Justiça Federal considerou que o Decreto nº 12.534/2025 extrapola os limites do poder regulamentar
A 1ª Vara-Gabinete do Juizado Especial Federal de Registro/SP condenou o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a conceder o benefício assistencial de prestação continuada (BPC/LOAS) a pessoa com deficiência e rejeitou a inclusão do Bolsa Família no cálculo da renda familiar para fins de concessão do BPC. A decisão é do juiz federal Maycon Michelon Zanin.
O Decreto nº 12.534/2025 revogou o artigo 4º, §2º, II, do Decreto nº 6.214/2007, para permitir que o Bolsa Família fosse computado no cálculo do benefício assistencial. O magistrado considerou que a alteração da norma extrapolou os limites do poder regulamentar previstos na Constituição Federal.
“Conforme doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, decretos não podem criar restrições a direitos fundamentais não previstas em lei. A LOAS não autoriza a inclusão de benefícios assistenciais no cálculo da renda familiar, tratando-se de inovação ilegal sem respaldo legislativo”, frisou o juiz federal.
A autarquia federal negou a concessão do benefício por considerar que a renda familiar per capita seria superior a 1/4 do salário mínimo.
Perícia médica judicial atestou que a parte autora, com sete anos de idade, apresenta quadro de epilepsia focal sintomática, malformação do sistema nervoso central, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade e hematoquezia em investigação.
Fotografias corroboraram a situação de penúria familiar, evidenciando moradia desprovida de conforto mínimo e ausência de patrimônio.
Laudo socioeconômico de dezembro de 2023 identificou que a criança residia com seus genitores. O sustento familiar provinha de trabalhos informais do pai como ajudante de pedreiro (R$ 800,00) e do Programa Bolsa Família (R$ 650,00). Posteriormente, o pai obteve vínculo empregatício formal, com remuneração média de R$ 1.890,00.
Maycon Michelon Zanin citou o julgamento do Tema 312, pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, do artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, determinando que benefícios assistenciais ou previdenciários de valor mínimo não sejam computados no cálculo da renda familiar per capita.
O juiz federal também destacou entendimento do Superior Tribunal de Justiça no Tema 640, o qual estabeleceu que benefícios no valor de um salário mínimo recebidos por idosos ou pessoas com deficiência devem ser excluídos do cálculo, por serem personalíssimos e destinados exclusivamente à manutenção de seus titulares.
Para o magistrado, a alteração normativa proposta pelo Decreto nº 12.534/2025 representa evidente retrocesso social vedado constitucionalmente.
“O BPC e o Bolsa Família possuem naturezas jurídicas distintas e complementares. Enquanto o BPC substitui integralmente a renda de pessoas impossibilitadas de trabalhar, o Bolsa Família complementa temporariamente a renda familiar para combate à pobreza extrema. Utilizar um benefício destinado ao combate à miséria para negar outro benefício assistencial cria paradoxo jurídico que viola a lógica protetiva do sistema constitucional”, disse o magistrado.
Segundo o juiz federal, a inclusão do Bolsa Família no cálculo poderia resultar em situações absurdas: famílias que recebem R$ 600,00 do programa poderiam ter sua renda artificialmente elevada, perdendo acesso ao BPC de valor superior, essencial para custear tratamentos de pessoas com deficiência. Tal situação violaria o princípio da dignidade humana e o direito ao mínimo existencial.
“Considerando que o grupo familiar recebe valores do Programa Bolsa Família, este Juízo afasta a aplicação do Decreto nº 12.534/2025 por inconstitucionalidade incidental, mantendo a exclusão desses valores do cálculo da renda familiar per capita, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade humana, vedação ao retrocesso social e proteção integral às pessoas em situação de vulnerabilidade.”, concluiu o magistrado.
Assessoria de Comunicação Social do TRF3
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