Operações fraudulentas ocorreram em prejuízo de instituição financeira estatal
A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou a condenação de dois acusados de crimes contra o sistema financeiro nacional. Eles eram os únicos diretores de um banco na época dos fatos e participavam do comitê de crédito.
Segundo a denúncia, o banco estava com suas atividades praticamente paralisadas até agosto de 1999, a partir de quando a instituição financeira passou a realizar operações de repasse de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sem observar normas de boa gestão e boa técnica bancária, os princípios da seletividade, garantia e liquidez.
Entre as operações temerárias realizadas pelos acusados por intermédio de seu banco estariam empréstimos a diversas pessoas jurídicas. Para liquidar dívidas de R$ 1.184.575,12, o banco dos acusados chegou a receber imóvel que, segundo o liquidante, valia apenas R$ 132 mil.
O banco celebrou ainda operações de repasse de recursos do BNDES com outros tomadores de empréstimos, mas com a condição contratual de que parcela significativa do crédito fosse entregue a um terceiro indicado no contrato pela própria instituição financeira privada. Os mutuários firmavam duas notas promissórias: uma com o valor que seria por eles utilizado e outra com o montante a ser entregue ao terceiro. Uma vez realizada a transferência dos recursos, a segunda nota promissória era entregue ao tomador, com a anotação de liquidada. A peça acusatória lista dez operações desse tipo, sendo que alguns dos mutuários, bem como alguns dos terceiros beneficiários dos recursos sequer existiam de fato.
As operações tinham como finalidade declarada o financiamento à exportação, mas o intuito era o desvio de recursos do BNDES em benefício das próprias pessoas jurídicas tomadoras dos empréstimos. Os valores correspondentes à quantia que era repassada pelos mutuários aos terceiros, e acerca da qual havia quitação da nota promissória respectiva, eram mantidos como operações em aberto na contabilidade do banco dos acusados, falseando-se seus demonstrativos contábeis. Como os valores transferidos pelos mutuários aos terceiros não podiam ser adequadamente registrados nos livros do banco privado, houve movimentação de recursos paralelamente à contabilidade.
Em outubro de 2002, o banco de propriedade dos acusados contratou um repasse de R$ 1,2 milhão do BNDES a uma empresa de comércio e representações, entregando a esta cinco cheques. Entretanto, o negócio foi cancelado para posterior celebração de outro em dezembro do mesmo ano, no valor de R$ 1.280.100,00. Em virtude disso, a empresa referida devolveu quatro cheques ao banco dos acusados, retendo apenas um deles, no valor de R$ 100 mil, como garantia da alteração. Entretanto, os outros quatro cheques foram desviados para outras pessoas jurídicas. Tanto a operação cancelada como a nova foram mantidas na contabilidade do banco dos acusados, com saldos devedores como sendo de responsabilidade da empresa de comércio e representações.
Em junho de 2006 foi recebida a denúncia, que foi posteriormente aditada, para acrescentar que os acusados não tomaram nenhuma medida para recuperação dos recursos emprestados, referentes a 32 operações listadas, que somavam, em abril de 2003, R$ 45.900.536,08; que os acusados aceitaram bens dos devedores de uma transportadora e de uma empresa de equipamentos industriais como dação em pagamento de valores devidos ao banco privado, sem verificar se eles possuíam liquidez e eram realizáveis, ocasionando prejuízos à instituição; que um dos acusados recebeu por intermediários, R$ 1,080 milhão advindos de um repasse de recursos do BNDES efetuado pelo banco privado a uma empresa de tecnologia de reciclagem; que o banco dos acusados não contabilizou, em conta do sistema de compensação, depósitos a prazo (CDBs) de sua emissão, oferecidos em garantia pelos devedores vinculados a contratos BNDES Automático, em 12 operações; que recursos provenientes de repasses de financiamentos na modalidade BNDES Automático foram utilizados pelos sócios e diretores dos tomadores para a realização de depósitos a prazo no próprio banco de propriedade dos acusados, em utilização diversa daquela prevista nos respectivos contratos. A denúncia lista 6 operações desse gênero, que perfazem um total de R$ 2.181.480,60, aplicados irregularmente.
