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18 / julho / 2008
ÓRGÃO ESPECIAL: NÃO CABE RECOMENDAÇÃO A JUIZ SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL DISCIPLINAR
O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região rejeitou, por maioria, proposta de recomendação em julgamento disciplinar.

O Colegiado – com o voto vencido do Corregedor-Geral da 3ª Região – negou a abertura de processo disciplinar em face de juíza federal. No curso da votação, a desembargadora federal Ramza Tartuce entendeu que a conduta sindicada derivou do "descumprimento advindo da ausência da devida cautela por parte da Magistrada" e fez "recomendação", para que a juíza se conduza "com mais atenção em sua atividade jurisdicional, para que fato como o dos autos não volte a ocorrer", apesar da inexistência do procedimento disciplinar.

A recomendação foi subscrita por outras cinco integrantes do Órgão Especial, mas acabou rejeitada pela maioria.

O desembargador federal Fábio Prieto de Souza abriu a divergência, ao sustentar que, no sistema censório da Magistratura, a independência funcional dos magistrados não pode ser analisada fora do devido processo legal, sem o devido respeito ao princípio da tipicidade e a outros direitos e garantias individuais.

Para o desembargador, "a imposição da repreensão ganha particular gravidade, na ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da fidelidade da imputação aos fatos, da ampla defesa, do contraditório e da correlação entre a acusação e a condenação, na medida em que o órgão disciplinar rejeitou a própria instauração do procedimento disciplinar".
Abaixo, a íntegra do voto do desembargador Fábio Prieto de Souza.


Órgão Especial.
Proc. nº 2008.03.00.014030-0.
Declaração de voto
do
Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza
Trata-se de juízo de admissibilidade sobre a instauração de procedimento administrativo disciplinar contra integrante do Poder Judiciário.

À exceção do r. voto do senhor Corregedor-Geral da Justiça Federal da 3ª Região, o Órgão Especial, por maioria, rejeitou a abertura do procedimento disciplinar.

No Colegiado, inaugurei a divergência respeitosa em face do douto voto da senhora Desembargadora Federal Ramza Tartuce, no que Sua Excelência entendeu de fazer recomendação à douta Magistrada sindicada, apesar da decisão acima destacada.

A parte final do r. voto da senhora Desembargadora Federal Ramza Tartuce registra o seguinte:

“Na hipótese, penso que não houve o descumprimento voluntário da decisão proferida pela 1ª Turma, mas o descumprimento advindo da ausência da devida cautela por parte da Magistrada, no exame da minuta da sentença repetitiva, a descaracterizar a infração administrativa.

Concluo, pois, que não é o caso de se instaurar processo administrativo disciplinar, mas sim de se recomendar a Magistrada para que se conduza com mais atenção em sua atividade jurisdicional, para que fato como o dos autos não volte a ocorrer.

Diante do exposto, voto no sentido de arquivar o presente Expediente Administrativo, com a recomendação acima”.


Formalizo, agora, por escrito, as razões respeitosas de minha dissensão.

A Constituição Federal assegura aos integrantes do Poder Judiciário a garantia da independência funcional. Trata-se de atributo necessário ao livre exercício da atividade jurisdicional.

O juiz – qualquer que seja a sua posição dentro dos órgãos do Poder Judiciário (art. 92, da CF) – não encontra limitação hermenêutica no conceito ou nos preconceitos do corpo social, nos seus estamentos, corporações, partidos ou instituições – inclusive dentro do próprio Poder Judiciário.

A independência funcional é garantia de consciência, que pode, se necessário, ser contraposta diante de todos e de qualquer um, dentro ou fora do Poder Judiciário.

A matriz liberal, na constituição do Poder Judiciário, implica o reconhecimento histórico de que a Magistratura foi instituída, principalmente, para a contenção das maiorias ocasionais, sejam elas assembleares, econômicas, partidárias, de opinião ou de qualquer outra natureza.
A independência funcional não converte o magistrado em déspota absolutista, por outro lado. Bem ao contrário, a proposição política do liberalismo, no contexto da relativização dos direitos e deveres, condiciona o exercício da liberdade de consciência decisória ao regramento da lei, obra e produto da representação da maioria popular.

