Encerramento do evento contou com a mediação da jornalista Flávia Oliveira e show de Larissa Luz com participação de Elza Soares
Na semana de lançamento da Plataforma LIS– Lei de Importunação Sexual, iniciativa do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) em parceria com a Organização Não-Governamental Think Olga, a Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região (EMAG) promoveu, com apoio Comissão Ajufe Mulheres, uma série de debates sobre as mudanças trazidas pela Lei nº 13.718/18. O objetivo foi ampliar a visibilidade da legislação que incluiu a importunação sexualcomo crime ecompletou dois anos nodia 24/09.
O último encontro ocorreu na plataforma #CulturaEmCasa, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, com a presença da coordenadora da Comissão de Equidade de Gênero do TRF3, desembargadora federal Therezinha Cazerta; da promotora Silvia Chakian; e dapresidente da Comissão Mulher Advogada, da OAB-SP, Claudia Luna. O debate em torno do filme Chega de FiuFiu teve mediação da jornalista Flávia Oliveira. Ao final, houve um show da cantora Larissa Luz, com participação em vídeo de Elza Soares.
No debate, a gerente de inovação da Think Olga, Amanda Kamanchek, exaltoua parceria com o TRF3, cujo resultado foi o lançamento da Página LIS. A plataforma traz informações sobre o crime, estatísticas de violência contra a mulher e canais de denúncia. “Nossa expectativa é o aumento de denúncias e investigações com perspectiva de gênero, raça e classe, além da mudança de comportamento da população e, por fim, transformações perenes e duradouras de cultura”, explicou.
Os encontros foram transmitidos ao vivo e estão disponíveis na página da Emag no YouTube e no #CulturaEmCasa. A cerimônia de lançamento da plataforma contou com a presença do presidente do TRF3, desembargador federal Mairan Maia. Confira abaixo alguns trechos dos demais encontros.
Mulher honesta
No dia 22/9, a juíza federal Renata Andrade Lotufo apontou as mudanças que aconteceram na sociedade brasileira até a publicação da Lei de Importunação Sexual. A mesa foi presidida pela defensora pública Nálida Monte e também contou com a participação da advogada e presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-BA, Dandara Pinho, e da advogada e professora da New School de Nova Iorque Mayra Cotta.
Caso do ônibus
A magistrada relembrou um caso ocorrido em 2017 que foi destaque na imprensa e levantou debates na sociedade civil: um homem, em São Paulo, ejaculou no pescoço de uma passageira que estava dormindo dentro de um ônibus.
Para a juíza, o que ficou demonstrado, na ocasião, foi a lacuna jurídica para o tipo penal. Ela explicou que não seria caso de estupro, com a aplicação do artigo 213 do Código Penal, mas também não se sabia se o correto seria a aplicação do artigo 215, que tipifica violação sexual mediante fraude, ou da conduta prevista no artigo 61 da lei de contravenção penal, posteriormente revogada pela LIS.
De acordo com Renata Andrade Lotufo, o grande avanço trazido pela LIS foi deixar claro o que é a importunação sexual, que prevê a pena de reclusão de um a cinco anos. “A importunação é o avanço na esfera de intimidade de outra pessoa, sem consentimento. É a ‘encoxada’, a passada de mão, a exibição dos órgãos genitais. Diferencia-se do assédio, que é praticado no ambiente de trabalho, e da injúria, que é a manifestação verbal e ofensiva (artigo 140)”.
Caso do avião
No dia 23/9, em uma mesa presidida pela juíza de direito Fernanda Menna, a juíza federal Raecler Baldresca trouxe ao debate outro caso, julgado por ela, e abordou os diferenciais que permitiram a condenação do agressor. Em 2015, um famoso preparador físico importunou uma passageira em um avião, com palavras e toques indesejados.
“Ao final da viagem, a passageira correu aos comissários do voo, que tinham treinamento para lidar com esse tipo de situação e acolheram a moça. Ao descer do avião, ela foi recebida por uma funcionária da companhia aérea, que a incentivou a fazer a notícia do crime à Polícia Federal. A vítima ainda contou com o testemunho de outros passageiros, que presenciaram o fato”, relatou.
O Ministério Público Federal denunciou o homem com base no artigo 215 do Código Penal. Segundo a magistrada, o pedido de prisão preventiva do agressor ocorreu após ele ter repetido a conduta, ao agredir uma jornalista depois de uma entrevista para um programa de rádio. “Ele agarrou a jornalista e se esfregou nela, falando palavras ofensivas, em frente a outros dois jornalistas conhecidos, e ninguém fez nada”, explicou. “Esse episódio demonstra a forma como a sociedade age, como se fosse um fato desagradável, e não um fato criminoso”.
Uma das organizadoras do evento, a juíza federal apontou razões pelas quais esse crime é comumente praticado no transporte público: a surpresa, o fato da mulher se imaginar segura, o confinamento, a dificuldade de desviar. No entanto, as provas são fartas. “Os fatos acontecem na frente de outras pessoas, há testemunhas, funcionários, não é difícil obter provas. O desafio é a sociedade atuar para que haja um resultado positivo ou não”, explicou.
Jurisprudência
No mesmo dia, 23/09, a juíza federal Louise Vilela Leite Filgueiras rertratou da dificuldade na interpretação de conceitos morais, como ocorre com o ato libidinoso. “Um beijo roubado, uma passada de mão, uma cantada. Existe muito debate e pouca jurisprudência”, explicou.