Tais fatos configuram crimes praticados em concurso de pessoas, de forma continuada e se enquadram nos artigos 4º, caput e parágrafo único, artigos 10, 11, 19 e 20 da Lei 7.492/86 (que define crimes contra o sistema financeiro nacional).
Em primeiro grau, a sentença condenou os envolvidos, que recorreram requerendo a sua reforma, arguindo a inépcia da inicial, a absolvição por ausência de provas de autoria e dolo, aplicação do princípio da consunção reconhecendo que as condutas se amoldam ao crime de gestão fraudulenta, absolvendo-se os acusados pelo crime de gestão temerária e a conduta descrita no artigo 17 da Lei 7492/86, bem como, na hipótese de subsistir a condenação, que seja anulada a sentença, atendendo-se, na fixação da pena, os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, individualização e da finalidade social, aplicando-se a pena base no mínimo legal.
Ao analisar o caso, o tribunal fixou o entendimento de que a peça acusatória descreveu todos os fatos delituosos atribuídos aos acusados. Já que se trata de um crime de autoria coletiva, tal como caso de crimes contra o sistema financeiro no âmbito da pessoa jurídica, não se pode exigir que o órgão de acusação tenha, no momento do oferecimento da denúncia, condições de individualizar de maneira detalhada a conduta de cada corréu.
O TRF3 observa também que configura condição de admissibilidade da denúncia em crimes societários a indicação de que os acusados sejam de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos, como é o caso.
Já em relação à aplicação do princípio da consunção, não assiste razão ao recorrente que pretende a absorção do delito de gestão temerária (artigo 4º, parágrafo único) e da conduta descrita no artigo 17, todos da Lei 7.492/86 pelo crime de gestão fraudulenta. É que o princípio da consunção prescreve que um crime é absorvido por outro quando constitui parte do iter criminis (caminho do crime ou etapa) desse. Entretanto, não é o que se afigura no caso em questão, já que os fatos que levaram à condenação do apelante pelos delitos previstos no artigo 4º, parágrafo único, e artigo 17, ambos da Lei 7.492/86 descrevem condutas que estão dissociadas e independem da ocorrência de operações ardilosas e manipuladas, ou seja, de atos de gestão fraudulenta. E, nesse aspecto, o juízo de primeiro grau fundamentou de maneira clara tratar-se de fatos distintos, cada qual se encaixando em artigos diferentes da Lei 7.492/86.
A materialidade ficou demonstrada pelo processo administrativo aberto pelo Banco Central e a autoria pelas atas das assembleias gerais e de reuniões de diretoria do banco de propriedade dos acusados, que evidenciam que, na época dos fatos, os acusados eram os únicos diretores do banco de que eram donos, bem como participavam do comitê de crédito da instituição, um na condição de diretor presidente e outro como diretor executivo. Também a nomeação dos acusados como diretores foi objeto de homologação pelo Banco Central. Já os interrogatórios dos acusados e os depoimentos das testemunhas dão conta de que os réus atuavam como gestores do banco de sua propriedade, assinando diversas operações tidas como irregulares, bem como beneficiando-se das operações fraudulentas, o que afasta a ausência de dolo, isto é, os acusados contribuíram de forma livre e consciente para a prática dos crimes descritos na denúncia.
Por fim, ainda que um dos acusados não estivesse presente todos os dias na instituição financeira, tal como arguido, mesmo que sua presença fosse, em média, três vezes por semana, como relatou em seu interrogatório, não é crível que, como diretor executivo do banco e com todo o conhecimento que possuía a respeito do mundo dos negócios, não tivesse conhecimento das fraudes e demais crimes praticados no âmbito dessa instituição, considerando, inclusive, que participou da celebração das operações fraudulentas e delas se beneficiou.
Assim, o TRF3 manteve a pena fixada em primeiro grau, tendo em vista as circunstâncias desfavoráveis, na medida em que os negócios que caracterizam os delitos envolvem valores muito altos, em prejuízo de uma instituição financeira estatal. Além disso, foram praticados por diversas vezes e por um período de tempo bastante longo, o que, no dizer do tribunal, “demonstra desrespeito para com a ordem jurídica e demanda a punição mais severa”.
No tribunal, o processo recebeu o número 2005.61.81.009600-5/SP.
Assessoria de Comunicação Social do TRF3
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