Para o devido cumprimento da lei, a Sociedade conta com as formas e os procedimentos legais. O exercício da liberdade decisória está limitado pela extensão e pelo conteúdo do devido processo legal.

No caso do desrespeito à lei pelo magistrado, o sistema jurídico opera com o chamado direito disciplinar. A concessão normativa de singular protagonismo social sujeita o juiz, por simetria, a regime sancionatório especial.

A infração pode ser configurada pela dolosa quebra do dever de fidelidade ao sistema legal, como também pelo cumprimento, sem “exatidão”, das “disposições legais e os atos de ofício” (art. 35, inc. I, da LOMAN).

A importância da atividade jurisdicional exige o seu desempenho com grau mínimo de competência técnica e fidelidade aos cânones da ética procedimental.

Qualquer punição disciplinar, seja fundada no descumprimento frontal e doloso da lei, seja na negligência ou na imperícia profissional, exige a instauração prévia e regular do devido procedimento de igual natureza.

No âmbito do procedimento disciplinar, o órgão julgador está adstrito aos fatos provados e a aplicação da pena, quando cabível, não pode ficar nem aquém, nem além da lista legal de sanções.

No caso concreto, ao mesmo tempo em que a expressiva maioria do Órgão Especial vetou a instauração do procedimento disciplinar, a senhora Desembargadora Federal Ramza Tartuce – com a posterior adesão de outras cinco Desembargadoras Federais – ressaltou que a conduta sindicada derivou do “descumprimento advindo da ausência da devida cautela por parte da Magistrada” e fez “recomendação” para que a Juíza se conduza “com mais atenção em sua atividade jurisdicional, para que fato como o dos autos não volte a ocorrer”.

Abri, repito, neste ponto, a divergência respeitosa, certo de que o sistema jurídico disciplinar não conhece, em tese, o instituto da recomendação.

Houaiss, dicionarista seguro na etimologia, destaca dois sentidos para o vocábulo recomendação: 1) “ação ou modo de dar provas de cortesia; cumprimentos, saudações, lembranças”; 2) “aquilo que adverte; conselho, advertência, aviso”.

Por um lado, não é função deste órgão disciplinar dar provas de cortesia ou afins. De outro, a recomendação - com o caráter de conselho, advertência ou aviso - necessitaria da prévia e regular instauração do devido procedimento disciplinar.

Registre-se que o sistema censório da Magistratura confere tipicidade à pena de advertência. Para o citado dicionarista, trata-se de “admoestação, chamada, repreensão”.

“Data maxima venia”, a condenação de integrante do Poder Judiciário, pela “ausência da devida cautela”, com a admoestação para que se conduza “com mais atenção em sua atividade jurisdicional, para que fato como o dos autos não volte a ocorrer”, configura inegável pena de advertência, sem o respeito devido aos direitos e às garantias constitucionais.

A imposição da repreensão ganha particular gravidade, na ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da fidelidade da imputação aos fatos, da ampla defesa, do contraditório e da correlação entre a acusação e a condenação, na medida em que o órgão disciplinar rejeitou a própria instauração do procedimento homônimo.


“O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, descondiderando, no exercício da sua autoridade o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos”.
(STF, 2ª Turma, AI-AgR 241201/SC, voto do Ministro Celso de Mello).


“A imposição estatal de restrições de ordem jurídica, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do “due process of law”, assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas”.
(...)
“O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações.
Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal”.
(AC 1.033-AgR-QO/DF – Min. Celso de Mello).


Por estes fundamentos, peço vênia para rejeitar a instauração do procedimento disciplinar e desautorizar a recomendação com claro conteúdo de pena de advertência, sem a observância dos direitos e garantias constitucionais – o devido processo legal, por primeiro.


É o meu voto.

Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza
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