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01 / dezembro / 2017
CONHEÇA OS FUNDAMENTOS QUE LEVARAM A 11ª TURMA A SUBSTITUIR PRISÃO PREVENTIVA DE FAZENDEIROS POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS

Acusados de ataque a índios devem comparecer trimestralmente em juízo, estão proibidos de manter contato com vítimas e testemunhas e não podem viajar sem autorização judicial

Em decisão unânime, a 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) substituiu a prisão preventiva de cinco fazendeiros envolvidos em conflitos com indígenas no Mato Grosso do Sul por medidas cautelares alternativas. A decisão em habeas corpus determinou que os acusados compareçam trimestralmente em juízo para informar e justificar suas atividades, além de estarem proibidos de acessar o local dos fatos, de manter contato com as vítimas, testemunhas e entre si e de se ausentar por mais de oito dias de onde residem sem autorização judicial.

O incidente entre indígenas e fazendeiros aconteceu no dia 14 de junho de 2016 e os acusados tiveram prisão decretada em 5 de julho daquele ano. Em 25 de outubro, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar no Habeas Corpus nº 137.956, revogando a prisão preventiva. Contudo, em 26 de setembro de 2017, quase um ano depois da liberdade dos investigados, a Primeira Turma do STF, por maioria, não conheceu do habeas corpus com fundamento na Súmula 691, sem analisar o mérito da ação.

Diante disso, depois de novo pedido do Ministério Público Federal, a 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados decretou novamente a prisão preventiva dos acusados, sob o fundamento de que o acórdão da Primeira Turma do STF teria efeito repristinatório, ou seja, deveria ser retomada a primeira decisão do juiz de primeiro grau, tornando sem efeito a liminar que havia concedido a liberdade um ano antes.

Contudo, em seu voto, o desembargador federal Fausto De Sanctis, relator do habeas corpus agora julgado no TRF3, entendeu que, após quase um ano de liberdade dos acusados, os requisitos exigidos pelo Código de Processo Penal (CPP) para a decretação da prisão preventiva deveriam ser novamente analisados.

O magistrado salientou que, segundo o Código, a prisão preventiva é uma medida cautelar cabível somente quando não for possível nenhuma outra medida também de natureza cautelar. Essa prisão é excepcional e não se confunde com a decorrente de cumprimento de pena, que acontece somente após decisão condenatória – até o momento os acusados não foram condenados em nenhuma instância.

Citando o artigo 312 do CPP, o voto explica que, em razão de sua natureza cautelar, a prisão preventiva somente pode ser decretada quando houver prova não só da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, como também do perigo à ordem pública e à ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Além disso, destacou que os requisitos da prisão preventiva devem estar presentes no momento de sua decretação e também ao longo do período de sua vigência. E, no caso da última decisão que determinou a prisão dos fazendeiros, De Sanctis concluiu que não estão presentes as hipóteses previstas no artigo 312 do CPP “na justa medida em que a constrição preventiva ora impugnada não objetiva garantir a ordem pública ou a ordem econômica, nem se mostra pertinente à conveniência da instrução criminal ou ao asseguramento da aplicação da lei penal”.

A primeira ordem de prisão preventiva, de 05/07/2016, teve como fundamento a garantia da ordem pública e a gravidade concreta imputada aos acusados. Todavia, essas situações não estavam mais presentes quando houve o restabelecimento da prisão cautelar, em 5 de setembro de 2017. Eles já estavam em liberdade há quase um ano, desde a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio.

O desembargador federal ressaltou que, em todo esse período de liberdade, os fazendeiros não se envolveram em outro conflito de terras, “de modo que se nota que a ordem pública e a gravidade das condutas não mais necessitavam de acautelamento preventivo quando do novo decreto constritivo da liberdade”, escreveu.

Ele destacou ainda que o Ministério Público Federal ao postular o restabelecimento da segregação preventiva, apenas indicou o julgamento de mérito do Habeas Corpus pelo Supremo Tribunal Federal, sem apontar qualquer dado concreto a indicar que a liberdade do paciente por quase um ano teria maculado a ordem pública ou incitado a prática de novos delitos.

Para o desembargador federal, em vez de simplesmente dar efeito repristinatório à prisão preventiva deferida com base em fatos de aproximadamente um ano atrás, o juiz federal de primeiro grau deveria reapreciar a existência de fundamentos para nova prisão requerida pelo MPF. Ele ainda destacou que a jurisprudência entende não ser razoável determinar o retorno à prisão com base em circunstâncias bem anteriores à primeira decisão se não houver elementos novos.

O voto salienta também que não se pode cogitar a possibilidade de fuga dos acusados, “na justa medida em que o fato do paciente possuir propriedade rural ou morar perto da fronteira não induz o intento de se furtar da aplicação da lei penal, ainda mais porque ficou em liberdade por quase 01 ano sem que tenha ocorrido sua fuga – a propósito, destaque-se que o paciente foi encontrado em sua residência para citação na ação penal subjacente (fls. 232/233), bem como se apresentou espontaneamente para o novo encarceramento”.

Quanto ao risco à ordem pública, o laudo pericial da polícia federal concluiu que houve confronto entre indígenas e fazendeiros ocorrendo disparos de arma de fogo de ambos os lados, onde foi vitimado um indígena. O documento atestou também que os indígenas partiram para o confronto com arma de fogo e tentaram atear fogo na propriedade rural.

O relator esclarece que o Código Civil brasileiro permite o exercício do direito de autoproteção da posse no caso de esbulho e de turbação, respectivamente com a sua restituição ou manutenção na posse, por sua própria força desde que aja no limite da indispensabilidade. “Isso não se confunde com exercício arbitrário das próprias razões e diz com o legítimo direito de defesa e de proteção da posse”, alertou.

Segundo De Sanctis, o fato de a Funai ter iniciado demarcação de parte da posse não retira o dever de respeito à lei, “inclusive por comunidades indígenas já adaptadas (como se revelou neste caso), num contexto já extremamente tenso e delicado”.

“Se a transgressão dos cidadãos mediante o desrespeito à lei, invocando seus pretensos direitos, passa a ser norma, a não transgressão torna-se agressão: uma situação de total anarquia jurídica generalizada, em que o Direito passa a ser manipulado e banalizado num mundo sem deveres e de consagração de desrespeitos mútuos”, diz o voto.

“Algumas pessoas têm agido no exercício das próprias ‘razões’ diante da descrença e da quebra de confiança na eficiência de nossas instituições. O que está por detrás dos fatos levados a conhecimento deste tribunal é objeto irrenunciável da mais profunda reflexão: a integridade física das pessoas e o uso da força para fazer valer suas pretensões (de parte a parte), lamentavelmente com a supressão da vida de uma pessoa e ferimentos diversos. A questão não é só de onde viemos, mas quem somos e porque somos, devendo causar espécie tanto uma sociedade que opte pela supressão de direitos aos indígenas, quanto a que desguarnece direitos dos demais, assim como pela supressão dos deveres dos indígenas ou supressão dos deveres dos demais”, concluiu.

HC 2017.03.00.003871-2 - paciente: NELSON BUAINAIN FILHO
HC 2017.03.00.003973-0 - paciente: VIRGILIO METTIFOGO
HC 2017.03.00.003912-1 - pacientes: EDUARDO YOSHIO TOMONAGA E JESUS CAMACHO
HC 2017.03.00.003913-3 - paciente: DIONEI GUEDIN

Assessoria de Comunicação Social do TRF3

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