É necessária a conclusão de estudos técnicos para determinar com segurança se terras são ou não tradicionalmente ocupadas por índios
Em recente decisão em recurso de Agravo de Instrumento, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) suspendeu decisão proferida pela Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, em Dourados, relativa a demarcação de terras indígenas.
Em ação de execução de obrigação de fazer por título extrajudicial, destinada a garantir o cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 2008, que consubstancia os trabalhos de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas na região centro-sul de Mato Grosso do Sul, o juízo de primeiro grau, na intenção de proteger os direitos tanto dos índios como dos proprietários de terras por esses ocupadas, que, presume-se, tenham adquirido seus títulos legitimamente, determinou que a FUNAI e a União procedam, no prazo de 30 dias, aos atos administrativos necessários para as demarcações previstas no TAC.
Em lugar de fixar multa pelo descumprimento, a decisão atacada prevê o pagamento de arrendamento, pelo valor de mercado, aos proprietários das terras ainda não demarcadas e ocupadas pelos indígenas de forma irregular. A decisão pretende abranger ainda ocupações futuras, ocorridas após seu proferimento.
Os pagamentos relativos ao arrendamento deverão incidir desde a intimação da FUNAI e da União sobre o teor da decisão e deverão perdurar até a completa realização das demarcações. O não pagamento de tais valores deverá ensejar o bloqueio orçamentário de recursos necessários a este fim.
O juízo de primeiro grau em Dourados determinou ainda a intimação do ministro da Justiça para o cumprimento de sua decisão no prazo de 30 dias, sob pena de envio de ofício ao procurador-geral da República para apuração de crime de responsabilidade.
A União, subscritora do recurso de agravo de instrumento, pede a reforma da decisão do juízo federal de dourados, arguindo a sua ilegitimidade passiva, pois não detém poder sobre os índios; a independência de poderes, já que o Judiciário não pode substituir a conveniência e oportunidade do Executivo de realizar atos físicos de Administração; a violação do princípio dispositivo (arts. 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil), visto que o TAC foi celebrado apenas entre o MPF e a FUNAI; que o juízo de primeiro grau, ao impor obrigação ao ministro da Justiça, bem como ao determinar que se oficie o procurador-geral da república para apuração de crime de responsabilidade, invadiu a competência alheia à sua jurisdição e, por fim, que não cabe bloqueio do orçamento da União para pagamento do arrendamento sem a expedição de precatório.
O relator do caso, ao analisar os argumentos que lhe foram trazidos, considera que houve violação do princípio dispositivo, já que não há pedido formulado contra a União na ação de execução movida contra a FUNAI. A demarcação das terras indígenas deve ser precedida de trabalho de identificação da área, ou seja, trabalho que antecede o processo de demarcação, sob iniciativa e orientação do órgão federal de assistência ao índio, a FUNAI.
Também não cabe impor à União a determinação para pagamento de arrendamento aos supostos proprietários das terras ocupadas pelos indígenas, ou que venham a ser por eles ocupadas na região centro-sul do Mato Grosso do Sul, mesmo que seja apenas para reforçar a execução da medida de demarcação, já que o TAC, conforme frisado, foi realizado pelo MPF (exequente) e FUNAI (executada).
Ademais, até o presente momento, diz o relator, não há qualquer estudo que indique que a terra objeto da ação seja tradicionalmente ocupada por indígenas, circunstância que ensejaria a indenização dos proprietários que adquiriram seus títulos legitimamente, como sublinhado pelo juízo de primeiro grau.
Diz o relator: “Entendo que somente após a concretização dos estudos de natureza etno-histórica, antropológica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, serão fornecidos os elementos necessários para descrever com propriedade a existência de ocupação de terras indígenas e demais requisitos para a demarcação de terras. E se, da realização dos estudos de natureza etno-histórica e antropológica, a serem determinados pela FUNAI, se evidenciar que a área, efetivamente, se situa em terras indígenas, ao particular que for afetado pelo processo de identificação da área a ser demarcada deverá ser assegurado o contraditório, com a possibilidade de se manifestar, produzindo todas as provas pertinentes em defesa de seu direito”.
O relator considera, ainda, que ao impor obrigação para autoridades que não estão submetidas à sua jurisdição (ministro da Justiça), o juízo federal de primeiro grau invadiu competência alheia, já que, em tese, o aludido agente público, em matéria cível, se sujeita à competência do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, o titular da pasta em questão não detém atribuição para realização dos atos administrativos de demarcação, que cabem com exclusividade à FUNAI, sendo sua atribuição apenas, ao final do processo, editar as portarias declaratórias, pelo que não é plausível que seja intimado para cumprimento de TAC no qual não teve participação.
Também não parece plausível a possibilidade de pagamento de arrendamento, já que este é um contrato de natureza bilateral que dependeria da anuência dos proprietários das terras ocupadas pelos índios, o que não se evidencia na hipótese trazida a exame, já que a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul – FAMASUL, na qualidade de representante dos produtores rurais a ela filiados, também recorreu da decisão neste recurso discutida, destacando a impossibilidade de concretização do arrendamento.
A esse respeito, observa o relator: “Não se vislumbra, em outro giro, como poderia ser a União compelida a firmar contrato de arrendamento rural – de natureza particular, dependente de sua vontade -, ainda mais se nem há elementos para definir, nos autos subjacentes, quais seriam as áreas ‘irregularmente’ ocupadas pelos indígenas e, consequentemente, a quem se pagaria o arrendamento, tornando a decisão de difícil cumprimento com exatidão, o que, na prática, poderia dar azo a eventuais pagamentos indevidos, causando prejuízo ao erário.”
Não cabe, ainda, a determinação de bloqueio orçamentário da União e da FUNAI para pagamento do aludido arrendamento, que encontra barreira nas regras de execução contra a Fazenda Pública, baseada no sistema de liquidação de débitos pela expedição de precatórios, sendo vedada a penhorabilidade de seus bens em qualquer hipótese. Eventual bloqueio de verba orçamentária produziria lesão de grave potencial ofensivo ao ente público, considerando que vulnera a ordem pública estabelecida (art. 100 da Constituição Federal).
Assim, ficou determinada a suspensão da decisão proferida em primeiro grau, pelo menos até que ulteriores averiguações administrativas concluam, de modo seguro e definitivo, acerca da condição jurídica da posse indígena na área, em atenção ao quadro fático e para que não se atente contra a pacificação social.
No tribunal o processo recebeu o nº 2015.03.00.001010-9/MS.
Assessoria de Comunicação

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