Velocidade e rigor nos julgamentos são a marca da jurisdição americana, reconhece Thomas Russell, magistrado federal nos EUA
Em evento aberto pela presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, desembargadora federal Marli Ferreira, e promovido pela Escola de Magistrados (Emag), dirigida pelo desembargador federal Newton De Lucca, o juiz federal americano Thomas Russell falou a uma platéia de aproximadamente 150 pessoas presentes ao auditório do TRF3, em São Paulo, sobre os caminhos legais para a recuperação de ativos financeiros oriundos da prática de crime nos Estados Unidos.
Com tradução simultânea, a palestra também foi transmitida por videoconferência para todas as seções judiciárias de São Paulo e Mato Grosso do Sul que dispõem do equipamento. A realização do evento teve também o apoio do Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo, na pessoa do adido cultural Marcos Hirata, que organizou todo o programa cumprido pelo juiz Russell no Brasil.
Compuseram a mesa de abertura a coordenadora dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região, desembargadora federal Marisa Santos, e a desembargadora Maria Cristina Zucchi, representando o Tribunal de Justiça de São Paulo. Na platéia, registraram-se as presenças dos desembargadores federais Sérgio Nascimento e Fábio Prieto, do TRF3, e dos juízes federais Fausto Martin de Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal, que lida com este tipo de delito, além de Leila Paiva e Paulo Sérgio Domingues, convocados em auxílio à Presidência do Tribunal, dentre outros magistrados e servidores federais.
“Lavagem de dinheiro, corrupção, suborno, desfalque, roubo, drogas, assassinato, extorsão, obscenidade e pornografia infantil são alguns dos crimes passíveis de punição com o confisco do dinheiro oriundo da atividade ilícita praticada pelos réus”, explicou Thomas Russell, juiz federal atuante no estado do Kentucky, sul dos Estados Unidos, desde 1994.
Ele assinalou que existem, basicamente, três formas de confisco permitidas no país:
- confisco administrativo: por meio de um processo em que há acordo entre as partes, quando o caso não chega a juízo
- confisco civil: ação movida somente contra o patrimônio do réu
- confisco criminal: ação contra a pessoa do réu.
No confisco civil, o governo entra com uma ação contra o patrimônio do réu e, de acordo com o sistema de preponderância de provas, que mede a probabilidade de os bens serem oriundos de crime, se o percentual alcançar 51%, as propriedades estarão sujeitas a confisco. Este tipo de tomada de bens não depende de ação criminal. Pode ocorrer antes do indiciamento, ou mesmo que não haja indiciamento algum. Neste processo, é realizada uma audiência. Nos Estados Unidos, a maior parte das ações civis e criminais são decididas em um júri. O prazo de duração é, em média, de um ano e meio. Em casos excepcionais, podem chegar a três ou cinco anos.
O confisco criminal faz parte de uma ação penal na qual o juiz pode exigir, por exemplo, que o réu pague uma quantia em dinheiro como pena. No caso de a propriedade de bens por parte do acusado ter sido dissipada e não puder ser recuperada, o magistrado pode impor uma indenização que deve ser paga ao poder público. Se o réu for dono de um único bem, este também poderá ser confiscado. Se houver terceiros interessados nos bens, eles são excluídos da participação em uma ação criminal. Pelo sistema legal americano, é uma violação aos direitos pessoais confiscar propriedade que não seja do réu.
O juiz Russell revelou que, em seu país, 90% das ações penais terminam em acordo. Isso, no seu entender, talvez seja o motivo pelo qual o Brasil tem um número superior de processos deste tipo em andamento do que os Estados Unidos. Aqui, demora-se muito mais julgar do que entrar em acordo.
Rapidez processual
Russell diz que nos EUA existe o que aqui se chama de rito sumário, o que permite que alguns processos não levem mais de dois meses para terminar. Ressalta, no enanto, que existem muitas exceções. Há uma lei que estabelece a pena mínima para os réus que forem levados a juízo pela primeira vez. Os casos que se encerram rapidamente são aqueles em que os réus imediatamente se declaram culpados em troca de penas menores. Geralmente se tenta fazer um acordo para terminar o caso no menor prazo possível. Se também estiverem sendo processados por outros delitos, a tendência é de que os acusados queiram cooperar para ficarem menos tempo na cadeia. É a delação premiada, não muito usada no Brasil.
Os tipos de propriedades confiscáveis nos Estados Unidos, de uma maneira geral, são aquelas ligadas ao crime, como resultado da prática das atividades ilícitas. Não importa se os réus tiveram algum tipo de custo para administrar seus bens oriundos do crime. Se, por exemplo, o réu investir em ações e elas perderem o valor, eles perdem dinheiro, mas, mesmo assim, são obrigados a devolver ao estado absolutamente tudo. Não se faz um desconto pelas perdas em seus investimentos.
Ajuda recíproca
Sobre os tratados de cooperação jurídica mútua, Russell se manifestou explicando que, nos Estados Unidos, o Congresso aprovou leis que enfatizam a colaboração na recuperação de ativos em países estrangeiros. Há leis que propiciam colaboração entre países: se um outro país notifica os EUA de que há bens passíveis de confisco que estão em situação que viola uma lei da nação de origem, poderá ter o mesmo status em território norte-americano, o que facilita a subtração legal.
Embora leve mais tempo, existem também procedimentos para investigação e rastreamento de valores que saíram do Brasil e foram parar em bancos americanos. Muitas pessoas fazem depósitos do mundo inteiro e o rastreamento é uma missão árdua. Os Estados Unidos têm leis nesse sentido e espera que outros países adotem procedimentos semelhantes em suas respectivas legislações. Diversos tratados de compartilhamento de informações foram ratificados pelo governo americano e o Brasil faz parte dos de maior relevância, como a Convenção Interamericana de Cartas Rogatórias e Protocolo Adicional e a Convenção da ONU contra a Corrupção.
Por fim, Russell respondeu a perguntas da imprensa. Indagado se, em sua opinião, a lei brasileira é adequada para punir lavagem de dinheiro e corrupção, o juiz não se aprofundou no tema sob a alegação de não conhecer o sistema tão de perto, mas enfatizou que o sistema federal americano é muito diferente. “No Brasil, funciona bem a proteção dos direitos individuais e o julgamento justo, assim como nos EUA. Os processos se distinguem em tramitação e tempo de duração, mas tanto aqui como lá os juízes possuem um espírito público muito forte”, argumentou.
O juiz americano acredita fortemente que o mecanismo da delação premiada é a melhor maneira para conseguir a colaboração dos réus e resolver rapidamente os casos. “A diferença entre os sistema americano e o brasileiro”, aponta, “é que as penas não são tão pesadas quanto as americanas. Lá, os juízes americanos aplicam penas muito longas e não há muito o que negociar.”
Andrea Moraes
Assessoria de Comunicação
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