Cidades sustentáveis, licenciamento ambiental e o Judiciário em defesa do meio ambiente foram alguns dos pontos abordados
O Painel “Tutela Jurídica das Cidades”, do 1º Congresso de Direito Ambiental do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, foi realizado na manhã do dia 30 de maio. Presidiu a mesa, a desembargadora federal Marisa Ferreira dos Santos. O evento teve como expositores: a professora doutora Ana Paola Nunes Ferreira Lucato, o procurador da República, Antonio José Donizetti Molina Daloia e a juíza federal Daldice Maria Santana de Almeida. Estiveram presentes a desembargadora federal Consuelo Yoshida e o professor doutor Celso Antonio Pacheco Fiorillo. Mônica Paula/TRF3
Da esq. para a dir., o procurador da República Antonio José Donizetti Daloia; as desembargadoras federais Consuelo Yoshida e Marisa Santos; a Prof. Dra. Ana Paola Ferreira Lucato e a juíza federal Daldice Santana, de Santos
Cidades sustentáveis
A Prof. Dra. Ana Paola Nunes Ferreira Lucato destacou que a cidade é de suma importância, porque é onde desenvolvemos nossas necessidades básicas, nascemos, nos criamos, formamos nossas vidas profissionais, pessoais e familiares, por isso, é importante entendê-la sobre a ótica constitucional.
A trajetória do brasileiro dentro da cidade deve se desenvolver dentro de uma forma justa, solidária e igualitária, buscando a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais. Bem estar e desenvolvimento estão atrelados diretamente ao desenvolvimento da política urbana das cidades.
“Na proteção do meio ambiente, temos uma competência concorrente prevista na Constituição Federal: União, estados e municípios podem e devem gerenciar as questões ambientais”, afirmou a palestante, explicando que no artigo 30, da Constituição Federal, está a base para que o município seja obrigado constitucionalmente a gerenciar as questões ambientais concernentes a cidade.
Essa obrigação vem novamente disposta no artigo 182, da Constituição Federal, quando estrutura a política urbana e prevê a criação do Estatuto da Cidade, em 2001, que trouxe o conceito de cidade sustentável.
“O tema sustentabilidade está em voga na sociedade e aparece de uma forma saudável em matéria de preocupação com o ambiente em que a gente vive”, refletiu, afirmando que a sustentabilidade está atrelada à questão do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Direitos Fundamentais
A palestrante mostrou na legislação que a cidade sustentável está atrelada a direitos fundamentais de moradia, saneamento ambiental, segurança, disponibilização de trabalho e lazer, dispostos no artigo 6º, da Constituição Federal, que trouxe um piso vital mínimo para a sadia qualidade de vida de brasileiros e estrangeiros residentes no país.
Mencionou o artigo 225, da Constituição Federal que deixa claro a obrigação do Estado e da própria sociedade em preservar o meio ambiente também para as futuras gerações. “Quando se fala em meio ambiente fala-se em estruturação de políticas públicas”, conclui.
Afirmou que a competência em questão ao gerenciamento da cidade pelo município e a obrigatoriedade de fazê-lo está no artigo 30 e depois no artigo 182, relacionadas ao meio ambiente.
Estatuto da Cidade
Para o município gerenciar a cidade e propiciar uma sadia qualidade de vida aos brasileiros, ele tem que disponibilizar alguns serviços públicos essenciais, como transporte, saneamento, segurança e serviços essenciais na sua conceituação. “Esses serviços vêm discriminados no Estatuto da Cidade como uma forma de reafirmar o direito constitucional e como uma forma de trazer mecanismos de como pode proteger esses direitos e fazê-los valer perante a sociedade”, explicou a palestrante.
Segundo a palestrante, temos alguns mecanismos para a defesa desses direitos, como instrumentos processuais, por exemplo, a ação popular, de 1965, que é uma forma de proteção ao meio ambiente; a política nacional do meio ambiente, que traz definições de poluição, poluidor; a lei da ação civil pública, em 1985, que traz um mecanismo de proteção desses interesses de caráter coletivo difuso e trata o meio ambiente de forma mais estruturada para entendermos que ele não é um bem público ou privado, é um bem difuso, e sua defesa pode ser em caráter coletivo.
