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01 / setembro / 2008
QUESTÃO INDÍGENA É DEBATIDA EM CONGRESSO DE DIREITOS HUMANOS DO TRF3

Conferencistas defendem aplicação mais efetiva das normas constitucionais

Em um dos últimos painéis do congresso em homenagem aos 60 anos da Declaração Universal de Direitos do Homem, promovido pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3a. Região, foram recepcionados os juristas Dalmo Dallari e Caetano Lagrasta Neto para falar sobre a questão indígena no Brasil.

Presidiu a mesa dos trabalhos a d
iretora da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Elisete Fabbri, que tem atuado com a comunidade indígena Guarani no estado, assinalando que as questões indígenas tem sido vistas como nefastas, uma vez que não são respeitadas as diferenças culturais e sociais entre as nações. O desembargador federal Newton De Lucca, um dos organizadores do evento, observou que a questão indígena é um tema a respeito do qual existe muita incompreensão, muitos preconceitos e muita desinformação.

O primeiro conferencista, Dalmo Dallari, livre docente e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP, que tem um extenso convívio com a questão indígena, desde os tempos do regime militar, quando venceu duas grandes causas relacionadas aos direitos dos índios, - uma que dizia respeito à exploração de petróleo dentro de uma reserva indígena na Amazônia e outra referente à construção de uma usina, também em terras indígenas, no estado do Pará-, declarou que o princípio da dignidade da pessoa humana, inserido na Constituição Federal, tem muito propósito quando se trata da questão indígena, face às agressões tremendas à dignidade dos índios: “Há uma tentativa de genocídio, disfarçada; seagride o índio, se agride a terra do índio, como uma tentativa indireta de eliminar o índio.”

O professor alega que nestes dias o tema assume uma importância especial em função do julgamento que está ocorrendo no Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, que, impropriamente, dizem estar situada dentro do estado de Roraima. Impropriamente porque quando foi feita a Constituição Federal de 1988, o constituinte estabeleceu que as áreas ocupadas por populações indígenas são áreas federais, logo, nunca fizeram parte do estado de Roraima, que foi criado exatamente na mesma oportunidade e, de cujo território, foram excluídas as áreas de ocupação indígena. “Isso só pode ser dito por ignorância ou má fé”, diz Dalmo, “basta ter um pouco de conhecimento da história da Constituição para ver que o constituinte não deixou dúvida. É direto, está expresso no artigo 20, inciso XI da Constituição Federal”.

O palestrante ressalta um dado: o índio, antes de mais nada, é um ser humano, portanto, faz jus à proteção do contido no artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem. Lembra, ainda, que todo índio é cidadão brasileiro, abrigado pelos direitos e garantias do artigo 5º da Constituição Federal de 88. O artigo 231 da Carta Magna refere-se especificamente à pessoa do índio, às suas terras, à sua cultura. “Esse tratamento especial não é um privilégio, mas uma proteção a uma minoria desprotegida”. Explica que o índio não é proprietário da terra, que é da União, mas tem direito ao seu uso. Também a barreira da língua contribui para deixá-los vulneráveis e desprotegidos. Relatou que em certo momento da história do país, as índias que viviam em torno de Brasília, costumavam ser atendidas em um hospital central para dar à luz, onde eram submetidas à histerectomia (extração do útero), o que configurava um verdadeiro genocídio indireto. Denunciou também um sistema de adoção de crianças índias por estrangeiros no Mato Grosso do Sul, com a cumplicidade do juízo da infância e juventude local, sob a alegação de que as mães índias “abandonavam” seus filhos, “o que é mentira, porque na cultura indígena, a aldeia cuida das crianças”, rebate o professor.

De acordo com o jurista, o artigo 231 da Constituição Federal fixa pontos fundamentais, como os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam. A União Federal é obrigada a demarcá-las. Não é da demarcação que nasce o direito. Ele já existe antes desse ato. O que tem ocorrido corriqueiramente são tentativas sucessivas de se anular demarcações por parte dos invasores de áreas indígenas. A Funai é o órgão responsável pela demarcação, mas não tem recursos nem funcionários suficientes para isso. Ela é encarregada de elaborar os laudos antropológicos, enviados ao Ministério da Justiça com o pedido de demarcação para ser posteriormente homologado pelo Presidente da República. Para o índio, a terra não é um valor econômico, mas um valor essencial à sua sobrevivência. Na opinião do jurista, a demarcação deve ser contínua, porque a ocupação da terra pelo índio é contínua. Isso serve para proteger os índios contra os invasores que alegam sempre boa fé, quando estão agindo de má fé.

O jurista lembra ainda que, no passado, quando foi sugerida a internacionalização da Amazônia, o território estava ocupado por índios, cidadãos brasileiros, defensores históricos, tradicionais da soberania brasileira, o que desmente o argumento falacioso em circulação de que, de alguma forma, os índios estariam colocando em risco a soberania nacional. Por fim, o professor afirma que o índio tem feito um esforço enorme para se integrar à sociedade brasileira, “mas isso tem que ser feito de acordo com seus costumes”, ressalva e cita o exemplo de Joênia Wapixana, advogada dos indígenas na questão que envolve a reserva Raposa Serra do Sol.

Jurisdição especial indígena

Para o desembargador estadual Caetano Lagrasta Neto, professor universitário, jornalista e membro da 8a. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em matéria de respeito à terra e à identidade cultural indígena, é desnecessário aguardar o reconhecimento internacional, uma vez que a nossa Constituição Federal dá conta de tudo. No entanto, ainda não há certeza de um julgamento isento quando o índio é réu.

Cita o caso do cacique Paiakã, condenado em um “processo írrito, sem contraditório, sem o respeito ao devido processo legal, pelo Tribunal de Justiça do Pará”, em função do grau de aculturação que o índio havia atingido. Na esfera civil, não é diferente. Por essa razão, defende a criação de uma jurisdição especial indígena e a competência da justiça federal, com a revogação da Súmula 140 do STJ.  

Defende ainda a revisão das penalidades aplicadas aos indígenas: “Sujeitar um índio aos nossos métodos carcerários é um absurdo”. Acredita que a intervenção da União Federal nos conflitos envolvendo a disputa pela terra deve ser imediata. Comenta que há um coronel ameaçando fazer guerrilha diante do voto do ministro Ayres Britto na questão da reserva Raposa Serra do Sol: “A direita ameaça com guerrilha, mas a esquerda pede o cumprimento da Constituição Federal. Trata-se de um contra-senso interessante”, assinala.

João Fábio Kairuz/TRF3   

1-Mesa do Painel: desembargador Estadual Caetano Lagrasta Neto, a diretora da Comissão Justiça e Paz de São Paulo,Elizete Fabbri, jurista Dalmo Dallari e o desembargador federal Newton De Lucca, diretor da EMAG

2- O desembargador Estadual Caetano Lagrasta Neto

3- Religiosa franciscana faz pronunciamento em favor dos índios

4- O jurista Dalmo Dallari 

5- Desembargador Federal Newton De Lucca, diretor da EMAG, recebendo os conferencistas

Andréa Moraes

Assessoria de Comunicação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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