D.E.

Publicado em 25/02/2022
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025455-78.2000.4.03.6100/SP
2000.61.00.025455-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : ASSOCIACAO DOS MUTUARIOS E MORADORES DO CONJUNTO SANTA ETELVINA ACETEL
ADVOGADO : SP140252 MARCOS TOMANINI e outro(a)
APELANTE : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP179892 GABRIEL AUGUSTO GODOY e outro(a)
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : RICARDO NAKAHIRA
APELANTE : Cia Metropolitana de Habitacao de Sao Paulo COHAB
ADVOGADO : SP118548 ALEXANDRE SANCHES
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : ASSOCIACAO DOS MUTUARIOS E MORADORES DO CONJUNTO SANTA ETELVINA ACETEL
ADVOGADO : SP140252 MARCOS TOMANINI e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP179892 GABRIEL AUGUSTO GODOY e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : RICARDO NAKAHIRA
APELADO(A) : Cia Metropolitana de Habitacao de Sao Paulo COHAB
ADVOGADO : SP118548 ALEXANDRE SANCHES

EMENTA

SFH. CESSÕES DE DIREITOS CELEBRADAS ATÉ 25/10/1996, SEM ANUÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCIADORA. VALIDADE APENAS NOS CASOS DOS CONTRATOS DE MÚTUO PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL GARANTIDOS PELO FCVS. RESP 1.150.429/CE. ACÓRDÃO PROFERIDO EM DISSONÂNCIA COM AS TESES FIRMADAS PELO STJ. RETRATAÇÃO.
1. O acórdão ora submetido à retratação considerou válidas as cessões de direitos celebradas até 25/10/1996, requeridas à COHAB e não regularizadas até o ajuizamento da ação, independentemente da anuência da instituição financiadora.
2. No julgamento do RESP 1.150.429/CE, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que tratando-se de contrato de mútuo sem cobertura do FCVS, a transferência de direitos e obrigações referentes ao imóvel financiado pelo SFH não é automática, somente ocorrerá a critério da instituição financeira, que estabelece novas condições para o ajuste, conforme o previsto no art. 3º da Lei nº 8.004/90, com a redação dada pela Lei nº 10.150/2000, e no art. 23 da Lei nº 10.150/2000, de modo que o terceiro adquirente só terá legitimidade ativa para ajuizar ação relacionada ao mencionado contrato de cessão se o agente financeiro tiver concordado com a transação. Cumpre registrar que o cessionário possui, tão somente, legitimidade para requerer a regularização do financiamento, nos termos do art. 20 da Lei nº 10.150/2000, c/c o art. 23 da mesma norma. Desse modo, o fato de o contrato ter sido celebrado em momento anterior a 25/10/1996 não é suficiente, por si só, para habilitar a sua transferência sem a anuência do mutuante.
3. Retratação positiva.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em juízo de retratação positivo, reconhecer a validade das cessões de direitos celebradas até 25/10/1996, requeridas à COHAB e não regularizadas até o ajuizamento da ação, independentemente da anuência da instituição financiadora, nos casos tão somente dos contratos de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, para adequação ao quanto decidido pelo C. STJ no julgamento do REsp paradigmático n. 1.150.429/CE, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de fevereiro de 2022.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025455-78.2000.4.03.6100/SP
2000.61.00.025455-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
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RELATÓRIO

Trata-se de autos vindos da C. Vice-Presidência desta Corte para fins de eventual juízo de retratação, nos termos do art. 1.040, II, do Código de Processo Civil, com vistas à adequação do acórdão à decisão do STJ no REsp n. 1.150.429/CE, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, cujo acórdão restou assim ementado:


RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. RITO DO ART. 543-C DO CPC. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE MÚTUO. LEI Nº 10.150/2000. REQUISITOS.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1 Tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25/10/96 e transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.
1.2 Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até 25/10/96, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo contrato.
1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida cobertura.
2. Aplicação ao caso concreto:
2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido. Acórdão sujeito ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ nº 8/2008.
(STJ, REsp 1.150.429/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 25.04.2013, DJe 10.05.2013)

É o relatório.