Entendendo essa estrutura de proteção e gerenciamento fica fácil interpretar a cidade sustentável trazida pelo artigo 2º, do Estatuto da Cidade. “Na verdade, essa estrutura de sustentabilidade está consolidada no texto constitucional”, concluiu.
Tutela dos bens relacionados com a Justiça Federal
O procurador da República, Antonio José Donizette Molina Daloia, que atua na região da Baixada Santista, litoral sul e Vale do Ribeira, abordou o aspecto prático de tutela em relação a bens relacionados com a competência da Justiça Federal.
Ele explicou que o Ministério Público Federal atua perante a Justiça Federal recebendo denúncias, representações ou atuando de ofício, nos casos de derramamento de óleo, de poluição marinha que atinge a praia, de construções em área de orla de praia, em questões da expansão portuária e dos conflitos com a cidade.
“Alguns parâmetros são importantes nessa tutela, porque o Ministério Público não é um advogado contratado por particular, mas defende a sociedade numa matéria que é um direito indisponível”, afirmou.
Ele destacou que a questão ambiental no Ministério Público Federal tem um tratamento bastante intenso, pois na prática acaba sendo o ente que mais defende esse direito. O Ministério Público acaba ingressando com ações após um procedimento preliminar de investigação, muitas vezes incluindo laudos de peritos e verificando o descumprimento de alguma norma. Às vezes, a solução é via extra judicial, como ocorreu no caso da construção da ciclovia na orla de Santos. De qualquer forma, essa tutela acaba sendo necessária de ser promovida pelo Judiciário.
Em alguns casos, o Poder Público é o licenciador da própria obra que ele mesmo propôs. Em razão disso,o próprio município acaba ultrapassando fases importantíssimas, como o estudo de impacto ambiental. Outras vezes esse estudo é desprezado ou não atende os requisitos como participação democrática, entre outros, sendo necessário buscar ao Judiciário.
O Judiciário em defesa do meio ambiente
“Tenho casos importantes em que a decisão do Judiciário foi necessária para corrigir o rumo”, afirmou o procurador. Um exemplo disso foi uma plataforma do emissário na orla de Santos. O projeto previa a utilização de uma área de praia e ao final a tubulação ficaria subterrânea e submersa, o que não ocorreu. A plataforma ficou e, ainda, foi reforçada, causando um aspecto nocivo à paisagem, porque justamente naquele ponto, que é divisa de Santos e São Vicente existe uma ilha preservada, chamada de Urubuqueçaba, com um visual magnífico. A plataforma ficou ali deteriorando a paisagem e o espaço alvo de iniciativas públicas e privadas e ao abandono.
A solução da Prefeitura para aquela área era construir o Museu Pelé. "O Museu era um quinto do prédio, o restante seriam lojas, choperias, restaurantes, custeados pelo município para exploração privada. Foi necessário ingressar com uma ação e conseguimos na 1ª Vara Federal de Santos uma liminar que suspendeu a obra e a decisão foi mantida pelo TRF3. A tese defendida pelo Ministério Público é que uma área degradada pode ser mantida o mais próximo possível de suas características naturais”, ressaltou o procurador. Este ponto de vista agrega outro princípio que é a recuperação de ecossistemas degradados.
Com diversos exemplos de ações na Justiça Federal, como o estacionamento na orla do Itararé, o projeto de construção do Porto Brasil em Peruíbe e a contaminação dos lençóis freáticos e dos recursos hídricos de Cubatão, o procurador Daloia concluiu: “cidades precisam de estudo de impacto, planejar suas orlas, gerir com participação democrática, respeitando o ordenamento federal, a Constituição e as demais leis”.