Sobre a discussão acerca da indenização à vítima, ela falou da divergência existente no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo a magistrada, alguns ministros negam a indenização por entenderem que o assédio é caso fortuito, sem relação com o risco da atividade de transporte. Outros já vêm concedendo indenização, a partir de um voto da ministra Nancy Andrighi. Ela reconheceu o nexo causal entre a importunação sexual e a atividade de transporte, que propicia momentos para que as mulheres sejam vítimas.
Corpo da mulher negra
A defensora pública Isadora Brandão Araújo da Silva tratou do feminismo negro e da perspectiva racial. Ela abordou a legislação referente ao estupro que reforçava a noção de castidade das mulheres brancas e a proteção dos costumes.
De acordo com a defensora, estamos permeados por uma cultura que apresenta as mulheres negras como pessoas não dignas de tutela, quando se referem a seus direitos sexuais. “Ainda temos uma perspectiva ideológica hegemônica, que romanceia o estupro sistemático praticado contra mulheres negras e indígenas, que contribui para anistiar o colonizador branco e para reforçar a ideia de hipersexualização e erotização das mulheres negras”, afirmou.
Ela defendeu, ainda, maior diversidade no judiciário. “Sabemos que a composição é majoritariamente masculina, heterossexual, com participação praticamente nula de certos grupos, como a população trans”, declarou.
Direito de ir e vir
No dia 24/9, na mesa presidida pela representante do Grupo Interinstitucional de Gênero do Paraná, juíza federal Sayonara Mattos, estavam a juíza federal Natália Luchini, da Comissão Ajufe Mulheres; a gerente de inovação da Think Olga, Amanda Kamanchek; e a pesquisadora e transfeminista Victória Dandara, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP).
Segundo Kamanchek, a importunação sexual afeta o modo com que as mulheres se locomovem nas cidades e limita o direito de ir e vir. “Era um tema invisível, não dito, desacreditado, tínhamos que encarar como um elogio”, conta. Para a jornalista, a pauta ganhou força principalmente com campanhas mundiais como #meuprimeiroassedio e #metoo.
Interseccionalidade
Em sua participação, a pesquisadora Victoria Dandara apontou a necessidade de sensibilização de agentes públicos para evitar atitudes discriminatórias no atendimento da população: “essas instituições são mais ou menos receptivas de acordo com o recorte de raça e classe da vítima. O antirracismo é uma pauta central”.
Sem esse trabalho, explicou, não é possível combater os crimes. “Como uma mãe de periferia vai a uma delegacia se para ela a polícia é sinônimo de violência?”, questionou. Ela relatou os assédios e ataques vividos no dia a dia e a dificuldade de denunciar agressores. “O corpo da mulher trans é tido como público, elas estão mais suscetíveis a serem abusadas e violentadas. As delegacias da mulher passaram a atender mulheres trans apenas a partir deste ano”, explicou.
Chega de FiuFiu
No dia 25/9, os debates da plataforma #CulturaEmCasa giraram em torno do filme “Chega de FiuFiu”. Amanda Kamanchek, diretora do longa, falou da experiência das filmagens, que duraram quatro anos. “Toda vez que revejo o filme, eu começo a suar frio.Por mais que a gente fale e estude a violência sexual, é muito difícil criar a resiliência necessária para não se sentir mal”, desabafou.
A desembargadora Therezinha Cazerta destacou o projeto Justiça Gênero e Arte, desenvolvido pelo TRF3, que debateu o filme com as colaboradoras terceirizadas. “Desde então, surgiu a necessidade de divulgar mais a lei. Fizemos um laboratório com o ThinkOlga e elaboramos a cartilha, para ficar hospedada no site do tribunal, a página LIS. É oJudiciário saindo da toca ou da toga e se convertendo em agente fomentador da paz”, afirmou.
A advogada Claudia Luna falou sobre o acolhimento da vítima. “É sempre importante lembrarmos que a situação de violência vem de um contexto histórico. Temos que acolher a vítima de modo que ela entenda de onde vem a violência, que ela não é culpada”.
A promotora Silvia Chakian também abordou o sentimento de culpa que a vítima carrega: “O acolhimento deve ser abrangente, desde o primeiro contato no transporte público, de outros passageiros, do motorista, até a outra ponta, na atuação dos promotores, dos juízes”. Ela explicou que nem todas as mulheres terão condições de prestar relatos detalhados do que aconteceu, devido aos traumas. “Não devemos jamais julgar o comportamento da mulher, dizer que faríamos diferentes. Devemos nos afastar dos julgamentos morais”, ponderou.
Therezinha Cazerta refletiu sobre o comportamento do magistrado em relação ao acolhimento e a reparação. “Primeiro o juiz deve ter informações”, afirmou. Ela aconselhou os juízes, especialmente os homens, a acessarem a página LIS, para entenderem as estatísticas e a realidade das mulheres.A coordenadora da Comissão de Equidade de Gênero do TRF3 também falou da responsabilidade de todos: “Denunciem, tomem as providencias, chamem a polícia, ajudem, acolham, sejam testemunhas. É importante que todos nós façamos cada um a sua parte”, declarou.
Assessoria de Comunicação Social do TRF3

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