nacional de empresas que seriam de propriedade do réu (fls. 183/185).
Apresentados memoriais pelas partes, o feito foi sentenciado (fls. 187/190 e 192/199). Proferida a sentença, o réu constitui novos patronos (procuração de fls. 215).
Após citado pessoal e regular e, portanto, com pleno conhecimento da ação penal em curso, o réu alterou sua residência sem informar ao juízo processante seu novo endereço.
Ora, como dispõe o artigo 367, do Código de Processo Penal: O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo. Assim, diante da impossibilidade de intimar o réu pessoalmente para constituir novo advogado, foi determinado o prosseguimento do processo sem a presença do réu, tendo sido nomeada a Defensoria Pública da União, pelo que não há falar que estivesse indefeso e violação ao primado constitucional da ampla defesa.
Destaco que os novos patronos do réu foram escorreitamente intimados da sentença (fls. 218/220), bem como o réu que também firmou termo de apelação (fls. 226/227), tendo sido localizado em endereço até então não informado nos autos.
Neste ponto, observo que a defesa não trouxe aos autos elementos de convicção aptos a demonstrar cerceamento a direito algum do réu, uma vez que o feito tramitou com observância ao contraditório e à ampla defesa, além de que não demonstrado o prejuízo, não há falar em reconhecimento da nulidade (princípio pas de nullité sans grief).
Superada a preliminar, passo à análise do mérito recursal.
A materialidade delitiva restou comprovada na Representação Fiscal para Fins Penais - Aduaneiro e não é objeto de impugnação específica pelas partes, senão vejamos: i) Laudo Pericial n. 044/2013 da Casa da Moeda do Brasil (fls. 15/25); ii) Auto de Apreensão de 1 (um) envelope plástico, lacrado sobre nº 0510473, na qual consta, 4 (quatro) Letras do Tesouro Nacional - LTN (fls. 38); e, iii) Laudo de Perícia Criminal Federal (Documentoscopia) nº 012/2015 que atestou a falsidade da Letra do Tesouro Nacional - LTN, série nº H404094, no valor de face de CR$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos milhões de cruzeiros) (fls. 57/62).
Quanto à autoria delitiva, entendo que não há elementos suficientes para suportar a condenação, pois do réu Lúcio Cristiano Caversan, a única declaração foi colhida na fase policial. Confira-se, in verbis:
QUE é corretor de seguros, proprietário da empresa JEQUITI CORRETORA DE SEGUROS LTDA.; QUE foi gerente da empresa PB INVEST EMPRESARIAL S/A, sediada em Goiânia, de propriedade de ANA CLAUDIA DE ABREU e MARLENE DOS SANTOS, de nov/2012 a dez/2014; QUE confirma que é proprietário das 4 LTNs apreendidas pela PF em Viracopos/SP; QUE adquiriu as LTNs da pessoa de UBIRATAN SALGADO FIGUEIREDO NETO, em Brasília/DF, por R$ 5 mil cada; QUE UBIRATAN exibiu ao declarante um laudo pericial que indicava a autenticidade dos títulos; QUE este laudo acompanhava a autenticidade dos títulos quando da apreensão; QUE conheceu UBIRATAN no lobby em um hotel em Brasília, e após conversa rápida com aquele, UBIRATAN lhe disse que vendia títulos antigos e que era parente do ex-Presidente João Batista de Oliveira Figueiredo; QUE o declarante acreditava que as LTNs eram verdadeiras; QUE por meio de pesquisas na web, ficou sabendo que a empresa norte-americana PASS-CO, sediada no Estado de New Hampshire, realizava perícias em títulos; QUE como o amigo do declarante, LUIGI FEDON, residia no Tenessee, solicitou a este a gentileza de receber os documentos e reenviá-los à PASS-CO, pois, desejava conferir a autenticidade dos títulos, com expectativa de uma maior valorização destes; QUE solicitou a um empregado da P B que despachasse o volume na FEDEX e aquele, por equívoco, acabou citando o nome da P B, que nada tem a ver com o presente fato (fl. 75, destaquei) |
Embora, a confissão extrajudicial do réu no sentido de que era o proprietário do título de crédito falso apreendido (Letra do Tesouro Nacional - LTN, série nº H404094, no valor de face de CR$ 1.200.000.000,00), ressalvou que o adquiriu de terceira pessoa (Ubiratan Salgado Figueiredo Neto), pelo valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que teria sido apresentado laudo de autenticidade do documento e que, portanto, desconhecia a falsidade.
É verdade que, a pessoa da qual teria adquirido, ainda que nomeada, não foi identificada ou localizada, bem como o referido laudo de autenticidade também não foi apresentado, contudo todos estes elementos não foram confirmados perante o juízo federal, onde a acusação não requereu ou produziu prova alguma para demonstração da autoria, o que revela a contrariedade expressa ao artigo 155 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.690/2008:
O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. |
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. |
Este dispositivo legal encontra fundamento no princípio constitucional do contraditório e do devido processo legal (art. 5º, LV, da Constituição Federal) e tem como finalidade precípua proteger o cidadão contra as possíveis arbitrariedades do Estado, de forma a garantir que o jus puniendi seja feito de acordo com um processo judicial legítimo e amparado em provas lícitas.
Importante ressaltar que o preceito normativo em questão não impede a utilização dos elementos produzidos no inquérito policial, desde que eles não sejam os únicos a sustentar a condenação.
Ademais, a norma contida no artigo 155 do Código de Processo Penal traz algumas exceções à necessidade de renovação das provas do inquérito policial, quais sejam: as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O motivo para tais exceções se encontra na própria natureza das provas, que necessitam de uma produção mais célere.
No caso, a acusação defende em contrarrazões de apelo a manutenção da condenação do réu (fls. 265/268), porém, observo que o decreto condenatório está fundado em prova produzida exclusivamente na fase policial, sem repetição em juízo de qualquer elemento de convicção.
De fato, o réu sequer foi interrogado pelo juízo, tampouco as partes litigantes arrolaram testemunhas, de modo que a condenação está baseada em provas documentais e declarações exclusivas do réu produzidas apenas no inquérito policial, portanto, sequer há esclarecimento satisfatório dos fatos, na medida em que não há demonstração cabal de que o réu tenha praticado os fatos relacionados pela denúncia e que tivesse pleno conhecimento da contrafação da LTN.
Portanto, tendo em vista que a acusação não se desincumbiu de seu ônus probatório, diante da dúvida, milita em favor do apelante a presunção de inocência, o que impõe a sua absolvição, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso da defesa para absolver o réu Lúcio Cristiano Caversan da prática do delito do artigo 293, §1º, inciso I, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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