Magistrados concluíram que não há índice aceitável ao consumo humano, além da radiação natural de cada alimento
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão da 26ª Vara Federal em São Paulo que proibiu a importação, venda, comercialização ou disponibilização de leite ou qualquer outro produto dele derivado e importado que contenha qualquer indício de contaminação radioativa, além do natural.
A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal em 1986, logo após o acidente com a usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. Na ocasião, o Brasil passava por uma crise de abastecimento com o Plano Cruzado e, em decorrência da carência de leite para consumo da população, o país decidiu importá-lo de diversas nações.
Na ocasião, a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) publicou um edital de concorrência pública no qual previa que os bens provenientes do Mercado Comum Europeu deveriam estar acompanhados de atestado que garantisse a inexistência de índice de contaminação radioativa e que, nos portos de destino, a descarga do navio poderia ser vetada.
Porém, laudos do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) e de outras instituições apontaram que grande parte do carregamento de leite em pó proveniente do continente europeu, após o acidente nuclear, apresentava índices de contaminação radioativa. Assim, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) editou a Resolução 7/86, de 10 de setembro de 1986, que fixou limites de radiação, com vigência até 28 de fevereiro de 1987, de 3.700 Bq/kg para Césio-134 mais Césio-137, para o leite em pó, sendo que para os demais produtos o índice era de 600 Bq/kg.
A sentença de primeiro grau, ao determinar a proibição, ponderou que os índices fixados por ocasião do acidente nuclear para os países europeus levaram em consideração as necessidades locais e o interesse em não perder todo o produto existente e que os critérios utilizados para a Europa não podem valer para o Brasil, país distante do local do acidente.
Ponderou ainda que os direitos à vida, à integridade física e à saúde têm assento constitucional, razão pela qual, para protegê-los, não há segurança quanto aos efeitos do consumo do leite e derivados contaminados pelos elementos Césio 134 e Césio 137. Portanto, não pode o produto ser oferecido para a população nem a título gratuito e, menos ainda, sem que ela seja informada a respeito do que está consumindo e dos riscos a que está sujeita.
No TRF3, o desembargador federal André Nabarrete salientou que o pedido final, que já tinha relevância à época, adquiriu maior importância ao longo do tempo, independentemente do evento histórico motivador da propositura da ação. Ele afirmou que, se não fosse a ação do Ministério Público e a jurisdição prestada com rapidez na concessão de liminar, o que foi importado seria consumido com consequências que a CNEN não se preocupou em impedir ou que poderia evitar com uma atitude mais responsável.
Após consulta a diversas instituições, o magistrado concluiu que não há estudos dos efeitos a longo prazo dos contaminantes radioativos, nem tampouco de curto prazo, não obstante, quanto ao último aspecto, as experiências de Hiroshima, Nagazaki (Japão) e Three Mile Island (EUA).
“Assim, por envolver a população brasileira como um todo, afigura-se inconsequente que, sem pesquisas de campo específicas, que demandam tempo e dinheiro, se adote qualquer tipo de índice, já que não se duvida do risco envolvido na ingestão de alimentos contaminados artificialmente”, declarou.
Consequentemente, o magistrado afirmou não ser razoável trazer produto que contenha qualquer índice de radiação artificial e correr qualquer tipo de risco à saúde da população que somente se verificará no futuro. “Sem estudos consistentes não é possível afirmar, como fizeram alguns, que não há nocividade ou que qualquer leite tem algum grau de radiação artificial”, declarou.
Assim, diante da incerteza dos reais efeitos para o futuro que elementos radioativos, “que muitas vezes têm meia-vida extremamente longa”, o desembargador citou o filósofo Hans Jonas sobre a responsabilidade dos seres humanos e, em especial, dos políticos ou políticas públicas de longo prazo em relação ao futuro.
"Portanto, para nós, contemporâneos, em decorrência do direito daqueles que virão e cuja existência podemos desde já antecipar, existe um dever como agentes causais, graças ao qual nós assumimos para com eles a responsabilidade por nossos atos cujas dimensões impliquem repercussões de longo prazo", concluiu.
Apelação Cível 0937212-35.1986.4.03.6100/SP
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Assessoria de Comunicação Social do TRF3
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