VOTO

O acórdão ora submetido à retratação recebeu a seguinte ementa:


PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS - FCVS. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. LEGITIMIDADE. UNIÃO. ILEGITIMIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMISSIBILIDADE. ASSOCIAÇÕES CIVIS. LEGITIMIDADE ATIVA. SENTENÇA EXTRA PETITA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE GRAVAME. BENEFICIÁRIOS DOS EFEITOS DA SENTENÇA. NULIDADE PROCESSO CIVIL. INSTRUÇÃO SUFICIENTE. REALIZAÇÃO DE NOVAS PROVAS. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ASSOCIAÇÃO DOS MUTUÁRIOS E MORADORES DO CONJUNTO SANTA ETELVINA - ACETEL. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA PARA OUTROS MUTUÁRIOS DA COHAB. INADMISSIBILIDADE. PROVA PERICIAL. FATOS CONTROVERTIDOS. CONHECIMENTO ESPECIAL DE TÉCNICO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. CONTRATOS COM COBERTURA PELO FCVS. INAPLICABILIDADE. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL - PES. DECRETO-LEI N. 2.164/84. EQUIVALÊNCIA ENTRE OS REAJUSTES SALARIAIS E AS PRESTAÇÕES. APLICABILIDADE. LEI N. 8.177/91. REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES PELO MESMO ÍNDICE DA POUPANÇA. LEI N. 8.692/93. PLANO DE COMPROMETIMENTO DE RENDA - PCR. TAXA REFERENCIAL. APLICABILIDADE. URV. PLANO REAL. LEGALIDADE. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. AUMENTO DO CUSTO. REPASSE AOS MUTUÁRIOS. INADMISSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA. ADMISSIBILIDADE. CESSÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. "CONTRATOS DE GAVETA". LEGITIMIDADE AD CAUSAM. TRANSFERÊNCIAS SEM A INTERVENÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCIADORA CELEBRADAS ENTRE O MUTUÁRIO E O ADQUIRENTE ATÉ 25.10.96. TRANSFERÊNCIA CONTRATUAL. VALOR INFERIOR A 2.800 UPF. TAXAS. INEXIGIBILIDADE. PERÍCIA. INADIMPLEMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS. INVIABILIDADE DA NECESSÁRIA PROVA. PREJUÍZO DA PARTE QUE DEVERIA COMPROVAR O ALEGADO. HONORÁRIOS PERICIAIS. PAGAMENTO PELA REQUERENTE. EXIGIBILIDADE. TUTELA ESPECÍFICA. ART. 461 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE.
1. Com a extinção do Banco Nacional de Habitação - BNH, a Caixa Econômica Federal tornou-se sua única sucessora no tocante aos direitos e obrigações. À União coube tão-somente a normatização do FCVS.
2. Em ação civil pública em que se discutia contrato de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação, o Supremo Tribunal Federal entendeu tratar-se de tutela de direitos ou interesses individuais homogêneos dotado de alto relevo social. Tratando-se, portanto, de direitos ou interesses individuais homogêneos, a respectiva ação que objetiva tutelá-los submete-se ao regramento previsto para a ação civil pública, no que for cabível, nos termos do art. 21 da Lei n. 7.347/85, com a redação dada pela Lei n. 8.078/90.
3. As associações civis têm legitimidade ativa para representar mutuários do Sistema Financeiro da Habitação em ação civil pública, dado que a Lei n. 7.347/85 aplica-se a quaisquer interesses difusos e coletivos, conforme definidos nos arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor.
4. A falta de gravame conseqüente à decisão judicial implica falta de interesse recursal, pois não é necessária essa via para provocar uma situação mais vantajosa à parte recorrente. Daí o não-conhecimento de sua impugnação.
5. Não há ilegalidade nem cerceamento de defesa quando o juiz, verificando suficientemente instruído o processo, considera desnecessária a produção de mais provas e julga o mérito da demanda na forma antecipada. Cabe ao juiz examinar a necessidade ou não da prova, cumprindo-lhe indeferir diligências meramente protelatórias ou inúteis. Daí não ser nulo o julgamento antecipado da lide. Precedentes do STJ e da 5a Turma do TRF da 3a Região.
6. A decisão proferida em ação civil pública movida pela Associação dos Mutuários e Moradores do Conjunto Santa Etelvina - Acetel não pode ter seus efeitos estendidos a outros mutuários da Cohab, ainda que integrem a mesma categoria dos profissionais mencionados na inicial, dada as características especiais da construção dos edifícios do Conjunto Habitacional Santa Etelvina e a alegação de aumento do custo final decorrente de má gestão da obra, circunstância relacionada apenas ao referido conjunto de habitações. Precedente da 5a Turma do TRF da 3a Região.
7. É conveniente a produção da prova pericial nas ações relativas a contratos de financiamento vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, na hipótese de se pretender comprovar fatos controvertidos para cuja compreensão seja imprescindível conhecimento especial de técnico. Precedentes.
8. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de financiamento do SFH não cobertos pelo FCVS. No entanto, somente se autoriza a derrogação das cláusulas contratuais na hipótese de superveniente alteração objetiva das condições econômicas, pelas quais o agente financeiro se locupletaria indevidamente mediante o ilegítimo encargo suportado pelo mutuário. Precedentes do STJ.
9. A jurisprudência é no sentido da validade das modificações relacionadas ao PES. Precedentes do STJ e da 5a Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região.
10. Embora a Taxa Referencial não seja índice de atualização monetária (ADIn. n. 493-DF), o Supremo Tribunal Federal não a excluiu do universo jurídico. Apenas estabeleceu que não poderia substituir outro indexador já convencionado entre as partes anteriormente à Lei n. 8.177, de 31.03.91, o que ofenderia as garantias constitucionais do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (RE n. 175.678). Assim, é válida a aplicação da Taxa Referencial nos contratos celebrados posteriormente à vigência dessa Lei (STJ, Súmula n. 295).
11. A implementação do Plano Real na economia do País, com a incidência da URV nas prestações do contrato, não caracteriza ilegalidade. Converteu-se igualmente os salários e os reajustes das prestações da casa própria, garantindo a paridade e a equivalência salarial previstas contratualmente.
12. É natural que uma obra entregue intempestivamente tenha o custo aumentado em relação ao inicialmente previsto para a edificação, tendo em vista diversos fatores, entre os quais, a necessidade de prorrogar a manutenção do quadro de empregados, o aumento no custo dos materiais destinados à construção, a disponibilização de equipamentos destinados à obra e até a incidência da correção monetária sobre a importância que compõe o valor final do financiamento. No entanto, o aumento dos gastos não pode ser repassado ao mutuário. Descumprido o prazo de entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, além de não se poder repassar o aumento do custo da obra ao compromissário comprador, entende-se que ele deve ser indenizado.
13. A Lei n. 8.004/90 exige a interveniência obrigatória da instituição financiadora para que a cessão surta efeitos jurídicos, conforme se verifica do seu art. 1º, tanto em sua redação original quanto na posteriormente modificada pela Lei n. 10.150/00. 16. Assentada a imprescindibilidade da interveniência da instituição financeira na transferência do contrato de financiamento, a par do cumprimento dos demais requisitos da Lei n. 8.004/90, a Lei n. 10.150/00, art. 20, acabou por permitir a regularização dos chamados "contratos de gaveta" celebrados até 25.10.96.
14. A regra tem um sentido claro: havia a prática generalizada de se contornar as dificuldades inerentes ao refinanciamento pelo cessionário mediante o "contrato de gaveta". Embora a Lei n. 8.004/90 permitisse a cessão, daí não se soluciona a pendência de inúmeras cessões realizadas irregularmente. Isso explica o permissivo legal e o objetivo de fomentar a regularização, saneando-se assim o Sistema Financeiro da Habitação, sem prejudicar o cessionário de boa-fé. Contudo, cumpre observar o critério legal, em especial quanto à delimitação temporal, sob pena de perverter o sentido da regra: em vez de regularizar os contratos irregulares, viabilizaria a celebração de tantas outras cessões irregulares ("contratos de gaveta"), sob o fundamento de que a permissão abrangeria quaisquer cessões, anteriores ou posteriores a 25.10.96. Precedentes do STJ.
15. O § 1o do art. 21 da Lei n. 8.692/93, com redação dada pela Lei n. 10.150/00, dispõe que nos contratos com valor não superior a 2.800 (duas mil e oitocentas) Unidades Padrão de Financiamento - UPF, são dispensadas todas as taxas de serviços cobradas pelas instituições financeiras. Entende-se ser indevida a cobrança de qualquer valor para transferência de contratos de financiamento de valor equivalente a até 2.800 UPF (duas mil e oitocentas Unidades Padrão de Financiamento).
16. O inadimplemento dos honorários periciais e a falta de apresentação dos documentos a serem periciados, impossibilitando a realização da prova pericial considerada necessária, resolve-se em prejuízo da parte que caberia demonstrar o alegado, como sucede com a falta de prova dos fatos constitutivos do direito alegado pelo autor (CPC, art. 333, I).
17. Entende-se que a parte que requer a perícia é quem deve arcar com o pagamento dos honorários periciais.
18. Em ação civil pública que objetive tratar questões relacionadas ao Sistema Financeiro da Habitação, tem-se decidido pela inaplicabilidade do art. 461 do Código de Processo Civil, dado que não se trata de execução de obrigação de fazer ou de não fazer nem de entrega de coisa certa, mas de sentença condenatória, proferida em processo de conhecimento.
19. Preliminares rejeitadas. Recursos da autora e Caixa desprovidos. Apelo da Cohab parcialmente provido, e não conhecimento do agravo retido. (grifei)