Outro ponto ressaltado pelo palestrante foi à preocupação de que a população se apodere dos instrumentos de proteção ambiental. “Vejo uma carência nos cursos do ensino fundamental, onde deveriam ensinar noções de cidadania e direito ambiental, assim, seria uma oportunidade para as conhecerem seus direitos”, ressaltou.
Importância da zona costeira
A juíza federal Daldice Santana, titular da 1ª Vara Federal de Santos, começou sua exposição com uma abordagem histórica da região Santista. Falou sobre a importância da zona costeira pela diversidade de ecossistemas, pela função ecológica que desempenha, pela importância econômica, devido a entrada e saída de produtos pela zona marítima, pela taxa de desenvolvimento demográfico, local onde está a maior parte da população brasileira, enfocando a Baixada Santista.
A palestrante destacou que São Vicente foi a primeira cidade brasileira a ser fundada, seguida de Santos, Salvador e outras cidades. Em Santos está localizado o maior porto da América Latina, cuja atividade (portuária) já causa impacto ambiental. Embora Santos e São Vicente tenham sido as primeiras cidades fundadas, foram as últimas a terem redes de saneamento tratado.
Em face da riqueza, da diversidade, do grande potencial de desenvolvimento econômico, do apelo ao turismo, às construções, a segunda residência de paulistas, esse panorama gera uma série de conflitos.
“Em função da fragilidade e, por outro lado, da riqueza ambiental desta zona é que foram apontados alguns instrumentos de gestão e de adequação da proteção às peculiaridades dessa área”, afirmou a juíza e continuou: “Não é por outra razão que a Constituição Federal, além de eleger o meio ambiente como pertencente a todos, consagrou a zona costeira como patrimônio nacional”.
Preservação do Patrimônio Cultural
A juíza destacou que, além de Santos possuir valiosíssimos recursos ambientais e naturais, possui um importantíssimo centro histórico. No Brasil, a deterioração dos centros históricos é uma realidade que advém do surgimento de novos pólos. Essa área central deixa de ser interessante e os investimentos migram para outras áreas. Aquela área passa a ser ociosa e a ter uma subutilização da sua infra-estrutura. Assim, uma área com grande potencial turístico, não é utilizada. Cabe à prefeitura preservar e recuperar.
A palestrante contou que a prefeitura de Santos tem um projeto chamado Alegra Santos, que incentiva o empresário a investir na área central, com impostos e com assessoria para dizer que nível de intervenção o imóvel pode sofrer, por exemplo.
Ela mostrou com slides outro projeto do município de Santos de integrar a parte degradada, próxima a Justiça Federal, com a parte urbana, resolvendo a questão viária e integrando a cidade e o porto, inclusive com a criação de uma marina. “Tudo vai depender de licenciamento, de relatório de impacto ambiental, mas, conceitualmente, o projeto atende a legislação, porque preserva o patrimônio histórico e requalifica a área, dando a ela uma outra destinação”, destaca a juíza.
Licenciamento Ambiental
“A questão do licenciamento ambiental é o grande problema em Santos”, alerta a juíza. Quando a obra é potencialmente poluidora e tem significativo impacto ambiental, não se discute que a competência é do IBAMA. Mas, quando é faixa litorânea a terra é da União, e nesses casos o município somente solicita um laudo técnico de algum agente do IBAMA.
Segundo a magistrada, a própria Lei 7.661, determina que toda obra que cause ou venha a alterar as condições naturais da zona costeira requer licenciamento ambiental, mas não especifica o órgão que poderá licenciar.
Para definir a competência, vários critérios são utilizados: o critério da abrangência do impacto, da predominância do interesse e o critério da dominialidade. “Às vezes, existe até duplo licenciamento, se é de interesse nacional, a União licenciará, e se for regional, o município também licenciará”, explica.
Por fim, a juíza federal Daldice Santana mostrou vários slides com exemplos de danos ambientais na orla das praias da região para reflexão de todos.
Ester Laruccia
Assessoria de Comunicação
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