Para magistrados, segregação compulsória é considerada violação de direitos fundamentais
Duas decisões judiciais reconheceram o direito de reparação por danos morais a dois filhos que foram separados compulsoriamente de seus pais acometidos de hanseníase na década de 60. As indenizações, nos valores de R$ 50 mil e R$ 100 mil, respectivamente, foram julgadas procedentes pela 2ª Vara Federal de Mogi das Cruzes e 1ª Vara Federal de Osasco/SP.
Numa das ações, a autora alegou que foi levada para longe da mãe permanecendo por longos anos sem o convívio de sua genitora, sobretudo os da infância, não tendo recuperado o tempo perdido, tampouco a boa convivência no futuro. Narrou que foi levada para casas de diversas famílias, permanecendo totalmente desconhecida dos demais irmãos e parentes.
Na outra ação, o autor relatou ter sido separado de seus pais quando tinha oito anos de idade, sendo criado em instituições públicas, colônias destinadas ao isolamento dos familiares dos portadores de hanseníase, onde sofreu maus-tratos e privações.
Em ambos os casos, os autores justificaram que tais práticas, ilegais e discriminatórias, foram autorizadas pelo Decreto nº 5.156/1904 e Lei 610/1949, constituindo o “maior episódio de alienação parental da história do país”. Além disso, a Lei Federal nº 11.520/2007 que dispôs sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase e submetidas ao isolamento compulsório não previu a extensão aos filhos, justificando as reparações pleiteadas.
A União alegou prescrição quinquenal, nos termos do Decreto nº 20.910/32 e defendeu a improcedência dos pedidos, alegando que o isolamento dos doentes passou a ser embasado na comprovação científica do contágio e a sociedade, em nome da ciência e da saúde pública, aceitou essa prática. Sustentou, ainda, a ausência de ato ilícito, uma vez que quando se trata da segurança sanitária de toda a coletividade, muitas vezes o Estado é chamado a agir de modo mais proativo, mas sempre com base na lei. Por fim, alegou a ausência de comprovação dos danos morais.
“A prescrição deve ser afastada, uma vez que não é cabível a aplicação do prazo quinquenal de que trata o art. 1.º do Decreto nº 20.910/32, muito menos a prescrição do fundo de direito. A imposição do Decreto nº 20.910/1932 se aplica para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal”, afirmou a juíza Maria Rubia Andrade Matos, da 2ª Vara Federal de Mogi das Cruzes/SP, em sua decisão.
A magistrada ressaltou decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do tema da imprescritibilidade das ações de indenização por danos morais decorrentes de violação a direitos fundamentais que, via de regra, têm como pano de fundo a tortura praticada na época da ditadura militar no Brasil. “Tal particularidade jurisprudencial, no entanto, não afasta a extensão do entendimento da imprescritibilidade às demais violações de direitos fundamentais. O fato, portanto, de a autora alegar ter sofrido violações à dignidade quando criança sob a dimensão social não impede que hoje, adulta, busque a reparação por tais violações cujos efeitos ainda se projetam influenciando tanto na sua dimensão física quanto moral e psíquica”.
Nessa mesma linha, o juiz federal Rodiner Roncada, da 1ª Vara Federal de Osasco/SP, afirmou que há entendimento pacificado pelo STJ no sentido de que, tratando-se de ofensa a direitos fundamentais, as ações pleiteando indenização não observam a regra do prazo prescricional de cinco anos. Sobre as ações de indenizações decorrentes de danos causados pelo regime militar, afirma que “a imprescritibilidade não se restringe à hipótese, sendo passível de aplicação às lesões oriundas de violações a direitos fundamentais”.
Ao julgar o pedido de indenização, o magistrado entendeu que a proteção está garantida no art. 5º da Constituição Federal. “Trata-se de dano que resulta da angústia e do abalo psicológico, importando em lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima [...]. Não se pode olvidar que, enquanto a reparação econômica pretende repor o patrimônio material da vítima, a indenização por danos morais busca a recomposição emocional da maneira possível”.
Rodiner Roncada concluiu que, no caso analisado, os documentos comprovaram que, durante muitos anos, o autor esteve internado em local diverso do qual estavam recolhidos seus irmãos, sendo privado do contato familiar. “A despeito do que defende a ré (União), o fato da política pública em questão ter sido autorizada à época pela lei não exclui o dever de indenizar do Estado, na medida em que praticou ato violador dos direitos de personalidade, ainda que aparentemente lícito”. Por fim, com base no princípio da razoabilidade, o juiz fixou em R$ 100 mil a indenização pelo dano moral.
Por sua vez, Maria Rubia Andrade Matos afirmou que o dever de indenizar o lesado está previsto no artigo 927, do Código Civil. “Os requisitos básicos da responsabilidade civil são a ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo causal e dano”. Quanto à responsabilidade civil da União, a juíza ressaltou o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. “A privação do convívio social, seja pela internação compulsória, seja por outra forma de isolamento, fere o direito subjetivo fundamental ao convívio familiar, a uma vida digna e às relações familiares alicerçadas pela observância do princípio da dignidade da pessoa humana, como preceitua o art. 226 da Constituição Federal”.
A juíza concluiu que há, efetivamente, dano moral a ser indenizado, sendo absolutamente dispensável a sua demonstração, pois, a simples comprovação da ocorrência do evento danoso pressupõe a efetiva incidência do dano. “Considerando as particularidades do caso concreto [...] entendo adequada a fixação do valor de R$ 50 mil a título de danos morais”. (RAN)
Assessoria de Comunicação Social do TRF3
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