Transcrevo o trecho do julgado na parte relativa ao tema debatido no REsp n. 1.150.429/CE, decidido pelo STJ sob a sistemática dos recursos repetitivos:


"Contrato de gaveta". Legitimidade ad causam. Delimitação temporal. 25.10.96. Os chamados "contratos de gaveta" nada mais são do que cessão de direitos relativos a contrato de financiamento que, por ser regido pelo SFH, exige a interveniência obrigatória do agente financeiro, sujeita à satisfação dos requisitos legais e regulamentares para a concessão do financiamento ao cessionário. Para contornar essa dificuldade, que implica a atualização contábil do saldo devedor, o "gaveteiro" entende-se diretamente com o antigo "proprietário", "adquirindo" o imóvel sem a intervenção do agente financeiro: daí a denominação "contrato de gaveta", cujos efeitos geralmente somente haveriam de surtir quando do término do pagamento das prestações em nome do cessionário. Não obstante, por vezes surge a pretensão do "gaveteiro" de discutir as cláusulas do contrato originário celebrado entre o cessionário e a instituição financeira, postulando, não raro, que seu cumprimento seja compatível com sua realidade sócio-econômica, malgrado não informada para o regular escrutínio pelo agente financeiro. É nesse contexto que se discute o tema da legitimidade ad causam do cessionário, tema esse que acabou por ser objeto de disciplina legal por intermédio da Lei n. 8.004, de 14.03.90, posteriormente modificada pela Lei n. 10.150, de 21.12.00.
Não há nenhuma dúvida de que a Lei n. 8.004/90 exige a interveniência obrigatória da instituição financiadora para que a cessão surta efeitos jurídicos, conforme se verifica do seu art. 1º, tanto em sua redação original quanto na posteriormente modificada pela Lei n. 10.150/00:
"Art. 1o O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta lei.
Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativa a imóvel gravado em favor de instituição financiadora do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora, mediante a assunção, pelo novo mutuário, do saldo devedor contábil da operação, observados os requisitos legais e regulamentares para o financiamento da casa própria, vigentes no momento da transferência, ressalvadas as situações especiais previstas nos artigos 2º e 3º desta lei. (Redação original)
Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora. (Redação dada pela Lei nº 10.150, de 2000)
Assentada a imprescindibilidade da interveniência da instituição financeira na transferência do contrato de financiamento, a par do cumprimento dos demais requisitos da Lei n. 8.004/90, a Lei n. 10.150/00, art. 20, acabou por permitir a regularização dos chamados "contratos de gaveta" celebrados até 25.10.96:
"Art. 20. As transferências no âmbito do SFH, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei n. 8.692, de 28 de julho de 1993, que tenham sido celebradas entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição financiadora, poderão ser regularizadas nos termos desta Lei.
Parágrafo único. A condição de cessionário poderá ser comprovada junto à instituição financiadora, por intermédio de documentos formalizados junto a Cartórios de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, ou de Notas, onde se caracterize que a transferência do imóvel foi realizada até 25 de outubro de 1996." (grifei)
A regra tem um sentido claro: havia a prática generalizada de se contornar as dificuldades inerentes ao refinanciamento pelo cessionário mediante o "contrato de gaveta". Embora a Lei n. 8.004/90 permitisse a cessão, daí não se soluciona a pendência de inúmeras cessões realizadas irregularmente. Isso explica o permissivo legal e o objetivo de fomentar a regularização, saneando-se assim o Sistema Financeiro da Habitação, sem prejudicar o cessionário de boa-fé. Contudo, cumpre observar o critério legal, em especial quanto à delimitação temporal, sob pena de perverter o sentido da regra: em vez de regularizar os contratos irregulares, viabilizaria a celebração de tantas outras cessões irregulares ("contratos de gaveta"), sob o fundamento de que a permissão abrangeria quaisquer cessões, anteriores ou posteriores a 25.10.96.
É nesse sentido a jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça: (...).

