Espécie é considerada nativa do Brasil e está ameaçada de extinção. Ovos foram capturados por meio de caça profissional
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão da 2ª Vara Federal em Guarulhos que já havia condenado um irlandês por crime contra o meio ambiente. Ele foi preso no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) quando tentava embarcar para a Johanesburgo, na África do Sul, com quatro ovos de Falcão Peregrino, espécie ameaçada de extinção. Também foram apreendidos equipamentos de escalada profissional, como corda de alpinismo, mosquetões, cadeira de escalada e capacete, além de três incubadoras de ovos.
Em primeiro grau, o juiz federal Paulo Marcos Rodrigues de Almeida constatou que o réu havia retirado os ovos de seu habitat natural com práticas características de caça profissional. Considerou também se tratar de uma espécie nativa e ameaçada de extinção e ainda o histórico do acusado, que confirmou já ter sido acusado pelo mesmo crime na Inglaterra e Canadá. Assim, condenou o réu a quatro anos e seis meses de detenção e pagamento de 1.620 dias-multa pela prática do delito do artigo 29, § 1º, III, c. c. § 4º, I e § 5º, da Lei n. 9.605/98.
A defesa recorreu da decisão afirmando não haver provas da materialidade do crime e da prática de caça profissional. Além disso, alegaram que os falcões peregrinos não são ameaçados de extinção. O recurso do réu pediu a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais e a sua expulsão do país a suas expensas.
Mas o desembargador Andre Nekatschalow, relator do acórdão no TRF3, manteve a condenação e determinou ainda a prisão do réu, tendo em vista que este “descumpriu uma das condições necessárias para apelar em liberdade, qual seja, a obrigação de comparecimento bimestral em Juízo, mediante a comprovação de endereço e justificativas de suas atividades”.
Espécie ameaçada
O Falco Peregrinus é espécie considerada da fauna silvestre nativa, uma vez que pelas características de sua biologia é considerada migratória e tem parte do seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, sobretudo na região Sul e sul do Sudeste do Brasil.
Segundo o relator, a espécie é considerada ameaçada de extinção porque está relacionada no Anexo I da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - Cites, da qual o Brasil é signatário, tendo esse preceito sido internacionalizado pelo Decreto Federal 3.607/00.
No caso em questão, os ovos foram retirados do ninho na Terra do Fogo, Patagônia Chilena. As autoridades chilenas emitiram alerta às autoridades brasileiras de réu tentaria passar pelo aeroporto possivelmente portando algum produto oriundo da fauna. Assim, o acusado foi encontrado na área vip do aeroporto, conduzido ao setor de raio-x, e preso em flagrante delito.
Após a apreensão, o Ibama realizou exame de ovoscopia e concluiu que os ovos eram da espécie Falco Peregrinus, embrionados e em estágio de desenvolvimento de 10 dias. O ovos foram devolvidos ao Chile e o Ibama recebeu a informação de que dois deles eclodiram e prosperaram, confirmando se tratar da espécie em questão.
Caça profissional
Em seu interrogatório, o réu alegou que as incubadoras apreendidas serviriam ao acondicionamento de equipamento fotográfico, mas duas estavam vazias e a outra armazenava os ovos apreendidos, que ainda estavam envoltos por uma meia e individualizados por laços de barbante.
O agente do Ibama presente no momento da prisão relatou que o réu deu detalhes acerca da adequada conservação dos ovos e manuseio do aparelho. “Todo esse profissionalismo e sofisticação para capturar e conservar os ovos demonstram o exercício de caça profissional”, concluiu o desembargador.
Em relação aos equipamentos de escalada, o réu admitiu que os usava para aproximar-se de ninhos, que ficam em meio a rochas, em locais de difícil acesso, com o objetivo de fotografá-los.
O chefe da Unidade Avançada do Ibama no aeroporto de Guarulhos também afirmou que o material para escalada apreendido é condizente com a forma de captura de ovos de aves de rapina, como o Falco Peregrinus, cujos ninhos geralmente são encontrados em meio a pedras, em penhascos.
Princípio da insignificância
O desembargador também concluiu que não procede o argumento da defesa de que o apelante praticou conduta insignificante, por ser inaplicável o princípio da insignificância em relação a crimes ambientais.
Segundo ele, “os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes”.
Ele citou também jurisprudência sobre o assunto: “Em se tratando de delitos ambientais, é inviável a aplicação do princípio da insignificância, com a exclusão da tipicidade, porquanto, ainda que determinada conduta, isoladamente, possa parecer inofensiva ao meio ambiente, é certo que, num contexto mais amplo, torna-se relevante, isto é, uma vez somada a todas as demais interferências humanas na natureza, o prejuízo global causado ao ecossistema por todas aquelas condutas isoladas, no conjunto, é evidente, devendo, assim, ser eficazmente prevenida e reprimida por normas administrativas, civis e, inclusive, penais” (TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240008053-SP).
Condenação
O desembargador federal Andre Nekatschalow manteve, portanto, a condenação em quatro anos e seis meses de detenção e pagamento de 1.620 dias-multa, considerando ter sido o crime praticado contra espécie nativa ameaçada de extinção e também os maus antecedentes do réu, por já ter sido processado, condenado e cumprido pena na Inglaterra pelo mesmo fato delituoso, o que “aponta a prática de crimes ambientais como seu modo de vida”.
Ele manteve também a majoração da pena no triplo em razão de o crime decorrer do exercício de caça profissional, nos termos do art. 29, § 5º, da Lei n. 9.605/98.
“No caso dos autos, as circunstâncias judiciais do réu são deveras reprováveis, motivo pelo qual não apenas a pena-base foi fixada no máximo legal, como também as frações relativas às causas de aumento previstas no § 4º, I e § 5º, do art. 29 da Lei n. 9.605/98”, declarou o desembargador.
A pena privativa de liberdade não foi substituída por restritivas de direitos, pois o relator entendeu que as causas de aumento de pena imputadas ao réu, previstas no artigo 61 da Lei n. 9.099/95, descaracterizam o crime de menor potencial ofensivo.
Sobre o pedido de expulsão do apelante, o desembargador afirmou que este deverá ser feito perante o Ministério da Justiça.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009954-02.2015.4.03.6119/SP
Assessoria de Comunicação Social do TRF3
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