A professora americana Toni Fine abordou o declínio de influência das decisões da Suprema Corte Americana no mundo e a influência internacional de tribunais de outros países
O amadurecimento das Constituições de outros países e a expansão da democracia; as ações do governo Bush que levaram a uma queda na reputação dos Estados Unidos mundialmente; a posição do país em relação ao Direito Internacional e a recusa de membros da Suprema Corte americana em considerar normas jurídicas estabelecidas por tribunais constitucionais de outros países são fatores que explicam o declínio da influência das decisões da Suprema Corte americana nos demais tribunais do mundo para a professora americana Toni Fine, diretora assistente de programas internacionais e de Pós-graduação da Faculdade de Direito de Fordham, em Nova York.
Ela falou sobre o tema na manhã desta sexta-feira, 03/10, no TRF3, em evento promovido pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, no qual ministrou a palestra “A Suprema Corte dos Estados Unidos: declínio na influência internacional?” para magistrados e servidores da Justiça Federal e para alunos do curso de Direito.
Toni Fine, que dirigiu programas de Direito Global e de pós-graduação em jurisprudência comparada na Faculdade de Direito da New York University, parabenizou o Brasil pelo vigésimo aniversário da Constituição Federal. “É um importante momento para o mundo como o todo; o Brasil é um país muito importante na economia global. É fantástico ter uma democracia tão grande e que tenha alcançado este grande marco”.
Ela começou a palestra explicando que, tradicionalmente, muitos tribunais de vários países do mundo adotavam as decisões tomadas pela Suprema Corte americana ao examinar questões constitucionais em seus países. “Nos Estados Unidos não temos produtos de exportação como sapatos e vinhos, mas um dos nossos produtos de exportação, de acordo com especialistas, tem sido o Direito Constitucional”. Entretanto, ressaltou que o Direito Constitucional americano, que orientou e guiou cortes constitucionais por um longo período, está perdendo o poder de influência.
Para exemplificar o declínio do prestígio da Suprema Corte nos tribunais internacionais apresentou um artigo do jornal New York Times que reporta estatísticas que comprovam a queda. Segundo o periódico, a Suprema Corte do Canadá entre 1990 e 2002 citou a suprema corte dos Estados Unidos 12 vezes por ano em média. Já entre 2002 e 2008, as citações foram feitas apenas seis vezes por ano, ou seja, houve um declínio de 50%. Na Austrália, em 1995, os tribunais estaduais fizeram 208 citações. Dez anos depois, em 2005, o número de citações se reduziu a um terço: apenas 72 decisões citaram a Suprema Corte americana.
Para a conferencista, o resultado desta pesquisa reflete tendências semelhantes no mundo inteiro. “Em países onde a Suprema Corte antes era exemplo na aplicação do Direito Constitucional, o modelo novo tem sido o Tribunal de Direitos Humanos Europeu e a Suprema Corte do Canadá. São esses os tribunais que estão sendo mais citados por tribunais constitucionais no mundo inteiro”.
O que explica o declínio da influência da Suprema Corte?
A professora americana acredita que a resposta para esta pergunta é uma combinação de vários fatores. O primeiro seria o amadurecimento das constituições dos outros países. “Os EUA sempre tiveram o costume de ser o único tribunal para o qual outros países olhavam depois da Segunda Guerra Mundial. Simplesmente porque éramos uma democracia muito estável, com uma constituição bastante antiga”, explicou. Toni Fine acrescentou que, atualmente, isso não acontece mais, destacando que há várias democracias que estão com Constituições mais maduras e com jurisprudência bem estabelecida em diversos aspectos do Direito Constitucional. “Hoje, não somos o único tribunal, há várias fontes. Um juiz no Brasil, na Austrália ou no Canadá pode olhar para várias decisões de diversos tribunais ao buscar interpretações do Direito Constitucional”.
As ações do governo atual que levaram a uma queda na reputação dos Estados Unidos mundialmente foram apontadas pela especialista como o segundo fator. “Basicamente, todo mundo nos detesta agora. Isso pode ser uma razão pela qual há menos inclinação a olhar as decisões da Suprema Corte”. Para Fine, isso vai além de apenas ter uma imagem negativa dos americanos. “Não somos mais um grande modelo de liberdade e democracia, não há mais essa percepção em relação aos EUA como tínhamos antigamente, 50, 60 anos atrás”.
Para ela, uma terceira razão pode ser a posição do país em relação ao Direito Internacional. Citou exemplos em que a posição dos EUA não tem sido de acordo com as normas internacionais, entre elas a questão da pena de morte, a Convenção de Viena e Protocolo de Kyoto.
Sobre a Convenção de Viena, da qual Brasil e EUA são signatários, afirmou que entre os direitos assegurados está o de que qualquer pessoa, quando fora de seu país, poder contatar a autoridade consular para receber assistência em caso de prisão. “Nos EUA temos essa obrigação também; qualquer estrangeiro deve ser informado deste direito de consultar o seu consulado, mas em muitos casos isso não tem acontecido. E em muitos deles pessoas que não tiveram esse direito garantido foram condenadas à morte, porque temos a pena de morte em vários estados”.
O fato dos EUA não ter se juntado ao Tribunal Criminal Internacional e do governo Bush desrespeitar diversas normas internacionais na guerra contra o terrorismo são fatores que também contribuem na queda de prestígio do órgão segundo Toni Fine.
Por último, destaca a recusa de membros da Suprema Corte em considerar normas jurídicas estabelecidas por tribunais constitucionais em outros países. Para exemplificar, a palestrante citou casos polêmicos, nos quais tribunais americanos atuaram. Primeiro, ao condenar à pena de morte uma pessoa que era mentalmente retardada; em seguida, falou sobre a constitucionalidade de uma lei do Texas que criminalizava relações adultas privadas entre pessoas do mesmo sexo; e por último, mencionou a condenação de delinqüentes juvenis que haviam praticado crimes antes dos 18 anos.
“Depois destas três decisões, houve um grande debate nos EUA envolvendo eruditos, juízes, o Congresso, a mídia e todos envolvidos nesta discussão”, explicou a palestrante.
No final, a professora americana afirmou que a Suprema Corte americana está realmente num período de declínio da sua influência e indagou: será que essa influência vai voltar a ser exercida quando a liderança americana no mundo for restaurada, quando conseguirmos restabelecer a confiança da comunidade internacional?
A palestra aconteceu no auditório do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em São Paulo e contou com a presença dos desembargadores federais Newton De Lucca, diretor da EMAG da 3ª Região, e André Nekatschalow e da desembargadora Maria Cristina Zucchi, do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Fotos: João Fábio Kairuz |
1 - Mesa da palestra “A Suprema Corte dos Estados Unidos: declínio na influência internacional?”. Da esquerda para a direita: desembargadores federais André Nekatschalow e Newton De Lucca; a palestrante, Toni Fine e a desembargadora estadual Maria Cristina Zucchi. 2 - Toni Fine e Maria Cristina Zucchi. |
Wellington Campos
Assessoria de Comunicação
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