Consigne-se que o dispositivo do acórdão proferido por esta Egrégia Corte rejeitou as alegações preliminares das partes e, no mérito, negou provimento aos apelos da autora ACETEL e da CEF, e deu parcial provimento ao recurso da COHAB, reformando em parte a sentença recorrida no que tange à atualização do saldo devedor pelo índice de remuneração básica aplicável aos depósitos da poupança, critério este legal e de acordo com o contrato em debate, afastar a determinação de compensação de perdas decorrentes da implantação da URV pelo Plano Real e da tutela específica prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil e, por fim, considerando válidas somente as cessões de direitos celebradas até 25/10/1996, requeridas à COHAB e não regularizadas até o ajuizamento da ação, independentemente da anuência da instituição financiadora, devendo ser analisada a questão relativa ao levantamento das importâncias depositadas nos autos no momento oportuno, no mais, manteve na íntegra a decisão recorrida, o que impõs a recíproca e proporcional distribuição e compensação dos honorários e despesas do processo entre as partes (artigo 21, caput, do Código de Processo Civil), e não conhecimento do agravo retido.


No entanto, no julgamento do REsp n. 1.150.429/CE, sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ especificou que o cessionário somente tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do contrato celebrado até 25/10/1996, transferido sem a anuência do agente financiador, quando há cobertura pelo FCVS, o que não ocorre na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS:


RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. RITO DO ART. 543-C DO CPC. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE MÚTUO. LEI Nº 10.150/2000. REQUISITOS.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1 Tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25/10/96 e transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.
1.2 Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até 25/10/96, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo contrato.
1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida cobertura.
2. Aplicação ao caso concreto:
2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido. Acórdão sujeito ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ nº 8/2008.
(STJ, REsp 1.150.429/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 25.04.2013, DJe 10.05.2013)

Esclarece o voto do Eminente Ministro Relator que a análise dos artigos acima transcritos revelam que a investigação acerca da legitimidade ativa do cessionário mutuário para propor ação em nome próprio, para os contratos celebrados até 25/10/1996, deve ser examinada partindo-se da premissa da existência ou não da cláusula contratual de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS. Assim, na hipótese de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, nos termos dos arts. 20 e 22 da Lei nº 10.150/2000 e 2º da Lei nº 8.004/90, é possível a regularização do contrato de cessão de direito sobre imóvel financiado, conhecido como "contrato de gaveta", sem a intervenção da mutuante, pois a transferência se dá mediante a substituição do devedor, mantidas para o novo mutuário as mesmas condições e obrigações do contrato original, ou seja, o cessionário é equiparado à condição de mutuário, o que importa na sua legitimidade ativa para o ajuizamento de ação tendo como objeto a respectiva avença. (...). Por outro lado, tratando-se de contrato de mútuo sem cobertura do FCVS, a transferência de direitos e obrigações referentes ao imóvel financiado pelo SFH não é automática, somente ocorrerá a critério da instituição financeira, que estabelece novas condições para o ajuste, conforme o previsto no art. 3º da Lei nº 8.004/90, com a redação dada pela Lei nº 10.150/2000, e no art. 23 da Lei nº 10.150/2000, de modo que o terceiro adquirente só terá legitimidade ativa para ajuizar ação relacionada ao mencionado contrato de cessão se o agente financeiro tiver concordado com a transação. Cumpre registrar que o cessionário possui, tão somente, legitimidade para requerer a regularização do financiamento, nos termos do art. 20 da Lei nº 10.150/2000, c/c o art. 23 da mesma norma. Desse modo, o fato de o contrato ter sido celebrado em momento anterior a 25/10/1996 não é suficiente, por si só, para habilitar a sua transferência sem a anuência do mutuante.


Assim, o acórdão ora submetido à retratação divergiu das teses consolidadas no paradigma do Superior Tribunal de Justiça, sendo de rigor sua adequação, com o reconhecimento da validade das cessões de direitos celebradas até 25/10/1996, requeridas à COHAB e não regularizadas até o ajuizamento da ação, independentemente da anuência da instituição financiadora, nos casos tão somente dos contratos de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS.


Ante o exposto, em juízo de retratação positivo, voto por reconhecer a validade das cessões de direitos celebradas até 25/10/1996, requeridas à COHAB e não regularizadas até o ajuizamento da ação, independentemente da anuência da instituição financiadora, nos casos tão somente dos contratos de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, para adequação ao quanto decidido pelo C. STJ no julgamento do REsp paradigmático n. 1.150.429/CE.

É o voto.



FAUSTO DE SANCTIS
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